Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 92: O Âmago das Trevas [LILITH]

Memórias turvas e fragmentadas corrompiam a mente.

O cenário mostrava um encíclico salão umbroso, onde o frígido se fazia dominante.

Uma jovem ruiva, perplexa enquanto portava a alabarda estremecida, ganhava destaque ao lado do homem circunspecto.

De olhos afiados contra a proliferação de uma ameaça.

Ameaça essa que era envolvida pelas trevas...

A influência sórdida fluía por todo o corpo da menina e alastrava-se pelas imediações do Reino dos Mortos.

O desenrolar delicado se iniciou quando a quarta figura entrou correndo pela porta derrubada.

— Espere, Hades!! — gritou Perséfone, jogando-se à frente da filha. — O que você pretende fazer!?

O enunciado respirou fundo e ergueu o queixo:

— A resposta é óbvia. — Então pôs o elmo... — Essa criança amaldiçoada deve ser morta por minhas mãos.

A “resposta óbvia” ainda assim a fez erguer as sobrancelhas.

Diante do deus equipado, tornou a encarar a possuída. As pupilas se contraíram ao limite quando enxergou o chifre roxo-escuro estabelecido na têmpora esquerda dela.

E apesar de todos os possíveis alertas a rugirem pelo corpo em contrapartida àquela manifestação, a Rainha do Submundo optou por abrir os braços.

Fazia-se a barreira humana ante a caçula.

— Uma ameaça!? — grunhiu, enraivecida, contra o marido.

— Claramente. Embora essa energia seja um tanto nostálgica, de certa forma, eu nunca tinha a experimentado em vida. Todos os meus sentidos gritam para que isso seja apagado da existência antes que...

— Como pode dizer isso tão naturalmente!? — O interrompeu, cada vez mais gutural. — É sua própria filha!!

Hades hesitou. E isso era tão raro que fez Melinoe, em paralelo, engolir em seco.

As vistas do Rei dos Mortos semicerraram, sob as aberturas ínfimas do elmo de caveira.

Fitou a esposa em silêncio, aguardando que a respectiva entendesse a complexidade da situação.

Ser passional naquele momento era o pior caminho a ser tomado. Ele tentava cravar isso em sua cabeça.

E nem precisou esperar muito. A mulher sentiu metade da determinação se dissipar ao que a funesta influência irradiada da criança cresceu.

Sem sequer notar, voltou a arriar os supercílios, numa reação boquiaberta.

O deus respirou fundo e entoou com veemência:

— Isso não é nenhuma brincadeira, Perséfone. Faça um favor a si mesma e saia...

Dessa vez, ele mesmo se interrompeu.

Franziu o cenho com um rápido fremido dos olhos ao ver a mão da mulher esticada em sua direção.

A palma arriada requisitava sua paciência.

Ela completou o retorno do torso e aproximou-se a passos curtos da garota, quase em levitação graças ao domínio da energia escura.

— Lilith... Acorde. — Levou as mãos ao rosto dela, tomado por marcas escuras, com delicadeza. — A mamãe está aqui.

— Hã!? — Melinoe apertou o cabo da alabarda. — Mãe!? O que você...!?

Ameaçou avançar, mas foi interrompida pelo pai.

Olhou para ele, cheia de dubiedade e temor. Não podia ver seu semblante coberto pelo elmo.

Mas as vistas dele se apertavam, pesarosas.

Em resposta às palavras da genetriz, Lilith emitiu um grunhido fremido.

“Ela está lutando...”, Perséfone pressionou os lábios e retirou uma adaga da cintura.

A fincou no solo e materializou sua Autoridade Elementar, a fim de criar um “muro” recheado de raízes espinhosas.

Delas, diversas flores avermelhadas surgiram.

Hades poderia dar conta daquela defesa improvisada sem problemas, porém escolheu contemplar em silêncio.

Enquanto a curiosidade crescia no ambiente, a Rainha do Submundo não deixou de abraçar a filha, por mais que a energia ao redor dela lhe incomodasse.

Então, lágrimas surgiram nos olhos escuros da criança, a verterem pelo rosto. A influência nefasta se revelou até a afligir na alma.

O frio na espinha durou bons segundos, tão demorados quanto a própria eternidade.

Logo adiante, pensou ter visto uma silhueta negra fechar os olhos. E isso coincidiu com o gradativo desaparecimento das marcas no corpo da menina.

A aura esvaneceu de seu entorno.

Perséfone apertou o abraço, em prol de a segurar sem a deixar cair. Varreu a aflição quando a envolveu, permitindo às raízes protetoras regressarem ao solo.

