Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 5 – Arco 4

Capítulo 80: A Visita dos Mares

Helena surgiu debaixo d’água. O cabelo molhado fez um arco pelo espaço até encontrar as costas despidas outra vez.

Balançou a cabeça e deslizou as mãos pelas mechas laterais grudadas no rosto, na iminência de um suspiro recheado de desafogo.

Sorridente, nadou até próximo à costa, onde Anna a observava, sentada sobre um grande rochedo.

Recebia um alento único ao contemplar a delicadeza da doce apóstola, que sentia cada extremidade do corpo perder tensão no banho sob as estrelas.

— Não posso negar que isso aqui é maravilhoso — sibilou ao vento.

Só então se levantou, revelando suas curvas dignas das mais venustas deidades.

Anna levou a mão à boca, apenas um gesto pacificador.

Tão jovem e tão bela, ponderou.

Somente deu-se ao prazer de observá-la caminhando pela água, causando vagarosas sinuosidades sobre o tapete líquido.

Helena dirigiu-se à areia, até chegar ao ponto onde a mortal a aguardava.

Apanhou sua toalha branca e começou a se secar aos poucos, tirando proveito do frescor provocado pela brisa.

Chegava a tremular um pouco, mas nada fora do normal.

Depois de uns minutos, recolocou o vestido quase transparente. Com a ajuda da companheira, teve os fios úmidos penteados até regressarem ao aspecto liso que apreciava.

— Gosto de seu cabelo ao natural — a deliana mussitou, os dedos apreciando a textura dos fios sedosos.

— Eu também, mas é melhor assim. Mais fácil de cuidar... — A apóstola prendeu um riso entre os dentes, enquanto sentia as madeixas serem puxadas pela escova. — Mas quem sabe eu não deixe os cachos algumas vezes.

— Seria bom. É bom mudar a aparência de vez em quando. Você vai continuar sendo linda.

As palavras da morena fizeram as palpitações da alva crescerem, enquanto um rubor tomava as bochechas.

Encabulada, sustentou o silêncio aprazível daquela madrugada.

Levou os olhos a fitarem a extensão superior. A lua em fase de quarto crescente continuava a avançar pelo topo.

Tal imagem lhe fez remeter à crise dos dias anteriores. Daquela perspectiva pacífica, parecia ter ocorrido há mais tempo do que a realidade mostrava.

Ou então, um sonho distante. Uma mentira criada pela própria mente para lhe fazer despertar.

— Ainda consigo escutar — cochichou para si, mas a companhia pôde ouvir. — O som das chamas... A destruição... Não tentei ainda, mas tenho certeza de que não vou conseguir dormir tão cedo.

— Eu entendo... — Anna nem precisava dizer, mas ainda assim prosseguiu: — Não tem sido fácil. Ainda estamos tentando assimilar tudo que aconteceu...

Helena cruzou os dedos e começou a sobrepor um polegar com o outro, alternando entre eles repetidas vezes.

— Como está sua filha?

— Diferente de mim, conseguindo dormir. Mas ainda sente falta do pai... — Terminou de alisar o cabelo da jovem deusa, liberando-a para se virar e fitá-la no rosto esmaecido. — Estou fazendo o possível para confortá-la. Assim como todos os outros que perderam entes queridos.

Helena nem precisava responder.

Meramente abaixou a cabeça, de modo a fitar os pés envoltos pela areia.

No fim, sentia certa parcela de culpa no que concernia aos eventos, como sendo parente direta dos encarregados por cometerem tais atrocidades.

Também ponderou sobre o quão diferente poderia ser o cenário, caso não fosse raptada.

Esse fator talvez tenha sido o de maior pertinência na cadeia de acontecimentos, pois sua falta de habilidade levou-a a atrasar aqueles que deveriam evitar o conflito.

Em virtude disso, resolveu seguir o coração dolorido e inclinou o torso adiante, a ponto de arrancar algumas piscadas dúbias da mortal.

— Me perdoe por isso. É tudo culpa minha. — Cerrou as vistas com força. — Se eu não fosse tão ingênua e pudesse me defender, talvez nada disso teria acontecido. É verdade que quero ajudar vocês por tudo que fizeram por mim, mas também é para que eu me sinta confortada de alguma maneira. Para que eu possa exumar essa culpa...

Anna acompanhou a tudo em completo silêncio, sem deixar de fitar o corpo encurvado da apóstola.

Não esboçou qualquer resposta. Sustentou as sobrancelhas arriadas e os beiços delineados em pura circunspecção.

A ruiva esperou por alguma reação, entretanto só o assobio do vento e o arraste das ondas se proliferavam.

Ciente de que devia estar sendo julgada pelo olhar da mulher, projetou um sorriso de escárnio mais forte que as próprias emoções.

— Viu só? Acaba que descendentes divinos sempre são egoístas, né? — Tornou a erguer o torso.

Mas não teve coragem para olhar nos globos bem centrados da morena.

Ela continuou a atentá-la introspectiva, o que servia em prol de elevar o clima incômodo a desfavor da filha de Zeus.

Passados os segundos de inércia, saltou da rocha e voltou a ficar na mesma altura da jovem.

Deu dois passos, o bastante para se aproximar dela, então a tateou com delicadeza sobre o ombro canhoto.

Apenas nesse instante tornou a curvar os lábios num sorriso.

