Volume 6 – Arco 5
Capítulo 104: Nove Musas 3 [Conformidade Precisa]
Gael adentrou a câmara da máscara risonha e sequer olhou para trás quando a porta se fechou.
Era seu grande momento de buscar o objetivo pelo qual estava almejando há tempo. Portanto, seguiu em frente sem temer a nada.
Já de cara, no cômodo inicial, foi recebido por uma iluminação tão acentuada quanto a da biblioteca da Musa Historiadora.
Um extremo conforto dominou o filho de Apolo, visto que a parca claridade do corredor o tirava um pouco dessa zona.
Estava com medo de encontrar qualquer local preenchido em escuridão. Ainda que fosse um desafio que podia ser imposto por aquela responsável por o receber.
De todo modo, não foi o caso e ele rumou no trajeto criado pelos lustres de chamas douradas potentes no âmbito fechado.
Ninguém estava naquele cubículo, então ele resolveu esperar por alguns minutos, de braços cruzados.
Nada ocorria. Começou a bater a sola do pé direito com força, repetidas vezes.
Solitário, consoante à apatia pela falta do que fazer, sentiu a paciência — ínfima — se esgotar por completo depois de meros segundos.
Decidiu rapidamente que precisava continuar.
Fechou as mãos e seguiu na exploração, agora para a outra porta que tinha visto logo ao entrar.
Continuava sem hesitar. Moveu a maçaneta redonda até o som do trinco o permitir empurrar a estrutura metálica, que expeliu um fraco rangido.
Observou de relance a outra ala do aposento, essa mais espaçosa e desprovida de móveis como a anterior.
Só que, apesar disso, uma terceira passagem se mostrava a alguns metros de distância.
Sem ver qualquer presença ainda naquele lugar, ele resolveu não perder tempo dessa vez...
— HYA!!!
— AHÁ!!!?
Uma mulher surgiu, de ponta-cabeça, bem na cara do apóstolo.
Ele, contrário às expectativas, não se assustou. Pelo contrário, comemorou o fato de ter “encontrado” a pessoa que procurava.
Não deu brechas para o azar e cerrou os punhos na defensiva, à altura do peito. Fechou a guarda quando flexionou as pernas, preparado para o embate.
No entanto, a mulher que parecia cintilar graças ao cheio cabelo amarelo ficou sem reação a princípio.
O encarou tomar aquela postura logo após soltar um “ahá” tão estridente quanto o seu grito.
Passado o baque primordial do encontro, ela juntou os beiços e tentou segurar a risada.
Foi insuficiente.
— Nyahahaha!! — Enquanto gargalhava, levando as mãos à barriga mesmo de ponta-cabeça, o jovem perder metade da vibração. — Ai, desculpa! Sua reação foi muito inesperada! Nyahahaha!!
Dependurada num arco de relevo acima da porta pelas pernas, deixou o corpo rodopiar até aterrissar de volta ao solo.
O descendente solar manteve a postura, mas não entendia bulhufas.
Ainda sem conseguir suprir as gargalhadas, a mulher se reergueu. Estava ao ponto de lacrimejar os cantos das vistas, sendo preciso limpá-las com os dedos.
Inapto a fazer qualquer coisa diante de tamanha inofensividade, Gael relaxou os ombros e os punhos.
De certo modo, apesar da quebra de expectativa, a diversão da anfitriã passou a lhe contagiar um pouco.
Aproveitou para averiguá-la dos pés — descalços — à cabeça, notando que ela era um pouco mais baixa que ele.
O cabelo bem volumoso era amarrado em um coque alto na nuca, enquanto duas grandes mechas laterais desciam, como redemoinhos, a escorrerem sobre os ombros.
Diamantes amarelos, cujos brilhos eram mais escurecidos, a ornavam numa tiara de pérolas na testa e no feixe do vestido na altura do peito.
Por meio do resplandecente sorriso, que o lembrava o próprio sol, apontou o indicador ao rosto dele e comentou:
— A Cliozinha já tinha dito que você vinha!! Mas mesmo sabendo disso, ficaria fácil te sentir!! Sua energia é muito fácil de ser sentida!! — Recuou a mão, mas manteve o indicador altivo, o balançando em negativa. — Por isso ela e a Calíopezinha te enviaram, né!!?
