Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 113: Os Protetores de Rodes

O sol raiava no horizonte que apontava ao grande continente.

A lufada, ainda fria, situava-se enfática no ponto mais alto do pedaço de terra circundado pelo Egeu.

Acompanhada dos ruídos solitários causados pelas ondas calmas, fazia lisos fios roxos-escuros dançarem no espaço.

Quando as vistas abandonaram a oclusão, os raios luminosos dos primórdios atravessaram os quilômetros de distância num rápido piscar.

As pupilas automaticamente se retraíram, o que a obrigou a levar uma das mãos à altura da testa.

Contemplou o amanhecer por bom tempo, porém nenhuma reação chegou a esboçar.

Os globos que se acostumavam à nova luz mantiveram-se semicerrados, os lábios violáceos contraídos em serena seriedade.

Logo após habituar os órgãos oculares, deixou de criar sombra sobre eles.

Mediante o breve lamento expelido entre os beiços úmidos, deu meia volta e contemplou a grande cidade na extensão seguinte.

— Nuaaaah!! — Uma voz infantil gradativamente viajou a seus ouvidos, conforme a presença em questão também se aproximava. — Booom diaaa!!

A garota de liláceas tranças giratórias alcançou o topo da grande estátua, numa aterrissagem triunfal.

Os braços abertos, uma das pernas flexionadas sem tatear o plano e o sorriso de orelha a orelha representavam sua euforia em perfeita plenitude.

O semblante da maior não mudou.

As esferas púrpuras mantiveram-se fixadas nos mínimos movimentos da recém-chegada, que em seguida ajeitou a postura e cruzou os braços detrás do torso.

— Parece animada hoje — mussitou em resposta.

— Nuah! Os amanheceres são tão instigantes! Não consigo me aguentar! — Avançou em leves saltos até tomar a frente na posição. — E nessa época do ano ficam especialmente lindos!

— Verdade... — Selene ofereceu uma última olhadela à paisagem alumiada. — Então, conto com você, Eos.

— Tudo bem! Bom descanso, maninha!

Ao receber o aceno eufórico da menor, a apóstola não pestanejou em saltar do topo do colosso.

Utilizou, com delicadeza, os nivelamentos do dorso da enorme construção entalhada em bronze para, então, alcançar a terra em menos de meio minuto.

Eos ainda acompanhou a sequência graciosa da irmã mais velha, até seu consequente desaparecimento através das Passagens Espectrais.

Passada a comoção, girou sobre os tornozelos e voltou a se adiantar à beirada da cabeça do colosso.

Sentou-se com as pernas a sobrarem no ar, balançando para frente e para trás em turnos distintos.

Com as mãos repousadas na extensão de bronze, respirou o mais fundo que pôde.

Pouco a pouco, a estrela da vida cresceu sobre a extensão celeste, enfim colorindo-a no mais puro anil.

Ficar naquela disposição, no entanto, tinha lá suas controvérsias.

— Nuah... que tédio — bufou solitária, deixando o sorriso animado esvanecer.

Selene, por outro lado, respirava tranquila após se livrar de sua parte na incumbência de vigiar e proteger a entrada da ilha.

Conforme caminhava a passos curtos pelos túneis espectrais, observava o início dos trabalhos dos mortais cidade abaixo.

Mais um dia em que tudo parecia reinar nos conformes.

Deu procedência, sem delongas, à região florestal de densa vegetação na qual o caminho especial terminava.

Os pássaros cantavam alto. Era uma caminhada prazerosa, no fim das contas.

Bem no meão dessa, encontrava-se o grande templo daquelas nove deusas. Era assim que sempre pensava nelas.

Era costume da mulher interromper o avanço na decorrência de alguns segundos, a fim de observar o exterior da imponente edificação.

Já podia experimentar algumas influências bem fracas irradiarem de dentro.

O local remoto era perfeito para que pudessem passar despercebidas, tanto no que concernia aos mortais rodeanos quanto aos magnânimos superiores de Hélade.

