Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 95: Sequelas [corpo e coração]

Como foi delegado, Chloe se uniu a Julie e atravessou todo o caminho espectral com ela. Chegaram à cidade de Atenas durante o pôr do sol.

Após acessarem o templo na acrópole isolada, vendaram as vistas de Stheno com três tecidos diferentes.

Depois, conduziram-na ao jardim interior, na última passagem do corredor.

Amarraram-na em um pilar, fortificando o aprisionamento com o auxílio de aparatos metálicos apanhados de outros cômodos.

Dessa forma, tanto sua maldição de Petrificação quanto alguma possibilidade de se mover foram arrancadas de si.

Cedo ou tarde, no entanto, ela retomaria a consciência.

Portanto, Chloe foi rápida no pensamento:

— Julie. Poderia ficar de olho nesta mulher, enquanto visito o templo de Elêusis, como combinamos? — Encarou a desacordada mulher-serpente. — Certifique-se de evitar quaisquer imbróglios ao mantê-la controlada, caso recobre a consciência.

“Resposta: Como quiser, minha irmã”, a alva acenou positivamente, ajeitou o bastão do arco na cintura e a acompanhou até a saída do jardim.

— Voltarei o mais rápido que for possível.

“Afirmação: Fique em segurança, minha irmã.”

Chloe acenou positivamente com a cabeça e confiou os cuidados de Stheno à semelhante.

Sem pestanejar, avançou até o lado de fora do templo e tomou os caminhos espectrais. Não demorou a alcançar a cidade vizinha por tamanho corta-caminho, mesmo indo tranquilamente.

Desceu o olhar até o aspecto mais chamativo da pólis: sua vegetação única.

Todas as casas, ruas e imediações eram cercadas por uma densa floresta, além de serem constituídas por tudo que a respectiva natureza os oferecia.

Flores das mais variadas formas e colorações pintavam a extensão completa da região mais colorida de toda Hélade.

Chloe experimentava um regozijo tremendo diante daquela beleza singular.

Ao passo que adquiria proximidade às cadeias de morros e montanhas, encontrou a acrópole escondida no ponto mais alto de tais elevações.

Mesmo de longe, pôde observar uma figura destacada na entrada do santuário cercado por um vasto jardim florido.

A mulher, que deixava o liso cabelo ruivo esvoaçar com a brisa afável, apreciava o crescimento das plantas coloridas.

Após um tempo, sentiu a chegada da filha de Atena, que desceu na passagem curta entre as plantações.

Iluminadas pelo tom ligeiramente róseo do crepúsculo, as duas ficaram frente a frente.

— Saudações, lady Perséfone. — Chloe realizou uma vênia, a mão esquerda repousada sobre o peito. — Cá estou em nome de minha mãe, a Deusa da Sabedoria, para lhe trazer um importante comunicado.

O anoitecer chegou para uma parte de Hélade.

No Monte Olimpo, Daisy lutava contra o sono, ainda envolvida no braço do irmão mais velho enquanto permanecia de pé.

Ele, por outro lado, batia a perna freneticamente.

A sandália pisava contra o piso de mármore repetidas vezes, no intuito de extravasar a ansiedade que o dominava. Não pensava em outra coisa que não fosse a situação de sua amiga.

O silêncio entrecortado pelos ecos abafados acabou interrompido quando um rangido metálico se manifestou atrás de si.

Findou os movimentos e deu a volta quase num salto, despertando a irmãzinha que por pouco não começava a roncar ao seu lado.

Ela seguiu o exemplo e corrupiou-se no ritmo dele, encontrando a paisagem um pouco turva pelo tempo de olhos fechados.

Atena e Afrodite deixavam o cômodo sem proferir uma palavra. A primeira apenas assentiu, em projeção de um sorriso tranquilizante na feição.

Damon, sem hesitar, tomou o rumo das soberanas. Daisy o acompanhou, terminando de esfregar as vistas pesadas.

A iluminação das chamas brancas os recebeu.

E destacou o que desejavam encontrar.

Lilith encontrava-se repousada na cama, ainda desacordada e coberta por um lençol.

Ao se aproximarem, perceberam as bandagens envoltas por seu pescoço, braços e testa. Além de outras regiões tampadas pelo fino tecido acolhedor.

