Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 110: Segredos das Musas

A sequência dos dias prosseguia a uma velocidade incomum.

Em certa região do Museion, um combate ocorria. E um dos participantes se tratava do filho de Apolo.

A despeito do nervosismo, apresentava um semblante sorridente, sempre eufórico em momentos que era exigido.

Com os punhos em riste, diante da vanguarda, confrontava os movimentos inesperados da adversária em questão, que o encurralava sem dificuldades.

De rodopios e avanços flexíveis, ela fazia o enorme e bagunçado cabelo turquesa-escuro, harmônico com sua pele negra, oscilar pelo espaço.

Gael tentava acompanhá-la, que parecia dançar em meio ao campo de batalha.

Porém, diante de uma velocidade de vaivém intensa, ele não era permitido revidar com maestria.

Ainda assim, tentou encontrar qualquer abertura que o favorecesse. Inclinou o torso e disparou à esquerda, na busca por a flanquear durante um giro na ponta dos pés.

Quando ela notou sua aproximação rompante, fechou as vistas e acelerou os deslocamentos sobre o próprio eixo. Correntes de vento se formaram ao seu redor.

O apóstolo pôs um dos braços à frente do rosto, no intuito de manter os olhos bem abertos.

Viu entre os rodopios uma chance. Então apostou tudo nela, acelerando as passadas até diminuir a distância em menos de um piscar.

Focou a Energia Vital das mãos às luvas especiais que as cobriam. O calor irradiou até as correntes espirais, criando um ambiente tórrido em questão de milissegundos.

Quando se preparou para dar um golpe no entremeio dos movimentos espirais, ela repentinamente executou um salto.

Pego de surpresa, apenas pôde vê-la o cobrindo, até cair do outro lado.

Sem desistir, o solar freou o ímpeto e disparou em retorno à posição de onde tinha saído, na caçada à adversária.

Dessa vez, depositou impulso extra nas pernas, portanto foi capaz de chegar até ela com um passo antecipado.

A primeira reação da turquesa foi levantar as sobrancelhas, em genuíno fascínio. Foi quando o pugilista firmou os pés no solo e a luva destra irradiou uma chama dourada.

A violenta energia calorosa elevou-se por todo o salão.

A segunda reação dela foi esboçar um leve sorriso de satisfação. Nem por isso o garoto se intimidou, no almejo decisivo do triunfo.

Arte do Sol!! — Flexionou o braço para trás, como um gatilho. — Primeiro Esplendor!!

Preparou-se no exato átimo da ascensão das labaredas ao redor do punho cerrado.

Quando o soco explosivo estava prestes a ser desferido, em um espaço de tempo quase intangível... a mulher deslocou a cintura à direita, saindo da linha ofensiva.

Gael nem teve tempo para se questionar. Já era tarde para cancelar o movimento, que se sucedeu quando o braço engatilhado disparou adiante, levando o ar consigo.

O soco direto passou sem atingir nada. A esquiva inimaginável só o deixou espantado após finalizar o golpe contra o vazio.

Um contorcionismo surreal a permitiu se inclinar em quase noventa graus. Então, utilizando as mãos apoiadas no chão, empurrou o restante do corpo e as pernas voltaram.

O dorso do pé direito lhe atingiu o queixo, quase o tirando do chão. Em meio a um grunhido doloroso, ela terminou de fazer a pirueta mortal e, sem o permitir se recuperar, apanhou seu punho.

Todo e qualquer fluxo de energia ainda em atividade no respectivo membro, graças ao uso da Arte do Sol, se extinguiu.

 Desprovida de pena, a mulher ainda o acertou um segundo e poderoso chute na costela. Soltou-lhe o braço e o deixou cair de costas contra o plano iluminada.

Com a vitória garantida, ela ajeitou a postura, os ossos das costas estalaram com vigor. Ainda sacudiu a mão que o tocou, por pouco não a queimara.

Foi no limite do risco, pensou consigo. Embora os planos tivessem saído um pouco do controle, deu um jeito de se sobressair.

No fim, só lhe restou voltar a sorrir satisfeita. O rapaz tinha superado suas expectativas.

Thalia correu até os dois e saltou até o pescoço da turquesa.

— E acaboooou!! — A agarrou com ambos os braços. — Por hoje é o bastante, Terpsízinha!!?

