Volume 4 – Arco 4
Capítulo 75: Levantam as Sombras 5 [Fatie o Abismo]
Na situação do Deserto da Perdição, o garoto de nome Arthur chegou no momento derradeiro.
Sua simples presença impunha uma pressão avassaladora por toda a região vazia. E isso, é claro, chamou a atenção do rapaz de manto escuro.
Damon ainda era acometido pelo estado de choque causado há pouco, quando tentou utilizar sua Energia Vital.
Lilith o abraçava, tentando ignorar a ardência dos braços queimados na batalha contra o Titã Condenado.
Ambos observavam a chegada do rapaz com a enorme foice cor-de-rosa. Compartilhavam do mesmo semblante atônito.
As filhas de Atena, um pouco mais recuadas, também exprimiam feições condizentes com a nova reviravolta.
Chloe, impressionada com a influência carregado pelo loiro, arriava um pouco as sobrancelhas.
Por outro lado, Julie observava com extrema atenção, ainda que mantendo suas feições inalteradas.
Fato era que nenhuma das duas podia sequer prever o que viria a acontecer a partir de então.
— Está acabado — mussitou o rapaz.
Sua voz tinha um timbre suave, porém contundente.
O jovem de manto escuro projetou um sorriso feroz em resposta ao “aviso”.
Girou os elos de aço que conectavam à estrela da manhã, na tentativa de rebater a pressão natural exercida pelo inédito oponente.
— Isso aí! É assim que eu gosto!
Ignorou os quatro apóstolos que caçava até então e, sem hesitar, disparou contra o inerte.
Seu plano era o mesmo de sempre: pretendia esmagá-lo no puro movimento instintivo, subindo e descendo a esfera de espinhos numa ferocidade avassaladora.
Todos se assustaram com aquela ação.
Menos Arthur, que não arredou o pé de onde estava.
Ele apenas moveu o braço dominante para um pouco acima da cabeça, posicionando a foice com o releixo virado na direção do rosto.
O mangual caiu com tudo ao ser lançado para baixo, mas o pesado golpe acabou sendo bloqueado pela parte não-cortante da arma rosada.
O moreno esgazeou as vistas. Pela primeira vez, desfez o sorriso de euforia. O rosto fora acometido por perplexidade.
“Isso é pura força!?”, encarou de perto a íris encarnada do defensor.
As pupilas contraídas o cravavam sem nenhuma oscilação.
Deixou de depositar o ímpeto do ataque e recuou, aproveitando que nem tinha sido contra-atacado.
Após voltar alguns metros, respirou fundo.
“Não, isso é impossível”, concluiu, mesmo sem ter absoluta certeza sobre.
O rapaz dominante continuava no mesmo local.
— Incrível — balbuciou a filha de Hades.
“O mais jovem Apóstolo a atingir a Classe Superior em toda a história da corporação... Arthur”, Chloe não aparentava tamanho espanto quanto os mais novos. “Obter êxito em suspender um armamento, numa ofensiva de tamanha proporção... É estarrecedor.”
— Agora, acaba de conquistar o domínio de todos os presentes — mussitou o complemento da divagação em voz alta.
Como constatado, ele mal fazia esforço para permanecer de pé após receber tamanho impacto sobre todo o corpo.
O jovem marcado voltou a sorrir, contagiado pela agradável impressão inicial.
Damon, que já tinha desperto no colo de sua parceira, levantou um pouco a cabeça.
Lilith reagiu ansiosa ao sentir o movimento dele:
— Damon? Ai...
Sofreu uma pontada de agonia ao experimentar os fios dos cachos do garoto roçando em suas lesões.
“Quem...?”, o olimpiano também experimentava a eletrocussão estranha percorrer o corpo todo, interna e externamente.
Não podia mais mover o maxilar fraturado.
As impressões atuais se restringiam à mente, deturpada por conta do colapso recente.
Os olhos cerúleos só conseguiam enxergar o céu distante.
— Damon... o que aconteceu?...
A voz da ctónica tampouco o alcançava.
Nem mesmo a pressão natural proliferada pela chegada de Arthur lhe trazia alguma sensação.
Nada além do calor do abraço que o envolvia lhe penetrava. E, com isso, as dúvidas acerca daquela “imagem” cresciam de novo.
Quando notou a recuperação parcial de consciência, Chloe se ergueu da areia.
