Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 97: Imperadores Recrutam 2 - "Os Sobreviventes"

Pelo entremeio das ruínas desertas, passos conjuntos ecoavam solitários. Rivalizavam com o fraco uivo do vento a correr nas entranhas da destruição, onde sobrara as meras sombras do passado.

Sem pressa alguma, os jovens idênticos carregavam as hastes floridas, cada um sob a mão dominante.

A brisa do anoitecer fazia seus fios lisos menearem com leveza, tão curtos que mal chegavam a sobrepor o semblante circunspecto.

Juntos, atravessaram mais de metade da cidade que respirava a devastação.

Após observarem o único sustentáculo restante, o enorme pilar no exato ponto central da região, deixaram uma das flores alvas em sua base.

No intervalo de breves segundos, fecharam os olhos a fim de delegarem suas preces a todos que tinham partido.

Era o mínimo que poderiam fazer como os remanescentes da tragédia.

Tinham isso muito claro na cabeça, a ponto de trocarem olhares céleres e assentirem um para o outro.

Restou a prossecução final.

Deixando para trás a pilastra que carregava algumas manchas rubras, as marcas irrevogáveis do desastre, tomaram o trajeto central das passagens divisórias ligadas ao centro encíclico.

Embora já fosse um cenário acostumado a seus olhos, não deixavam de encarar os escombros que ainda exalavam um fraco aroma de queimado.

Imaginavam sempre a disposição das residências e demais construções antes de tudo aquilo.

Um misto de tristeza e raiva dominava cada um dos idênticos, em proporções inversas no que os concernia.

Tais sentimentos ganharam força até a chegada nas proximidades de uma colina.

Ali se encontrava dois pedaços de madeira; um fincado no solo terroso, onde a grama jamais voltaria a nascer, e outro pregado na horizontal próximo a sua extremidade.

O símbolo delimitava o escopo da dupla, que repetiu os gestos feitos há minutos no elevado pilar.

Deixaram a pequena flor repousada no suporte, fecharam as vistas e oraram silenciosamente.

A consumação do ato coincidiu com o aumento de potência da lufada, a colidir com suas costas num ímpeto descomunal.

— É muito triste, né? — A voz feminina de tom ligeiramente grave fez com que se corrupiassem na velocidade do pensamento. — Eu sei como é, podem acreditar. Os deuses também tiraram minha mãe de mim... a sangue frio.

Sem pestanejar, a dupla entrou em posição defensiva. Ambos puxaram suas armas.

O primeiro, de cabelo negro, sacou duas lâminas negras, que refletiam a luz quase que como vidro.

O segundo, de cabelo castanho que ainda ostentava um rabo de cavalo, puxou uma única empunhadura sem qualquer gume na extensão.

De repente, resquícios de Energia Vital foram reunidos até a criação de uma crosta afiada a partir do cabo.

Padrões complexos tridimensionais de tonalidade esverdeada surgiram de repente, se transformando na lâmina de fato.

Aquilo surpreendeu a garota coberta pelo manto negro característico, capaz de esconder metade da sua face.

Mas não seu sorriso, que se alargou no mesmo ínterim daquela extravagante manifestação.

— Isso é muito interessante! Que tipo de autoridade é!?

Genuinamente curiosa, levantou os braços a alguns centímetros, o bastante em prol de revelar as faixas metálicas em volta dos punhos cobertos.

— Essa é...

— Não dê satisfações a estranhos, Heath! — O enegrecido o interrompeu no ato, sua feição contorcida em irritação. — Não precisamos responder. É você que precisa. O que quer conosco aqui!?

— Eu imaginava que reagiriam assim...

A jovem morena agachou o torso. O capuz levitou sobre o rosto até revelar os afiados olhos avelã e as mechas negras laterais do cabelo predominantemente ruivo.

Sem que ambos expectassem, correntes metálicas conduzidas por extremidades afiadas viajaram pelo espaço num átimo.

Os envolveu na altura dos antebraços, impedindo que pudessem reagir conforme mandava o manual.

— Eu já disse, sei como se sentem! Por isso pretendo levá-los comigo, nem que seja na força! — Hazel mostrou os dentes ao segurá-los com ímpeto naquela posição. — Filhos da Deusa da Vitória!!

Enunciado o título que sobrara à dupla, ela os puxou com bastante força, a ponto de desprendê-los da base à frente do túmulo improvisado.

Ambos giraram em sua vertente, mas antes de caírem, não pensaram em deixar barato.

O da dupla lâmina usou o braço livre para tentar um corte contra a adversária, mas essa desviou ao inclinar o tronco abaixo.

Na sequência, porém, ele enfim transmitiu sua energia condensada à ponta do gume, liberando uma crosta de minerais amarelados em profusão.

“Areia?”, ela observou de soslaio.

O bastante no intuito de evitar aquele segundo corte que causou uma pequena explosão do elemento em questão.

Coberta pelos incontáveis grânulos que formavam a massa quente, a filha de Éris foi pega de surpresa por uma chuva de lanças rutilantes a seu desfavor.

Ainda com as correntes presas aos jovens, desviou através de saltos consecutivos para trás, observando nas minúcias a composição daqueles novos cristais despedaçados.

