Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 98: Desejado Reencontro

Ao abrir os olhos, a mulher encontrou apenas escuridão à frente.

Levou pouco tempo até reconhecer as camadas de tecido responsáveis por envolver os olhos. E aquilo a incomodava mais do que gostara.

Afinal, tentou mover os braços, no intuito de removê-las, porém acabou impedida pelas amarras dos punhos. Experimentou o mesmo com os tornozelos, em seguida.

No mínimo, foi posta encostada na pilastra de gesso, ao lado das barras metálicas que sustentavam e protegiam as cordas.

Por não se sentir desconfortável naquela posição, preferiu guardar as reclamações a priori.

Notou as víboras sonolentas se remexendo em sua cabeça. A exemplo do ferimento enfaixado no abdômen, um corte profundo que poderia voltar a sangrar a qualquer momento.

Era o que pensava, mas...

“Está fechado”, o formigamento vinha das suturas feitas no rasgo acima do umbigo.

Remeteu rapidamente à responsável por fazer aquilo — o corte. Não levou muito tempo a imaginar o desfecho do combate após seu desmaio.

E ao que isso tinha a levado...

Um ruído efêmero infestou o tímpano esquerdo. As serpentes, que podiam enxergar tranquilamente, apontaram à direção específica.

E a mestra as acompanhou.

— Vejo que despertou.

A voz de Chloe foi reconhecida.

Ela se aproximou a passos curtos, serena a ponto de se permitir a deixar a lança partida na ala da cintura.

A górgona mexeu os braços, conferindo outra vez a imobilidade imposta sobre si. Ainda assim, recebeu a algoz com um sorriso afável no rosto esverdeado.

— Você é... a filha de senhorita Atena, sim?

A jovem parou de frente a ela, fora do alcance das serpentes médias, que pareciam tão remansadas quanto a mulher.

Fora do calor do confronto na floresta, pôde notar as finas escamas espalhadas pelos braços, pernas e torso da aprisionada.

Antes que a apóstola pudesse respondê-la, outras duas presenças se infiltraram no jardim.

Chloe susteve-se de olho na capturada. Essa, contudo, direcionou os olhos vendados às influências ligeiramente semelhantes a se juntarem à lanceira.

Aos poucos, Stheno alargou os lábios sorridentes, tomados por traços de perplexidade.

Julie chegou em seguida, juntando-se ao lado da irmã, que recuou dois passos.

Abriu espaço em prol da passagem absoluta da mulher que trajava, acima do vestido branco, peças desconectadas de uma armadura dourada.

— Senhorita... Atena...?

A górgona ainda tentou confirmar, pois queria ouvir da própria voz dela a resposta.

Soou embargada, emotiva ao momento que, depois de tanto tempo, se reencontrava com sua antiga potestade: a Deusa da Sabedoria em pessoa.

Ela se postou a poucos metros da amaldiçoada, notando o quão trêmula a respectiva tinha se tornado.

Tomada por um semblante de júbilo, a mulher-serpente experimentou um profundo suspiro externado pela deusa.

As gêmeas trocaram rápidos olhares.

Todos aguardavam as palavras da superior, que não demoraram mais do que aquilo para serem declamadas:

— Faz um bom tempo, Stheno.

— Eu... eu queria tanto te ver, senhorita Atena! — Stheno se moveu na tentativa de avançar. Mas foi impedida pelas amarras. — A senhorita... a senhorita recebeu minhas preces!?...

— Serei direta convosco, Stheno. Preciso que você me responda algumas perguntas importantes sobre vossas irmãs. — Em frente ao silêncio, procedeu: — Além disto, tenho uma proposta interessante em mãos.

— Proposta?...

— Estou ciente sobre vosso desejo. Buscar perdão pelo que acometeu no passado... No entanto, acredito que Medusa e Euryale não carregavam as mesmas crenças. — Juntou as mãos à frente das pernas. — Caso continue a almejar por tal perdão, terá de responder meus questionamentos e auxiliar-nos.

— M-mas... minhas irmãs, elas...

— Euryale está morta.

A ríspida interrupção realizada pela sábia, acarretou numa alteração emocional vigente sobre a amaldiçoada.

As sobrancelhas erguidas se arriaram em conjunto aos cantos dos lábios.