— Acredito que sim. — Ela a encarou de canto, a abraçando pela cintura.

A disparidade de altura entre as duas era bem considerável, visto que os pés da Festiva ficavam bem distantes do chão enquanto “pendurada” na irmã.

— E então!? E então!? Acha que ele pôde tirar alguma lição legal!? — Quase esfregava o rosto no dela.

— Sim, claro. Hoje ele soube muito bem lidar com os momentos importantes do combate. — Aproveitou que a segurava na cintura para a descer de volta ao plano. — As habilidades de batalha dele são muito formidáveis. Tem um talento nato para isso. Com os treinamentos que está passando a ele, certamente irá evoluir mais e mais.

— Hihi!!

Ao ser posta de volta, Thalia rodopiou e foi até Gael.

Ele se erguia, ainda sentindo os golpes que o levaram à derrota. Mesmo assim, dava uma risada entre os dentes, impressionado.

Quando se pôs de pé outra vez, ele bateu os punhos cerrados um no outro:

— Muito obrigado pelo treinamento de hoje!!

— Não há de quê — respondeu através de uma mesura leve.

— Irei dar o meu melhor para ficar cada vez mais forte!! — Ele completou.

— Claro que vai!! — A Festiva deu um forte tapa nas costas dele. — Agora vamos tirar um tempo de descanso, aposto que está com fome!! Iremos até a Eratozinha e a subornaremos para que faça uma comidinha das boas!!

— Esplêndido!! Agora eu gostei!!

Perante o brilho nos olhos do jovem dourado, alheio à interação daqueles dois, a apelidada de Terpsízinha soltou uma fraca risada.

“Eles realmente se parecem”, contemplou a dupla por mais um tempo.

A risada de ambos era equivalente.

De certa maneira, trazia um conforto à dançarina, que contraía as sobrancelhas, um tanto isolada da euforia compartilhada.

No entanto, Thalia a estendeu a mão.

— Terpsízinha vem conosco!!

Sempre incapaz de lidar com o tom vibrante da irmã, a convidada aceitou por meio de um aceno positivo de cabeça.

Acompanhou mentora e aprendiz por meio de passos curtos, até ser conduzida pelo grande corredor.

A diferença entre o caloroso aposento da bem-aventurada e a frígida passagem extensa trouxe um leve choque térmico ao desacostumado.

De todo modo, ele já podia controlar um pouco mais da temperatura do próprio corpo, então o fez a fim de manter-se aquecido.

Observando-o de soslaio, Thalia sentiu-se gratificada.

Pouco a pouco ele conseguia evoluir no domínio da energia descomedida. E em um curtíssimo período, aliás...

— Então, Terpsízinha!! Para onde irá a partir de agora!!?

— Até a câmara da Urânia, onde nosso pequeno irmão está treinando — Percebeu a confusão do recém-chegado após dizer aquilo. — Você o conhece como Damon.

Ainda alguns segundos foram necessários até que ele, por fim, captasse a ligação.

— Aaaah!! Espera!! Vocês por acaso não seriam...!!?

— É exatamente isso. Também somos filhas do Rei dos Deuses, caso não saiba. — Encarou a loira. — Você não contou?

E ela apenas riu com a língua de fora, entre os lábios, desviando o rosto e passando a mão pela nuca.

Mesmo sendo algo simples de ser compreendido, o acesso àquela nova informação lhe transferiu uma dose de espanto.

Pensar que todas as Nove Musas eram meias-irmãs mais velhas do interessante companheiro o fazia sentir um misto de ansiedade e satisfação.

Defronte as expressões incongruentes exprimidas por ele, a Musa da Comédia não se aguentou.

As gargalhadas elevadas proliferaram alguns ecos pelo corredor.

A despeito disso, cerrou os punhos com força antes de buscar o regresso ao primeiro tópico da conversa:

— Isso é esplêndido!!  O Damon é um cara que aprende rápido!! Tenho certeza que ‘tá se dando bem!!

— Na realidade, é o oposto — retrucou a turquesa, minando as expectativas do dourado. — Pelo menos quanto ao combate, até hoje ele sempre dependeu da própria manifestação de energia interior para ser totalmente eficaz. Sua velocidade advém dela, afinal. Em uma situação adversa, agora que ainda não pode utilizá-la, suas dificuldades se tornam muito mais pronunciadas.