Hades subiu e desceu os ombros, numa arfada taciturna.

Vendo a situação controlada, retirou o Elmo e o devolveu ao gancho do cinto prateado.

Ainda paralisada, incapaz de entender todas as nuances da sequência que lhe tirou o fôlego, Melinoe recuou dois passos.

A faceta pavorosa direcionava-se à irmãzinha, desmaiada nos braços de sua mãe.

Tomada pelo alívio, a Rainha do Submundo sentiu a respiração dela voltando ao normal.

O maior medo foi vencido.

No fim, pôde salvá-la...

— Então, este é o caminho que vocês escolheram... — Hades deu a volta. — A partir de hoje, as consequências estarão sobre seus ombros. Não se esqueça disto.

Encerrou sua participação ao deixar o recinto sem nem virar o olhar à esposa.

Perséfone sustentou a soturnidade ante as severas palavras do homem. Mesmo assim, pôde notar um timbre escondido entre elas.

“Hades...”, fechou os olhos por um breve átimo.

Com o silêncio dominante no saguão, Melinoe buscou equilibrar as emoções ao relaxar a arma agitada.

Caso bobeasse, cairia sentada sobre o piso frio. No entanto, empenhou-se em manter a postura altiva perante suas semelhantes.

Seguiu os passos do progenitor e rodopiou-se, no intuito de deixar o local.

Parou antes de cruzar os escombros e, diferente dele, ofereceu uma última olhadela à mãe e irmã.

Sem ter o que dizer a qualquer das duas, estreitou a feição grosseira e determinou-se a seguir adiante.

Lilith despertou, numa abertura de olhos assustada.

Sentiu como se tivesse escapado de um pesadelo. As palpitações tremiam seu tórax.

Arquejou na iminência de segundos delongados, até perceber a progenitora repousada ao seu lado, na beirada do colchão.

Perséfone não desfez o tênue sorriso, mesmo após contemplar o grito engolido pela garota.

Descansou a mão sobre o peito dela, como se para a transmitir alguma dose de tranquilidade.

— Ma... mamãe...? — Com lágrimas acumuladas nos cantos dos olhos, a pequena soluçava.

— Controle a respiração.

Lilith procurou aderir à dica e focou-se em diminuir o aceleramento cardíaco.

Inspirando pelo nariz e expirando pela boca em intervalos cravados, recebeu a aprovação silenciosa da protetora.

No respectivo período, foi apta a estabilizar o fôlego, também controlando o pranto quente que ameaçava correr sobre a face.

Perséfone assentiu sorridente e recuou o braço.

A garota retirou o lençol das pernas e inclinou-se. Sem forças nas pernas, permaneceu sentada, ao passo que encarava as palmas trêmulas.

Levou o olhar vacilante à mulher, como se buscasse qualquer explicação para o que preenchia seus sentimentos.

A deusa notou tal confusão. Embora desejasse a afagar até o cansaço se pronunciar, sabia que era importante informá-la sobre o ocorrido.

No objetivo de fazê-lo da forma mais sutil possível, inclinou o pescoço num semblante dúbio.

— Você se lembra de algo?

Lilith procurou qualquer resposta, mas nada esclarecedor vinha da mente.

A boca aberta, incapaz de empurrar sua voz para fora, voltou a se fechar, pressionando os lábios.

Abaixou o olhar com receio. Empenhava-se a encontrar a sequência de eventos correta pela cabeça dolorida.

Entretanto, toda a caça chegava à mesma conclusão:

— Eu ‘tava treinando... com o papai. — Voltou a encarar o rosto plácido da genetriz. — Depois tudo ficou escuro. Eu me senti... puxada por alguma coisa. E não conseguia me soltar...

Flexionou as pernas até abraçá-las com ímpeto. Os globos esgazeados denotavam a tensão ainda no pico.

Perséfone ameaçou se aproximar, mas a garota tratou de se controlar com a respiração outra vez.

Recuou com isso e pensou consigo sobre a lacuna nas memórias.

“É bem plausível, eu diria”, cogitou acerca dos efeitos da estranha manifestação.

A despeito disso, insistiu um pouco:

— Se lembra de algo a mais?

— Eu... — Encontrando dificuldades para se expressar, ela afundou a testa nos joelhos. — Não conseguia acompanhar o treino. E papai... me obrigava a continuar. Depois disso, eu não...

A angústia não a deixava seguir.

Respeitosa a isso, a Rainha do Submundo desviou o olhar e viu que não teria outra opção.