Preocupada com os dois, desprotegidos em meio ao caos, se prontificou a caminhar até ambos. Julie fez o mesmo.
— Não se metam — declarou o loiro, sem nem olhar para trás.
— Jamais cogitei tal possibilidade. — A lanceira chegou nos companheiros debilitados e deu meia volta. — Deixo em vossas mãos...
Quando ela e a arqueira se postaram em proteção aos dois, o filho de Zeus enfim retomou a outra parcela de lucidez.
De volta à realidade, pôde enxergar a situação que o envolvia além do baque mental.
Remeteu, também, à reação estranha sofrida quando tentou usar sua energia. O quanto fora pior em comparação à batalha contra Prometheus...
“Achei que... eu ia morrer...”, descreveu a sensação assustadora que o dominou durante o ocorrido.
Só de repassar o momento na cabeça, foi tomado por calafrios intensos. O receio de compreender o ocorrido.
Percebendo a nova contração corporal do garoto, que fazia suas queimaduras arderem ainda mais, Lilith aguentou o possível a fim de mantê-lo seguro.
Mais à frente, Arthur conferiu o posicionamento das irmãs gêmeas para defender os prodígios de qualquer rebuliço.
Com isso, recobrou o foco íntegro ao inimigo, que parecia estar em uma constante mudança.
Agora, encarava os grãos acumulados abaixo dos pés. Inclinando parte do torso adiante, deixava sua aura nefasta se elevar em oposição à do Classe Superior.
Com toda aquela comoção, um sorriso medonho se projetou na face recheada de cicatrizes.
Sua Energia Vital voltou a crescer em proporções consideráveis. As mais sensitivas, as filhas de Atena, quase se acuaram tamanho o abalo psicológico acarretado por aquela súbita alteração.
“Esta natureza...”, Chloe pensou em conjunto à Julie, que a escutava através da Telepatia.
Não havia erro, para elas.
Tal essência trazia o mesmo tipo de arrepio que elas haviam experimentado no fim do confronto contra Teseu, no subterrâneo.
Aquilo, contudo, não modificou a linha de base de Arthur, à espera do próximo deslocamento do inimigo.
— Faz quanto tempo que eu não sinto meu sangue ferver assim!? Você é completamente diferente!! — O esverdeado puxou o resto da corrente escondida no manto negro.
Os elos mostravam-se extensos, mas podiam ser ajustados a favor da dimensão que convinha ao instante.
A extremidade do apoio era um cabo escuro, que carregava uma lâmina acoplada na base, bem próxima ao formato de uma pequena adaga.
Regulou à respectiva preferência, de modo a trazer a esfera espinhosa para mais próxima do cabo.
Dessa maneira, seria apto a utilizar tanto o mangual quanto a lâmina.
Agarrou na empunhadura com a outra palma e girou a estrela da manhã de novo, agora depositando ainda mais ímpeto na ação.
— Vamos dançar!!
Esgazeou as vistas, preparando a investida.
Flexionou as pernas, pronto para saltar contra o alvo. Contudo, não teve tempo de realizar a ação planejada.
Arthur enfim antecipou-se a ele, levantando o braço à altura do tórax.
Desceu um corte seco no ar, que criou uma lâmina invisível natural. O lanho passou pelo flanco esquerdo do esverdeado, o paralisando no ato.
Incapaz de presenciar tal incisão, espantou-se ao ver as camadas de areia sendo divididas.
A onda de choque veio na sequência, junta do rebuliço espalhado pela superfície.
Nem os apóstolos recuados, que observavam tudo da retaguarda do rapaz, tiveram sucesso em acompanhar a sucessão do corte.
O braço dele continuava bem relaxado, a lâmina apontada à areia. Nada saía dela, então o grupo inteiro foi levado a pensar praticamente na mesma indagação:
“Ele só cortou o ar?”
A linha de pensamento impactou tanto quanto o tremor originado pelo ataque repentino.
Lilith nem percebeu estar boquiaberta.
Chloe, mesmo ciente dos poderes do garoto, buscava assimilar a inquietação. Julie permanecia cautelosa, sem nem remexer os supercílios.
E Damon, pela primeira vez, teve contato lúcido para com o jovem de costas.
“Poderoso...”, foi a primeira e única palavra que se esgueirou pela cabeça. “É isso...”