Lograva de certa curiosidade quanto às ocorrências em seu interior, porém optou por dar procedência ao retorno.

Ultrapassou a extensa construção em pouco tempo.

O resto da trilha foi atravessado num intervalo ainda mais rápido, levando-a até outro templo.

Encarou a estrutura condenada pelo tempo, aos pedaços.

A despeito das aparências, adentrou a região desprovida de bloqueios. Os passos leves ecoavam contra o silêncio no meio da fraca escuridão.

Defronte a entrada definitiva, moveu um grande bloco de mármore com apenas a mão destra.

Seguiu para uma escadaria direcionada ao subterrâneo. Por fim, puxou a alça de metal escondida na outra face do bloco e continuou abaixo.

Concluída a descida, prontamente encontrou a iluminação do espaço profundo.

As tochas acalentavam o local escondido em contrapartida.

Sem perder tempo, dirigiu-se a um pequeno cômodo à esquerda do acesso, onde encontrou o homem de fios flamejantes sentado no encosto da parede.

Com a perna esquerda flexionada, apoiava o braço esticado sobre o joelho.

Os olhos fechados com placidez mascaravam seu estado de vigília, esse prontamente percebido pela purpúrea.

Em virtude disso, ela não o poupou; apanhou livros de uma bolsa de linho apoiada no quadril e largou-os na cabeça dele.

Graças à dor, despertou do bom sono com um resmungo.

As vistas alaranjadas encararam os exemplares derrubados no chão.

A seguir, levantou o rosto modorrento e encontrou a presença da superior, que o fitava por um semblante soturno.

— Aí estão seus livros — disse em seguida.

— Precisava disso?...

Ele pegou um dos volumes de capa dura, enquanto passava a outra mão na cabeça, acima da testa.

— É bom que já começa a se preparar para seu turno à tarde — resmungou ao se corrupiar e sair do quarto.

— Obrigado por isso...

Hélios, após esfregar a palma na área atingida, passeou com ela sobre os ondulados fios que passavam pela nuca.

Parecia uma grande onda de fogo, graças à tonalidade vermelho-alaranjado.

— De nada.

Selene regressou à câmara principal só em prol de se dirigir a outro quarto, logo ao lado.

Largou a bolsa vazia sobre uma tábua de madeira destruída, levou as mãos ao longo cabelo e o amarrou num rabo de cavalo.

Sentou-se no chão, as pernas dobradas à esquerda abaixo.

Encostada na parede, semelhante à cena na qual encontrou o irmão há pouco, apanhou um dos livros dispostos numa pilha, que alcançava metade de sua altura naquela posição.

Abriu-o na página dobrada e começou a ler, auxiliada pela vela acesa no candelabro improvisado na lateral da entrada.

Leu uma página inteira na velocidade do pensamento, até receber a visita do homem sem camisa, que se apoiou com o cotovelo na divisória de acesso.

— Está gostando desse?

— Não sei — respondeu sem tirar os olhos das folhas. — Eu não odeio. Ainda que não seja uma história feliz.

— Quem escreveu isso?

— Calíope disse que foi um mortal renomado de Rodes. — Passou à próxima página.

— Queria saber como elas têm acesso a essas coisas... — Hélios encarou um dos livros recebidos.

— Eles as entregam como forma de propagarem suas preces, é óbvio.

Sentindo a pontada nas palavras da irmã, o homem semicerrou as vistas por uns segundos.

— Você disse que essa história não é feliz... Sobre o que se trata?

Enfim Selene fitou o irmão, pela esguelha.

Permaneceu assim durante um breve período, deixando de folear as próximas páginas.

Ao observar a seriedade nos olhos do companheiro, ela levou em consideração lhe oferecer uma resposta.

Em vista disso, tornou a encarar as folhas ligeiramente amareladas do exemplar.

Parecia focar de uma maneira que a permitisse se colocar na própria história.

Então disse:

— Uma tragédia de vingança. — Fez a pausa. Em proveito ao silêncio, completou: — A criança perde sua mãe por culpa de seu pai e jura que irá se vingar dele, por ela. Então passa o livro inteiro em busca disso, mas...