Respirou fundo e, projetando a circunspecção na faceta, entoou:

— Lilith. Quero que preste bastante atenção...

Apesar do receio para a revelação que faria, sentia que era seu dever construir uma ponte à filha.

Ela precisaria lidar com isso a partir de então, até descobrir a verdadeira natureza daquilo que a apossou.

Os minutos sucedidos dali, deliberaram um clima pungente por todo o ambiente escuro.

Só coube à criança aceitar as palavras da mãe.

Levaria tempo até assimilar tudo. Levaria tempo até cicatrizar uma ferida que nem fazia ideia do significado.

A partir daquele ponto, a vida de Lilith ganhava novas cores.

Cores de tom acinzentado...

O sol estava à pino acima da cidade de Olímpia.

Ao atravessar o portal que separava o Submundo da superfície, Lilith caminhou por todo o túnel espectral acompanhada de sua mãe.

Quando chegou à passagem no sopé da montanha, mirou o topo, podendo enxergar as nuvens fixas em volta da extensão superior.

Não era a primeira vez a contemplar aquele ambiente.

E, mesmo assim, sentia-se impressionada a cada nova visita ao majestoso Monte Olimpo.

— Está pronta? — Perséfone descansou a mão sobre o ombro da menina. — Olha, ainda acho que você deveria deixar o cabelo crescer um pouco.

A ruiva a encarou de canto, para então desviar o olhar e jogar os fios rebeldes que iam até as orelhas para trás.

— Eu... não me preocupo muito com isso. — Acariciou os tufos amarrados nas laterais, caindo como caudas gêmeas.

Elas mal alcançavam os ombros infirmes.

Desprovida de insistências, Perséfone seguiu o exemplo ao observar o céu tomado pelo ciano. Exalou uma arfada profunda.

No intuito de trazê-la confiança, pegou em sua mão vacilante, a entrelaçando pelos dedos.

Aceitando o singelo afago da protetora, foi conduzido pelos degraus prateados.

Quando chegaram à metade do percurso, por onde se iniciava a zona celestial das extensões olimpianas, foram saudadas pelo canto das Cárites.

Seguiram por cada saguão celeste, até alcançarem o topo.

— Estarei esperando lá embaixo. — A deusa fez um rápido carinho na cabeça dela. — Boa sorte.

Com a despedida, Lilith assentiu e girou sobre os tornozelos, livre para prosseguir ao grande corredor iluminado pelas tochas brancas.

Cerrou os punhos e tentou se contagiar graças ao afago da genetriz. Prosseguiu pelo caminho singular, até encontrar as enormes portas alabastrinas.

Refletiu sobre levar as mãos às maçanetas. Porém desistiu do movimento ao ser dominada por uma nova onda de inquietação.

Devolvida aos arquejos, buscou controlar a adrenalina que subia ao peito. Precisava dar o primeiro passo.

Fechou os olhos pesados, apertando os cílios uns contra os outros.

Quando cerrou o punho e o trouxe até o peito...

— ‘Cê ‘tá bem?

Uma voz masculina soou de sua retaguarda, a fazendo abri-los num sobressalto.

Corrupiou-se com rapidez, até encontrar os globos noturnos do rapaz, responsável por reverberar o coração que voltou a acelerar.

Carregava uma aparência sisuda, por meio das sobrancelhas contraídas, o que por si só a deixava bem acuada.

Perante tamanha dubiedade, ele inclinou o rosto à direita, fazendo as pontas cacheadas e bagunçadas do cabelo vinho-escuro apontarem ao ombro.

— Também ‘tá aqui pra entrar na corporação, é?

De novo, o questionamento não foi replicado pela aturdida.

Ela chegou a separar os lábios a fim de proferir algo, porém a garganta parecia envolvida por um nó.

Aquilo não o deixou irritado, como pensava que deixaria.

Pelo contrário, lhe arrancou um fraco sorriso em meio à faceta. Depois de perceber a estranha reação da ruiva, avançou até o lado dela e pegou em seu punho.

Perplexa com a atitude repentina, Lilith não teve forças em prol de sequer tentar se livrar da pegada acalentadora, que a conduziu pelo restante do caminho.

Na iminência de um aceno positivo, ele levou a outra palma à maçaneta que a filha de Hades tinha dificuldades em alcançar.

— Vamo’.

Sem direito de recusa, foi puxada ao interior do salão.

Assim que a visão se acostumou à luminosidade suntuosa, fitou as duas imponentes figuras que os aguardavam.