O silêncio se pronuncia pelo âmbito relvado, no decorrer de um breve período. Paciência foi uma virtude à deusa, no aguardo pela resposta que decidiria o rumo das tratativas.

Pôde perceber, inclusive, o questionamento ocular de Chloe quanto a decisão de colocar em pauta a morte da górgona mais velha.

A chance de recusa tenderia a crescer diante daquela informação. No entanto, a deusa levou em conta o fato de que, cedo ou tarde, ela iria saber.

No corte da quietude, lágrimas finas verteram pela face da mulher.

A lanceira desviou o olhar de leve, diferente da arqueira, sempre indiferente nas linhas faciais.

Em desprezo à ameaça das víboras mansas, Atena avançou outros dois passos.

Agachou-se, recebendo os sibilos dos animais. A cabeça inclinada de Stheno voltou a se erguer.

— Sempre há espaços em prol de obter uma nova oportunidade. — Apoiou, sem medo, a mão sobre o ombro dela. — Por mais que tenhamos nos equivocado no passado... ainda é possível buscar a redenção. E, diferente de tuas irmãs, tu sabes muito bem disto.

— Eu...

Podendo experimentar um misto de suntuosidade e pesar nas falas da deusa, a górgona não foi capaz de expressar qualquer frase em resposta.

— Tu ainda podes se redimir, Stheno. Não é somente tu que se arrependes das atitudes do passado... — Aproximou os cílios pesados. — Precisamos fazer o que estiver a nosso alcance em busca de melhorarmos. Seguirmos em frente. E, sim, eu recebi tuas incontáveis preces...

A mulher-serpente, sem perceber, separou os lábios.

Engoliu em seco, a fim de controlar o pranto descontrolado a transbordar por trás das vendas.

No fim, balançou a cabeça para os lados, encontrando a decisão que poderia tomar naquele instante.

Atena esperou por uma resposta que demorou a vir. Cogitou a incapacidade dela em dizer, graças ao abalo emocional, portanto soltou um novo arquejo e reergueu a postura.

No entanto, quando tomava o giro sobre os tornozelos...

— Minha irmã... Medusa... — O balbucio da amaldiçoada pegou de volta sua atenção. — Ela recebeu uma visita... de uma pessoa que não conhecíamos...

As palavras chorosas soavam tremidas, gaguejadas. Apesar disso, servia ao grande objetivo da deidade, de obter novas e preciosas informações relacionadas ao grupo misterioso.

— Pode dizer — mussitou ao se agachar de novo, dando o empurrão derradeiro à relutante.

Os lábios rachados se apertaram, mas ela não pestanejou mais em soltar tudo que tinha a oferecer:

— Fomos convidadas para nos unir... a um grupo que almeja acabar com a Era dos Deuses. — Soluçava a cada pequena pausa. — Minhas irmãs aceitar... a oferta. Tentei fazê-las reconsiderar. Juro... que tentei. Mas elas não me escutaram. Minha irmã Medusa foi levada... por essa pessoa e nos deixou... tomando conta da floresta.

Serena, a sábia secou as lágrimas das bochechas dela com o polegar.

— Esta pessoa... ela os contou para onde a levaria?

— Não disse... Era confidencial, segundo ele. — Conseguia controlar melhor os espasmos do diafragma. — Eu juro que é tudo que eu sei. Minha irmã nos contaria assim que retornasse, mas... vocês chegaram antes.

Subiu um pouco do rosto, como se fitasse as gêmeas que acompanhavam o interrogatório

— Quando ela retornará?

— Também não nos foi dito. Mas, pode ser tanto hoje, como amanhã...

Sem forças para prosseguir, Stheno pendeu a cabeça outra vez, arfando após falar sem parar entre os soluços do choro.

Atena compreendeu que ela não estava dissimulando. Levou o olhar ao teto vitral e respirou fundo.

“Maldita Medusa”, deu meia-volta, sem trocar mais palavras com a górgona do meio.

Chloe e Julie conferiram-na pela última vez, durante breves segundos, para então acompanharem a deixa da progenitora.

Quando as portas do recinto se fecharam, a criatura voltou a despejar as lamúrias consigo mesma. Ainda sofreria bastante por saber da morte de sua irmã, como esperado...

