Volume 5 – Arco 4
Capítulo 91: A Dor Provoca o Crescimento
Passado o inesperado encontro nas profundezas da Floresta Negra, Lilith superou os obstáculos mentais e utilizou sua poderosa autoridade.
As chamas subiram da terra como um gêiser violento e atingiram a exata região onde Euryale, a górgona desafiante, residia.
Além de agredir a mulher-serpente, criou um foco de incêndio que logo se alastrou pelos arvoredos adjacentes.
Tornou o ambiente obscurecido numa luminescência abrasadora.
A ctónica aguardou os breves segundos até o recuo do fogo. Mas antes mesmo disso, experimentou a influência que lhe despertou os calafrios.
Por puro instinto, cerrou as vistas, sem nem contemplar os resultados.
A criatura soltou um estalo de língua risonho. A rápida tomada de decisão provou-se derradeira, a fazendo saltar do tronco para onde tinha desviado, na vertente de sua retaguarda exposta.
Lilith usufruiu de toda a compenetração possível em prol de manter a calma.
Incapaz de enxergar, necessitaria de boa sensibilidade não só sobre a energia opositora, como dos demais sentidos corpóreos.
Outra opção bem arriscada seria manter os olhos abertos e buscar não olhar diretamente no rosto dela.
Um descuido se provaria letal. Portanto, decidiu seguir o primeiro caminho por ora.
Ao girar sobre os tornozelos, percebeu a rápida aproximação da serpente, vindo do alto. Posicionou a foice diante do torso.
Euryale desceu as garras no exato instante, entrando em contato com parte da lâmina e do cabo negro.
O impacto foi feroz e empurrou a jovem para trás. Teve os pés arrastados na terra, levantando folhas secas até frear.
A górgona, ao tocar a superfície com os dedos, executou um segundo salto instantâneo.
— Sinto cheiro de hesitação...
Desvencilhou-se da defesa desprovida de firmeza da ruiva, direcionada ao flanco esquerdo com as “lâminas” dos membros de extremidade em foco.
Lilith percebeu a célere mudança naquele curtíssimo intervalo e tentou se reposicionar.
Contudo, os lanhos lhe atingiram o antebraço canhoto; três marcas dolorosas rasgaram sua pele e carne, fazendo sangue escapar pelo ar.
Enquanto grunhia, recuou como pôde.
Sentia o líquido quente escorrer pelo restante do membro até o punho. Uma incontrolável ardência a impediu de atentar ao terceiro ataque da criatura.
Numa jogada instintiva, desconectou os cílios. Para sorte, só encontrou as pernas escamosas dela, prontas para empurrar o próprio corpo em sua direção.
Aquilo ainda surpreendeu Euryale, que pestanejou por um átimo decisivo durante o impulso.
Isso permitiu à ruiva reunir o exequível da respectiva Energia Vital, a condensando e materializando por toda a chapa metálica da foice.
Essa foi alimentada por uma influente camada flamejante, tão escarlate quanto seu cabelo.
“Arte do Submundo, Primeira Morte: Chamas Polivalentes...”, juntou os dentes, forçando o rosto a não subir e apertou o cabo com ambas as mãos. “Chamas do Purgatório!”
“Sinto cheiro de... perigo!”, a górgona optou por interromper o impulso e desistiu da terceira investida.
Por mais que fosse a atitude adequada, entregou a primeira abertura a favor do contra-ataque da apóstola.
Com as vistas esgazeadas, fora do escopo da petrificação, mirou na barriga da amaldiçoada e moveu os braços junto à foice, num célere corte horizontal.
Euryale experimentou o ardor das chamas próximas de lhe atingirem o corpo. O que não ocorreu graças a uma esquiva surreal; utilizou o estímulo nas pernas a fim de saltar sobre a agressora.
“O qu...!?”, a descendente do Submundo sequer podia crer naquela ação, para um espaço de tempo e distância tão ínfimos.
Bem-sucedida em se prevenir do golpe, uma das alongadas víboras de seu cabelo agitado disparou contra a flamejante.
A boca aberta mostrou os dentes afiados, que abocanharam o ombro esquerdo exposto.
Quando as pontas fincaram na carne, quase a fez morder a língua na busca por se corrupiar.
O animal se desprendeu da apóstola, trazendo fios de sangue consigo. Depois, avançou de novo, agora em direção a seu rosto.
