Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 89: Olhar Que Petrifica [Górgonas]

Chloe e Julie percorreram o trajeto construído pelo túnel espectral de sete cores, cobertas pela chegada do amanhecer.

Desceram até a entrada do Olimpo e, de lá, tomaram o rumo da Floresta Negra.

Chegariam no local quando o sol já estivesse bem estabelecido no céu de verão.

Iluminadas pela estrela da vida, semicerraram as vistas ao se depararem com as imediações da região obscura.

A púrpura sacou a parte da lança que restara do conflito no deserto.

“Que lástima”, lamentou. “Não vejo a hora de reaver minha bela lança em sua integridade.”

Tentou driblar a sensação ruim, em prol de focar no que vinha adiante.

“Alerta: Sinto a energia de Li-Li. Ela parece estar bem avançada na floresta, minha irmã.”

A telepata transmitiu seu parecer, também abrindo o bastão que se tornava o grande arco branco e azul.

— Neste caso, demandamos de maior celeridade.

Chloe não pensou duas vezes em invadir o aglomerado de arvoredos, logo após descerem do túnel multicolorido.

“Também posso sentir”, verificou o panorama geral do trajeto pelo qual precisariam seguir.

A influência da garota chegava nelas como uma lufada tórrida. Era provável que já estivesse em batalha contra alguma das adversárias.

Graças à ausência de mortais e animais silvestres, as irmãs conseguiam prosseguir sem tribulações.

Cientes dos perigos naturais da zona cerrada, combinaram uma tática; ao passo que avançavam entre os aglomerados de troncos, marcavam alguns deles com suas armas afiadas.

Os “indicativos” as permitiriam se reencontrar pelas entranhas, caso se perdessem por algum motivo durante a ida ou a volta.

Escolhiam com precisão quais troncos seriam marcados e o faziam sem parar de manter a intensidade na corrida.

Tão habilidosas ao ponto de desenharem uma espécie de letra “z” inversa, enquanto continuavam em frente.

Permaneceram nesse planejamento até serem abraçadas por um ar frígido, indicando a profundidade inicial da floresta.

No entanto, aquele ritmo logo foi quebrado.

A arqueira, na liderança da trilha, freou a sequência quando pensou ter identificado uma aura peculiar lhe rondar.

Sua irmã fez o mesmo.

E sequer precisou a questionar, pois era igualmente capaz de sentir a influência vigorosa que vinha de poucos metros.

Pura sensibilidade de identificação foi bagunçada, quando a escuridão foi alumiada por um fraco clarão escarlate.

Agora, as autoridades se misturavam.

Segundos de atraso ocorreram, até a chegada de uma onda de choque em seu suspiro derradeiro.

A brisa abrasante fez os fios da lanceira esvoaçarem pelo ar, da mesma forma que os fios repartidos do coque amarrado da alva.

“Hipótese: Li-Li definitivamente encontrou uma das inimigas”, proferiu a segunda.

— Quiçá mais de uma...

Chloe murmurou aflita, voltando a aproximar os cílios.

Aos poucos o efeito luminoso perdeu força, enquanto a sensação vital permaneceu ativa, rivalizando com a outra aura invulgar que tinham antecipado.

E manter um foco crescente nelas as fez reconhecer, bastante atrasadas, a uma terceira presença bem próxima do anel de arvoredos.

Ambas reagiram simultâneas, virando as posições para lados opostos de uma da outra. Precisavam defender a retaguarda de cada uma.

Dessa maneira, de costas uma para a outra, esperaram a manifestação.

Quando distinguiu a ameaçadora presença elevar sua proximidade, em detrimento das outras duas, a purpúrea esbravejou:

— Feche os olhos, Julie!

Dito e feito, a nívea não a rebateu.

Colocando as vistas em oclusão numa célere autodefesa, as duas captaram um estalo de língua. A aproximação cessou no exato ato.

Ansiedade as dominou, algo raro de ocorrer. Embora estivessem prontas para enfrentar aquele cenário desconfortável, era deveras complexo na prática.

Sem contar no fato de tamanho alerta as fazer perder, involuntariamente, o contato apurado com as energias distantes... para focar na que permanecia as mirando de perto.

— Oh, não... — Uma voz suave se proliferou. — Por que fecharam os olhos?...

O timbre das palavras soava melancólico até demais.

As irmãs continuavam a rejeitar a visão. Naquele contexto, só restava usufruir da sensibilidade focada puramente na nova presença, assim como os demais sentidos corpóreos.

Foi partindo dessa definição que um fraco sibilar veio até as duas. Em seguida, o ruído contínuo passou a ganhar novos ecos.

