Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 107: Imperadores Recrutam 3 - "A Pacifista"

De pé em meio às rochas cobertas por neve, a menina observava o horizonte pintado pelo crepúsculo.

A brisa gelada fazia as pequenas tranças laterais, a caírem defronte às orelhas, menearem com delicadeza.

A cada respiração arfante, vapor condensado escapava entre os lábios levemente arroxeados.

Os braços abraçavam o próprio corpo, na iminência de trazer algum calor a si, cercada pelo frio assíduo daquela região.

Não estava tão próxima do topo, incumbido de rasgar as nuvens brancas a alguns quilômetros. Mas tampouco se encontrava muito perto do solo.

Estava numa altura propícia em prol de ser dominada pelo clima hostil.

“Onde você ‘tá?”, ponderou à medida que virava o rosto alvo de um lado para o outro.

Os olhos índigos buscavam algo. Por não terem encontrado nada, ela se forçou a seguir no passadiço estreito à esquerda.

Com cuidado, quase arrastou a traseira, coberta por um fino tecido de linho, nos chapiscos prestes a congelarem.

Aos poucos, atravessou a curvatura até o outro lado, onde pôde se manter altiva outra vez.

Respirou fundo.

Decidiu prosseguir em sua busca por mais alguns metros, quando chegou à visão da grande cordilheira, sequência da região na qual se situava há pouco.

Mal podia enxergar o final da cadeia montanhosa, tanto em extensão quanto em altitude.

Engoliu em seco por um instante. Levou uma das mãos à altura do peito e a apertou contra ele.

Estava ciente de que seguir a partir dali lhe fora proibido fazia tempo.

A vontade crescia latente e chacoalhava tão forte em seu interior quanto os batimentos cardíacos aflitos.

Não deveria continuar, a favor da própria segurança.

Embora se sentisse um pouco dúbia quanto a esse fator, optou por obedecer àquilo que lhe fora ensinado.

Dito isso, só restava a ela as incógnitas pintadas sobre a tela branca da melancolia.

— Por que... paizinho?

O murmúrio escapou quase que entre os dentes cerrados.

Sua voz fina ecoou pelo vazio e colidiu com o uivo da brisa.

A figura paterna que buscava não poderia ser encontrada além daquela montanha.

Caso se arriscasse, provavelmente teria a vida em risco; não sentia a segurança necessária a fim de dar o próximo passo.

Pelo menos não naquele momento.

Portanto, deu meia-volta e se contentou com o que tinha até então. Uma hora ele deveria retornar.

Confiava nisso como uma fagulha derradeira de esperança, a morar no âmago sofrível.

Ela regressou pelo passadiço e acessou o espaço de declive que a conduzia à uma caverna.

Recheada de estalactites congeladas, carregava atmosfera densa, porém reconfortante de certo modo.

A jovem chegou ao meão do recinto, onde uma fogueira estalava sob a quietude.

Permaneceu bem perto das chamas alaranjadas, no intuito de recuperar o aquecimento corporal.

Aos poucos, o cansaço proveniente da busca anterior a atingiu. Os olhos passaram a piscar mais pesados, na iminência de entrarem na definitiva oclusão.

Quando se deu conta, já tinha adormecido, bem ao lado dos quentes estalidos. O rosto iluminado revelava extrema serenidade.

As luzes acalentadoras deixavam os fios beges mais vívidos.

Bastante tempo se passou numa singela lufada.

A garota retomou a consciência gradativamente, conforme erguia o corpo franzino com a força dos braços.

Há muito o fogo tinha se apagado, fazendo-a se agarrar aos resquícios do calor que residia no espaço ao redor.

Outra vez abraçou os próprios braços, sonolenta demais em prol de tomar qualquer decisão precipitada.

Como expectado, ele não tinha regressado. Nenhum sinal de sua presença fora experimentado desde certo dia.

O coração se apertava cada vez mais.

Assim que todos os sentidos foram devidamente estabelecidos, encarou as opções.

Ficar ali por maior período poderia lhe trazer consequências nada agradáveis.

Não estava nem um pouco acostumada a lidar com as coisas sozinha. Carecia de confiança no intuito de avançar o limite que lhe fora imposto.

Nada obstante a isso, cerrou os punhos delicados e levantou a cabeça com as sobrancelhas franzidas.

Foi mais a fundo na gruta fria, onde um pequeno pedestal a esperava.

Sem pestanejar, levou a mão destra ao cajado cravado na pedra envolta por crostas finas de gelo.

Encarou as raízes que concebiam a forma um pouco menor do que sua estatura, rente às vistas entrefechadas.

Apertou o artefato com força, enquanto pregava em sua cabeça a simples necessidade de defesa pessoal para empunhá-lo.

Mesmo que não houvesse qualquer ameaça conhecida naquela localidade, estava determinada a abdicar de qualquer outra resolução que não fosse essa.

Assentiu consigo e tomou o caminho contrário da cavidade natural.

De volta ao exterior dentro de breves minutos, encarou as estrelas a cintilarem entre as nuvens aglomeradas por toda a extensão superior.

A partir disso, mirou a sequência da cordilheira pela qual não poderia prosseguir.

Com os globos oculares apertados, optou por tomar outro caminho do qual jamais imaginara.

Cautelosa, deixou os pés descalços deslizarem pelo declive, em direção à terra.