Mas...? — Hélios tentou instigar, genuinamente interessado no enredo.

— Há alguém que tenta impedi-la de fazer isso. Que tenta fazê-la escolher outro caminho.

— E ela consegue?

Passados novos segundos de quietude, Selene alisou a capa do livro com a ponta dos dedos.

— Não sei. Ainda não terminei essa história... — Por alguma razão, ela fazia soar um quê de pesar nas palavras. — Mas até onde pude ver, ela continua tentando. Com todas as suas forças.

Os dois não disseram mais uma palavra após aquilo, o que realçou a curiosidade do homem.

Selene também estava instigada a terminar aquela obra o mais rápido possível, tudo a fim de saber quem prevaleceria.

A vingança, ou então...

— Entendi. Me diga como acabou depois que ler. — O flamejante deu as costas e voltou ao seu quarto.

— Por que você não lê? — Ela voltou a encarar as linhas escritas na página onde havia parado.

— Você já me contou quase tudo.

— Tem muito mais conteúdo além disso que falei.

— Então você me conta o resto depois, também.

Sem deixar que a purpúrea voltasse a rebater, apanhou um manto avermelhado e cobriu o torso nu ao jogá-lo por cima dos ombros.

— Vou dar uma andada pra acordar. E depois substituo a Eos — mencionou antes de tomar o caminho das escadas de pedra e deixar a mulher sozinha no subterrâneo.

Ela manteve a posição aceitável e permitiu-o ir sem mais alguma indagação.

Afinal, tinha uma história para terminar, uma curiosidade a saciar. Fazia tempo que não tinha experiência tão instigante, pensava consigo.

O restante da manhã passou num piscar.

Sentada desde sua chegada no topo do Colosso de Rodes, a pequena lilácea acompanhava os navios no extremo horizonte, enquanto a estrela da vida crescia mais e mais na abóbada.

Ainda balançava as perninhas, dessa vez com maior lentidão.

— Nuah... quero ir no templinho logo...

— Então pode ir. — O ressoar da voz masculina a assustou num salto. Girou o rosto por cima do ombro junto à metade do torso. — Posso adiantar minha parte.

— Maninho!! — Eos se levantou com euforia e o abraçou na altura do pescoço. — Obrigada, obrigada!! Você é o melhor!!

Apressada, a garota saltou da estátua sem medo.

Hélios a observou com as mãos na cintura, só para constatar que ela iria chegar à terra desprovida de problemas; preocupação desnecessária, sabia disso.

Era sua vez de ficar na guarda da entrada de Rodes. Para isso, levou um dos livros entregues por Selene.

Seria o passatempo perfeito até o anoitecer, onde trocaria o turno com a respectiva; assim funcionava a divisão dos protetores de Rodes.

Feliz da vida, a dona da alvorada saltitou por toda a Passagem Espectral.

Num piscar, chegou à floresta e tomou o itinerário singular que a levava até o grande Museion.

Era seu grande objetivo desde o momento no qual trocou com a mais velha no colosso.

Os olhos brilhantes, da cor dos fios de cabelo giratórios, denotavam tais emoções.

Correu sem pudor pela extensão campada, para subir na edificação especial e, a passos delicados, percorrer o topo coberto pelas colunas de mármore.

“Nuah! Vamos ver, vamos ver!!”, chegou a uma passagem coberta somente por vidro, por onde passavam os raios solares do fim da manhã.

Como expectado, a pressão vital já se fazia presente no recinto, a escapar pelo acesso superior.

Sem ser notada, com um sorriso de orelha a orelha, a mais nova dos protetores de Rodes iniciou suas observações diárias dos treinamentos que envolviam os apóstolos talentosos.

— Vamo’ lá, vamo’ lá!! — gritou o rapaz vibrante no local em questão, enquanto batia os punhos nus um no outro.

Outra risada subiu, contagiando ainda mais Eos que, de bruços, flexionava as pernas para o alto e as balançava como sempre.

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