Tentou enxergar a si mesmo naquela posição, mas viu que se tratava de uma imaginação inconcebível.
Tomado por um pico de energia ao ver o que precisava alcançar, empenhou-se a fim de se erguer do colo da filha de Hades.
Ao perceber isso, ela desfez o semblante atordoado e voltou a encará-lo de cima.
— D-Damon!? Não se move... — O segurou com mais força, apesar das dores.
Ele quis ranger os dentes, mas o maxilar fraturado o impediu. Foi o sinal definitivo para desistir e se deixar relaxar nos braços da ruiva.
Tinha que aceitar a veracidade daquele átimo.
Chloe continuava abismada diante do golpe invisível, mas segurou a postura em prol de executar uma análise eficiente da situação.
“Os possíveis rumos a serem tomados... de certo serão desagradáveis. Ao menos, conosco aqui”, encarou a alva, que aparentava seguir a mesma definição.
Arthur alimentava a convicção particular.
O garoto das cicatrizes sorria com escárnio. Quase como um efeito cascata, acresceu a dosagem de energia, agora por todo o corpo.
Os ânimos à flor da pele guiavam sua influência intimidadora, a ponto de fazer as irmãs tremerem.
Até Lilith sentiu aquilo de uma forma diferenciada, o que puxou seus olhos rubis à vertente do moreno.
De todos, o Classe Superior pouco se lixava para o que aconteceria a partir dali.
Fechou as vistas durante um rápido intervalo, ao que a respiração se tornou inaudível.
“Alerta: Minha irmã”, Julie percebeu uma anomalia e virou-se à gêmea ao chamar: “Prepare-se.”
Os dizeres um tanto apressados dela foram compreendidos pela púrpura.
Um fluxo de vento se originou ao redor de Arthur. O sinal definitivo para o alarme das atenienses disparar.
“Lá vem”, Chloe identificou a reunião da energia interior do loiro, que por si só podia criar uma reação daquelas ao seu redor.
Como se um lençol cobrisse uma cama, a natureza avassaladora do garoto retumbou por toda a região do combate.
O semblante em sua face mudou. A estatura parecia ter sido ressaltada; um olhar perfurante cravava o oponente, vindo de cima para baixo.
Tamanha superioridade jamais constatada em tais circunstâncias também acometiam os aliados.
O nível de absurdo era tão descomunal que fazia o domínio do misterioso sobre o quarteto desgastado parecer nada demais.
Munida de sua leitura a frio, Julie entendeu: ele estava irritado, de alguma maneira.
— Essa... — Arthur ergueu o braço e, junto dele, a foice rosa fez uma meia lua no espaço. — Não irei errar.
A diferença pôde ser conferida no deslocamento mais cuidadoso, dotado de suave lentidão.
Dessa vez, todos puderam acompanhar. Mas, apesar disso, uma sensação de que aquele seria tão intenso quanto o anterior gritou para cada observador.
O esverdeado não reagiu.
Todos os alertas corporais se direcionavam àquela conduta. Era como se o próprio cérebro lhe avisasse que seria inútil desviar ou tentar se defender.
De todas as probabilidades — quase ínfimas, no geral —, nenhuma lhe entregava garantia sobre superar aquela investida preparada pelo divino.
Sair ileso parecia improvável.
E mesmo assim, tudo aquilo só conseguiu arrancar o sorriso grotesco de seus lábios.
— Venha!
Nessa instância, condensou a energia acumulado a ponto de criar uma camada luminosa sobre o gume da pequena lâmina.
Identificando a disposição dos companheiros atrás, desceu o braço, trazendo a lâmina que cortou o vazio.
Por mais que a energia estivesse em trabalho, nenhum resquício de qualquer autoridade preencheu o releixo responsável por rasgar o ar num átimo consistente.
Em contrapartida, o fluxo vital irradiava da arma, até que o ambiente inteiro pareceu ter sido revirado de cabeça.
Todos perderam a noção de posicionamento no decorrer do breve átimo, algo que fez seus sentidos embaralharem; e o mesmo ocorreu com o jovem das cicatrizes.
Quando piscou e voltou ao “normal”, encontrou a mesma rajada de vento natural criada pelo golpe, responsável por lacerar a areia ao meio.
Contudo, antes que ela o atingisse em definitivo, uma fenda escura surgiu no meio do caminho e “engoliu” o vento cortante.
Assim, a investida foi anulada.