Inclusive, não encontravam nenhuma das marcas púrpuras responsáveis por infestá-la durante mais cedo.

A respiração era branda.

O semblante, plácido.

Ao constatar que ela estava bem, Damon enfim pôde ser tomado por alívio. Expressou isso ao bufar com força, abaixando a cabeça e segurando as emoções.

Tudo se tornou mais leve.

Daisy abriu um sorriso contente ao se aproximar da ruiva e tocar sua mão, também enfaixada.

Não no intuito de utilizar a Empatia, e sim em prol de se certificar de que ela estava ali, com eles.

— Irmão! — Virou-se ao cacheado, que estava paralisado.

Sem esperar, ela pegou na mão dele e o puxou, o surpreendendo.

Então, afastou-se a fim de deixar os dois mais próximos.

Só ao ver de perto e escutar o ato de inspirar e expirar oxigênio dela que a ficha caiu.

Tinha sido capaz de salvá-la.

Levou, de maneira quase instintiva, os dedos a tocarem sua bochecha. Sentiu o tato quente vindo da pele corada.

— Os ferimentos superficiais foram suturados. — A voz de Atena adentrou o recinto, junto com a própria. — Graças ao auxílio impecável de lady Afrodite, pudemos estabilizar todas as hemorragias. Acredito que, caso eu estivesse sozinha...

— Não foi nada, pequena Atena. — A Deusa do Amor também se expressou. — Pequena Panaceia lhe deixou com ótimos ensinamentos. Eu não fiz nada demais, mas foi um prazer ajudar.

Depois das constatações iniciais, Damon recuou a mão que tocava a garota e voltou toda a atenção às superiores, lado a lado na passagem em arco.

— Como parou...? — indagou.

E mesmo soando incompleto, fez-se entender para a sábia.

— Com isto.

Ela se dirigiu à mesinha próxima e pegou a plantinha dourada ao lado de outras bandagens ensanguentadas, uma bacia com água e outros aparatos de emergência.

Mostrou-a para os meios-irmãos, enunciando:

— Esta é uma Flor de Sílfio. Ela é extremamente rara e logra de aplicações medicinais incrivelmente eficazes. Até diria misteriosas, em determinadas ocasiões. — Devolveu-a a um pacote quase invisível de tão fino. — Fui bem-sucedida em neutralizar a progressão e os efeitos do veneno de Euryale ao confeccionar um antídoto à base desta flor.

Damon e Daisy se entreolharam, perplexos.

Em seguida, encararam a pequena flor de folhas achatadas nas laterais, com singulares pétalas amareladas no centro da haste fina.

Parecia muito delicada.

O rapaz pensou que a verdade não se resumia àquela explicação. Porém, imaginou estar pensando demais por causa do cansaço.

Havia ainda muita coisa que desconhecia acerca daquele mundo.

Inclusive, dos próprios deuses...

— Contudo, nem tudo são flores. — A deidade estreitou as vistas, apesar do trocadilho ignorado. — Lilith certamente está fora de perigo, agora. Todavia, ela adentrou um estado de sono profundo.

— E o que isso quer dizer?

— Quer dizer que não fazemos ideia de quando ela poderá acordar.

A resposta direta atingiu os mais novos com um baque repentino. Pior ainda após o recente desafogo.

O Classe Prodígio arriou as sobrancelhas, demonstrando o receio.

Ciente de que seria questionada além daquilo, a deusa antecipou a nova explicação:

— Setenta por cento do corpo dela foi dominado pelo poderoso envenenamento de Euryale. Na realidade, apesar do antídoto, é um milagre que ela tenha sobrevivido. — Guardou a planta no pacote de plástico. — Ainda residem ínfimos resquícios do veneno em vossa corrente sanguínea. E, porventura, também se faz presente nos canais vitais.

— Então...?

— Não há necessidade de preocupações. Embora haja estes “restos”, o risco de vida beira o nulo.

Fechou o recipiente e o guardou nas divisórias da armadura.

O tom mais paciente transmitido por sua voz interrompeu a reação efusiva armada pelo apóstolo.