“Não restam dúvidas”, Chloe pressionou os lábios. “Trata-se de uma delas...”

Um barulho de rastejo complementou a sucessão que a permitiu encontrar a pronta definição...

— Eu gostaria de terminar isso causando o mínimo de dor possível a vocês... — De novo, a mulher, envolta por serpentes mansas ao redor do rosto, se aproximou. — Eu não gosto que as pessoas sintam dor. Mas vocês fecharam os olhos para me evitar. Vocês sabem sobre nossa maldição? Quem são vocês?

“Por que dialoga desta maneira?”, Chloe não conseguia, em hipótese alguma, compreender a tristeza que ressoava das palavras da mulher.

Soava como se não desejasse conflituar com elas.

A górgona interrompeu a aproximação de súbito. A taciturnidade a dominou, à medida que os olhos de íris branca-azulada se esgazearam.

Um rebuliço lhe dominou o peito.

E, enquanto criava dubiedade acima das apóstolas, entoou por um cicio pausado; desacreditado:

— Vocês... são parecidas com a senhorita Atena...

O estado de alerta da dupla cresceu. E, com ele, um singelo espanto tomou conta das emoções comedidas de Chloe.

Julie logo notou a preocupação que surgiu na mente da aliada.

— Ei. Vocês têm alguma relação com ela? — Inclinou a metade humana do corpo, mudando completamente a abordagem. — Me respondam!

“O que significa isto?”, a lanceira apertou o cabo da arma, incapaz de entender a repentina alteração emocional da inimiga.

A tristeza e melancolia tornaram-se pura inquietação e descontrole, em determinada proporção.

Preocupada com a variação extravagante, Chloe se corrupiou na velocidade do pensamento e disparou por um caminho alternativo dos arvoredos.

Sem precisar ser avisada, Julie assentiu com a cabeça e a acompanhou, fazendo-se valer da comoção instaurada involuntariamente na górgona.

Aproveitaram para reabrir os olhos, afastadas do perigo inicial. Tampouco verificaram a retaguarda, com o único pensamento de se distanciarem ao máximo da passagem original.

Continuavam a marcar novos troncos específicos, sem diminuir a celeridade.

— A situação mudou. — Encarou cuidadosamente por cima do ombro, depois de metros atravessados. — Encontramo-nos incapacitadas de prosseguir até a garota neste instante. Necessitamos, primeiramente, de cuidar desta górgona. A guiaremos até uma região de difícil acesso às energias alheias. Demandamos de foco absoluto nesta.

“Resposta: Como quiser, minha irmã.”

Feito o rápido discurso, a púrpura manteve os devaneios a um frenesi absurdo.

O cenário só tendia a se tornar cada vez mais incômodo, levando em conta o fato de ela as ter “reconhecido” como parentes da Deusa da Sabedoria.

Deveria desconhecer sobre suas identidades, porém a analogia baseada na aparência era algo óbvio de ser concluído.

Por fim, aquela informação de certo tornaria tudo mais dificultoso.

Teriam que lidar com algo extremamente pessoal, ao contrário do que fora planejado.

E, como imaginado, tal descoberta tornou-se a força motriz que passou a mover os pés escamosos da monstruosidade.

Rumo ao caminho que as jovens improvisaram...

— Me esperem... Eu... eu preciso falar com vocês. — Começou a correr, carregando no semblante um desespero contorcido. — Eu preciso... que vocês me levem até a senhorita Atena!!!

Junto ao tom de súplica, os globos petrificantes da mulher tornaram-se tão assustadores quanto há pouco, como se buscassem uma insana virada de chave a todo custo.

As gêmeas se distanciaram a uma zona completamente inabitada. A presença de Lilith e de quem fosse sua adversária havia desaparecido.

O silêncio só não era absoluto, pois as gigantescas árvores, responsáveis por bloquear a chegada da luz solar, produziam uivos medonhos por todo o local.

Nenhuma das duas teve muito tempo para se atentar a isso, contudo. Aos poucos, a influência da deturpada regressava sobre as respectivas sensibilidades.

“Do trio das Górgonas, a rainha Medusa ostenta maior urgência de precaução”, refazia palavras entregues por sua mãe com o raciocínio superveloz. “Euryale, a mais velha, carrega um veneno funesto nas impetuosas víboras da cabeleira. Portanto, a terceira...”

... ela realiza súplicas e orações direcionadas a mim até hoje, como se estivesse em busca de perdão. Em primeira aparência, pode ser condescendente e bonançosa com sua voz suave. Contudo quando precisa alcançar algum objetivo em específico, se torna tão sanguinária quanto as irmãs.

