Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 84: Outro Estopim - em AROANIA

Com a alvorada próxima de cobrir o céu da madrugada, os encarregados da tal tarefa avançavam ao objetivo.

Um de cada vez, desinteressados na mutualidade, construíram um caminho singular na ascensão ao ponto mais alto da montanha escura.

O primeiro a chegar foi Arthur.

Na toada dos loiros e volumosos fios a dançarem no espaço, focou os globos carmesim no perímetro coberto pelo breu.

Guiado pelas estrelas e a lua no topo aproximado, conferiu a ausência de possíveis perigos rapidamente.

Respirou tranquilo.

Nada parecia lhe abalar. Nem mesmo o frio causado pelas fortes correntes de vento da altitude.

O corpo nem tremia, apesar do torso estar protegido meramente por uma capa avermelhada, cruzando o peitoral e cobrindo um dos ombros.

Exalava, por natureza, aparência e essência invulneráveis.

O mesmo quase podia ser dito ao que veio em seguida.

Meade bufou, cansado após completar a ascensão no dobro de tempo levado pelo aliado.

Quase se jogou no chão, arrastou as pernas ao passadiço delongado e limpou a sujeira acumulada na saia desbotada.

O cabelo esverdeado, a cair até os ombros, atrapalhava a observação das vistas também encarnadas.

Entretanto, não aparentava se importar tanto com isso.

Levar um mínimo de esforço no objetivo de impedir as mechas lisas a esvoaçarem perante a faceta, contraída em desânimo, arrancava tudo que restava de sua ínfima vontade.

Estar ali já não o despertava tanto interesse.

Guardava consigo que só tinha aceitado pelo puro dever comprometido com a Corporação dos Deuses — forçado completamente por sua mãe.

E apesar da extensa preguiça, tomou a iniciativa em avançar no espaço montanhoso, pegando para si a liderança da jornada.

Não que tivesse repentinamente alterado o emocional, ou então fosse qualquer tentativa de se policiar quanto a isso.

Era bem mais simples.

“Quanto mais rápido terminamos, mais rápido voltamos... que saco”, resmungou entre os lábios amarrados, as sobrancelhas contorcidas no mesmo compasso.

O loiro lhe acompanhou na jornada.

Em sua mão canhota, já empunhava a grande foice de tonalidade predominante rósea, prestes a arrastar a lâmina curvada no solo.

Também não era como se estivesse na companhia do esverdeado.

Pouco se importava com os dramas dele. Nem mesmo sua presença parecia servir de algo a seu favor naquelas circunstâncias.

Estava ali apenas por si e nada mudaria isso.

Ainda que estivessem juntos, estavam longe de serem uma dupla.

E assim permaneceram, cada um com seus trejeitos, orgulhos e conceitos peculiares, na busca silente pelo Monte Cáucaso.

Aos poucos, no horizonte contrário, o alaranjado começava a subir contra o escuro cerúleo.

Cruzaram mais de metade das subidas e descidas perigosas. Levaram um breve espaço de tempo até contornarem boa parte das elevações.

Por enfrentarem uma montanha não muito extensa, o ponto de interesse possuía acesso acessível.

Uma pequena gruta, semelhante a qualquer túnel, os levou ao outro lado da superioridade, os aproximando de tocar as poucas nuvens acumuladas nas adjacências.

Passadas outras centenas de metros, o objetivo foi avistado.

Além das manchas de sangue seco na parede elevada e no solo acidentado, encontraram os grilhões partidos e penas brancas do animal esmagado ao lado.

Há poucos dias, esse era o local de punição para o Titã da Astúcia, Prometheus.

Os dois apóstolos encararam o cenário quietos.

Após averiguarem os pormenores, deram foco exclusivo ao complemento da região semiaberta, de onde podiam enxergar com perfeição a chegada lenta da estrela da vida.

— Agora eu pergunto: — enunciou o preguiçoso — por que diabos nos mandaram pra confirmar o que já estava confirmado?

O comparsa nada disse. Somente permaneceu com os olhos cravados nos resultados da intervenção do Herói Traidor.

De igual modo, carregava certo incômodo por estar ali sem quaisquer necessidades à primeira vista.

Aquele titã já tinha sido liberto e até morrera pelas mãos de enviados divinos, de classes inferiores às deles.

O mortal foi sentenciado pelas mãos dos próprios Deuses Olímpicos. Sobre o amuleto, a informação inicial era a de que tinha sido perdido.

Portanto, nada que restasse ali poderia lhes oferecer qualquer valia.

Pelo menos até aquele instante.

Foi um relance quase que impremeditado, mas que serviu para atiçar o alerta já prontificado dos apóstolos.

A guarda sobrelevou-se além do que estava imposto, por todos os lados... E principalmente na retaguarda.

Sem pestanejar, ambos giraram no sentido do trajeto percorrido.

Arthur puxou a foice num movimento de dentro para fora, ao passo que Meade fez algo parecido com o braço direito cruzado defronte o peito. Esse, com sua luva ossificada.

O primeiro brandiu a arma longa contra o ar, causando um corte de vento poderoso o suficiente para irromper o espaço.

O segundo lançou seus fios metálicos quase invisíveis, afiados por setas nas extremidades.

Segundos após as investidas, a explosão atingiu o solo rochoso e soltou lascas sólidas por todos os lados.

