Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 88: Floresta Negra

Retornando um pouco no tempo, antes do amanhecer: templo de Atenas.

A Deusa da Sabedoria, após pôr seu vestido, aprontou as armaduras de ouro sobre os ombros, braços, torso e pernas.

Mesmo ao pedir para que a filha de Hades não fosse sozinha, estava ciente sobre qual seria a atitude que ela iria tomar.

Por isso resolveu apostar, visto que ninguém poderia mudar sua determinação.

“Lady Afrodite concordou, porém...”, imaginou como seria o encontro entre a Deusa do Amor e a garota, naquela sequência. “Algo importantíssimo virá a ocorrer.”

Encarou-se no espelho, franzindo as sobrancelhas.

Depois de respirar fundo, deu meia-volta, já no intuito de se dirigir ao Olimpo.

Desde que Lilith estivesse a par da maldição dos olhos petrificantes das adversárias, ao menos confiava em que ela ganharia algum tempo sem sofrer um desfecho trágico.

No fim, as expectativas potenciais sobre a garota continuariam plenas.

Era com base nisso que sua curiosidade acerca dos desdobramentos crescia.

Fechou a porta do cômodo pessoal e rumou à sala de estar.

Lá estava Daisy, devidamente preparada, a exemplo das filhas gêmeas.

Sem exceções, alternavam entre as vestimentas escuras de Chloe e as desbotadas de Julie.

Ambas postadas em paralelo, traziam consigo as armas de praxe nas repartições laterais dos cintos de couro.

— Como já sabem, não planejava enviá-las a uma tarefa inédita até que Íris regressasse com a resposta. No entanto, não dispomos de opções melhor do que vocês a favor de cumprir esta urgência. — Atena tocou num ombro de cada uma. — Chloe. Julie. A tarefa que lhes ofereço é a partida imediata à Floresta Negra, a fim de auxiliarem a filha mais nova de meu tio na busca pelas górgonas.

Repousada no sofá, Daisy arriou os cílios com preocupação. Podia sentir o peso depositado nas palavras da meia-irmã.

— As responsáveis por fenderem o voto de castidade feito convosco, nossa mãe — entoou a purpúrea, de queixo erguido. — E pensar que elas iriam unir-se àqueles profanadores...

A alva manteve o silêncio, também de rosto levantado.

— Isto foi há muito tempo. E isto ainda pode ser reduzido a uma mera suposição. — Recuou dois passos. — Esta é uma tarefa fundamental para que possamos compensar algum tempo desperdiçado. Caso eles deem mais algum passo a nossa frente...

— Entendemos perfeitamente, minha mãe.

“Resposta: Faremos o que deseja, minha mãe.”

As apóstolas assentiram quase em simultâneo, uma sincronia não tão perfeito graças às diferentes palavras utilizadas nas respostas.

Sem delongas, avançaram pela porta da frente e, recebidas pela alvorada sobre a silenciosa cidade, tomaram o trajeto das Passagens Espectrais.

Desprovida da mesma pressa que a dupla, a deidade observou o horizonte ligeiramente alaranjado, dotada de taciturnidade.

A menina de cachos carmim a acompanhou.

O primeiro pensamento foi lhe tocar a mão, à procura de decifrar as emoções escondidas por meio da Empatia.

Contudo, refugou o movimento no instante que os dedos se aproximaram de tatear o dorso dela.

Ergueu o semblante, a observar a expressão serena da superior.

— Essas... pessoas... são perigosas, né?

Ao receber a indagação que quebrou a quietude, Atena encarou-a de soslaio. Depois de breves segundos, retornou a atenção à pólis adiante.

A presença de suas filhas não podia mais ser identificada de onde estava.

Pela inquietação nítida da caçula, que acompanhara os mais graves acontecimentos até então, omitir esclarecimentos dela podia trazer novas complicações.

Sobre olhares à respectiva, já traçava algo importante a surgir num futuro não tão distante.

— É por isto que ofereceremos compenetração ao término de vosso treinamento. Está na hora de ratificar a respectiva defesa caso algo de ruim ocorra e não possa ser protegida. — Acariciou a cabeça da menina. — Irei me empenhar para delimitar este desfecho importante.

