Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 77: Prenúncios

Algum tempo se passou desde os ocorridos no Monte Olimpo.

Como prometido, Atena regressou ao salão onde tinha deixado Daisy sob a proteção de Afrodite.

Para sua surpresa, outras figuras se encontravam com as respectivas: duas delas eram Apolo e Ártemis.

Apesar dos passos inaudíveis, o grupo percebeu sua chegada no ato.

Deram a volta, posicionados próximos à balaustrada da beirada, no intuito de encontrarem com o olhar sisudo da Deusa da Sabedoria.

Ela mirou Daisy, que continuava sentada na cadeira ao lado da porta.

Mais calma, a menina bebia uma taça cheia de leite. Devolveu o olhar e recebeu um aceno de cabeça positivo da deidade, tranquila com a pronta-recuperação da pequena.

— O que houve por aqui? — A Deusa da Lua puxou sua atenção de volta ao perguntar. — Escutamos um som poderoso vindo daqui.

— Certamente... — Exalou um fraco lamento. — Posso lhes atualizar sobre tudo depois. Todos saberão, de qualquer maneira. Porém, antes disto...

Ao interromper a si própria, direcionou o foco às outras individualidades no local.

Já estavam lá, sendo tratados pelo Deus do Sol, Gael e Elaine, dois dos enviados para Argos.

— Eles já tinham regressado a meu templo, então achei prudente trazê-los conosco — explicou a lunar.

— Claro. E Silver e Meade? — Atena virou-se para os jovens.

— Aparentemente, retornaram para suas residências antes desses dois. — Apolo foi quem respondeu, sem tirar os olhos dos “pacientes”.

Por sorte, nenhum deles estavam com machucados preocupantes.

“Só de olhar, posso conferir...”, a sábia imaginava o quanto Daisy podia experimentar as emoções conturbadas daqueles dois.

Elaine já era naturalmente insegura e tímida, mas carregava um semblante ainda pior.

E o animado Gael também estava de cara fechada, sem nem olhar diretamente para seu pai ou os demais superiores no local.

Depois de alguns minutos com a dupla, Atena ofereceu frutas e Néctar dos Deuses.

Apenas o filho de Apolo aceitou de bom grado, comendo algumas usas e bebendo uma taça que o revigorou por dentro.

A filha de Ártemis segurava o recipiente com o líquido dourado dentro, encarando-o com as vistas pesadas de tão miúdas.

— Então...

Um repentino som de passadas a ecoarem pelas escadarias interrompeu a Deusa da Lua, que virou o rosto à vertente da passagem de degraus.

Os outros deuses fizeram o mesmo.

Conforme os barulhos cresciam, os chegados se revelaram.

Daisy arregalou os olhos e se levantou de supetão, quase jogando o copo de leite no solo.

Por ter uma sensibilidade apurada, Atena pôde antecipar a identidade do quarteto que retornava do Deserto da Perdição.

Tanto suas filhas, Chloe e Julie, quanto Damon e Lilith estavam tão deploráveis quanto os vencedores da Hidra.

Sendo que as gêmeas ainda podiam ficar de pé por conta.

Antes que qualquer um pudesse agir, Apolo direcionou a flecha recheada de Autoridade Elementar do Fogo aos apóstolos.

A coloração dourada predominou a região com intensidade, vinda do fogo que envolvia a seta metálica na ponta do objeto.

Sua ternura surgiu em seguida, atingindo não só o grupo a ser recuperado, como todos no pátio.

— Os dois que estão bastante machucados: os traga até aqui — ordenou o deus solar.

Chloe e Julie, que os carregava, fizeram o trabalho após assentirem em quase perfeita sincronia.

Quando realizaram o pedido, a concentração de Energia Vital do deus se condensou em um único ponto, trazendo todo o calor e conforto aos jovens que quase desmaiavam de dor.

Aos poucos, passaram a recuperar algum vigor, à medida que os ferimentos superficiais passaram a entrar num lento processo de cura.

— Dessa vez foi bem pior — resmungou o dourado. — Vou ter que usar ainda mais energia agora.

— Agradecemos por isto, Apolo. — Atena tentou apaziguar o claro incômodo do irmão.

“Isto é gratificante”, Chloe fechou os olhos, aproveitando a proximidade com a Luz da Cura para relaxar a tensão dos músculos.