Levou um intervalo não muito delongado, mesmo com certas dificuldades para acertar a descida em meio a tantas inconsistências no relevo.

No entanto chegou ao sopé sem maiores sustos.

Pela primeira vez tateava um terreno tão caloroso, a ponto de fazer a sola e os dedos estremecerem num arrepio.

— Então você veio — reclamou a voz masculina de tom soturno, bem à frente.

Os olhos escuros da menina se fixaram no ponto específico, a ponto de encontrarem o responsável por entoar a frase repentina.

O curto e liso cabelo negro pouco dançava em virtude da brisa inferior. Envolto pelo manto negro maltrapilho, residia ali como um ponto específico em meio à bruma da noite.

Ao seu lado, outro rapaz, de fisionomia idêntica, o acompanhava. A diferença estava na tonalidade castanho-claro dos fios capilares, além do curto rabo de cavalo amarrado na altura da nuca.

— Sim — respondeu a garota, num sibilo fortuito.

Os garotos trocaram olhares e assentiram um com o outro.

— Cremos então que esteja de acordo com nossas condições? — Leon tornou a mediar o diálogo, ao que a bege reagiu acuada a princípio. — Iremos atrás do destino que fará os Deuses Olímpicos serem destronados. Onde essa Era se tornará igualitária a todos aqueles que foram desprezados e maculados por tais divindades.

Com o cajado próximo do peito, a menina contraiu um pouco dos lábios que começavam a ganhar alguma cor.

Desviou o olhar num primeiro momento, como se em busca de alguma resposta cativante aos garotos.

— Acho que você foi um pouco severo demais, Leon... — Heath resmungou, fazendo com que o semelhante fechasse os olhos e respirasse fundo.

— Você tem que deixar de ser tão altruísta — rebateu com o timbre quase sussurrante, mas nada tirou o sorridente do sério.

Acompanhar a rápida discussão da dupla fez a solitária se retrair ainda mais, incapaz de encontrar as palavras certas num curto espaço de tempo.

De todo modo, precisava fazê-lo...

Só assim conseguiria o que tanto ansiava.

— Entããão... — A voz quase apagada chamou a atenção dos dois. — Irene não quer lutaaar.

Ela forçava um sorriso, podia-se ver pelos cantos dos beiços remexidos.

— Como? — O enegrecido semicerrou as esferas negras, fazendo-a engolir em seco.

De todo modo, teve nova coragem a fim de proceder:

— Irene só queeeer encontrar o paizinho. Faz muuuuito tempo que ele se foi e nuuuunca mais voltou. — Apertou o enlace na própria arma grudada ao tronco. — Irene não saaaabe mais onde procurar. Então...

Leon e Heath voltaram a se entreolhar.

— Então não está interessada em nossa causa?

O primeiro indagou, ao que a jovem não respondeu positiva ou negativamente.

Aquilo não servia a eles.

Mediante novo lamento, o mediador encarou a possibilidade de desistir o quanto antes daquele recrutamento.

Ter alguém que não estava disposto a lutar em prol da causa seria infrutífero.

Um mero atraso em seus planos tão ambiciosos. O risco não valia a pena.

Assim concluiu sem dizer mais qualquer palavra em retorno à pacifista.

— Vamos, Heath. — Girou na velocidade do pensamento.

As bordas da capa escurecida fizeram ondas no espaço durante o deslocamento.

— Tem certeza? — Heath hesitou por um instante, mas...

— Irene vai ajudaaaar vocês se for ajudada! — O apelo da garota não parecia incomodar o jovem já determinado.

— Ei, Leon... — A insistência do altruísta começava a deixá-lo mais inquieto do que deveria estar.

— Ela pode vir conosco.

No entanto, a terceira voz ecoou pelo espaço, fazendo-os interromperem as passadas distantes.

Entre a dupla e a garota, o vórtice espacial surgiu, trazendo consigo a última determinação sobre aquele recrutamento.

Fascinada, Irene encarou a chegada do outro homem, esse coberto dos pés à cabeça pelo manto escuro.

Ele já estendia sua mão, sem nem deixar o portal que distorcia o espaço naquela região.

— Você... — O contrariado rezingou, mas não tinha muito o que fazer a partir daquele surgimento.

— Ela poderá encontrar as respostas que procura, conosco. Desde que sigamos o mesmo caminho, todos saem ganhando no fim dessa aposta.

A bege não podia enxergar a expressão daquela pessoa, mas sabia que ele não estava mentindo.

Sua melhor e, talvez, última oportunidade de obter alguma guia estava, literalmente, lhe oferecendo a mão.

Deveria agarrá-la como uma rara brecha, sem pensar duas vezes, pensou rápido.

E agiu na mesma medida, levando sua palma ainda trêmula pelo frio da montanha a apertar a dele.

Ainda havia a esperança a ela.

Semelhante dos demais Imperadores das Trevas, almejava o reencontro com os dias do qual tanto esteve habituada.

Diferente deles, desejava alcançar o melhor destino possível sem sujar as mãos de sangue no trajeto.

A paz e o rancor que andariam lado a lado, presos ao elo responsável por estremecer o balanço prateado.

— Irene agradeeeece! — Sorridente, ela assentiu com vigor.

Sua nova jornada além das terras conhecidas estava para começar.

Não importava com quem ou para quê; acompanharia todos os caminhos possíveis até obter aquela sina.

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