— Sim! — O entusiasmo retornou para a pequena. — Da próxima vez eu vou estar do lado do meu irmão...! E vou proteger ele!...

A deusa escondeu um fraco sorriso no canto da boca.

Acima de tudo, carregava consigo a vontade de vê-la se tornar a mais jovem apóstola de todos os tempos na corporação.

E qual seria o limite de seu potencial, que sabia estar escondido dentro de si.

Exalou um breve lamento, levando o olhar às costas descobertas dela; as cicatrizes de nascença na altura das escápulas, dois simétricos e verticais losangos médios, ligeiramente curvados.

Tanto o desconforto quanto as expectativas mais cativantes a dominavam só de encará-las.

— De todo modo, partiremos ao Olimpo — desconversou, na busca por retomar a concentração para o momento atual. — Seu irmão deve estar lá. Portanto, aproveitarei para falar com ele.

— ‘Tá! Vamos!

Após assentir com um largo sorriso, a filha de Zeus deu as mãos à mulher e andou com ela até a entrada para os túneis multicoloridos.

O espectro das sete cores as levaria, mais uma vez, até o local mais importante daquela Era.

Quando a alvorada se esgueirou pelo céu, Lilith alcançou a fronteira entre a trilha leste do Olimpo e a temida Floresta Negra.

A entrada não tinha tantas árvores. Mas só de chegar perto, a garota experimentou uma atmosfera incômoda.

Respirou fundo e não se intimidou para avançar, já com sua foice aberta e preparada.

Caminhou pela passagem inicial, que aos poucos se fechava conforme se aprofundava nas camadas de arvoredos.

Em pouco tempo, notou a dificuldade de encontrar o céu. A luz solar, que já não era muita àquele horário, não conseguia iluminar o ambiente.

Com isso, sentia muito mais frio que o normal, capaz de lhe obrigar a se focar na própria energia em prol de não tremular.

Nada obstante, um estranho zumbido percorria seus tímpanos.

O cenário tomado por uma tonalidade “morta” a trazia conforto, de certa maneira. Mas não deixava de lhe transmitir a apreensão acerca do desconhecido.

“Não tem ninguém aqui?”, varria os arredores, aumentando o frenesi. “Não tem energia. Não tem animais. Se for assim, então...”

Franziu a testa, angustiada ao cogitar o motivo para o local ter sido abordado.

A vasta extensão, muito mais densa à medida que prosseguia, começava a criar dúvidas em sua cabeça.

O senso de direção não parecia mais tão apurado. Superava todos os locais visitados nas ilhas antecessoras, aumentando a facilidade da confusão.

Os trajetos estreitos se misturavam; guiar-se pelo sol tampouco era possível.

Caso não obtivesse resultados a médio prazo, no máximo, já planejava retornar. Mesmo com problemas para buscar a saída.

“Por que...?”, apertou os olhos no passo que apertava o cabo da foice. “Eu deveria mesmo fazer isso?...”

O ímpeto da madrugada esfriava tal qual o clima ao seu redor.

Na toada que a ficha caía, lhe preparando para desistir após mais alguns metros de caminhada... um ruído de farfalho surgiu do flanco esquerdo.

Ou assim pensou.

De todo modo, o alertou voltou a acrescer sua atenção, obrigando-a a rodopiar com toda velocidade.

Posicionou a foice um pouco ao lado do corpo, quase nas costas, evitando surpresas que pudessem vir do ponto cego.

Aguardou em completo silêncio a princípio, porém não suportou a tensão criada pelo próprio.

— Quem está aí!? — gritou, movendo os olhos “acesos” nas cercanias. — Apareça!

A frígida quietude voltou a permear a região.

Lilith podia escutar os próprios batimentos cardíacos em ascensão.

A aflição subiu até o farfalhar retornar e, depois, um cervo saltar de trás dos arbustos.

Com o susto — acompanhado de um grito soluçado —, a ruiva recuou dois passos e quase caiu de traseiro.

O animal disparou até desaparecer em segundos, a devolvendo à solidão.