— Naturalmente, ela pode carregar sequelas desta situação. — O tom soturno regressou, tal como o semblante alarmado dos caçulas. — Dificuldades em prol de realizar atividades naturais, como caminhar, enxergar ou escutar; dificuldades em prol de utilizar Energia Vital em plena capacidade... são apenas algumas das possibilidades.

Preocupado novamente, Damon observou a filha de Hades.

— E as chances de ela não ter nenhuma dessas sequelas? — Voltou a mirar a deusa. — Quais são?

— Sinceramente, é impossível prever. Teremos que aguardar por vosso retorno para, então, averiguarmos.

“No entanto, aquilo deve lidar com estes possíveis percalços...”, seguiu o exemplo do meio-irmão, contemplando a jovem.

Guardando aquilo consigo, abriu um sorriso de canto e soltou um pigarro rápido.

Em contrapartida às enumeradas probabilidades negativas, ostentou aquele semblante de plena confiança.

Perceptivo ao teor daquela expressão, Damon resolveu crer no melhor desfecho possível para Lilith.

Com tudo sendo dito naquele quarto, resolveu entregar o resto nas mãos do destino.

Pensou que, ao menos, o pior já tinha passado. Se o permanecer dela no sono profundo fosse um preço a se pagar pela vida, o filho de Zeus aceitava conviver com isso de bom grado.

A noite terminou de cobrir as pólis mais afastadas de Hélade e suas ilhas.

Sem mais traços alaranjados na extensão superior, Afrodite se despediu dos demais e deixou o local alado.

Para Atena, restava apanhar os últimos relatórios dispostos com suas filhas, as únicas que não pôde observar através da Piscina da Vidência.

Informações preciosas a favor da batalha já iniciada contra os Imperadores das Trevas, de certo, descansavam nas pálpebras amaldiçoadas da górgona capturada.

“Medusa não apareceu”, ponderou em silêncio.

Euryale tinha sido morta, não havia muito a fazer. Stheno, como já antecipado, estava sob custódio no Templo de Atenas, sua morada.

Parecia ser o momento crucial para que os Deuses Olímpicos encontrassem um rumo.

Algo que os possibilitasse a virar o fluxo a favor de si próprios naquela corrida contra a escuridão.

Atena permaneceu por mais algumas horas na guarda do salão que dividia a subida celestial da descida dos mortais.

Damon não saía do lado de Lilith. Daisy, numa cadeira paralela, já não conseguia mais derrotar o sono vindo em profusão.

Conforme a lua adentrava sua fase nova, uma nova figura surgiu das escadarias prateadas, rompendo o silêncio constante.

A sábia virou os olhos até encontrar as esferas purpúreas na entrada do átrio encíclico.

Contornada por um semblante inquieto, separava os lábios a fim de sugar mais oxigênio do que o normal.

Vendo que ela tinha se apressado um pouco na travessia de Elêusis até Olímpia, levantou-se do assento e se prestou a recebê-la:

— Seja bem-vinda, Perséfone.

A Deusa das Flores limitou-se a conectar os cílios, sem responder até que retomasse o controle dos arquejos.

Dirigiu-se à passagem singular para a câmara iluminada, a porta entreaberta.

Empurrou-a com vagarosidade e se deparou com Damon, acompanhante fidedigno de sua filha desde o término das intervenções responsáveis por mantê-la viva.

Ele encarava o rosto da garota sem sequer piscar. Só o fez ao ouvir o leve rangido da estrutura metálica, virando o rosto à chegada da ruiva.

Logo identificou a grande semelhança que compartilhava com sua parceira. Nem precisou que Atena, logo atrás, explicasse.

Sem delongas, moveu-se no intuito de deixar o espaço em favor do assentamento mais comedido da mãe de Lilith.

Ela, entretanto, estendeu a palma à frente dele.

— Por favor. Pode ficar.

Já de pé, o apóstolo não entendeu a motivação por trás daquele pedido.

Perséfone manteve a postura, sem adentrar o cômodo por completo.

Naquele cenário, só desejava observar a filha de longe, aliviada por saber que estava bem.

Ainda assim, o olimpiano insistiu:

— Já fiquei muito tempo. E tenho que levar a Daisy pra casa. — Encarou a menina, que já tinha apagado, mas o acompanhava de pé e agarrada a seu braço. — Posso voltar depois, pra ver como ela ‘tá.

