Volume 5 – Arco 4
Capítulo 81: Por um Novo Futuro
— Castor e Pollux? — Tríton, curioso, levou a mão livre até abaixo do queixo. A outra segurava seu tridente prateado, de garfo e cabo bem finos. — Eles também são da Classe Herói, não é verdade? Cometer um delito deste nível se trata de uma afronta gravíssima. Caso sejam pegos, não serão perdoados. Está ciente disso, correto?
— Sim...
Com grande pesar, a garota assentiu a cabeça.
Não chegou a despertar alguma empatia do filho dos mares.
Embora carregasse os ideais mais puros em prol de, de alguma forma, trazer os irmãos de volta, sabia que a realidade não funcionava tão adequada a seu favor.
As ações dos irmãos gêmeos jamais sairiam impune perante os grandes deuses. Nem mesmo sua posição como descendente direta do Pai dos Céus poderia influenciar em algo.
Afinal, o próprio tomaria partido de puni-los da forma mais severa possível.
Tomava-se de tristeza ao recordar do duro e imutável destino. Queria, no mínimo, compreendê-los. Seria tão importante para ela quanto para o próprio Olimpo.
O motivo disso...
— Esse homem de capuz que abriu o tal portal e os levou consigo que me intriga... — O filho de Poseidon fitou o mar, de onde veio. Os fios lisos dançavam com a brisa ressalgada. — Nunca ouvi falar em algum controlador de portais, sequer de capuz escuro.
— Ele não era um de nós — respondeu sem rodeios, trazendo o foco do moreno em retorno. — Por alguma razão se conheciam. Não sei do que se tratava, mas eles não pareciam os mesmos...
— Pelo que me disse, eles pareciam exatamente os mesmos — rebateu o Classe Herói, enfim se movendo a ultrapassar a jovem mulher. — Talvez você não conheça a verdadeira natureza deles. Só isso.
— Mas...
— Como Classe Iniciante, acabou por se afastar deles. É natural até... — Desviou o olhar por um instante, como se repugnasse qualquer coisa ocultada entre os dentes. — Acredite, tudo que sua mente construiu durante esse tempo de distância pode ter mascarado a verdadeira faceta deles de sua mente.
Fazia sentido o que o experiente falava, mas a ruiva não desejava acreditar naquela hipótese.
De todas as lembranças — ainda que exíguas — que possuía com ambos, nenhuma em si comprometia sua relação para com eles.
Talvez pudesse ser um mecanismo de defesa irreconhecível, algo que ninguém lograria da capacidade de derrubar, fosse com ações ou palavras.
Ela mesma deveria encontrar a resposta a favor — ou desfavor — da verdade pregada no respectivo coração.
Continuaria a se preocupar com eles, até que esse dia chegasse.
— De todo modo, me leve até a cidade. Fica alguns quilômetros à frente, certo? — Voltou a avançar, sem nem esperar pela garota.
— Ah, é verdade!
Ela pareceu ter despertado de um transe e tomou o caminho contrário, chamando o olhar do respectivo por cima do ombro.
Encheu a bacia com água do mar, colocou-a sobre a cabeça com as duas mãos e regressou à vertente da vila.
Com algumas dificuldades em virtude do peso e muito esforço, juntou-se ao oceânico.
Tentava mascarar o semblante enrugado com um sorriso distorcido...
— Vou te levar até lá! Não é muito longe!
Ciente de que ele, em algum momento, tentaria apanhar o recipiente pesado para lhe poupar do carregamento, disparou adiante com toda força disponível.
Um tanto espantado, nada restou ao Classe Herói senão acompanhá-la sem interferir.
Passados alguns minutos, chegaram à região habitada.
Logo de cara, Tríton identificou a magnitude da devastação responsável por destroçar mais de metade das residências, além de ceifar diversas vidas inocentes.
Quaisquer que fossem os motivos, os incumbidos de trazer tamanhos prejuízos a um importantíssimo domínio divino jamais se safariam da ira celestial.
Era um caso sem salvação.
Nada justificaria tamanha afronta.
— Desculpem a demora! — Helena chamou a atenção dos moradores que ainda trabalhavam.
— Oh, muito obrigado, senhori... — O receptivo interrompeu o agradecimento ao experimentar a influência frígida da nova e imponente presença no local.
Num efeito dominó, todos os homens, mulheres e até crianças foram atiçados por um arrepio na espinha.
O brilho do tridente, a postura altiva e os fios dançantes em volta do rosto circunspecto denotavam seu esplendor natural.
A princípio, todos congelaram, tanto nas ações quanto nas expressões perplexas.
A ruiva reagiu desentendida no começo, ao deixar a bacia com água no chão, enfim livrando-se do peso excruciante.
Em antecipação a alguma indagação sua, os mortais se ajoelharam. Não aparentava ser algo de livre e espontânea vontade.
A sensação era a de que a suntuosidade ímpar daquele indivíduo os conduzisse a realizar tal reverência inconscientemente.
— Oh, claro. Devo suprimir um pouco... — O moreno murmurou consigo, antes de fechar os olhos por breves segundos. Foi o bastante em prol de revogar mais de metade da respectiva autoridade acima daqueles delianos. — Podem se levantar. Não exijo qualquer demonstração de veneração da parte de vocês.