Os cortes sofridos por Damon passaram a se fechar; as queimaduras de Lilith, aos poucos, foram regredindo.

Ainda assim, os dois permaneceriam com as marcas daquelas lesões. Já estavam bem cientes disso, então Apolo nem precisou dizer algo a respeito.

— E esse maxilar... — O Deus do Sol deu a volta sem pestanejar e apanhou a boca do rapaz. — Minha autoridade não pode curar ferimentos internos, então vai demorar um pouco a se recuperar completamente.

Moveu o queixo dele para cima num deslocamento veloz e fez com que o osso voltasse ao lugar.

Pela primeira vez o rapaz sentiu os olhos lacrimejarem, mas suportou o instante de pura agonia ao fechá-los com força.

Depois, no entanto, esse incômodo se esvaiu como poeira ao vento.

Enquanto a comoção estava voltada aos dois curados, Afrodite acenou para as gêmeas:

— Ei, jovenzinhas! Vocês por acaso viram o Arthurzinho?

As duas trocaram olhares rápidos, antes que a púrpura respondesse:

— Ele optou por ficar no trajeto. Acredito que na cidade de Corinto.

— Entendo. Obrigada por cuidarem dele, sim!?

Diante do agradecimento, Chloe só pôde responder com um sorriso desconcertado.

“Na realidade foi o total oposto”, reteve a afirmação consigo mesma.

— Como se sentem? — Atena, ainda distante para não atrapalhar, foi envolvida por Daisy no braço esquerdo.

— Dá pra falar, mas... ainda dói. — Damon passava a palma sob o queixo.

Estava aliviado de enfim poder mover a boca e fazer sua voz ser entoada.

Lilith permaneceu quieta. Já estava melhor, visto que todos os incômodos causados pelas lesões teciduais tinham sumido.

Aos poucos, os dois conseguiram se sustentar sobre as próprias pernas.

Em contrapartida, a Luz da Cura passou a decrescer.

Tendo o cenário à disposição outra vez, Atena requisitou espaço à irmã caçula, que a atendeu e se afastou alguns passos.

Feito isso, fechou as vistas e respirou profundamente.

— Nós acompanhamos tudo que aconteceu na cidade de Argos e no Deserto da Perdição. — Bateu as palmas uma única vez. — Sobre o cumprimento das incumbências que lhes foram oferecidas, todos as cumpriram com uma brava execução. Dispenso demais comentários e os parabenizo em nome de todo o panteão.

Com a voz altiva tornando-se o centro das atenções, serviu ao propósito de controlar a atenção de todos os presentes.

— E acerca das ocorrências recentes... — A nova fala despertou uma tensão fora do comum sobre os apóstolos. — Graças a vosso empenho diante de circunstâncias desconhecidas, fomos capazes de desvendar um pouco sobre os adversários que enfrentaram.

Recebendo a oratória da divindade, os prodígios reagiram da mesma forma: contorceram as sobrancelhas, circunspectos.

Damon girou o restante do corpo à vertente da sábia. Podia notar a ansiedade vinda de seus olhos.

De todos os presentes, mostrava ser aquele que mais desejava saber sobre a verdade.

Encurralada por aquela encarada, ela aproveitou o período para esclarecer a superfície do problema de uma vez:

Imperadores das Trevas. Um grupo de origem desconhecida, que aparenta lograr do objetivo de desafiar a nós, deuses. — Realizou uma rápida pausa. — Castor, Pollux e, agora, Teseu; três integrantes de longa data da Corporação dos Deuses que se uniram a este grupo. Creio que não seja exagero suspeitar sobre a existência de demais traidores.

— Desconfiam até mesmo do restante do panteão? — Apolo olhou para sua irmã, que assentiu com morosidade.

— Peço que mantenham isto entre os que aqui estão, por ora. Como antecipei, logo todos saberão; nosso pai deseja reunir os Doze Tronos. — Cravou um olhar firme sobre os deuses gêmeos.

— A situação está bem séria, então — mussitou Afrodite, na adjacência do guarda-corpo.

Díspar à seriedade acumulada naquele recinto, continuava a exalar um remanso ímpar.

Nesse intervalo, os toques finais do tratamento do Deus do Sol foram definidos.

O fogo em volta da flecha se apagou, tal como a ternura espalhada pelo hall.

Lilith agradeceu por meio de uma rápida mesura e voltou a cobrir o torso parcialmente à mostra com a capa emprestada por Julie.