Exalou um forte lamento após recuperar o fôlego, fazendo as caudas gêmeas subirem e descerem junto aos ombros.

“Então têm animais aqui...”, retomou a postura ao apagar a inquietação da mente.

Sem abaixar a guarda, persistiu por outro pedaço, retomada a esperança de encontrar algo relevante.

Àquela altura, não fazia ideia sobre o tempo levado desde a entrada no recinto. A ausência de luz, apesar de ser do respectivo hábito, lhe arrancava a capacidade de se situar nesse aspecto.

“Não sei mais por onde ir”, martelava consigo, ponderando retornar com seriedade.

Só que, antes de tomar a decisão, identificou um fluxo vital se proliferar nas minúcias pelo espaço.

Se não estivesse tudo tão silencioso e vazio, de certo iria passar despercebido.

Portanto, aproveitou aquela configuração excêntrica para se adiantar no rastro daquela influência.

Em um piscar, a ansiedade voltou a lhe embrulhar o estômago.

À frente, havia nada mais que troncos de enormes árvores bem adjacentes, sem indícios de qualquer presença nas passagens.

Apostando as últimas fichas naquela difusão, cruzou os novos acúmulos de mata densa e passou sobre parte de uma nova trilha.

Os primeiros resultados expressivos chegaram. No entanto, o efeito sobre o corpo da ctónica manifestou-se de maneira contrária.

Quando arregalou as vistas, vislumbrou as almejadas pistas que concerniam à presença das Górgonas.

E não se tratava de qualquer suposição das divindades.

Numa só tacada, inúmeras estátuas humanas criavam o restante do trajeto.

Ao alcance dos olhos, a paisagem arrancou o fôlego dela.

Caso encontre suas inimigas, evite o combate direto e espere os reforços que virão.

No segundo piscar, as palavras ditas pela Deusa do Amor chacoalharam sua mente.

Ver todos aqueles seres, homens em sua maioria, paralisados como esculturas, a fez relutar entre a procedência e o aguardo.

“Mais fundo...”, encarou a continuação que tinha à frente, desprezando os arredores.

Não fazia ideia de até onde aquilo poderia ir.

Mesmo assim, desejava fazer valer todas as palavras ditas à noite. E os passos dados até então, não poderiam ser em vão.

Ela precisava agarrar aquilo.

Mudar tudo de vez...

Atravessou as estátuas, mantendo a arma de lâmina sinuosa sempre prontificada à frente do torso.

“Elas podem ter ido embora”, ainda pensava no lado confortável que podia obter, deixando o aglomerado de figuras petrificadas para trás.

Encontrou outros mortais amaldiçoados no avanço, esses separados em distâncias maiores.

No inesperado, novos ruídos adentraram seus ouvidos.

Paralisou de novo. Um pressentimento incomum fez seu coração disparar no ápice.

Verificou todos os lados com pressa. Por fim, evocou as palavras mais importantes que poderia receber da Deusa do Amor...

Não olhe diretamente para os olhos delas.

O impasse derradeiro a prendeu na posição, como se raízes de árvores envolvessem seus tornozelos.

Não era capaz de decidir se protegia os olhos e evitava surpresas ou procurava a localização das adversárias, possivelmente à espreita.

Foi assim que alcançou o entendimento da real dificuldade daquela tarefa.

“Como posso as encontrar e lutar... se não posso olhar para elas!?”

O pedido das deidades para que não fosse sozinha enfim tomava proporção.

Em virtude dos distúrbios emotivos prensados no peito, tinha dificuldades para pensar como deveria.

De maneira inadvertida, foi levada a aceitar o desafio.

Dubiedades e incertezas lhe perturbavam a cabeça, a exemplo das incumbências passadas.

Tinha que evitar a repetição das falhas “imperdoáveis” contra as próprias pretensões.

Buscou desfazer-se dos devaneios, a fim de focar no que estava ao alcance.

Compenetrada nos estalos de madeira e no movimento das folhas, forçou as vistas em direção aos pés.

Inclinou metade da cabeça em um ângulo decrescente, no objetivo de não se deparar com as principais “armas” das inimigas.