Lilith saltou do jeito que dava, abrindo nova distância. Com a dor estridente na região perfurada, levou os dedos sobre a saliência das marcas.
Ao menos, não se comparava com o ferimento que ainda a incomodava no antebraço...
“Ela é rápida”, divagou conforme retomava o fôlego. “Não posso concentrar minha visão nela sem me preocupar... Fica difícil assim.”
Abaixou a face, torcendo a sobrancelha.
Notou o rodopio veloz da górgona e balançou a cabeça em negativa; não tinha tempo para reunir lamúrias.
Devia contar o cenário de qualquer forma.
Respirou fundo. Reteve a posição do olhar aos pés da mulher e tratou de condensar novas doses de energia para a foice.
O revestimento flamejante cresceu em um novo nível.
Euryale não resistiu em arregalar os globos lilases. Todavia, não se prendeu àquela aflição e voltou a semicerrá-los.
Em seus devaneios, era questão de tempo até obter a vitória naquele confronto...
“Vou aproveitar a Primeira Forma... e vou usar!”, a apóstola movimentou a foice para trás do corpo.
— Arte do Submundo, Segunda Morte: Navalha Flamejante!
Voltou com tudo até cortar o ar em diagonal.
Fazendo jus ao título do ataque, disparou uma navalha no formato da lâmina que zuniu contra a criatura.
Ela desviou com um pulo veloz à esquerda, então percebeu duas novas ondas abrasadoras a poucos metros.
Apertou os olhos e desdobrou-se para desviar das rajadas. Na primeira, somente retornou à posição original. Na segunda, livrou-se por meio de outro salto, no limite das passagens escarlates.
Lilith aproveitou o instante em prol de disparar com passadas rápidas. Antecipou-se à adversária em pleno ar na tentativa de cortá-la, porém ela contraiu todo o corpo contra a terra ao pousar.
“Droga!”, amaldiçoou ao fechar os olhos com força, até sentir o punho direito ser fincado pelos dentes de outra víbora.
Puxou na mesma hora. As cravadas arrancaram mais de seu sangue e pele.
A ctónica não desistiu; retornou com um terceiro ataque, numa vertical descendente, que teve o intuito de acertar tudo que viesse abaixo.
Quando atingiu o solo, as chamas deliberaram uma explosão de energia densa, que obrigou Euryale a recuar.
As folhas secas queimaram em um piscar. Fumaça subiu da terra, bloqueando a visão das duas.
Em benefício a isso, a apóstola buscou se recompor. Deveria planejar novas maneiras de surpreender a adversária.
Já tinha comprovada a ineficácia de ataques frontais.
Do outro lado, a górgona circundava a região, no intuito de se livrar da turbidez. Buscava as características caudas gêmeas que dançavam no campo de batalha.
Em meio a bagunça originada pela problemática autoridade de fogo, seria difícil proceder com liberdade.
“Sinto o cheiro... Está na hora”, pôde percebê-la se antecipar num rompante, cortando a cortina desbotada.
Pela postura de pernas flexionadas e corpo agachado, conseguia ver a linha de ataque como sendo um corte ascendente.
A despeito disso, um sorriso feroz nasceu da face recheada de escamas escuras. E coincidiu com a inesperada interrupção nos movimentos da ruiva.
Envolvida por um ruído singular de pancadas dolorosas, estremeceu o braço destro inteiro. Logo, os dedos se abriram, desprovidos de força.
Sustentou a empunhadura com a canhota. No entanto, antes de sequer pensar em finalizar o ataque, contemplou uma estranha marca púrpura dominar o punho mordido pela serpente.
Pensou sobre a mordida em si ter sido o que criou aquele hematoma assustador. Mas não podia ser apenas isso. E tinha dificuldades em compreender a resposta correta...
— Ah... Eu sinto o cheiro — mussitou a criatura, abrindo os braços. — Você não tem mais chance contra mim. Seu destino já foi fadado à morte!
— O que...? O que é isso!?
Envolta aos poucos pelo nervosismo, a filha de Hades mal conseguia movimentar o palmo que agonizava. A dor era tanta que parecia estar pulsando dentro dos ossos.
Chegou ao ponto de quase tombar um dos joelhos, tamanha a agonia. Empenhou-se ao limite, a fim de mante-se erguida.
Incapaz de focar com clareza na inimiga, retornou os metros percorridos.
Sem deixar de mirar, notou as marcas roxas se alastrando com vagarosidade pela pele caucasiana. Já começava a chegar ao antebraço.