— Então ele precisa se empenhar tanto quanto o Gaelzinho!!? — Thalia, em demonstração de curiosidade, inclinou o rosto para a direita.

A esguia somente assentiu com a cabeça.

— Mesmo assim!! — Gael, em contrapartida, fechou a mão dominante à frente do rosto. — Sei que ele vai conseguir dar um jeito!! Até porque ele também prometeu que ficaria mais forte!!

— Esperamos que sim. — Delineou um tênue riso. — Essa acaba sendo uma oportunidade interessante, onde ele poderá aperfeiçoar suas capacidades sem depender da própria energia.

— Isso é esplêndido!!

Em companhia ao esforço do apóstolo e sustentar a positividade quanto ao aliado, a Musa da Dança deu a volta.

— Pois bem, me despeço por aqui. Até a próxima sessão de treinamento, senhor Gael.

— Até!!

— Tchau, tchau, Terpsízinha!!

Tanto o rapaz quanto a musa alegre acenaram com os braços para a dançarina, que fez que sim com a cabeça e iniciou sua caminhada rumo ao novo destino.

Feito isso, a dupla restante se corrupiou a fim de seguir no outro itinerário do longo corredor.

Chegaram às portas prateadas do início em pouco tempo.

Thalia antecipou-se a abrir uma das alas. Foram recebidos pela forte iluminação dos lustres espalhados pelo cômodo inicial.

Não só isso, como se depararam com a presença da mulher dos lisos fios magentas, sentada diante do castiçal que repousava no centro da távola.

A atenção da Musa da Poesia foi direcionada à origem do forte rangido metálico.

Quando contemplou a aparição surpresa da irmã, acompanhada de mais um dos jovens convidados, delineou os lábios róseos curvados em ascendência.

 Por um segundo, Gael arregalou os olhos diante da beldade.

A considerada mais bela de todas as musas.

— Eratozinha!!

— Enfim resolveu aparecer, fico contente em lhe receber! — Levantou-se do assento e correu até eles. — Oh, olá, jovenzinho! Muito prazer!

— E aí, moça!! — Depois da resposta, foi encarada de canto pela Festiva. Num sobressalto, ajeitou a postura e consertou: — O prazer é meu!!

Ela esgazeou as vistas em reação à postura animada de Gael.

Sem perceber a separação repentina dos lábios, direcionou os globos castanhos até a loira. Então, retornou o foco à feição do apóstolo.

Fez isso umas duas vezes em sequência.

Em constatação às semelhanças dos traços vibrantes nas feições de ambos, tal como a influência calorosa irradiada de suas presenças, levantou ainda mais as laterais da boca.

A naturalidade das respectivas personalidades lhe despertou um sentimento poucas vezes experimentado.

O teor do imprevisto conduziu-lhe a comentar:

— Ooooh! Agora entendo, Lia, esse é...!

— Por favorzinho, Eratozinhaaaa!! — Interrompeu a poeta com um forte abraço no pescoço. — Pode nos preparar um lanche bem regado de proteínas!!?

O filho de Apolo sentia-se deslocado diante do diálogo entre as deusas, então, de fora, só conseguia achar tudo muito divertido.

O hábito da tutora em se jogar no pescoço das irmãs lhe deixava incapaz de prender o riso.

Foi mais um abraço tão forte que a Musa da Poesia recuou alguns passos.

Tentou questioná-la, mas recebeu um olhar fuzilante que o acompanhante não teve a oportunidade de conferir.

Literalmente olho por olho, as duas mantiveram o silêncio desconfortável durante alguns segundos.

Isso durou até Erato compreender o intuito de Thalia, esboçando um sorriso gentil ao levar as mãos até sua cintura.

— Tudo bem, minha irmã. Aceito seu pedido! — A colocou de volta no chão, com cuidado. — Aguardem aqui. Em breve retornarei com ele concedido!

Ela se antecipou e ultrapassou a passagem que ligava o recinto ao corredor, numa breve despedida da Musa da Comédia.

Essa acenou positivamente, em retomada à face bem-aventurada de sempre.

Já o apóstolo não encontrou outra forma; precisaria aguardar até seu prometido retorno.

