Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 100: RUMO AO RECOMEÇO

O prometido terceiro dia havia chegado.

Quando o céu passou a clarear, antes mesmo de o sol começar a surgir no horizonte, Damon já se preparava para partir a Atenas.

Junto dele, Daisy, bocejando cheio de sono, fazia o possível para não voltar a dormir agarrada a seu braço.

Depois de colocar algumas roupas em uma bolsa de alça singular, o jovem olimpiano ajeitou a espada da bainha nas costas e foi até o átrio exterior com a menina.

Desceram as escadarias do Olimpo; somente seus passos reverberavam pelo breu.

Fizeram uma pausa rápida no intuito de se dirigirem ao saguão final da zona celeste, onde a filha de Hades repousava desde as consequências do conflito contra as górgonas na Floresta Negra.

A porta encontrava-se fechada, por isso o rapaz bateu duas vezes com os ossos do dorso antes de entrar.

Com a resposta positiva vinda do interior, ele girou a maçaneta e empurrou a estrutura metálica.

Se deparou com a Deusa das Flores, ainda presente na companhia da jovem adormecida na cama.

Daisy adentrou o cômodo primeiro, recebida pelo sorriso gentil da mulher.

Damon permaneceu entre a passagem em arco. Não queria chegar muito mais perto.

Com o passar dos segundos taciturnos, os raios solares iniciavam a ascensão pela paisagem, até ofuscar as estrelas que pulsavam no topo obscuro.

— Não vai entrar? — perguntou a deidade.

— Só vim ver ela antes de partir. Não se preocupa...

— Entendo. Boa sorte em sua nova jornada. Tenho certeza de que ela torcerá pelo sucesso de vocês dois.

O apóstolo apenas acenou com a cabeça baixa e ofereceu uma última olhadela em Lilith antes de se virar para a sequência do percurso.

A pequena se despediu da deidade através de uma rápida mesura, a fim de acompanhar o irmão.

Quando a porta voltou a fechar, Perséfone exalou um suspiro junto ao som da trinca.

Tornou a fitar a filha mais nova. Levou a mão destra até seu peito. Os batimentos cardíacos permaneciam naturais, a respiração mostrava-se branda.

Nenhuma anomalia ou sequela revelada até o momento.

Restava o aguardo de seu despertar.

Até o fim...

Os descendentes do Rei dos Deuses prosseguiram no decréscimo dos degraus.

O céu já era parcialmente preenchido por um tom alaranjado, que criava um degradê com o ciano à medida que os minutos corriam.

Envoltos pela luz da alvorada, completaram a travessia do topo ao sopé da grande montanha.

Próximos do atalho espectral que os levaria até a pólis ateniense, se depararam com outra figura.

A descendente primeira do Reino dos Mortos, Melinoe, carregava um punhal que misturava cinza e preto na cintura.

E a exemplo do olimpiano, carregava uma bolsa de lã, cuja alça única passava entre seus seios.

Damon trocou olhares afiados com a irmã mais velha de Lilith durante um átimo.

Sem ter nada para dizer a ela, escolheu avançar o trajeto designado ao puxar com mais vigor a mão de Daisy. Foi a chacoalhada definitiva para que a menina despertasse.

Mas, para surpresa geral, a ctónica também se dirigiu à entrada invisível das Passagens Espectrais.

O filho de Zeus esgazeou as vistas tal como a própria acompanhante. Se entreolharam enfurecidos mais uma vez.

Isso durou até ambos darem de ombros.

No meio do percurso, sem trocarem uma palavra, acompanharam a chegada definitiva da nova manhã.

Quando o sol enfim se mostrou para todo o continente, o trio curioso chegou às primícias da cidade de destino.

“Não pode ser...”, ainda um pouco duvidoso, Damon começava a considerar a possibilidade de Melinoe estar indo na mesma direção que eles.

Apesar disso, preferiu evitar qualquer tipo de contato com a mulher, que o seguia no encalço com aquele olhar superior de costume.

Daisy, de mãos dadas com o irmão, não entendia muito bem o motivo para que ambos criassem um clima tão denso naquele recinto.

Embora tivesse visto algum desentendimento no último encontro no salão dos Doze Tronos...

Queria muito usar a Empatia, mas se segurou em respeito a ele. E à própria veterana, inclusive.

Sem delongas, os irmãos terminaram de passar pelo túnel arco-íris, em vertente à grandiosa acrópole cercada por morros de pequenas florestas.

Ambos desceram primeiro, já no alcance das adjacências do enorme santuário cercada de outros pequenos templos.

A filha de Hades surgiu segundos depois.

— Enfim chegaram — disse a Deusa da Sabedoria, primeira a se virar aos visitantes.

Acompanhada por sua mensageira particular, Íris, foi fitada pelos três, assim como os demais indivíduos já presentes no local.

Daisy sorriu e acenou para as filhas gêmeas da sábia divindade, que devolveram com gestos diferentes; Chloe acenou de volta com a mão, enquanto Julie somente fez que sim com a cabeça.

E, também, gesticularam para Damon, que devolveu sem tanta vontade.