— Foi por algo assim!! — Ele fez que sim com a cabeça, os punhos rijos e erguidos. — Não entendi nem um pouco o que significava isso, então conto com sua esplêndida ajuda para meu treinamento!!
A alegra musa deixou de falar por um tempo.
O silêncio repentino deixou-o bem confuso por um átimo. E, depois de ser a vez dela de averiguá-lo com cuidado, limpou a garganta com a mão fechada diante dos lábios.
— Eu sou a Thalia, a Festiva!!
— Hm!! Eu me chamo Gael!!
Thalia, após escutar a devolução do rapaz, respirou fundo.
Levou um dos palmos à altura do peito ao fazer aquilo, mas durou pouco.
Ela logo o estendeu, agora aberto, na direção do visitante.
— Venha comigo, Gaelzinho!! Vamos conversar um pouco!!
— Claro!!
A Festiva deu a volta sobre o próprio eixo e permitiu que o acompanhante fosse junto dela.
Não demoraram a chegar na terceira porta, contada desde o princípio pelo Classe Prodígio.
Ela a moveu com um fraco empurrão e o chamou para entrar, indicando a passagem luminosa com a cabeça.
Através de um aceno positivo, ele passou pela radiante rumo a um âmbito ainda maior que o último.
Destacava-se por uma enorme abertura no teto, de onde o sol trazia toda a iluminação necessária para o espaço.
Deslumbrou-se com o efeito causado pela refração dos vitrais dispostos no retângulo superior, que fazia os canos de luz parecerem carregar pontos cristalinos no caminho ao chão.
Thalia postou-se ao lado dele.
Contemplou seu fascínio em silêncio.
Passado quase um minuto naquele clima aprazível, ela abaixou o olhar, um tanto tímida.
Cruzou as mãos detrás das costas e aproximou-se um pouco dele.
— Para começar, me conte sobre suas aventuras!!
Gael voltou as atenções à musa.
— Quer saber sobre minhas últimas missões!!?
— Claro!! — Os lábios rosados dela se curvaram ainda mais. — O que andou fazendo antes de vir até aqui!!? Me conta!!
A pequena se sentou no chão, as pernas dobradas e cruzadas enquanto as mãos se apertavam sobre as coxas.
Contagiado pela curiosidade no olhar da anfitriã, o filho de Apolo também repousou no mármore.
— Bom, por onde devo começar!!? — Voltou a cruzar os braços. A cabeça erguida buscava a cronologia correta dos mais importantes acontecimentos. — Ah!! Primeiro, eu conheci companheiros novos!! Eles são esplendidamente legais!!
E assim, começou a contar as partes que se remetia das vivências na Ilha de Delos e, depois, na cidade de Argos.
Pouco a pouco, destrinchava suas maiores experiências em combate — a princípio — contra os adversários com os quais precisou batalhar.
Não obstante, a Festiva reagia cada vez mais entusiasmada com os bravos contos de Gael.
Parecia uma criança, faminta por heroísmos e histórias épicas dignas de fábulas.
— Você lutou contra um dos Sete Grandes Monstros!!? E conseguiu derrotá-lo!!? — Os globos oculares da mulher brilharam.
— Sim!! E era enorme!! Não foi nada fácil vencer!!
— Uau! Os jovens de hoje em dia estão bem mais intensos! — Thalia juntou as palmas ao lado do rosto. — Você disse que foi com uma amiguinha, né!!?
— Isso!! Elaine estava lá e deu o golpe final!! E, depois...!! — O rapaz fez uma pausa repentina, capaz de despertar uma certa tensão na musa. — Fomos atacados por uma garota! E fomos derrotados esplendidamente!
Thalia ficou quieta por um momento, permitindo ao rapaz digerir as relembranças do duro revés.
— Eu descobri que tem pessoas que são mais fortes do que eu por aí! Por isso eu preciso ficar ainda mais forte!! — Fechou o punho dominante. — Pra lutar por meus companheiros!! É a promessa que fiz naquele dia!!
Ela o fitou em silêncio por mais um tempo, a feição menos exagerada em comparação à demonstrada até o momento... acabou por mudar num piscar.
— E como está o... seu pai!!?
— Hm!! Ele me ensinou bastante coisa, mas faz tempo que não converso muito com ele!! Ao menos a Daphne me faz companhia lá em casa, então a gente se fala muito!!
— Daphne... Você citou essa menina antes. — Repousou o indicador sobre o queixo.