Damon permaneceu fixado no rosto da Deusa da Sabedoria, imutável em desprezo a todos os outros pormenores — assim como o dele.

— Faz quanto tempo que não há rebeliões contra o panteão, mesmo? — O solar guardou a flecha na aljava, resmungando. — Parece que precisam de uma lição.

— Não, Apolo — a púrpura retrucou. — Desta vez é diferente. A seriedade deve ser levada em consideração, pois individualidades internas foram comprometidas. E, se me permitem opinar, considero que essas pessoas terem sido atraídas a este lado torna este grupo, no mínimo, formidável.

“Fora o fato de que derrotaram completamente nossos prodígios”, guardou consigo mesmo ao fitá-los de soslaio.

— Está falando sério? — O solar insistiu, contorcendo os supercílios.

— Febo — chamou Ártemis, com afinco. — Eu acompanhei tudo junto de minha irmã. Isto é sério.

Com a chamada da Deusa da Lua, o homem desviou o olhar e acalmou a inquietação.

— De todo modo, é o que temos por ora. — Atena voltou a mediar, quebrando o clima ruim entre os dois. — Preciso preparar o terreno em prol de realizarmos a grande reunião. Portanto, delegarei Hermes a avisá-los quando for o momento. Até lá, todos estão dispensados.

“É uma mandona”, o solar bufou, uma forma de dissipar sua irritação.

— Está bem, irmã. — Ártemis foi cordial na despedida, até receber um gesto de cabeça da aliada. — Nos encontramos quando for a hora. Vamos, vocês dois.

Em completo silêncio, Elaine e Gael obedeceram ao chamado da deusa, acompanhando-a juntos do Deus do Sol para as escadarias.

No entanto, o jovem dourado interrompeu o avanço antes de pisar no primeiro degrau.

— É mesmo! — Como se relembrasse de algo, deu a volta e encarou o filho de Zeus. — Te convido a passar lá no templo do meu pai, em Delfos!! Quero que treine comigo!!

Um pouco surpreso com o convite, o cacheado tentou colocar as preocupações de lado e cogitou aceitar.

De certa forma, era atrativo ter alguém forte como o delfiano para se aperfeiçoar.

— Não me parece mal — respondeu.

— Esplendido!! Estarei te esperando!!

Em comemoração à resposta positiva, Gael bateu os punhos cerrados, recuperando parte do arrojo que lhe caracterizava.

Então, voltou à passagem que seu pai, tia e prima já tinham tomado, com uma corrida rápida.

Os remanescentes observaram o desaparecimento do quarteto de figuras pares e ímpares.

— Também estou de saída. — Afrodite avançou poucos segundos depois. — Até breve, meus jovens! Tenham uma pronta recuperação.

Foi somente com aquela despedida que os regressados do deserto notaram sua presença.

O único rosto masculino corou ao identificar a aura venusta carregada pela Deusa do Amor.

Sua voz sedutora ainda seria responsável por lhe despertar um calafrio indescritível pelo corpo.

Em silêncio, contemplou-a com seu caminhar tentador até a escadaria.

Depois do repentino baque, o rapaz balançou a cabeça para os lados, em busca de driblar a atração frente a beldade.

O que o ajudou a despistar aquilo foi abraço súbito que recebeu de Daisy, a envolvê-lo por toda a cintura com os braços levemente trêmulos.

Pôde escutar um mussito abafado dela, pois tinha o rosto afundado em seu peito.

Ainda assim, entendeu o significado daquelas palavras, que o diziam o quanto estava feliz por sua saúde.

A resposta foi acariciar a cabeça dela, como costumava.

— Damon. — Atena o chamou. — Antes de seguir para vossos aposentos, peço que venha comigo ao salão dos Doze Tronos.

Ele não entendeu muito bem o motivo daquela mudança repentina no tom da deusa, mas não via outra escolha.

— Lilith. O que pretende fazer?

Mirou a garota que tinha apenas uma das caudas laterais do cabelo ruivo.

— Eu... preciso ir para casa. — Segurou o braço canhoto, um tanto irrequieta. — Tenho que relatar sobre as tarefas ao meu pai. E minha mãe já deve estar de saída, pois só deveria voltar na próxima estação...

— Entendo.

Não só Atena foi capaz de notar o singelo tremor nas palavras engolidas pela ctónica.