Sem esperar qualquer réplica, prosseguiu guiando a irmãzinha, que andava mesmo dormindo.

A deusa acompanhou a deixa deles. Piscou perplexa diversas vezes ao conferir como a pequena conseguia aquele feito.

Vendo a reação da semelhante, Atena prendeu uma risada. Já estava habituada, portanto entendia o sentimento.

Por fim, Damon trocou olhares rápidos com a sábia. E ela entendeu o significado daquela encarada.

A resposta veio por meio de um simples gesto vertical com a cabeça. Assim, ele seguiu em frente, até desaparecer na tomada dos degraus prateados.

Sozinha com a Deusa das Flores, dirigiu-se a ela com novas informações:

— Quanto ao meu tio, explicarei tudo após o amanhecer, se ele me permitir entrar. Porém, creio que Melinoe já o tenha feito, a seu modo. — Encontrou o olhar pesado da ruiva. — Sua filha lutou bravamente, minha irmã.

— Eu sei disso. Ela estava louca para provar seu valor para o pai... Desde sempre foi assim.

Perséfone enfim completou a entrada no quarto particular. Chegou até a filha, que tinha o cabelo solto, sem as características caudas gêmeas amarradas pelas fitas escuras.

Acariciou o rosto dela, à medida que projetava um tênue sorriso. Nenhuma reação veio da descendente.

Mesmo assim, sentiu que ela tinha, de alguma forma, percebido sua chegada.

Em vista a deixar a própria curiosidade de lado, Atena indagou:

— Como anda a tia Deméter?

— Está contente de não ter precisado me arrancar do Submundo na entrada do verão. — A flórea prendeu uma risada. — Mas também preocupada com o futuro.

— Todos estamos...

A sábia exalou um suspiro, voltando para encarar as nuvens poucos metros abaixo daquele piso.

— O que planeja a partir de então, irmã? — A ruiva se sentou na cadeira que o rapaz tinha acabado de deixar vaga.

— Estou no aguardo de uma entrega importante, se posso colocar desta maneira. Além disto, preciso ir para casa. Minhas filhas estão aguardando com uma convidada especial.

Perséfone olhou intrigada, de soslaio, mas preferiu não forçar um aprofundamento no assunto. Era do feitio da irmã, afinal.

— Isto posto, permita-me contar com vossa licença...

Ao inclinar de leve o torso, recebeu a permissão da filha de Deméter.

Deixou-a a sós com a Classe Prodígio, fechando a porta com sutileza. Mirou a escadaria e, antes de pegar o acesso descendente, encarou o trajeto que levava aos andares superiores.

Àquela altura, Damon já tinha chegado ao cômodo pessoal.

Pôs a irmãzinha na cama, como prometido. A cobriu com o lençol e tirou algumas das mechas bagunçadas da frente do rosto.

Quase com lábios de gato, ela apertou a borda do tecido e a puxou mais para a altura do pescoço, totalmente aconchegada.

Irresistível à fofura, o olimpiano sorriu.

Depois, retornou ao saguão exterior, indo de encontro ao guarda-corpo horizontal.

Encarou a paisagem escurecida, onde o brilho das estrelas não iluminava o suficiente para destacar o que havia a quilômetros abaixo.

Ainda precisava de tempo para assimilar tudo que tinha ocorrido naquele longo dia.

Recordou as palavras que dizia ao carregá-la de volta da floresta, interrompido por si mesmo e, depois, pela aparição das filhas de Atena.

O semblante dela, sorrindo apesar de estar desmaiada, à beira da morte...

Sustentaria aquilo cravado na cabeça por quanto tempo fosse. Até que ela despertasse e, enfim, pudesse completar a frase perdida ao vento.

Enquanto esse dia não chegasse, as guardaria, calorosas no peito dolorido.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

Caso tenha interesse em fazer parte dos apoiadores e, assim, receber suas regalias (ver detalhes inéditos dos projetos, entre outros), façam seu apoio por meio dos links abaixo e ajude-nos a alcançar ainda mais as estrelas!

PadrimApoia.seInstagramDiscordTwitter



Comentários