Segundos se passaram. Depois minutos; nada chegou.

Considerou reunir todos os sentidos, em prol de reconhecê-las por meio da Energia Vital. Não deveria ser tão impossível, ainda que sendo algo vindo de si.

Os devaneios em frenesi foram varridos quando um homem deixou os arbustos.

Lilith subiu o olhar de relance, vendo que ele sangrava na altura do abdômen e tinha olhos marejados esgazeados.

— P-por favor... me ajude!...

A súplica embargada acompanhava o corpo estremecido, trôpego em direção a apóstola.

Ela fixou o olhar naquela vertente, esquecendo por um átimo do perigo de fazê-lo.

Pensou em se aproximar para o atender, porém a atitude foi brecada inconscientemente assim que um arrepio peculiar subiu a espinha.

Diante das vistas congeladas, um efeito assustador teve início pela estatura do mortal.

“O qu...!?”, a ctónica mal pôde completar, abismada ante a petrificação que tomava as pernas dele, numa velocidade considerável.

Ao findarem os passos dele, subiram ao torso, enquanto sua boca rogava por piedade e clamava às divindades para permanecer vivo.

O fim tenebroso não poderia ser parado.

Passou um minuto exato até se tornar parte das esculturas espalhadas na floresta.

Para a apóstolo, tudo ocorreu num átimo que culminou com a chegada de uma presença inédita.

No tronco de uma das árvores à frente, a figura horrenda se postou unida à respectiva influência. Era ameaçador; frio.

Lilith já carregava plena ciência acerca de sua identidade, então empenhou-se no limite para não a fitar no rosto.

O arquejo elevou-se a um grau que fazia o peito arder.

Os membros inertes fremiam com intensidade, o suficiente para quase fazê-la soltar a foice.

Em detrimento disso, dobrou a força do agarro sobre o cabo com ambas as mãos.

— Uma surpresa aborrecedora surgiu... — O grunhido feminino soou grosso até demais. — Sinto cheiro de deusa. E, também, um outro bem desagradável...

“Essa sensação...”, Lilith encontrava problemas para mover, como se já estivesse petrificada sem nem ver os olhos da predadora.

Os suaves sibilares, emitidos das compridas serpentes que dançavam em volta da cabeça da figura, lhe traziam calafrios eletrizantes.

De alguma forma, pôde encarar a região de seu tronco, coberto por escamas de tonalidade verde-escuro.

— Aí está... — O mussito interior da garota serviu para a dar qualquer coragem. — Górgona...

O tremor corpóreo findou, no instante que reuniu a Energia Vital, direcionando-a ao ponto físico afiado em mãos.

— Nos descobriram mesmo, não é? Uma hora ou outra isso aconteceria, ainda mais com o descuido daqueles pirralhos convencidos. — A górgona afiou as garras que davam lugar aos dedos. — Esse cheiro que vem de você me causa náuseas. Não te deixarei sair daqui viva, em hipótese alguma.

“É agora... A minha chance”, a filha de Hades agarrou-se na determinação necessária em prol de adentrar o combate. “Eu... vou vencer!!”

Um frígido sorriso pareceu despertar em seu coração, mas foi ignorado por ela, que girou a grande arma com maestria.

Para surpresa da mulher-serpente na árvore, uma influência tórrida surgiu ao redor da ruiva, se espalhando pela área de maneira gradativa.

Então, a apóstola bateu a extremidade inferior do cabo no solo, levantando terra e folhas secas.

Arte do Submundo, Quarta Morte!! — Com um brado, deu início a seu cartão de visitas: — Pilares do Inferno!!

Segundos após ser entoado, numa celeridade assombrosa, o gêiser de fogo surgiu debaixo da superfície.

Disparou com tudo contra a górgona, originando uma grotesca explosão de fogo que engoliu não só aquele arvoredo, como demais nas cercanias.

Pássaros, escondidos até então, levantaram voo em bandos. Afugentados para longe do extremo calor criado pela magia divina.

De súbito, todo o cenário escurecido pela mata fechada passou a ganhar um tom escarlate.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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