— Então... Estou indo. — Acenou com fraqueza.

— Até.

Ao receber a única palavra de Damon, encheu-se de ternura e encontrou forças para se corrupiar à escadaria.

Não obstante a isso, tentou lidar com a frustração dos acontecimentos no deserto, os quais precisaria enfrentar junto de seu progenitor.

— Chloe e Julie. Falaremos após esta breve reunião. Até lá, não precisam dizer mais nada.

A deusa recebeu a assertividade de suas filhas:

— Como quiser, minha mãe.

“Como quiser, minha mãe.”

Entoaram em uníssono, uma pela boca e outra pela mente.

Com aquela disposição restante, Damon respirou fundo.

Por mais que quisesse evitar, não conseguia ignorar a leve ansiedade responsável por acometê-lo ao receber o convite da irmã mais velha.

Chloe, por outro lado, cerrou os punhos.

Tendo as palavras absolutas de sua mãe, já conseguia imaginar o motivo daquela tal “pequena reunião”.

— Então...

À deixa da deusa, dirigiram-se até o salão.

Em poucos minutos, chegaram às portas alabastrinas, que foram empurradas de modo a espalhar o rangido estridente; a imponência audível.

O salão dos Doze Tronos foi revelado. Lá, estava Zeus, a figura de sempre no topo da extensão.

Ao seu lado, Hera o acompanhava, sendo uma “surpresa” aos visitantes.

Só que o mais assustador foi contemplar a destruição na entrada do recinto.

“Que merda aconteceu aqui?”, o cacheado se indagou, levantando o rosto para encarar a faceta sisuda do pai.

Diferente dos jovens, Atena tomou a frente e moveu o rosto, chamando apenas o meio-irmão a caminhar com ela, até as proximidades da Piscina da Vidência.

Ele o fez, pedindo para ser solto pela irmãzinha com um outro gesto de cabeça.

— O que preciso fazer aqui? — questionou em voz alta.

— Se passam os anos e seu senso de educação não muda — retrucou a Deusa do Casamento, com acidez no tom de voz. — Como você me trará diversão em breve, deixarei passar desta vez.

— Hã? Eu só vim aqui pra ouvir groselha? — Virou a insatisfação para a Deusa da Sabedoria.

— Não. — Mas quem o respondeu de volta foi, de novo, a Rainha dos Deuses. — Na verdade, você está aqui...

— Pois você é um tolo.

Zeus completou em antecipação à esposa, sem o tom jocoso que ela utilizava a seu favor.

Com tamanha aspereza, o jovem prodígio contorceu as sobrancelhas. Estava a um passo de ir embora por conta.

Mas antes de ter a possibilidade de usar tal petulância...

— Damon. Você tentou utilizar vossa Energia Vital na batalha contra aquele rapaz. — Atena, como sempre, serviu de fonte apaziguadora. Mas... — Entretanto, um efeito extravagante se apossou de si, certo?

“Aquilo...?”, de corpo parcialmente virado, o olimpiano não foi capaz de esconder a nova camada de tensão em sua face.

— Aquilo foi...

— Sua Energia Vital entrou em conflito com seu corpo. — Hera interrompeu sua tentativa de explicação. — Você excedeu os próprios limites.

Estarrecido diante daquele sorriso prazenteiro, o garoto sequer encontrou palavras a fim de contestar a determinação da deidade.

Aos poucos, o assunto começava a retomar à tona sua respectiva impotência; tanto em derrotar o Titã Condenado quanto em confrontar o garoto chamado Keith.

— Acredito que minha filha o tenha explicado o básico. — A Deusa da Sabedoria tomou a palavra de volta. — Existem inúmeros tipos de efeitos colaterais para aqueles que utilizam indevidamente a própria Energia Vital. E tais consequências variam de indivíduo a indivíduo e de autoridade a autoridade. Portanto, o que precisa fazer agora é descansar...

— Não. — Zeus atravessou a indicação que a filha estava prestes a dar. — Tente reunir sua energia. Agora.

— Meu pai...

— Silêncio. — Ressonante como um trovão, não permitiu qualquer contra-argumento. — Faça o que ordenei, garoto.

Damon sustentou a taciturnidade.

Segurou a vontade de morder o lábio inferior.

“O que é isso?...”, não escutava nada mais além dos próprios batimentos cardíacos.