A mulher trajada em partes de armadura deixava os fios roxos menearem junto da brisa, sobrepondo parte dos olhos esmeraldas que pareciam sorrir como os lábios róseos.

No trono mais alto do local, o homem alvo não demonstrava emoções ao passo que acariciava a barba de nuvens.

Os globos cerúleos, como os do garoto, pareciam arrepiar a alma.

Pareciam com aqueles olhos. A maior fonte de seus tormentos.

— A filha de meu tio Hades também viria hoje. Que grata surpresa... — Atena fitou a ruiva.

Perceptiva ao olhar direcionado a si, ela abaixou a cabeça e tentou evitar a troca de atenções.

O garoto, ainda sem largar sua mão, mirou a deidade.

Depositou maior firmeza no amparo a ela, contrariando as expectativas de afastamento.

“Mas ele... ele não ouviu...?”, encarou-o de soslaio, ainda sem erguer o rosto.

Foi puxada pela segunda vez, até que chegassem ao centro do salão.

Alumiados pelos raios solares vindos das aberturas laterais, receberam parte da brisa fresca que retumbava sobre o ambiente.

— Pois bem. — A deusa soou altiva. — Nomearemos agora os dois novos integrantes da Corporação dos Deuses. Como membros da Classe Iniciante, obterão um período adaptativo que acompanhará os protocolos determinados. Após isto, ambos serão designados à nomeação de uma dupla básica, a fim de realizarem vossas tarefas.

O garoto ergueu a mão livre.

— Ah. Não precisa. Já achei meu par. — Diante das palavras, Lilith enfim subiu a expressão. — Algum problema?

Atena, antes de responder, escondeu um tênue sorriso que surgiu inconscientemente em sua face.

— Não. Nenhum. Na realidade, isto facilita o trabalho.

“Como expectado...”, guardou o complemento dentro da cabeça, oferecendo uma olhadela de esguelha ao Rei dos Deuses.

Enquanto esperava por alguma reação por parte dele, desinteressado até então...

— Por quê...? — O sussurro veio da menina, trazendo os demais olhares de volta a si. — Não tem nada de bom... que eu consiga fazer...

Ela estremeceu por todo o corpo, transmitindo aquela oscilação à palma que lhe segurava.

— Eu não sou boa em nada... Eu sou fraca...! — Balançava a cabeça em negativa, a rebaixando aos poucos. — Meu pai... e a irmã Meli, eles... eles me consideram um fracasso...

— E daí? — O corte seco, por outro lado, a fez subir de novo o rosto corado. — Não ligo pro que seu pai ou sua irmã acham. ‘Tô te escolhendo porque...

O rapaz pausou de súbito. Seu rosto passou a avermelhar do nada, ao que parecia estar tentando achar as melhores palavras.

A descendente do Reino dos Mortos sequer piscava diante do encabulado.

Experimentou um súbito ardor lhe dominar o rosto, então contorceu-o todinho para segurar a formação de lágrimas nos olhos rubis.

— Acho que... — Ele voltou, ainda com problemas para expressar. — Quando eu te vi, com medo... eu senti que não ‘tava sozinho.

As vistas dela se esgazearam lentamente, agora incapaz de fugir do mar noturno que banhava a íris do jovem.

“Ah...”, algo inesperado ocorreu.

Diante daquela afirmação, era como se encarasse a si própria em outrem. Experiência inédita em sua ainda curta vida.

— Aí eu achei... que seria legal ser... seu amigo.

— Amigo...

As mãos entrelaçadas se apertaram ainda mais, agora por ação da própria menina.

Não queria soltar.

Não queria abandonar aquele momento único.

Especial.

— Mas... — Ainda assim, era difícil renegar os traumas e fugir do casulo. — Eu...

O baque estranho no peito a levou de volta àquele ciclo inescapável, que trazia uma turbidez angustiante à mente.

Rodeada pelos olhares dos espectadores silenciosos, Lilith buscou o mártir pessoal de novo:

— Eu não tenho nada...

— Claro que tem. — E a interrupção derradeira soou, vinda com palavras que lhe atingiriam como flechas afáveis: — Seu... seu cabelo... Ele é bonito. Eu gostei.

Incapaz de segurar o pranto que vinha em profusão, passou os dedos soltos pelos fios curtos de um dos tufos gêmeos.

Ele não levava jeito algum para fazer elogios e elevar o astral de alguém. Mas, de certa maneira, aquilo foi certeiro para a ctónica.

Passado o turbilhão emotivo, secou as lágrimas com os dorsos dos palmos, enfim o soltando.