Depois, fitou no ombro, onde também tinha sido mordida. Essa começava a tomar conta do pescoço.
— No momento que as presas de minhas serpentes te morderam, o fim foi decretado. O veneno se espalha pelo corpo até dominar completamente a pessoa. — Euryale sorria, vil. — E adivinha só? Eles são extremamente eficazes naqueles que possuem essa merda de Ícor no sangue! Kukukuku!!
O terror retumbou sobre o coração de Lilith.
Voltou a encarar a mão, agora quase toda preenchida pelo hematoma. Nenhuma força restava ali.
Nada além de dor.
“Eu... vou...!?”
Recusou-se a completar o pensamento, balançando o rosto em negação.
A partir daquele novo cenário, meramente uma opção restava a seu favor.
Para contornar o obstáculo inesperado... precisava vencer.
Podia ser uma possibilidade bem próxima de zero. Não importava.
Carecia de manter-se confiante para anular o efeito do envenenamento. Só conseguia ver isso ocorrendo caso matasse a responsável por introduzi-lo em seu corpo.
Tinha que estar interligado à energia dela, de alguma forma. Todos os ricos estavam postos à mesa; uma alternativa jamais surgiria a partir de agora.
Sendo assim, buscou usufruir de todo o resquício da empunhadura afetada para lutar.
A mulher-serpente se impressionou com a força de vontade demonstrada por aquela que já estava fada a morrer, em suas próprias palavras.
E a ctónica não hesitou em bater a extremidade inferior na terra, conjurando os Pilares do Inferno outra vez.
O calor nasceu abaixo dos pés da criatura, porém as chamas não explodiram tão rápido como antes.
Euryale se afastou rapidamente. Os animais em seu cabelo se agitaram. Ela os observou de soslaio e entendeu o recado.
A Classe Prodígio atravessou as chamas, pegando-a desprevenida. Com isso, foi capaz de cortá-la no abdômen, enfim.
Não foi muito profundo, como pretendia, mas pôde tirar um pouco de sangue dela.
“Ela ainda consegue evoluir”, ponderou, arrepiada dos pés à cabeça, com as sobrancelhas elevadas.
Lilith escapou dos novos dentes afiados, mas não pôde evitar que outra serpente arrastasse as presas em suas costas.
Sofrendo o baque, abriu brecha para outra a afligir acima do seio esquerdo.
Grunhiu entre os dentes. A situação tornava-se cada vez mais desesperadora; tinha que evitar novas fontes de envenenamento, a todo custo.
Não importava a supremacia das investidas, sempre estaria vulnerável a ser atingida pelos enormes animais.
Seu tempo diminuía a cada deslocamento efusivo. Então o punho direito se tornou inutilizado.
A marca naquela região já chegava à metade do braço.
O pescoço também começava a ser envolvido, além de uma parte superior do ombro que ia se alastrando pelos arredores.
No fim, o único “retorno” obtido foi ter acertado uma incisão contra o abdômen da górgona.
E nem tinha sido tão superficial quanto pensara; a própria conferiu a abertura profunda acima do umbigo, de onde sangue escorria até pingar na terra.
— Mudei de ideia... — Estalou as garras que substituíam os dedos. — Eu mesma vou te matar!
Mirou o rosto da jovem ofegante, aos poucos pintada com as marcas do veneno.
As dores de Lilith só pioravam. Sem locomoção apropriada no braço dominante, só podia aguentar.
Aos poucos, a mordida das costas passou a subir até a nuca e a do seio também iniciou seu passeio lento e pungente.
Cada segundo contado parecia lhe aproximar de um desfecho tenebroso.
Para completar, um espasmo de onde o veneno se alastrava no peito a fez sucumbir com um dos joelhos à terra. Pela primeira vez, regurgitou sangue.
Foi com a mão esquerda, ainda boa, que apertou o cabo da foice no intuito de manter-se minimamente erguida.
Os sintomas pareciam estar acelerando.
Euryale mostrou os dentes num sorriso, resolvendo partir para a agressão contra a baqueada. Sequer se importou com o ferimento.
Tinha na cabeça que poderia destroçá-la sem dificuldades àquela altura.
Portanto, foi pega de surpresa ao fitar o surgimento de um enfraquecido sorrido na face dela.
Era como se estivesse prestes a se quebrar a qualquer instante.