Terminou de corrupiar-se até a direção do Rei dos Deuses.

— É...

O sibilo soturno trouxe à tona o misto de tormento e repulsa dentro de si. A fragilidade pessoal encontrava-se no ápice.

No fim, enxergou aquela oportunidade como algo crucial a fim de varrer todas as dúvidas. Fosse dele mesmo, de seu pai ou de qualquer outro naquele lugar.

Visto isso, necessitava aproveitá-la para prova, a todos, a si mesmo e a seu genitor, que poderia trazer os melhores resultados.

Tudo que deveria ser esperado dele.

Ao aceitar o desafio do Deus dos Deuses, baseado em sentimentos que estava longe de conceber com clareza, concentrou-se ao máximo em busca de reunir sua energia.

Dado o intervalo desde os conflitos no deserto, de certo já havia recuperado alguma fração de poder.

Ainda mais com a cura utilizada pelo Deus do Sol.

“Consigo sentir... fluindo por meu corpo”, entrou no procedimento de agregar a atividade vital, essa que passou a se estabelecer ao redor do corpo.

Tudo corria nos devidos conformes. Uma nova motivação surgiu nos olhos do prodígio, assim como a projeção de um sorriso tênue.

Todavia, tudo virou de ponta-cabeça em questão de segundos.

O corpo dele paralisou. Os sentidos tornaram-se nulos, por um instante que somente ele próprio foi apto a vivenciar.

As cores se inverteram, até o puro branco tomar conta; em seguida, veio a escuridão e, de novo, a primeira tonalidade.

O borrão escurou brotou à sua frente. Um sorriso plácido e, ao mesmo tempo, doloroso, era transmitido pelo espaço.

Via-se incapaz de reagir, porém rapidamente foi puxado de volta à realidade. Uma dor excruciante o recebeu, dos pés à cabeça.

O colapso absurdo induziu-lhe a gritar. Só que a voz permaneceu aprisionada na garganta.

A compostura foi rebaixada através de uma intensa eletrocussão, responsável por lhe corroer por dentro.

Chloe e Daisy se assustaram mais do que todos, assim que o espadachim sucumbiu com os joelhos sobre o plano.

A agonia passou a esvanecer de forma gradativa. O suor copioso percorreu todo rosto, até começar a pingar do queixo.

As mãos, estremecidas, apoiavam o peso do tronco na superfície de mármore. Respirava tão arfante que os pulmões doíam.

— Irmão! — Daisy partiu em disparada a ele.

Chloe, também preocupada ao contemplar a cena repetida, seguiu a criança.

Tentaram o auxiliar de alguma maneira, visto que Damon não tinha forças para suportar o respectivo fardo.

Contrária à comoção abaixo, Hera despontava um largo riso na faceta.

Zeus não parecia sentir algo em específico com relação ao que acabara de acompanhar.

Já o olhar chocado do garoto, inapto a visualizar a feição frígida de seu pai, mantinha-se paralisado contra o reflexo borrado no piso.

“Como imaginei”, lamentou a Deusa da Sabedoria. “É uma situação muito mais complexa.”

— Está quebrado. — O Rei disparou sem condolências. — Mesmo depois de tudo que lhe foi ensinado, ainda assim é incapaz de dominar a autoridade do relâmpago.

Hera assentiu em concordância às palavras cuspidas contra seu descendente em frangalhos.

Tal era o preço que pagava por não dispor da capacidade de dominar seus próprios dotes.

Sua herança sem igual.

Atena não tinha muito a dizer, embora visse aquela circunstância por outro espectro.

Não era falta de domínio propriamente que o prejudicava.

Saber disso a ajudou a manter o silêncio.

De algum modo, aquela experiência podia ser essencial aos brios do garoto.

— Saia deste lugar. — Zeus voltou a ordenar com severidade cada vez mais intensa. — Não necessito da presença de...

— Papai!

O grito de Daisy irrompeu o espaço, interrompeu os dizeres do deus e modificou o peso que retumbava sobre o ambiente.

Ela segurava lágrimas acumuladas no canto das vistas, enquanto envolvia o desconsolado irmão num forte abraço.

Defronte aquele apelo, o Pai dos Céus cerrou os olhos e voltou a relaxar no respaldo do trono.

Chloe fitou a pequena e assentiu com ela, ajudando-a a reerguer o garoto do chão.