Zeus já bufava com impaciência. Em contrapartida, Atena se divertia ao encontrar tal interação.

Só que não poderia mais perder tempo.

— Portanto, os aprovaremos como uma dupla forma. — Voltou a declarar, trazendo de volta o foco dos dois. — Novos detalhes acerca do período adaptativo como Classe Iniciante serão discutidos em breve. Dito isto, podem se apresentar um ao outro...

Após acenar com a cabeça, o garoto tomou a iniciativa:

— Sou o Damon. — A admirou de frente.

A jovem pôde ver com maior clareza um misto de afago e sofrimento naquele sorriso.

Por conta disso, deu seu melhor para corresponder:

— Eu... me chamo Lilith!

Quando a reunião terminou, os dois terminaram de conversar e se despediram.

Lilith desceu as escadas com passadas apressadas e encontrou Perséfone no sopé da montanha, como combinado.

Ao ver a filha, percebeu o quão transformado o semblante dela estava.

— Mamãe! — Ela correu até a mulher, a abraçando na cintura.

A Rainha do Submundo piscou algumas vezes, desentendida. Podia ver que ela estava contente e isso também a deixava feliz.

Mas...

— Filha? O que aconteceu...?

— Eu vou...! — Ela se antecipou e subiu o rosto, mostrando um cintilar inédito nas esferas rubis. — Eu vou deixar meu cabelo crescer!

A deusa ficou espantada com a determinação eufórica da descendente. Tão leve quanto há muito não demonstrava...

Nada obstante à curiosidade sobre o ocorrido que a deixou daquele jeito, somente retornou com um sorriso de afago.

Antes de tomar o caminho de volta para casa, a nova integrante da corporação virou o rosto em direção às nuvens que contornavam a montanha alada.

Nascia um novo motivo para seguir em frente.

“Por que estou lembrando disso agora?”

A voz da própria mente parecia ecoar por todo o ambiente.

Os olhos se abriam, rodeados de um cenário sem cor.

“Eu estou... morta?...”

Não. Pelo menos, por enquanto.

Lilith reconheceu a si mesma no espaço, quando escutou a voz estranha sobrepor as divagações.

Soava feminina, pensou. Ao levantar o semblante fatigado, encontrou a figura negra a poucos metros de distância.

Não podia identificar uma fisionomia. Contudo, tinha plena certeza de que era um ser por trás daquela silhueta.

— Quem é... você?

Eu é quem faço as perguntas aqui... — A voz dela soava duplicada. — Você quer viver?

Num primeiro momento, a jovem de caudas gêmeas não respondeu. Somente piscou as vistas pesadas com lentidão.

Remeteu de novo à expressão radiante do rapaz que lhe estendeu a mão naquele dia. Um dos dias mais importantes de sua vida...

A fagulha de esperança residia acesa graças a ele. Por isso, precisava agarrar qualquer possibilidade que surgisse...

Não existia conforto em tal escolha, mas nenhuma opção se apresentava ao alcance das mãos.

Ela ergueu o semblante delineado numa feição inabalada, embora preenchida por lágrimas que as vistas estremecidas derramavam.

— Quero...

Em contrapartida ao tom embargado da apóstola, o sorriso se formou na silhueta das trevas, que se revelou um pouco mais a ela.

As esferas abertas, semelhante a olhos afiados, carregavam um purpúreo profundo.

O cabelo solto era como uma cortina de escuridão, unida ao restante da figura humana que se aproximou gradativamente.

Levou as camadas finas, que se revelaram como mãos, até o rosto de Lilith.

Com delicadeza, segurou-a nas bochechas e conduziu a face até o pé do ouvido dela.

Sabe? Eu queria dominar sua alma inteirinha. Mas depois de te ver, mudei um pouco de ideia...  

Todo o cenário passou a ser tomado pela caligem, ao passo que a silhueta se conectava ao corpo da menina.

De pouco em pouco, levava o restante de sua consciência...

Dessa vez pode ser bem interessante. Mas terei pouquíssimo tempo para agir, então forçarei um domínio completo. É possível que seu corpo sofra efeitos pesados e talvez nem aguente, mas...

— Da... mon...

A sombra reagiu espantada ao escutar o nome entrecortado, a exemplo da ocasião no Deserto da Perdição.

Você é mesmo interessante — murmurou com euforia. — Se é assim, então, mais uma vez...

E agora, de forma irônica, se entregava de bom grado a fim de resgatar a única chance de permanecer viva.

Para que pudesse vê-lo mais uma vez...

Vamos despertar.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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