Com a rememoração completa acerca das informações da Deusa da Sabedoria, a lanceira determinou:

“Stheno... É ela.”

Enquanto isso, não deixava de varrer os arredores, analisando aquele pedaço florestal para o que viria em breve.

Na iminência da brisa gélida, ponderou a proximidade com alguma costa com o Egeu, fosse do próprio mar ou de algum rio ou lagoa.

Agora via a razão daquela zona ser tão pouco explorada. Era inóspito nos níveis do Deserto da Perdição.

— Um combate de vistas oclusas... Impertinente — resmungou entre os dentes, encarando a irmã.

“Todavia, se anseia por expiação, por quais razões se uniria àquele grupo?”, continuava a raciocinar, mesmo que expressasse linhas diferentes pela fala.

Tal era a capacidade de organização mental que dispunha.

A influência da górgona cresceu subitamente.

Julie lhe devolveu o olhar, ao que assentiu em perfeita sincronia à semelhante.

Esconderam-se atrás de um tronco cada.

Não levou muito tempo até a mulher-serpente, literalmente rastejando como o réptil, alcançasse o âmbito onde as atenienses se escondiam.

Perceptiva à presença delas por ali, retomou a postura e caminhou sobre os pés de unhas afiadas.

“Ela também dispõe de boa sensibilidade...”, a purpúrea definiu só de vê-la interromper o avanço veloz.

— Por favor... Me respondam — proferiu com certa placidez. — Vocês... vocês possuem que tipo de relação com a senhorita Atena!?

Chloe estava curiosa quanto a procedência, mas preferiu se sustentar na taciturnidade.

Isso abriu brecha para Stheno insistir, conforme virava o corpo e o rosto em diversas vertentes à procura delas.

— São irmãs? Ou então... — Estalou os dedos, os movendo de forma grotesca. — Eu nunca vi vocês duas. Não enquanto a servíamos... É isso...! Só podem ser filhas!

Ao passo que a górgona desvendava tudo, a apóstola posicionava com cuidado a lança à frente do tronco.

Conferiu a alva, no outro lado, prontificada embora sem ter o arco cerúleo aberto. Já tinha uma flecha em mãos, porém.

O deslocamento precisaria ser veloz e certeiro. Só assim seriam aptas a arrancarem qualquer vantagem da oponente.

Conforme pensava nisso, notou o silêncio repentino adotado pela falante.

— Isso quer dizer que... — Quando a voz dela retornou, veio dominada por um embargo fremido. — Senhorita Atena... também quebrou o próprio voto de castidade!?

A perplexidade foi abafada pela mão que levantou à frente da boca.

Numa fração de segundos, um arrepio estranho percorreu a espinha de Chloe.

A palma dominante dobrou a força de aperto sobre o cabo da arma longa. Por aquele breve átimo, perdeu o fio da meada das divagações concisas para algo que sequer tinha ideia.

No tocante a isso, Stheno juntava as mãos sobre o rosto. Escondia as vistas lamentosas.

— Então... Por qual razão ela puniu a mim e minhas irmãs!? — A tomada de considerações escalava muito rápido. — Por que tivemos que sofrer isso!? Minhas irmãs queriam se redimir...!

“Vitimismo...”, balançou a cabeça em negativa, no intuito de retomar a linha de raciocínio embasada.

Tentava não cair na lábia da mulher, por mais que pudesse sentir veracidade em suas lamúrias...

— Por favor. Eu imploro. Me levem até ela! — Enternecida, Stheno chegou à divisa entre os troncos onde as garotas se escondiam. — Minhas orações não podem alcançá-la! Eu não aguento mais viver assim!!

Julie permaneceu “invisível”.

Contudo, Chloe não aguentou além daquilo e subiu o braço e a lança, posicionando a lâmina sinuosa abaixo do queixo da mulher.

Ela parou de caminhar na hora, pega de sobressalto perante a ameaça. Sentia o gume tocar sua garganta de leve.

— Portanto... por qual razão cobiça a união com o grupo denominado Imperadores das Trevas?

O questionamento da jovem deusa, de cabeça baixa, fez a górgona engolir em seco.

Tal adoção de taciturnidade entregou uma ponderação inédita à ateniense.

“Elas se encontram em processo de convergência”, mirou o caminho estreito, que fez uma luz surgir em sua cabeça.