— Minha mãe. — A lanceira, no corredor, tomou a dianteira. — Eu e Julie devemos...?

— É arriscado demais, quando não sabemos o momento no qual ela aparecerá. — Se antecipou à garota, sem sequer a devolver a encarada. — Desprovemos de boas opções. E Medusa, apesar de ser a caçula, é uma ameaça tão grandiosa quanto Stheno e Euryale.

“Pergunta: O que devemos fazer agora?”, Julie questionou.

— Stheno permanecerá sob nossa custódia. Ela ainda pode auxiliar-nos neste meio-tempo, quando as emoções forem apaziguadas. — Chegou ao salão principal. — Enquanto isto, há outra situação importante da qual estou cuidando. Em breve, transmitirei as novidades.

As irmãs pararam de andar na passagem para os sofás e estantes posicionados em área distintas, mas simétricas uma da outra.

Chloe fechou os punhos com força, na iminência de puxar o olhar de soslaio da gêmea.

— Quanto àquilo que proferiu... — A voz escapou, fazendo a deusa parar. — Sobre arrependimentos do passado...

A repentina indagação da jovem apóstola nem precisou ser complementada.

Atena encarou num meio giro, ciente de que ela deveria ter escutado algumas coisas vindas de Stheno, na batalha da floresta.

Mediante um lamento interno, ela pensou em responder.

Contudo, ouviram a porta principal ser batida, exatas cinco vezes ininterruptas.

Sem se importar com a mudança súbita de foco, a Deusa da Sabedoria prosseguiu ao corredor que interligava à entrada e saída do santuário.

As descendentes fizeram o mesmo, acompanhando-a abrir a porta que as oferecia à vista do topo da grande acrópole.

O céu azul-escuro era banhado por pontos de diversas cores e tamanhos, que pulsavam intensamente.

Em meio ao vazio preenchido pelas luzes distantes, no céu e na terra, uma mulher sorria diante dos pequenos degraus.

De corpo franzino, trajava uma simples veste de panos azuis e brancos. O cabelo, de tom bege, era preso em um rabo de cavalo e sustentado por uma tiara que arqueava a cabeça.

Logo foi reconhecida também pelas gêmeas, que se uniram à deidade superior na descida.

A figura, que parecia reluzir em meio à escuridão parcial, se aproximou através de passadas graciosas.

Ao abrir as esferas oculares, destacou-se a íris lilácea. Tão plácida quanto o sorriso amável oferecido pelo semblante.

— Estou de volta, senhorita Atena.

Curvou-se perante a integrante dos Doze Tronos e suas filhas, levando o braço direito a cruzar o peito.

— Bem-vinda de volta, Íris. — Atena a saudou, semicerrando as vistas. — E então. Conte-me as novidades.

— Sim! — A felícia se reergueu, deixando sua voz melódica reverberar até a deusa. — Elas aceitaram o pedido da senhorita!!

Um novo amanhecer despertou toda Hélade, tal como o filho mais novo do Rei dos Deuses.

Sonolento, caminhou até o saguão exterior para ser recebido pela luz do sol.

Espreguiçou-se até estalar todas as juntas, um deleite inexplicável para qualquer divindade.

Aproximou-se da balaustrada, conforme as vistas remelentas se acostumavam à claridade.

A brisa fresca o envolvia, fazendo as pontas bagunçadas do cabelo vinho-escuro dançarem no espaço.

Soltou um último bocejo, ao passo que se debruçava na estrutura horizontal de gesso, antes de enfim abandonar a morosidade.

Quase deitou o queixo sobre os braços. Encarava a paisagem que só podia ser vista do topo daquela montanha, um horizonte inalcançável além das vistas.

— Huhum!

Foi quando escutou uma risadinha fraca ecoar da sua esquerda. Virou o rosto lentamente, só para encontrar a moça sentada sobre o guarda-corpo.

— Hã?...

Incrédulo, franziu o cenho ao contemplar as pernas brancas dela, que estavam cruzadas. O pé da que cobria o joelho balançava, de forma graciosa, no ritmo da melodia das Cárites.