Deixando o ocorrido recente de lado, embora contente pela certeza pessoal, saltitava pela passagem conforme cantarolava sem desfazer o sorriso.

O completo oposto da figura que encontrou na virada principal, caminhando a passos curtos na direção oposta.

O primeiro detalhe, assim como mais chamativo, foi o cabelo carmesim recheado de argolas conectadas ao redor do pescoço.

Já quase de costas para ela, sequer notou sua presença ali — ou então escolheu ignorá-la.

No entanto não pôde evitar um forte abraço que envolveu sua cintura, quase a deixando sem ar por um momento.

— MEL!

O grito contagiante arrancou um suspiro de Melpômene, que procurou se livrar dos membros enroscados acima do quadril, sem sucesso.

Contudo a própria Erato resolveu deixá-la livre, ao identificar o crescente desconforto daquela posição.

A Musa da Tragédia pretendia continuar sem trocar sequer olhares com ela.

A Poetisa fez beiço em protesto à escolha da irmã.

De todas as maneiras tentou chamar a atenção da melancólica, também sem obter sucesso.

Cada vez mais furiosa, impulsivamente agarrou o braço esquerdo da semelhante.

Ela estalou a língua e encarou por cima do ombro, pronta para reclamar.

Todavia ao enxergar a expressão amargurada conduzida pelo teatro da magenta, optou por ceder à insistência e suspirou:

— O que foi, Era?...

— Enfim respondeu! — O sorriso retornou à sua face. — Minha amada irmã mais velha, apenas queria saber aonde está indo!

— Nenhum local em especial.

— Como não!? Sua câmara fica para o caminho contrário, certamente saber disso é deveras necessário!

A Trágica preservou saliva e meramente puxou o braço das mãos quentes da irmã, voltando a caminhar.

Erato queria implorar para que a respondesse, contudo resolveu acompanhá-la a fim de matar a curiosidade com os próprios olhos.

Por um momento esqueceu por completo o pedido requisitado por Thalia.

A intromissão mostrava-se tão grande que sequer se importou.

Em contrapartida, Melpômene caminhava inquieta graças à constante perseguição da semelhante.

Chegou a cogitar a desistência do objetivo traçado.

O repentino ruído que soou da boca aberta da Poetisa indicou que era tarde demais para isso.

Ambas já haviam alcançado a entrada que possuía a estrela de cinco pontas cinzelada no topo; a resposta procurada pela musa mais bela.

— Por que não disse logo que iria visitar a Ânia!? Ah, eu acabei de lembrar que preciso ir para a cozinha! — Deu um leve empurrão nas costas da taciturna. — Se eu não for logo, a Lia vai me fritar! Me diga logo, então, o que pretende realizar!

— Vá de uma vez, Era...

— Por acaso veio observar algum daqueles jovens!? É raro te ver tomar essas abordagens!

— É apenas algo... que me despertou um ligeiro interesse...

Ao ver tal declaração alheia às vistas profundas da Trágica, Erato percebeu que tinha alcançado o limiar das revelações.

Queria saber mais sobre, mas o fato de ter sido relembrada do pedido de Thalia a deixou em um impasse.

— Depois me conta, então! — Corrupiou-se e acenou com o braço esticado. — Boa sorte!!

Enquanto a magenta tomava o caminho contrário, a carmesim exalou um lamento de cansaço.

Quando ratificou o novo distanciamento dela pela passagem principal, devolveu a atenção à porta que exalava seu próprio ar misterioso.

Girou a maçaneta e empurrou a estrutura prateada, de onde uma camada de ar frio escapou.

Sem delongas, adentrou os aposentos da Musa da Astronomia.

“Pelo que soube, ele deve estar aqui”, ponderou ao atravessar o vapor condensado que se aglomerava por todo o cômodo escurecido.

Os pulmões arderam ao inspirá-lo.

Fechou a entrada com cuidado, evitando proliferações de ruídos desnecessários.

A tranquilidade a apossou durante um período de piscadas demoradas. Era o lugar perfeito.

Avançou até a passagem seguinte, de onde já era alcançada por consecutivas colisões sonoras.

Pela fresta da última estrutura de metal, encontrou a imagem que buscava naquela noite.

Lá estava o olimpiano de cachos vinho-escuros, em porte de uma espada de madeira.

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