— Vocês são mais interessantes do que eu gostaria! — A ruiva, antes de executar qualquer novo movimento, experimentou a perda de tensão nas correntes. — Precisam mesmo vir com a gente...

— O que você sabe sobre nossa mãe!? — O de cabelo escuro quase rugiu, conforme avançava através da cortina de areia.

— Não muito. Mas sei que os deuses tiraram sua vida, né? E algo além disso importa? — Fez-se de desentendida ao abrir os braços e balançar a cabeça em negativa.

— Ah, claro... Inclusive, aquela deusa era igualzinha a você — mussitou de vistas semicerradas, trazendo espanto à garota. — Como pode nos garantir que não é sua descendente, vindo terminar o trabalho?

— Leon, isso realmente...?

— Não vejo outra forma. — Leon nem deixou o acastanhado terminar.

A sede de sangue ascendeu aos olhos negros.

— Kakaka! Que bizarro. Eu acabei de dizer que passei pelo mesmo que vocês! Estão surdos por acaso? — Hazel quase rosnou em detrimento da insistência negativa à frente.

— Deuses são conhecidos por dissimular muito bem — retrucou o da lâmina dupla, já preparado em prol de dar continuidade às investidas. — Não vamos cair em sua laia.

— Nem eu seria tão teimosa se me dissessem tanto de cara... — Ela desfez o semblante risonho, decidida a convencê-los à força.

Heath, um pouco deslocado por pregar mais racionalidade à conversa, não viu outra opção além de seguir o semelhante na tomada da liderança.

Os dois se prepararam, à medida que a solitária não se intimidava perante a desvantagem numérica.

Daquela maneira, a batalha entre eles se tornaria um estouro sobre o silêncio mortal da região devastada.

No instante que eles se arquearam para diminuírem a distância — preparação idêntica à da morena —, um vórtice negro surgiu no caminho.

Aquilo já estava ficando cansativo, porém serviu como o basta necessário à situação.

Hazel respirou fundo e voltou a erguer a postura, consciente de que sua função já tinha terminado.

Ao menos por ora, passava a ser uma espectadora de luxo. Em contrapartida, os irmãos observaram a chegada da energia espacial recheados de perplexidade no olhar.

Da abertura dimensional, surgiu o homem coberto dos pés à cabeça pelo manto escuro.

Ele pousou no solo árido, toda a leveza o fazia parecer conectado ao vento.

O silêncio voltou a se esgueirar, ao passo que a energia escura desapareceu.

— Ela diz a verdade. — A voz soturna soou, a ponto de arrepiar os garotos. Eles, ainda assim, sustiveram a postura sobressaltada. — Essa garota também teve sua mãe morta pelos Deuses Olímpicos. Ainda que num contexto diferente de vocês.

— Mais um, é?... — Leon estreitou as vistas.

Os calafrios lhe indicavam a elevação cada vez mais pronunciada das ameaças.

— Os deuses destruíram não só sua morada, como toda a cidade na qual viviam. Não suficiente, mataram aquela que os deu à luz e os protegia a todo custo; a mulher que mais amaram durante a vida inteira. — O homem, imponente, não os permitia retrucar. — E por isso, carregam consigo o desejo de se vingarem em nome dela.

Nem Leon nem Heath tiveram capacidade de dizer algo, ainda que desejassem.

Por outro lado, restou à filha de Éris cruzar os braços abaixo dos seios, nada perplexa com a perícia na lábia do rapaz.

Por ela mesma, resolveria tudo acabando com a raça deles. Traduziu o pensamento ao resmungar, virando o rosto em crescente desinteresse à conclusão.

Dentro de um período diminuto, criou a semente do convencimento no coração confuso dos irmãos, algo que ela jamais poderia fazer senão através da pujança.

De certo modo, não se sentia tão incomodada como a princípio; a insatisfação delegou-se apenas a intromissão física.

— Onde você quer chegar? — O enegrecido começou a ceder, na iminência de relaxar o porte das armas afiadas.

O companheiro lhe acompanhou.

— Temos os mesmos objetivos. Podemos auxiliar uns aos outros, não concordam? — Levantou o braço canhoto, revelando a pele escura com diversas marcas permanentes. — Estamos em busca daqueles que carregam no coração e na alma o desejo de seguirem em frente. Aqueles que foram renegados e humilhados pelos deuses tiranos que governam esta Era.

A dupla não queria concordar a esmo, entretanto era inevitável. Jamais poderiam enganar o próprio coração.

Estava gravado, como o fogo que tirou tudo deles.

A promessa enraizada no corpo e no âmago ecoava mais forte do que tudo.

De vez, deixaram a hostilidade esvanecer, tentados a encontrar algum propósito no convite daquele homem.

Esse que, em contrapartida, exalou um fraco lamento entre os dentes, bem-sucedido em obter o controle da situação.

Hazel puxou de volta suas correntes, de maneira a amarrá-las na cintura, sob o manto escuro.

— Então, Leon e Heath... — O rapaz ofereceu a mão já antes esticada. — Venham conosco. Nós, os Imperadores das Trevas, iremos destruir os deuses e essa Era de injustiça e tirania.

O chamado que tanto desejavam mostrava-se irrecusável no alcance dos olhos.

Eles se entreolharam durante um átimo de instante.

O bastante em prol de tomarem a única decisão possível para alimentar a utopia marcada dentro de si.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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