Os globos lilases pareciam sorrir tanto quanto os lábios rosados. Trouxeram um calafrio indescritível ao rapaz, quando se conectou àqueles detalhes tão reluzentes em comparação ao sol.

— Booom dia!! — ela saudou, movendo a cabeça à direção do ombro.

O longo rabo de cavalo oscilou, caindo pela lateral do pescoço inclinado.

Na tentativa de levantar o ânimo do recém-desperto, fez a reação ser completamente oposta.

Diante da retruca um pouco frustrante, a moça reuniu empenho a fim de seguir com a interação:

— Não desejo atrapalhar sua matina, nem nada assim! Apenas vim trazer uma mensagem a pedido da senhorita Atena! — Saltou do guarda-corpo até ficar à frente do garoto.

Quando escutou o nome da meia-irmã, ele resolveu dar outro tipo de atenção a ela, desencurvando a coluna.

— Eu te conheço?... – Damon recuou com certa hesitação.

— Talvez sim, talvez não! Mas não tem problema, já que eu sou apenas a mensageira particular de senhorita Atena! — Acenou com a mão delicada. — Sou Íris! Muitos me conhecem como a Deusa do Arco-íris ou como a Mensageira dos Deuses! Pode usar o que preferir, mas...!

— ‘Tá, sei...

Ele cortou, desinteressado, tirando dela um tique nervoso da vista esquerda.

“Ah... Acho que a Atena já tinha mencionado ela alguma vez”, divagou ao erguer o olhar para o que ia além daquele céu.

Depois de alguns segundos em silêncio, vendo que ela tinha sido claramente afetada por sua interrupção, retornou à interação por meio de uma arfada

— E aí. O que ela pediu pra me dizer?

De volta aos trilhos, Íris forçou a manutenção do sorriso.

— Primeiramente, ela não deve sair de sua morada em Atenas por algum tempo. Há assuntos importantes dos quais ela pretende tratar, e...!

— Dá pra ir direto no importante?

Ao quebrar o ritmo dinâmico criado pela deusa, o filho de Zeus recebeu uma nova contorção de sua faceta.

“Que jovenzinho petulante!”, guardou o turbilhão furioso consigo, porém logo recobrou a seriedade, em prol das aparências e do dever.

Damon pôde notar a súbita alteração por parte dela, o que o fez quase inclinar mais do corpo à sua vertente.

— A senhorita Atena pediu para eu lhe trazer... que a promessa será cumprida.

Quando ouviu-a declarar, sem risadinhas, tudo mudou.

Damon foi ganhado pelo interesse na deixa dela, assentindo de leve com a cabeça.

No entanto, quando as coisas estavam começando a ganhar contornos interessantes...

— Em três dias! — Ela apontou o indicador contra seu rosto e exclamou. — Prepare-se para partir!

— Partir...?

— Ela afirmou que detalhará tudo que for preciso a vocês após este intervalo!

A deusa virou o rosto e saltou de volta à balaustrada.

— ‘Pera, só isso!?

Damon avançou até ela, mesmo sem poder a impedir.

Íris o fitou sobre o ombro.

— No amanhecer do terceiro dia, vá para a cidade de Atenas por minhas Passagens Espectrais! E leve sua irmãzinha também!

Sem permiti-lo perguntar mais sobre o evento, a Deusa do Arco-íris tomou a descida da montanha, no melhor estilo que o garoto costumava fazer.

Dentro de meros segundos, desapareceu de sua linha de visão, sendo tragada pelas nuvens que contornavam a metade da elevação.

Damon não teve outra opção, senão aceitar o que tinha recebido de introdução e relaxar na beirada do átrio encíclico.

Ao menos por fora, já que por dentro foi dominado por uma ansiedade ímpar.

Vocês...”, remeteu à colocação da mensageira, mas ainda não era capaz de imaginar o que estava por vir.

Afinal, vindo de Atena, tudo era possível.

— Demorou até demais — resmungou, solitário.

Um sorriso nada contente brotou na face.

Ofereceu uma última olhadela ao horizonte banhado pelo mar e coberto pelo céu.

Tornou a feição resoluta, pronto para buscar o que havia perdido a fim de cumprir suas promessas quando a hora chegasse.

Essa seria sua nova jornada.

Rumo a um novo começo.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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