Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 109: Imperadores Recrutam 5 - "A Última"

— Todos os potenciais foram reunidos. Enfim temos os Pilares da Trevas, prontos em prol de mudarem os rumos desta Era — mussitou o homem misterioso, no meão do recinto encíclico tomado pela escuridão.

Com a mão esquerda no peito, completou:

— Também já passam pelas preparações exigidas por vós. Estarão prontos a qualquer momento para executarem o plano definitivo.

Em seguida, veio o silêncio absurdo.

Não chegava a se assustar. Já tinha certo hábito adquirido perante tal postura das anfitriãs, ainda que experimentasse um ralo incômodo.

Os olhos cobertos pelo capuz escuro se levantaram, na iminência de fitarem a silhueta das três dispostas nos tronos adjacentes.

Lentamente ajeitou a postura de solenidade e respeito, o torso tornou a se postar ereto.

— Aquele homem deve estar contente. — A voz soturna da mulher no centro ressoou, enfim. — Está tudo correndo conforme expectava.

— Tão irônico... — A da direita se pronunciou, um pouco mais comedida. — Voltar deuses contra eles próprios... por questões que eles mesmos deixaram em aberto.

— Rá! Não pagam por esperar! — A da esquerda, de timbre mais grosseiro e violento, riu em desdém. — Quero logo brincar com eles! Vocês estão se arriscando demais deixando crianças traumatizadas cuidarem de quase tudo!

— Não precisamos nos preocupar com isso. Esses peões serão um ganho de tempo positivo a nosso favor — retrucou a central, tão ponderada a ponto de fazer a euforia da semelhante se retrair um pouco. — Eles abrirão o caminho, nada mais. O banquete principal continuará sendo nosso.

— É bom que seja... já ‘tô me coçando pra fazer alguma coisa e dar um bom aviso a esses desgraçados! — Apesar da escuridão, podia-se imaginar o quanto a inflamada salivava.

O novo instante de silêncio foi posto no saguão.

O rapaz, alheio ao diálogo efusivo das semelhantes, assentiu com a cabeça sem proferir quaisquer palavras a princípio.

— No entanto — sibilou com certo receio —, ainda resta um potencial reforço que considerei após algum tempo de análise. Realizaremos o processo de recrutamento assim que for possível.

— E quem seria esse? — A ponderada da direita indagou.

— Ela reside em uma região peculiar deste continente, da qual acredito não possuir ligação com os Deuses Olímpicos. Só facilita a proximidade... — Semicerrou as vistas por baixo do tecido escuro. — Levarei Keith e os novatos. Também quero observar a garota que ele trouxe, mais de perto...

— Faça o que for necessário portanto — determinou a central, sem abandonar o relaxamento no respaldo do assento.

— Como quiserem.

Após executar sua última mesura, o garoto deu meia-volta e logo deixou o recinto de trevas.

O choque das grandes portas com as paredes anunciou, em definitivo, a respectiva saída.

Quando retornou ao exterior, o panorama não mudou tanto.

Embora coberto pelo céu alaranjado, proveniente do amanhecer, viu-se rodeado pela densa névoa negra responsável por dominar a região em sua totalidade.

Não perdeu tempo em avançar pelas alamedas das construções escondidas, a passos alargados, porém nada apressados.

O homem atravessou mais de metade do recinto semiaberto, até encontrar aqueles que havia enumerado há pouco.

Depois de requisitar os novatos, alcançou a residência daquele que sempre se aventurava nas missões de recrutamento, debaixo da terra.

Assim que reconheceu a presença do acobertado, levantou o rosto no intuito de observá-lo pela esguelha.

Os lábios se contraíram num leve sorriso.

— E aí, mano — saudou, já na expectativa do que viria.

— Último recrutamento. — Foi direto ao ponto, a alguns metros de distância dele. — Guie a garota que foi até Argos. Os gêmeos de Classe Herói vão comigo.

— Onde é, agora? 

Keith ergueu o corpo do assento preso à parede, como se fosse um fragmento de calabouço.

— Você verá...

Sem dar novos detalhes, o misterioso se corrupiou na velocidade do pensamento e optou por regressar à superfície, onde os três novos integrantes já lhe aguardavam.