A atenção dele partiu mais para os outros dois prodígios os quais já tinha conhecido em tarefas recentes: Silver e Gael.

— Ei, Damon!! — O dourado, por sinal, ergueu o braço com vontade e lhe chamou a atenção.

O prateado permaneceu em silêncio. Se prestou apenas a encará-lo de soslaio para, em seguida, desviar a atenção.

Diante da reunião inesperada, o filho de Zeus não se conteve em questionar, diretamente à superior:

— O que significa isso?

A despeito da feição consternada dele, a deusa o replicou:

— Somente estou cumprindo com minha palavra, irmãozinho. Todos os aqui presentes foram selecionados por minha pessoa com o intuito de partirem a uma importante jornada, que visa permitir uma nova evolução a cada um. — Executou uma rápida pausa, tornando os olhos aos pontuais. — Além da indispensável recuperação de Damon, a melhora de cada um é crucial. Para que seja possível combatermos esta nova ameaça que ronda a todos nós... os Imperadores das Trevas.

Entre uma nova pausa, ergueu o braço à medida que elevou o tom de voz, através de sua expressão convicta:

— Portanto todos os integrantes da Corporação dos Deuses aqui selecionados deverão partir, imediatamente, à Ilha de Rodes!

Enquanto Gael contabilizava a quantidade de membros defronte a entrada da grande construção, Damon chegou a uma conclusão imediata:

— ‘Pera, ela também vai?

Apontou à Melinoe, que os acompanhava em silêncio até então. Ao ser citada indiretamente, o encarou com o canto dos olhos e voltou a dar de ombros à sua indignação.

Diante do silêncio inicial adotado pela sábia, já pôde compreender a resposta positiva.

De toda forma, ela tratou de, no mínimo, lhe elucidar a razão de tal escolha:

— Não podemos prever, por ora, quando atacarão uma outra vez. Melinoe, por ser a única Apóstola de Classe Herói disponível, deve fazer esta viagem com vocês.

— Até o presente cenário, fomos repentinamente desafiados em três conjunturas, todas de eventos estreitos. — Chloe deu procedência. — Trata-se de uma escolha inteligente, dentro dos resultados recentes.

— Obrigada, Chloe. Portanto, ter uma divindade de nível próximo até a alguém dos Doze Tronos é o melhor que posso oferecer no momento.

Com as explicações conectadas de mãe e filha, o garoto não teve escolha senão aceitar as condições impostas.

De toda maneira, por mais lógica que a escolha se comprovasse, não pretendia depositar confiança alguma na veterana.

E ela tampouco parecia aberta a se preocupar com os jovens de classe baixa que acompanharia.

O mínimo de interesse capaz de fazê-la aceitar ir era a possibilidade mencionada pela Deusa da Sabedoria: um novo e inesperado ataque dos desconhecidos inimigos.

— Então... — Damon olhou para Daisy.

E, depois, para Atena.

Só de imaginar o que ele desejava dizer através de um olhar tão ambíguo, a deusa prendeu uma risada e balançou a cabeça para os lados antes de esclarecer:

— Solicitei que trouxesse Daisy para que ela não permanecesse solitária no Olimpo. Dito isto, aproveitarei para finalizar vossos treinamentos.

A garotinha, apesar de triste por não ter sido escolhida para Rodes, projetou um sorriso eufórico ao escutar a segunda parte.

Se por um lado o olimpiano tinha ficado aliviado, por outro ficou um pouco mais curioso.

Correu com as vistas por Silver, quieto como sempre, nas gêmeas, íntegras como sempre, e no filho de Apolo, vibrante como sempre.

Lilith estava incapacitada, então era óbvia sua ausência. Melinoe estava como sua substituta, embora odiasse pensar dessa maneira.

Foi aí que um detalhe faltante passou pela cabeça...

— Cadê a azulzinha? — Encarou o rapaz que fazia dupla com ela.

— Ela recusou a convocação. — Íris foi a responsável por responder. — Em suas palavras: “prefiro seguir meu treinamento com minha mãe”. No caso, lady Ártemis.

— Preferia que ela os acompanhasse — complementou a sábia. — Contudo, optamos por respeitar sua escolha. Não será nenhum problema.

— Não se preocupa!! — Gael bateu os punhos, já vestidos com suas luvas. — A Elaine vai ficar ainda mais forte!! Então a gente tem que fazer o mesmo, seja como for!!

Damon assentiu ao escutar a sentença do descendente solar após as explicações das deusas.

— Então, vamo’ logo...

— Não. — Atena o impediu. E recebeu o olhar interrogativo de praxe. — Resta uma pessoa, que escolhi especialmente para o lugar de Elaine.

— E quem é essa pessoa?

— Sou eu!

Como se fosse obra do acaso, a resposta veio de nenhum dos que já estavam ali.

E tanto o filho de Zeus como o de Apolo reconheceram a voz na hora exata que a jovem mulher deixou a “invisibilidade” das Passagens Espectrais.

Seu cabelo ruivo-alaranjado carregava a característica presilha de borboleta.

A pele, clara com a luz do sol, criava uma atraente harmonia com o vestido ciano, que ia até metade dos joelhos.