Nenhuma acertou a dupla, que encarou a ascensão e o desaparecimento consequente da cortina de fumaça criada pela pressão.

Ninguém estava ali.

Somente um pequeno buraco criado no plano horizontal, além das fibras presas.

Meade puxou-as de volta no ato, de modo a encaixá-las nas pequenas bocas de caveira sobre as divisórias dos dedos.

— Que saco... Por que atacou sendo que eu já faria isso? — Encarou o indiferente através dos globos semicerrados.

— Você que me atrapalhou — retrucou sem nem devolver a troca de olhares.

O foco, todavia, passou a tomar o exato local dos impactos.

De certo os dois identificaram algo nefasto os espreitar pelas costas, não à toa reagiram com um ataque impensado.

Podia ser considerado como ato de puro reflexo, mas ainda fora conduzido pelos respectivos estados de sobreaviso.

— Que chatice...

A voz soturna ecoou da rocha na qual a grande mancha de sangue se encontrava.

Mais uma vez na retaguarda deles, sendo essa a nova, a influência sórdida levou-os a rodopiar na celeridade do pensamento.

Nenhum deles se precipitou a atacar dessa vez. Meramente encontraram com a figura em questão.

Um homem esguio, de cabelo liso como o de Meade, porém tingido em tonalidade dupla; o cinza-escuro predominava, ao que o azul-escuro nascia das mechas e ressaltava as extremidades.

Arthur chegou a encarar o aliado de esguelha, como se estivesse os comparando.

Apesar das semelhanças, as esferas índigo dele chamavam ainda mais a atenção, tão escuras quanto o céu que cobria suas cabeças.

Por fim, o manto negro vestido por seu corpo altivo o entregava a identidade.

Tratava-se da mesma peça nebulosa e encardida carregada por aqueles que enfrentaram há poucos dias.

— Ao menos algo restou, né?...

O esverdeado não sabia se ficava feliz ou triste por ter encontrado o adversário.

Ao mesmo tempo que construía uma razão decente para a jornada deles ali, atrapalhava seus planos de terminar o quanto antes em prol de retornar ao lar.

— Deuses como vocês sempre metem o nariz onde não devem, não é? — resmungou o errante, de semblante contraído. — E se vocês forem embora logo? Não estou a fim de encrenca.

Sua declaração não parecia favorável a mudar a concepção dos enviados divinos, nada interessados em deixar aquela oportunidade passar.

Se as chances de encontrar qualquer membro do grupo misteriosa eram ínfimas, aquilo jamais poderia ser ignorado.

A prioridade mudou num piscar e ganhou importância máxima.

A partir de então, era matar ou matar; morrer não deveria sequer ser cogitado por aqueles dois, tão orgulhosos a ponto de sequer tremerem perante a natureza misteriosa do desconhecido.

— Eu não gostei nem um pouco de você... Só tem espaço pra um preguiçoso aqui — mussitou o das luvas ósseas, ao que foi respondido com um estalo de língua.

Sem dizer algo em resposta, a magnânima exteriorização da falta de interesse, o esguio levou a mão à altura das vistas.

Os primeiros raios solares surgiram no horizonte.

Não foi possível discernir, mas parecia que as esferas escuras daquele indivíduo tinham liberado um cintilar efêmero.

Além da franja quase cobrindo a metade dos órgãos bem abertos, a palma acima posicionou os dedos ao redor deles, bloqueando boa parte de sua visão.

Os enviados divinos sustentaram a postura.

Atacariam a qualquer instante, conquanto não abandonassem a guarda prontificada a uma defesa segura.

Embora pudesse ser uma armadilha dissimulada pelas palavras e gestos do inimigo, a confiança no triunfo reinava inabalada.

A parede construída sobre suas emoções era intransponível. Foco e segurança falavam mais alto, sem permitir o realce de quaisquer pontadas emotivas enfraquecidas.

Era isso que os diferenciava dos demais.

Talvez até mesmo entre os deuses...

O período silencioso durou até o tal brilho cessar. Aos poucos, a estrela da vida passava a se esgueirar a oeste, de frente para o ponto mais alto daquele pedaço da montanha.

Parecia ser o sinal definitivo em prol da conflagração.

Uma brisa poderosa colidiu entre eles, fazendo seus fios capilares dançarem no espaço durante breves segundos.

Conforme encarava o acinzentado, Arthur experimentou um arrepio incomum, capaz de fazê-lo descer os globos carmesim a altura do próprio braço.

Foi num pedaço de instante que seus sentidos mais obscuros ganharam força.

Depois de conferir o porte da foice rósea, viu-se obrigado a virar o rosto na vertente contrária.

Direcionou a visão ao companheiro de corporação que, sem explicação alguma, apontava sua luva óssea contra si.

Sem pestanejar, confrontou ao brandir a foice em contra-ataque, uma bela antecipação do disparo daqueles fios de aço.

Dessa vez, evitou utilizar da força total para irromper um corte no ar.

Meramente defletiu as pontas de seta lançadas pelo esverdeado, que em seguida tomou distância através de um salto.

O pouso foi rápido e o permitiu se levantar na mesma hora, de modo a trazer as fibras para as aberturas de caveira.

— O que pensa que está fazendo? — sibilou com uma forte expressão de poucos amigos; a testa franziu, entrefechando as vistas.

E, por alguma razão, os lábios do companheiro se contorceram num riso silencioso.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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