O esverdeado sentiu-se satisfeito, apesar das poucas palavras compartilhadas.

Apanhou o manto característico, o passou sobre o torso e logo avançou, a fim de se juntar ao grupo escolhido para a nova chegada.

Num piscar, chegaram à região.

O portal negro se abriu no espaço, antes do complemento da alvorada, permitindo à dupla saltar no limite de Hélade.

A partir dali, somente a noite tomava forma, sem permitir à luz do Sol chegar mais perto.

— Que lugar peculiar... — Keith observou a grande montanha do sopé, quase realizando um assobio no processo. — Acha que pode subir isso aqui?

Olhou por cima do ombro.

A garota que o acompanhava não se importava em deixar seu rosto à mostra, ressaltando os coques laterais que puxavam tranças a alcançarem a altura dos ombros.

Os olhos róseos de tonalidade poderosa fitaram com desprezo o sorridente.

— Com quem pensa que está falando? — resmungou ao realizar o salto repentino, tomando a frente do percurso.

— Oh.

Ele assentiu, surpreso, e resolveu acompanhá-la sem retrucas provocativas.

Os dois chegaram ao cume em velocidade recorde, já de olho na região obscura das tundras a seguir.

Mais adiante, um arco gigantesco que parecia qualquer ilusão de ótica por conta da distância.

O local interessante despertou arrepios em ambos, incapazes de suprirem o semblante espantado a priori.

Não perderam tanto tempo, entretanto.

Rapidamente desceram pela encosta contrária do monte gélido, chegando ao solo em poucos minutos.

Juntos, caminharam pelos quilômetros extensivos cobertos por neve.

O clima frio não os afetava tanto, em virtude dos mantos incumbidos de repelirem o ar característico daquela área isolada.

De todo modo, Bluebell abraçava um pouco dos próprios braços, no intuito de espantar os resquícios que ainda a afetavam por baixo do tecido.

Por outro lado, apesar de seminu fora a capa dos Imperadores das Trevas, Keith avançava sem quaisquer incômodos.

Capaz era de sustentar as estribeiras sob quaisquer circunstâncias. Tal constatação deixava a rósea desconfortável.

Esse sentimento, todavia, foi varrido assim que alcançaram as primeiras residências.

Ao que tudo indicava — silêncio, ausência de iluminação e sensação de vazio —, estavam abandonadas.

Ainda assim, não impediu que eles averiguassem cada uma, com extrema cautela.

“Não gosto nem um pouco desse lugar”, pensou a garota dos coques, enquanto carregava a varinha de madeira e a adaga preparados abaixo da capa. “Por que eu estou aqui? Eu devia...”

Os pensamentos foram interrompidos por si própria, assim que um alerta foi recebido pelo corpo.

Parecia ter sido induzida a um arrepio indescritível, como se um sopro congelante trespassasse a roupa isolante.

Girou num átimo de segundo, as vistas esgazeadas e a boca semiaberta.

Nem deu tempo de puxar as armas escondidas nas vestes, pois a proliferação da frígida Energia Vital chegou como uma explosão.

Do lado de fora, Keith também se assustou.

Ao escutar o estampido cristalizado, encarou à direita dotado de extrema seriedade para enxergar as crostas de gelo.

No formato de enormes espinhos, ascenderam o espaço sob a pequena cabana, para alguns metros de altura.

O rapaz logo preparou o mangual, impressionado com a recepção agressiva.

Bluebell surgiu dos escombros juntos das estruturas quase transparentes, levando consigo fios de sangue com Ícor a esvoaçarem dos arranhões superficiais nos braços e pernas.

Assim que a cortina de vapor condensado foi dissipada, puderam encontrar a silhueta responsável pelo congelamento.

Ela, de igual modo, estava coberta dos pés à cabeça por uma capa azulada toda esfarrapada.

— Deve ser ela... — Keith sibilou entre os dentes, eufórico perante a impetuosa energia que a atinente exalava.

— Melhor ainda — rebateu a rosada, puxando para fora a varinha e a faca. — Vou derrotá-la.

— Nem pensar! Ela é minha!