Com exceção de Julie, naturalmente apática, e Melinoe, que não dava a mínima, todos reagiram encantados perante a eminente beleza da recém-chegada.

— Desculpem pela demora! — Helena sorria desconcertada com seu atraso, enquanto passava a mão na nuca.

— Helena? — Damon, ao contrário da maioria, levantou as sobrancelhas em espanto.

— Faz um tempinho, irmãozinho! — Se aproximou dele e lhe ofereceu um rápido abraço. — Uma semana, na verdade, mas dá para brincar que faz uma estação!

— Mas..., ‘cê não tinha voltado pra Delos?

— Eu fiz isso! Pude ajudar os delianos se recuperar de tudo que sofreram. — Abaixou o timbre vocal, tornando-o um pouco lamentoso. Mas logo voltou a elevá-lo. — E estão todos muito bem! Ainda podem seguir com suas vidas sem muitos problemas, graças à recuperação da vila! Foi por isso que a irmã Atena me deu a permissão de os acompanhar.

O garoto fitou a Deusa da Sabedoria e recebeu sua resposta positiva, sem a necessidade de quaisquer palavras.

— Eu não quero deixar vocês pegarem todo o trabalho. — Fechou os punhos delicados, agora confiante. — E, também... se eu puder fazer algo para salvar meus irmãos, mesmo que eu precise largar meu posto de Classe Iniciante, eu não hesitarei.

Damon viu-se incapaz de rebater a declaração final, proveniente de um pensamento forte demais para ser desenlaçado.  

Mesmo que todo o ocorrido em Delos, há uma semana, voltasse à tona, apreciou o esforço da meia-irmã em seguir adiante.

— Não posso mais ser a donzela a ser resgatada. Quero ficar mais forte, como vocês!

— Então é isso. — O olimpiano pôde mostrar um sorriso tênue, genuinamente satisfeito.

Mais importante, todos os selecionados enfim estavam reunidos na acrópole de Atenas.

Graças a isso, Atena requisitou a atenção de todos de volta a si.

— Há um navio atracado no porto da cidade, suficiente para comportar todos vocês. A viagem até Rodes dura menos de uma hora. Todos serão recebidos por outros três membros da corporação que vivem lá. Eles serão os responsáveis por conduzi-los até o destino.

— Então, vamo’ nessa!! — Gael voltou a bater os punhos.

Silver conservou-se no remanso habitual e iniciou a caminhada às Passagens Espectrais.

Chloe e Julie receberam o aval de sua mãe, que moveu a cabeça para baixo e recebeu o mesmo em resposta.

Se despediram através de uma mesura quase perfeitamente sincronizada e deram a volta, no intuito de seguirem o filho de Poseidon.

O filho de Apolo resolveu disparar no encalço dos dois, pois se recusava a ficar para trás.

Melinoe, através de um resmungo entre lábios, deu a volta. Já que não tinha muito o que fazer, resolveu seguir a mínima possibilidade de ser recompensada por ir com eles.

Restavam Damon, Daisy e Helena, que observaram o distanciamento do grupo num primeiro momento.

— Pode ficar tranquilo, Damon. — Atena o antecipou, como se pudesse ler sua mente. — Como já disse, ficarei sobre os cuidados de Daisy até que retornem. E Lilith também ficará bem. Perséfone estará com ela até que desperte.

— Eu sei. — Abaixou o rosto, tomado por seriedade. Fechou o punho dominante na altura do olhar. — Vou devolver o favor.

— Faça isso. Embora seja importante, de todo modo, lembre-se de que tudo dependerá somente de si. Tenho total confiança de que retornará recuperado, melhor em comparação a como está partindo. A exemplo dos demais.

Damon depositou todos os seus créditos de confiança nas palavras da superior.

Então, levou o foco à caçula.

— Até mais, Daisy.

Fez carinho na cabeça dela, que sorriu de felicidade e o abraçou num leve salto.

— Fica bem, irmão!

Lhe envolveu o pescoço, ao que o rapaz levou suas mãos às costas dela.

Tocou nas marcas de nascença das escápulas e, por um instante, experimentou um arrepiou ascender sua espinha.

Quando moveu a cabeça para trás, encontrou os olhos cerúleos da irmãzinha bem pertos dos seus, que pareciam o próprio céu noturno.

Depois, encerrou a despedida ao recuperar a postura, paralelo à Helena.

A Classe Iniciante também se despediu da menina e da irmã mais velha.

Os dois, por fim, giraram sobre os tornozelos e, juntos, rumaram aos túneis arco-íris que conectavam todos os pontos mais importantes do continente.

Atena, Daisy e Íris permaneceram à frente do santuário de Atenas, até que a dupla desaparecesse da linha de visão.

— Que as divindades sempre estejam convosco — entoou a sábia, quase que como uma prece.

As portas para os promissores descendentes dos deuses da Era Prateada se abriam, os convidando para um novo caminho sem volta.

O caminho que os levaria a confrontar, em definitivo, a ameaça jamais oferecida àquele reinado divino.

O caminho de um imprescindível recomeço...

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