— Meu pai salvou ela quando era menor, é o que ela me contou!! Então, ela mora com a gente e ajuda nas tarefas de casa!!
A Festiva o observava, radiante, sempre risonho e animado ao contar todo e qualquer detalhe referente a tudo ao seu redor.
— Fico feliz que esteja cercado por pessoas tão boas... — murmurou mais para si do que outra coisa. E o rapaz percebeu sua entonação ligeiramente cabisbaixa. — Enfim!! Vamos aproveitar o entusiasmo pra tentarmos começar!!
De novo veio a mudança inesperada dela.
— Sim!!
Apesar disso, o apóstolo a acompanhou, levantando-se do chão na sequência.
— Primeiro tire suas luvinhas!!
Apontou às vestimentas que cobriam as mãos do rapaz.
Sem questionar as circunstâncias, ele seguiu o pedido dela.
Com os dentes, retirou a luva da mão canhota. Em seguida, puxou pela ponta dos dedos a destra.
Thalia semicerrou as vistas em prol de analisar o estado da pele do garoto. Constatou que carregava pequenas cicatrizes de queimaduras espalhadas por diversas áreas dos membros.
Contudo, o segundo detalhe que a espantou. Logo após ele as retirar, a energia calorosa se alastrou pelo recinto com muito mais ímpeto.
“Ele já está acostumado a isso!...”, encarou a faceta do prodígio.
Não demonstrava qualquer desconforto em deliberar tanta energia de forma inconsciente.
Se aproximou dele e repousou e tateou uma delas, com cautela.
Além da falta de maciez pelos músculos da palma e as manchas das lesões antigas, pôde experimentar com maior propriedade o fluxo descontrolado que emanava por elas.
Fazia sentido, visto que ele lutava diretamente com aqueles membros e não com uma arma.
— Pelo visto, vamos ter que começar bem do básico!! — O veredito chegou com perplexidade na voz. — Lembra que eu disse sobre você ser facilmente detectável!!? É porque você, inconscientemente, libera muita energia de suas mãos!! E isso é natural, visto que as utiliza para canalizá-la quando precisa manifestá-la em sua autoridade elementar!!
— Sério!!? — O garoto encarou-as, genuinamente surpreso.
— Eu estava bem assustada por você nem perceber isso, só que o fato de usar bastante essas luvas deve explicar! — Mostrou o tecido especial à frente dele. — Elas conseguem inibir um pouco da energia que você libera, então acho que é o suficiente pra que outras pessoas ao seu redor não se incomodem!! Inclusive, as menos sensitivas!! Mas isso é prejudicial pra você mesmo!!
— Eu... não fazia ideia disso! — Atônito pela primeira vez desde a chegada, Gael abriu e fechou os dedos. — Se bem que teve algumas vezes que a Daphne acordou dizendo que ‘tava muito calor no templo!...
“Tadinha, ela deve ter sofrido”, só por aquilo, Thalia ratificou quão espantoso era o fato de ele ter ignorado aquele caso por tanto tempo.
— De qualquer modo, isso te prejudica bastante, porque te atrapalha quando precisa usar sua energia em plena forma!! Inclusive, não te permitiria usar a Arte do Sol em sua total capacidade!! — Balançou o indicador. — Assim que se tornar capaz de controlar o fluxo disperso de energia, poderemos seguir com o treinamento!! Então, vamos começar cuidando disso!!
— Esplêndido!! — De mãos nuas, ele socou a palma destra.
Thalia caminhou até uma cadeira, adjacente à parede onde encontravam-se dispostas diversas máscaras, idênticas às da cinzelada na porta principal do corredor.
Puxou a mobília até o centro do âmbito, onde a maior camada de luz solar atingia a superfície.
Sentou-se a cruzar as pernas e entoou:
— Pois bem, vamos começar com um leve treino de fortificação física!! Preparado!!?
— Com certeza!!
Quando o jovem bateu os punhos, Thalia expressou um sorriso intimidador, alheio a um olhar preenchido de intensões nada agradáveis.
Incapaz de segurar o ímpeto pessoal, logo declamou:
— Está acostumado a fazer exercícios anaeróbicos!!?
— Sim!! Geralmente eu faço cem repetições a cada dois dias, e...!!
— Então a partir de hoje, fará quinhentas!! Todos os dias!!
Ao enxergar os cinco dedos da mulher esticados diante da face soturna, o filho de Apolo calou-se.