Ambos com suas armas em punho desafiaram a anfitriã, que não perdeu o controle das emoções nem por um segundo.

Liberou mais fumaça fria da boca aberta, mediante o singelo ato de respirar em meio ao clima extremo.

Os olhos escondidos abaixo do capuz fitavam a dupla desconhecido, recheados de desprezo.

Chegava a se importar com o fato de estarem ali, suportando as condições daquela região, porém não passava de mera curiosidade.

Devia se livrar daquilo e focar no que realmente importava.

— O que querem? — A voz álgida serviu de novo gatilho em prol de arrepiar os visitantes. — Saiam daqui. Me deixem em paz.

— Precisamos de sua força, garota! — O esverdeado girou a estrela da manhã, na iminência de fazer a força valer mais do que as palavras. — Venha conosco! Para os Imperadores das Trevas!

“O que significa isso?”, Bluebell encarou de soslaio, perplexa no que concernia à elevação da agressividade por parte do aliado.

Não se deixou retrair, muito pelo contrário; apertou a varinha com mais ímpeto e avançou na mesma medida.

— Sinceramente não me importo nem um pouco com o objetivo de vocês. Só quero ir atrás dos meus... — Num rompante, ela se postou à frente do eufórico. — Se para isso vocês precisam tanto dela, então farei... pois sou forte!

— Forte, é?... — A frígida moveu algo detrás de seu manto.

No mesmo ínterim, as crostas de gelo na respectiva retaguarda ruíram em rachaduras profundas.

Quando se quebraram e vieram lentamente ao solo nevado, trouxeram consigo ínfimas partículas semelhantes a flocos de neve a cintilarem no espaço.

Pela primeira vez, levantou a postura e o rosto o suficiente em prol de revelar sua pele quase albina, além das mechas prateadas a caírem entre o tecido cobertor.

Além disso, um de seus olhos era coberto por uma franja de volúpia.

A impetuosidade de todos os lados foi cessada num período de microssegundos.

Sem que pudessem reagir, Keith e Bluebell sentiram mãos tenazes apertarem seus ombros; o primeiro no esquerdo e a garota no direito.

No meio de ambos, não os permitiu executar qualquer deslocamento à exceção dos globos oculares esgazeados.

Puderam ver meramente uma silhueta... que parecia sorrir.

— Me desculpem. — A voz masculina, apesar de um pouco afinada, sussurrou próxima de seus ouvidos. — Ainda não é o momento de vocês.

Dedos se estalaram.

Foi o único sonido que conseguiram escutar, até que todo o cenário se modificou.

De repente, o frio extremo e a fofura do plano nevado desapareceram, fazendo com que a manhã surgisse e a areia em aquecimento fosse sentida.

O som da maré no litoral os fez despertar através de piscadelas aceleradas, como se tivessem acabado de fugir de um sonho.

Permaneceram incrédulos no decorrer de três fortes ondas a colidirem com a faixa úmida dos minerais.

— Então vocês também vieram. — A voz soturna os desprendeu do novo transe, forçando-os a se corrupiarem o mais rápido possível. — Parece que falhamos.

— Você...?

Bluebell reconheceu logo a presença do homem dos portais, sentado no topo de uma rocha presente naquele ponto litorâneo.

— Que diabos ‘tá fazendo aqui? — Keith soou afônico, o que deixou a garota em paralelo desentendida.

— Fomos rejeitados. Não podemos mais voltar.

O encapuzado não pestanejou na resposta. Se levantou num salto e girou no próprio eixo.

— Ei!

— Não adianta. — Criou um vórtice negro, bem à sua frente. — Não temos mais tempo a perder. Esse foi o último. Vamos voltar.

Saltou por ele, até desaparecer daquele espaço, sem permitir à dupla protestar de novas maneiras.

Irritadiço, porém comedido, o esverdeado estalou a língua em desprezo e acompanhou o delator.

Por fim, a jovem que se autointitulava como a mais forte encarou uma última vez o horizonte repleto de pequenas formas terrosas mais ao longe.

“Quem era aquela garota?”

Ciente de que a pergunta jamais deveria ser respondida, deu de ombros à situação desfavorável e seguiu os veteranos para o outro lado do espaço.

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