Pela última vez, a garota bateu a parte inferior da arma contra o plano, no aguardo da impulsividade da criatura.
Outro pilar de chamas subiu, sem que a górgona pudesse se desvencilhar em sua plenitude.
Pela proximidade para com o gêiser escarlate, a própria Lilith acabou impelida com a onda de choque.
O perímetro florestal inteirou sentiu a ardente proliferação invisível, que chegou a derrubar algumas árvores atingidas pelo incêndio inicial.
— Aaaagh!! — O grito da mulher propagou-se na mesma intensidade do vento.
Não tinha sido atingida por inteiro, mas enfim foi.
Ciente de aquilo não ser o bastante, ainda assim, a ctónica comemorou internamente. Por ora, aparentava ser o melhor que poderia obter.
Tirou proveito do “empurrão” sofrido pelas consequências do ataque desesperado — e imprudente — a fim de dar a volta e a despistar.
Utilizou toda energia restante nas pernas, sem parar de tossir sangue e suportando toda a agonia vinda de dentro, para se levantar e correr.
Trôpega, ultrapassou vários arvoredos enormes.
Os olhos rubis voltaram a brilhar, precisos em prol de guiar-se na escuridão.
Os rastros do envenenamento não iriam parar de pintar sua pele clara. A energia, aos poucos, começava a ser sugada pelo intangível.
Prosseguiu até onde foi possível, sem nem se atentar à distância percorrida. Alguns minutos, na melhor das hipóteses, a separava do campo de batalha.
Afogada no silêncio sepulcral, deixou ir o restante da resistividade e foi abraçada pela terra.
Agarrou-se à consciência no limite. A tonalidade púrpura já invadia a altura da face. O braço não possuía mais qualquer espaço em branco.
Se arrastou com o corpo pesado até alcançar o tronco mais próximo.
Repousou as costas — parte superior também preenchida pelo veneno — nele, ao passo que arquejava severamente.
“Eu vou... morrer...”, estremecia de medo. Os pulmões gritavam de dor a cada arfada.
Aquela tinha sido sua escolha.
Todas as consequências possíveis foram apresentadas e, mesmo assim, optou por continuar.
Os acontecimentos se desenrolaram rápido demais.
Sequer dispunha de tempo em prol de pensar sobre qualquer evento lógico.
Por pouco entrou em síncope por vários momentos. Suava frio. O corpo inteiro se arrepiava.
A dor provoca o crescimento.
A entonação da Deusa do Amor martelou pela mente prestes a esvanecer.
Enfim compreendia o teor da “dica”. Tal lembrança lhe arrancou um sorriso de escárnio.
Tudo terminaria ali. As expectativas para a chegada de reforços eram mínimas. As chances de vencer o envenenamento e se recuperar em tempo hábil nem eram cogitadas.
A única saída a reluzir adiante era a morte.
Só tinha que esperar até o veneno lhe levar até ela.
“Outra vez... eu ‘tô aqui... sozinha”, não guardou mágoas do novo devaneio. Tinha consciência acerca das respectivas decisões.
Quando fechou os olhos e descansou a nuca no tronco, preparada para deixar a chama da vida se apagar... uma paisagem iluminada despertou no coração.
Um calor indescritível a preencheu. Subiu ao rosto, até que lágrimas surgiram no canto das vistas.
No fim, ela não queria que terminasse assim.
Mesmo solitária sob aquelas árvores, não estava sozinha...
Pelo menos, não mais.
Sabia que, de certo modo, alguém estava torcendo pelo sucesso dela. Não importava onde, quando ou como.
Ainda que fosse a primeira vez sem ele ao seu lado, em uma situação daquele porte. Outra consequência sobre o trajeto que escolheu tomar.
Porém, diferente do resto, lembrar daquilo a fez sentir uma agonia capaz de superar qualquer dose do veneno. Qualquer queimadura grave ou corte na carne.
Você não tem apenas a mim. E acho que já descobriu isso por si mesma.
Foi quando as palavras afáveis de sua mãe ecoaram.
Um tesouro do qual jamais poderia conceber naquelas condições.
No mesmo átimo, sentiu a influência da górgona voltar a se pronunciar nas redondezas. O delírio da morte iminente ruiu.
Apertou os dentes, quase mordendo o lábio inferior.
Alimentada pela nova chama acesa dentro de si, decidiu se opor ao destino.
Enquanto isso, Euryale avançava, efusiva com as queimaduras graves por volta do corpo.