Levou-o, ainda de cabeça baixa, para a porta de saída. Julie acompanhou o grupo ao receber a permissão silencioso de sua mãe, que ainda permaneceu no local por um tempo.

— Acredito que tenha recebido o que desejava, meu pai. — A declaração dela recebeu o silêncio como réplica. — Deste modo, peço novamente por sua licença.

Por meio de uma cortesia com a parte superior do torso, se desgarrou da pequena reunião e girou sobre o próprio eixo.

— Atena. — O deus a chamou de antemão.

Ela sustentou o silêncio num primeiro momento.

— Estou ciente. — O encarou ao virar-se de lado. — Priorizarei todos os preparativos.

Permaneceram se encarando por alguns segundos e, já que o homem se absteve a acrescentar algo, ela retornou para se juntar aos jovens apóstolos pelos corredores.

As portas se fecharam, como se empurradas por mãos invisíveis.

Já no saguão...

— ‘Tá... tudo bem... — Damon se soltou da lanceira, ficando em pé por conta.

— De nada. — Chloe apenas assentiu, sabendo que ele tinha agradecido do jeitinho dele.

O garoto caminhou a passos curtos até o guarda-corpo que envolvia a beirada do pátio.

Encarou a mão dominante, ainda tomada por leves tremulações. Pela primeira vez desde que se lembrava, tinha perdido todo o controle sobre si.

Os globos noturnos, tão estremecidos quanto, se voltaram à abóbada superior, dominada por um teor alaranjado vindo do poente solar.

“Quebrado...”

Remeteu à palavra dita por seu pai. Os lábios se remoeram.

— Irmão... — Com as mãos delicadas sobre o peito, Daisy se remoía junto dele.

Também pelo que se lembrava, nunca tinha o visto tão abalado. Suas costas pareciam firmes vistas de trás, porém carregavam uma fragilidade absurda.

E só ela podia compreender aquilo, mais do que as gêmeas da sabedoria.

— Como se sente? — A voz de Atena trouxe a atenção dos demais à saída do corredor, por onde ela vinha.

— Que tipo de pergunta é essa? — ele rebateu, nada satisfeito.

— Tudo que ocorre em nossa vida não passa de experiências. E há dois modos de lidar com elas. — Se aproximou dele, erguendo os dedos indicador e médio. — Ou você sucumbe a elas ou aprende com elas. Então... Qual das duas prefere tomar para si?

Semicerrou as vistas já pesadas por tudo que tinha experienciado desde o evento de Delos.

Ou até antes disso, há dois meses...

De todo modo, a partir da humilhação sofrida no retorno do Deserto da Perdição e há pouco, no salão dos Doze Tronos, ele se lembrou de algo.

“Pra seguir em frente...”, a resposta oferecida a seu adversário na missão anterior, que lhe despertou ainda mais inquietações.

Mas, a despeito de todas as dúvidas, sentiu que deveria se agarrar àquilo.

— Como eu faço pra consertar isso? — indagou à deusa, que desenhou um sorriso leve.

— Por ora, descanse e não se esforce muito. Enquanto estudava as circunstâncias, cheguei a uma conclusão que o beneficiará neste quesito. — Repousou a palma sobre o ombro dele, com delicadeza. — Levará algum tempo. Portanto, seja paciente até lá.

À mercê dos caprichos da sábia, Damon fez que sim com a cabeça.

— Relaxe a mente e o corpo. — Deu a volta e caminhou até a escadaria. — Vamos. Chloe, Julie.

As duas corresponderam ao chamado e se despediram do companheiro de corporação, que apenas moveu o rosto sem muito interesse.

Daisy, agora um pouco mais aliviada, acenou para as duas e recebeu o mesmo de volta.

Enquanto as três iam embora, o garoto debruçou-se com os braços sobre a estrutura de gesso.

O vento estival fez suas pontas cacheadas dançarem, assim como as da irmã, que se juntou ao lado dele.

Na guia do caminho à baixo, Atena atravessou alguns dos andares superiores seguida das filhas.

— Sobre o amuleto... — Indicou a elas, com um rápido olhar por cima da ombreira. — Vocês trouxeram?

— Sim, minha mãe — Chloe respondeu.

— Perfeito.

A deusa escondeu um sorriso ainda mais afiado das duas, as quais não se opuseram ao timbre ligeiramente deleitoso da progenitora.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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