— Obrigada por se preocupar conosco e ser tão benevolente a esse ponto. Certamente essa é a melhor graça divina que poderíamos receber, depois do tanto que lutaram para nos proteger.

Pega de surpresa por tal resposta, a ruiva engoliu em seco e experimentou um novo rubor tomar conta da faceta, contorcida em espanto.

Sentiu-se mais aliviada, isso sem dúvidas. Nenhuma palavra de agradecimento seria o suficiente.

Com tudo resolvido entra ambas, optaram por regressar à cidade em reconstrução.

Apesar da aparente vitalidade da Classe Iniciante, estar desperta há quase três dias não faria bem para sua procedência enquanto ajudante-mor dos aldeões sobreviventes.

Enfim poderia ter algum descanso, para na manhã seguinte já dar início aos trabalhos.

Ambas dormiram o equivalente a quase metade de um dia, de tão desgastadas. Anna foi acordada por sua filha, enquanto Helena foi desperta pela anfitriã.

O Sol já havia raiado há muito, num dia em que algumas nuvens se aglomeravam pela extensão superior. Não existia risco de chuva, pelo menos ao que parecia.

 Os auxílios tiveram início no exato instante que as mulheres pisaram fora da cabana.

Conforme a mortal se prontificou a ajudar as conterrâneas no preparo do almoço, a descendente olímpica tratou de contribuir nas tarefas de planejamento das reconstruções.

Por algumas vezes executava trabalhos braçais, porém não usufruía de força tamanha.

A teimosia lhe guiava diversas vezes, a melhor válvula de escape para completar diversas tarefas.

Terminava extremamente cansada na maioria das ocasiões, porém sentia que estava valendo a pena.

De certo modo, tratava aquilo como um treinamento gradativo no intuito de se ascender as próprias capacidades.

Não podia se deixar vencer.

— Alguém poderia ir buscar água no litoral? — indagou um dos construtores.

— Eu!! — Helena levantou o braço antes de todos.

— Mas senhorita Helena, nós...

— Pode deixar, volto em um minuto!! — Apanhou a bacia de madeira antes de ser retrucada.

Correu o mais rápido que pôde, a ponto de deixar os outros comendo poeira dentro de breves segundos.

Ao observar a efusividade da menina, Anna abriu um fraco sorriso e resolveu deixá-la cuidar daquilo a sós.

Quando chegou no meio do caminho, por um acesso livre rodeado por grama alta e areia, a filha de Zeus exalou um fraco suspiro e prosseguiu mais tranquila.

Levou pouco tempo para alcançar a praia outra vez, não tão cristalina quanto costumava se apresentar em virtude do céu parcialmente nublado.

A maré também parecia bem mais intensa do que nos dias anteriores, contando desde o regresso ao Olimpo após sua libertação.

Recebida pela ressalga de sempre, aproximou-se da costa.

Experimentou a gelidez da água, a alcançar certas faixas da areia a cada quebra de ondas.

Foi até alguns metros adiante, a ponto de ter as canelas cobertas pelo tapete transparente.

Quando preparou a bacia em prol de apanhar a quantidade necessária do líquido salino, notou uma singela alteração no rebuliço aquático.

Observou cautelosa por alguns segundos, na interrupção do movimento casual.

A cada proliferação, a corrente da preamar se elevava. Na quinta ou sexta discrepância, ondas poderosas puderam ser antecipadas pela audição, vindas de metros adiante.

Helena se assustou e recuou o mais rápido que pôde à areia, sortuda por ainda não ter preenchido a bacia.

Encarou a chegada das agitações, ao mesmo tempo que uma figura surgiu na altura de onde estava até segundos atrás.

O corpo se levantou, de pele morena e aspecto um tanto esguio.

Ainda assim, logo transmitiu a imponência determinante para tirar o fôlego da mulher, que já parecia conhecer aquele liso cabelo azul-marinho de algum lugar.

Quando os olhos cor de mel ganharam destaque, abertos em sua vertente, reconheceu a identidade do homem como o primeiro descendente dos mares.

Não chegou a se curvar em respeito, mas levou a mão canhota a ser apertada contra os seios.

 Ele, aparentemente seco — apesar de ter acabado de sair da água —, caminhou retumbante na leve inclinação litorânea.

Diminuiu a distância para com a apóstola iniciante e a fitou cautelosamente.

As vistas semicerradas exalavam uma frieza impetuosa, capaz de arrepiá-la dos pés à cabeça.

— Presumo que seja uma das filhas do Rei dos Deuses... — A voz soturna dele agregou na sensação invasiva da jovem.

— Sim. Com a rainha Leda. E você é... — Ela não completou a priori. Na verdade, por ter de fato esquecido o nome do indivíduo.

Ao perceber isso, ele soltou um fraco resmungo:

— Apóstolo de Classe Herói e filho do Deus dos Mares: Tríton. — Executou uma breve pausa a fim de se concentrar na reação miúda da confusa. Antes de receber qualquer questionamento, emendou: — Experimentei oscilações marítimas que indicavam suas origens nesta ilha, durante minhas últimas expedições. Como representante da Corporação dos Deuses presente em tal região, gostaria que transmitisse a mim sua visão sobre tais anomalias.

Não obstante à imprevisibilidade do superior, Helena controlou as emoções efusivas e respirou fundo.

Já era tarde demais a fim de evitar as trágicas determinações impostas pelo destino.

Contudo ainda poderia contar com sua ajuda no atual cenário imposto sobre a Ilha do Sol e da Lua.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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