Livres do peso induzido de maneira involuntária pelo deus, os agachados tornaram a soerguer o corpo, ainda levemente estremecidos.
Anna, com sua filha nos braços, foi a única capaz de ultrapassar a barreira invisível e caminhar alguns passos, no intuito de o receber.
Silente, o Classe Herói fitou a bela moça, atual líder da vila em busca por dias melhores.
— Você... — Tentou formular uma frase, mas o olhar frígido disparado dos globos amarelados não a permitiu proceder.
— Ele é um membro da Corporação dos Deuses, assim como eu — interveio Helena, ficando entre os dois. — E é de classe bem superior à minha.
— Entendo. Então... — A mortal continuava com problemas. Mas, dessa vez, teve sucesso em avançar na tratativa: — Há algum motivo específico... para que ele tenha vindo aqui?
Sem a resposta do caso, a ruiva levantou os ombros e dirigiu a atenção ao esguio.
Ele exalou um fraco suspiro. Quieto, deslocou-se ao ponto central da pequenina cidade.
Avaliava cada canto com extrema minúcia.
“Talvez ele possa...”, a filha de Zeus não completou a divagação que passou correndo pela cabeça.
Nada obstante a isso, alimentou singelas expectativas quanto a presença inesperada do Classe Herói naquele cenário.
Na pior das hipóteses, precisava confirmar com exatidão sobre qual era seu intuito ali.
Afinal, o respectivo já tinha adiantado que era bem tarde para fazer algo a respeito dos traidores desaparecidos.
Reduziu o intervalo entre eles, já preparada em prol de lhe transmitir a grande dúvida.
— Creio que já tenha informado algum dos superiores, correto? — Ele, porém, fez a pergunta na frente.
Helena refugou num primeiro momento.
Reorganizou as induções mentais rapidamente e, portanto, aferiu:
— Sim. Contei tudo à senhorita Atena. — Com a cabeça, acenou positiva no processo.
Tríton tornou a fitar o local com o canto dos olhos.
Encarou uma sequência escondida da cidade, para a qual se dirigiu sem prestar justificativas. A garota o seguiu no impulso, só então relembrando o que a aguardaria naquela trilha.
A despeito disso, reuniu coragem o suficiente em prol de ir atrás dele até o fim.
Nenhum mortal resolveu segui-los.
Desse modo foram a sós, até alcançarem outras casas menores devastadas. Uma em específico chamou a atenção.
Defronte aos escombros queimados, três túmulos residiam com pedaços de madeira da própria residência fincados na terra.
O olhar da Classe Iniciante esmaeceu na hora, conforme as lembranças entristecedoras voltavam a lhe invadir o peito.
O filho de Poseidon averiguou os fatores com frieza, desprovido da conexão emotiva para com aquele lugar.
Visualizou a passagem selvagem, incumbida de levar ao meão da pequena ilha, mas não sentiu necessidade em proceder a partir dali.
— Nesse caso, tenho o dia de hoje livre — mussitou ao recobrar a postura diante da taciturna. — Antes que eu retorne às expedições marítimas, posso ajudar em alguns afazeres. Para compensar o atraso, talvez.
— Sério? — O ânimo regressou à jovem, que alçou as sobrancelhas em absoluta admiração.
— Temos até o anoitecer. Melhor não perdermos tempo.
Sem dizer mais nada, o descendente dos mares deu meia-volta e regressou à vila principal.
Helena levou segundos a mais para processar a oferta do superior, a ponto de quase perdê-lo de vista no caminho tomado.
Com a confiança reestabelecida, projetou um fraco sorriso antes de repetir os movimentos dele e correr de volta à pequena cidade de Delos.
Ainda havia esperança, pensou.
Mesmo que tudo parecesse estar perdido, conseguiria se levantar ainda mais forte para proteger o que lhe era caro.
Deveria seguir, um passo de cada vez.
Assim sendo, um novo futuro se apresentaria ao alcance dos olhos.
E que fosse o melhor possível.
Cobertos pelos característicos mantos negros, Castor e Pollux observavam a queda de mais um dia no horizonte inalcançável.
Daquele momento em diante, completaria o terceiro dia desde que devastaram a vila da Ilha do Sol e da Lua.
A névoa negra cobria praticamente toda a região na qual se encontravam, abaixo de uma das antigas torres elevadas pelos flancos.
— Fiquei sabendo que eles falharam em matar os pirralhos — sibilou o franzino, as mechas do liso cabelo vermelho-alaranjado dançavam com o vento. — Inclusive, enfrentaram aqueles que nos atrapalharam. Helena não estava lá.
O robusto resmungou, à medida que um sorriso de escárnio brotou em sua face.
— Se bem conhecemos aquela idiota, ela deve ter retornado àquela ilha para ajudar os mortais inúteis. Mas isso não é problema algum. Muito pelo contrário... — Levantou o rosto em direção ao céu, já tomado pelo mosaico do crepúsculo. — Nos encontraremos de novo. E dessa vez, não pouparei sua vida insignificante...
O cerúleo mostrou os dentes com impetuosidade ao imaginar a conjuntura na qual seria levado a matar a irmã caçula.
O companheiro nada tinha a declarar, senão um fraco suspiro escondido entre os lábios cerrados.
Não havia mais volta para aqueles dois, novos integrantes do grupo que declarou ameaça ao Olimpo e toda Era Prateada.
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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