O silêncio tomou conta absoluta do cômodo, substituído logo na sequência pela costumeira gargalhada da proclamada Musa da Comédia.
Chloe e Julie avaliaram o cubículo inicial da câmara acessada.
Sem ninguém para as receber, optaram por atravessar para a outra porta, onde havia um pequeno corredor.
Assim que se depararam com a passagem estreita, os ouvidos detectaram uma melodia leve ecoar.
Não vinha de muito longe, portanto seguiram aquela única pista.
O som de timbre doce e suave era emitido com tanta graciosidade que as atraía mais do que imaginavam.
Depois de avançarem a passadas cuidadosas, chegaram à nova passagem vertical.
As duas trocaram olhares e assentiram com a cabeça uma à outra. Então, Chloe abriu a porta.
Se depararam com um pequeno pedestal de mármore, onde uma mulher de pernas cruzadas se sentava.
O instrumento semelhante ao cravado na porta inicial era suportado por suas mãos, delicadas. A boca se conectava à flauta dupla.
As filhas de Atena contemplaram-na com fascínio.
O bonito cabelo azul-ciano alcançava apenas o pescoço, por estar amarrado em um arco de trança que passava sobre seu peito, de um ombro a outro.
Também chamava atenção a pedra de berilo, a água-marinha, no peito e no dorso de cada mão, fixada por ornamentos dourados.
Chloe e Julie permaneceram na divisa entre o corredor e o quarto um pouco mais espaçoso. Perderam a noção do tempo enquanto contemplavam a demonstração artística da musa.
Tal apresentação se estendeu por um período considerável, até o contato dos lábios levemente azulados com o bocal do instrumento ser separado.
Isso arrancou as gêmeas da hipnose confortável.
Ao abrir as vistas castanhas, a mulher confirmou a presença delas.
Abriu um leve sorriso ao distanciar o objeto do rosto.
— Sejam bem-vindas, queridas hóspedes. — Inclinou um pouco da cabeça à esquerda, a boca salientou o aspecto sorridente. — Eu sou Euterpe, a Musicista. Minha irmã Clio antecipou a vinda de vocês duas até meus aposentos.
Assim como a música que entoava da flauta, sua voz soava extremamente doce.
— É um devido prazer ser concebida a vossa ilustre presença. — Realizou a mesura respeitosa de praxe. — Me chamo Chloe. Esta é minha irmã, Julie.
A alva fez o mesmo.
Perante a cordialidade da jovem púrpura, Euterpe foi dominada por tamanho prazer que passeou com a língua sobre os beiços.
O torso inclinou-se adiante, sem deixar a conexão corporal com o sustentáculo alabastrino.
— Não há como ser diferente. A satisfação é toda minha por receber as filhas de Minerva.
As semelhantes trocaram olhares rápidos ao receberem a resposta.
A anfitriã acabou pegando de volta a atração delas ao executar um célere movimento, recheado de graciosidade.
Posicionou-se de pé sobre o suporte prismático. Retraiu as sobrancelhas e trouxe a flauta de volta aos lábios.
Respirou fundo e começou a soprar o bocal.
Os dedos moviam-se acima dos pequenos buracos de forma bem sistemática. A nova música, de melodia parecida com a anterior, passou a ecoar pelo recinto.
Chloe via-se inapta a esconder o espanto ao ter os ouvidos tomados pela harmonia.
Por outro lado, Julie acompanhava o espetáculo particular através do habitual semblante inexpressivo.
Em ritmo de comemoração, opositora à “canção de ninar” anterior, Euterpe revigorou os ânimos das descendentes divinas.
Então, de súbito, saltou do pedestal e caiu bem próxima das duas. Passou por entre elas, que não puderam antecipar devido ao relaxamento imposto pela respectiva.
Girou o corpo duas vezes, uma bela espiral. Dispôs das vistas entrefechadas em direção à dupla.
Puxou o aulo com a mão do suporte, de onde a estrutura de osso desencaixou na direção oposta; do instrumento, duas adagas se formaram em seu porte.
Quem se desprendeu — ou jamais esteve — do encanto foi a arqueira, que puxou o braço da irmã até seu lado.
Só então Chloe pôde notar que tinha sido golpeada por uma tentativa de empalamento da ciana.
— Muito bom... — mussitou a Musicista, sorrindo com malícia mesmo em um rosto tão puro.
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