Inerte, a górgona aceitou a ameaça e corroborou:

— Nós só... queremos o que foi tirado de nós. É por isso que eu oro todos os dias. Para que ainda possam nos atender... nos perdoar! — O rosto esverdeado estremecia, erguido. — Mas se isso não pode acontecer, que escolha nos resta!? Nunca fizemos nada de errado..., foi tudo um engano! Sim... A senhorita Atena é quem estava errada!!

“Seu timbre...”, Chloe verificou o calafrio sobre o braço estendido. “Não somente isto... A aura como um todo.”

Pôde experimentar uma gota de suor escorrer no rosto, pingando sobre a terra misturada a folhas secas.

— Por isso... Para o bem ou para o mal... — As víboras que constituíam seu cabelo despertavam. — Vocês me levarão até a senhorita Atena!

Os leves deslocamentos ondulatórios uniam-se aos sibilares miúdos.

— Suponho que não sea o desenlace almejado. Todavia, já planejávamos conduzi-las até ela. — A resposta soturna da lanceira trouxe uma falsa esperança à criatura. — Embora não desta forma.

Que foi despedaçada quando Julie executou um salto lateral, surgindo na retaguarda dela.

Arte da Sabedoria, Matriz Base: Luz da Morte”, disparou a flecha imbuída em Autoridade Elementar da Luz, que explodiu quando a amaldiçoada ameaçou se virar.

A poderosa onda eletromagnética alastrou-se por um considerável raio, causando imediato efeito.

Por meio de um esbravejo excruciante, Stheno recuou vários passos. A ardência afetou suas vistas, que se forçaram a fechar.

“Deu certo”, comemorou a purpúrea, no plano de cegá-la.

De todo modo, aquela era uma faca de dois gumes, pois as irmãs também se viam afetadas pela intensa luminosidade.

Conforme a górgona tentava se afastar, Chloe usou os troncos como barreiras em prol de enxergar minimamente para onde ela iria.

— Meus olhos!!!

O grito da criatura precedeu a nova investida de Julie, que disparou outra flecha, essa pura, a atingir o ombro esquerdo dela.

A seta fincada em sua carne lhe desprendeu uma dor colossal, apta a interromper o rompante concedido pelo impacto.

Sangue escuro espirrou pelo espaço.

“Embora tenha se revelado um tanto imprudente”, Chloe se consolou por conta dos aspectos negativos do plano.

“Aviso: Ainda dispomos de algum tempo, minha irmã”, a informação da alva instruiu a gêmea a avançar com os olhos abertos outra vez.

Mesmo machucada e com a petrificação bloqueada, Stheno seguiu em frente.

Arrancou a flecha agarrada entre o dorso e o peito sem pudor, deixando que mais do líquido carmim fosse liberado.

As mansas víboras da vasta cabeleira tomaram as rédeas da situação. Através dos sibilos orquestrados, passaram a guiar a mestra enquanto a visão estivesse conturbada.

Em prol de aproveitar o curto período à disposição, Chloe sobrepujou a cautela e avançou.

Preparou a arma, recheando a lâmina extrema com Energia Vital...

Arte da Sabedoria, Matriz Divisória: Lâminas Elementares”, o equipamento quase inteiro foi banhado pela tonalidade alva cintilante.

O cicio das serpentes lhe alertou sobre a investida da filha de Atena.

Graças a isso, desviou do ataque inicial, a tentativa de empalamento que passou de raspão no braço canhoto.

Tentou contra golpear com as garras da mão contrário ao girar rápido, mas a apóstola repetiu a esquiva, perdendo apenas poucos fios do cabelo liso.

Quando pensou em completar o rodopio para um segundo golpe, os animais em sua cabeça emitiram um ruído estridente.

Isso a fez desistir da abordagem, tomando a medida de se afastar por alguns metros. Aproveitou para retomar o fôlego perdido.

“As serpentes previram...?”, a lanceira encarou de soslaio, onde Julie já tinha outra flecha pronta para disparar no momento que ela executasse o ataque.

— Eu não pretendo mais... matá-las!!

De volta à terra, surpreendeu as gêmeas quando adotou os movimentos que as traziam real dificuldade.

Rastejando como uma daquelas residentes de sua cabeleira, iniciou a sequência de céleres investidas contra a dupla.

Chloe não conseguiu acompanhar com a lança luminosa, e sofreu cortes medianos na altura do abdômen.

“Rápida”, buscou suportar a ardência das garras que rasgaram sua pele e carne.

— Vou imobilizá-las — resmungou Stheno, numa seriedade inédita, enquanto se esgueirava na retaguarda da lanceira.

Novamente em um piscar, a situação do confronto mudava de forma drástica para as gêmeas.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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