A sede de sangue lhe conduzia pelos arredores, sem poupar esforços ao derrubar árvores que atrapalhassem seu trajeto.
Todas as víboras em sua cabeça — nem todas sobreviventes do gêiser de fogo — se agitavam.
“Sinto seu cheiro! Vou te destroçar!!”, era o único objetivo a martelar seus estímulos, como um juramento gravado na alma.
Era questão de tempo até localizar a garota. Por ver como ela era nova e, de certa forma, inexperiente, sabia que o veneno a derrubaria num curto período.
Independentemente, prosseguia incontrolável no desejo de arrancar seu coração, antes que a intoxicação fizesse o trabalho.
Apesar da confiança e presunção exacerbadas, passou a colocar na cabeça a necessidade de certificar que não haveria alguma possível reviravolta.
Depois de ter sido queimada da forma que foi, urgiu o temor de tudo escapar dos dedos.
A fraca presença da menina se aproximava. Encurralada e sem expectativas.
O turbilhão de sensações desagradáveis a fez ranger os dentes num sorriso melindroso.
As sobrancelhas se levantaram, assim que enxergou pingos dourados reluzirem sobre os rastros rubros na terra.
Lilith não encontrava forças para se mexer.
Sabia que a inimiga estava próxima, mas não tinha o que fazer no estado atual.
Eu acho que você tem que ser você mesma.
Foi quando vieram as palavras dele...
Meio que... Eu me sinto bem mais confortável quando você ‘tá sorrindo.
Um gatilho imprescindível, responsável por despertar as labaredas derradeiras em seu coração.
“Eu não vou morrer... não aqui...!”, Lilith apoiou todo o peso do corpo na foice. Desafiando o destino amargo, se levantou.
Euryale seguiu a toda velocidade pelo caminho de sangue e, sem delongas, mirou o tronco onde ela deveria estar derrubada.
Esgazeou as vistas, preparou as garras e, com um salto, surgiu pelo flanco esquerdo dela.
Ninguém estava ali. Nada além dos mesmos resquícios do sangue com Ícor, semelhantes aos encontrados no trajeto.
“O que diabos...?”, quando indagou em pura dubiedade, captou o aroma dela na retaguarda.
No entanto, não se viu capaz de exprimir o sentimento em palavras.
Lilith portava a arma de médio alcance, pronta para cortar a cabeça da mulher.
“Eu preciso vencer...”, a pintura banhada em luz branca lhe trouxe uma mão estendida. “Preciso viver... ao lado dele!!”
Para superar as adversidades, vivenciou todas as memórias dolorosas possíveis.
Eram o obstáculo final da sua nova obstinação.
O gatilho derradeiro que acenderia o pavio de seu combustível.
Mordeu o lábio, afiou os olhos rubis — já envoltos pelo purpúreo veneno — e bradou:
— Eu vou viver!!
No reflexo, uma das víboras contornou o corpo e caçou seu pescoço.
Ela se desvencilhou ao descer o corpo pesado, evitando a mordida. O mínimo de esforço a fez sentir a energia escapar pelas mãos.
Salva por uma ação solitária de um dos animais que tanto odiava, Euryale se corrupiou e acertou o cotovelo no peito dela.
Foi o baque derradeiro à descendente do Submundo.
Largando a foice ao lado, foi derrubada ao solo. A respiração se tornou falha. A escuridão finalmente passou a sobrepor a luz...
— Maldita desgraçada!!! — Enraivecida como nunca, a górgona respirou fundo. — Te dou meus sinceros parabéns. Mas isso termina aqui!!
Ainda se recompondo do último susto, preparou as garras da mão. O pescoço da apóstola estava vulnerável.
Ela inteira estava...
A imagem definitiva captada pela visão de Lilith, sendo dominada pela turbidez da inconsciência, foi a das copas das árvores.
Lutou o quanto foi possível. Agarrou-se aos restos da chama que se recusava a apagar dentro do peito.
Permitiu-se ser guiada à importância daquele rapaz em sua vida, nos momentos finais...
O caminho imutável do envenenamento, a um ponto crítico, a trouxe à oclusão dos olhos.
O semblante enfraquecido permitiu ao destino lhe derrotar.
Mas...
“Lá vamos nós de novo...”
Ainda havia algo dentro dela.
Algo que se recusava a ser conivente com tal desfecho.
Seu sorriso sombrio voltou a nascer em seu âmago...
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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