— O quê?... — Chloe semicerrou as vistas.
Não sabia se estava mais atônita com o ataque realizado por Arthur ou com o vórtice negro.
“Por um átimo, foi como se... todo o sentido de ordem fosse perturbado”, ponderou consigo ao encarar os fios do cabelo liso do garoto meneando, graças à onda de choque que ele mesmo criou.
Ao lado, Damon e Lilith prontamente reconheceram a abertura espacial, que se fechou na sequência.
Uma nova presença, posicionada atrás do jovem esverdeado foi revelada.
Sua chegada fez com que ele, pela primeira vez, contraísse as sobrancelhas com temor.
O suor frio veio acompanhado de um arrepio incomum pela espinha.
E algo semelhante atingia os jovens debilitados na areia.
“Ele é...”, a filha de Hades engoliu em seco.
Inapto a comentar, Damon meramente franziu o cenho.
O homem encapuzado, dessa vez, era o mesmo da situação vivenciada em Delos.
— O que pensa que está fazendo, Keith? — Sua voz sombria soou. — As ordens foram para manter posição e aguardar.
— Oras, é o irmão... — O jovem driblou a surpresa e forçou um sorriso de escárnio. — Aquele mortal que vocês estavam recrutando deixou escapar. Então quis vir me divertir um pouco.
O misterioso não proferiu resposta alguma. Somente levantou o rosto coberto, no intuito de fitar os rostos conhecidos por debaixo do capuz.
Tão incrédulos quanto no cenário criado na Ilha do Sol e da Lua, encontravam-se acabados na terra.
— A diversão terminou — concluiu ao abrir um novo vórtice negro. — Vamos buscar a garota também. Você fez a cabeça dela, não foi?
— Ela que procurava algo. E eu a dei uma oportunidade...
— Com certeza nossa mãe não o receberá com satisfação.
Keith estalou a língua, mas mais por jocosidade do que preocupação de fato.
Estava descontente que tinha perdido a oportunidade de fazer aquela “visita” valer a pena, mas não teria para onde correr.
Guardou as correntes da estrela da manhã de volta à túnica e disparou uma última olhadela aos apóstolos.
Ergueu o indicador destro, sem apontar a algum dos cinco em específico.
Então, proferiu:
— Na próxima eu vou acabar com vocês. É bom que estejam cientes de que não haverá escapatória. — Em seguida, adentrou a passagem.
Depois do irmão ter desaparecido do deserto, o responsável pela habilidade enigmática permaneceu onde estava por alguns segundos.
O filho de Zeus cerrou o punho, sedento por respostas.
Outra vez se encontrava naquele contexto, onde precisava impedir o misterioso de escapar.
— É como ele disse. — Na surpresa, o encapuzado comentou.
Ninguém teve algo pontual para rebater, pois logo ele saltou para a abertura espacial que fechou na sequência.
Deixados para trás no Deserto da Perdição, os cinco enviados da Corporação dos Deuses não foram aptos a reagir contra os inimigos enigmáticos.
Apesar dos incômodos que aquele desfecho trazia, Arthur deu de ombros.
“Devemos nos preocupar com isto posteriormente”, Chloe voltou a atender os aliados machucados, um pouco mais calma após sentir a pressão toda ser dissipada.
Agachou-se até eles e tateou, com cuidado, o queixo roxo do olimpiano.
Ele sentiu uma pontada de dor, reagindo por meio de uma forte piscada dos olhos.
— Não aparenta ser grave, porém é necessário tratamento. — Mirou a gêmea, ao que assentiram juntas. — Ajudaremos vocês.
A lanceira se propôs a amparar Damon, afligido pelos abalos da imprudência pessoal. Ele mal conseguia ficar de pé, de novo.
Julie foi para Lilith, tendo cuidado para que não afetasse as queimaduras dela.
Arthur não proferiu uma palavra, ciente de que as gêmeas já tinham tomado as rédeas.
Resumiu-se a dar a volta e avançar pelas areias escaldantes, criando o trajeto de retorno que os demais passaram a acompanhar.
De certo se tratava de uma circunstância desconfortável.
As atenienses, contudo, estavam cientes de que os maiores afetados por aquilo eram os prodígios que ajudavam a caminhar.
A impotência causada por uma série de fatores pré-determinados os fez sentir na pele a agonia da frustração.
Pois, desde a decisão contra o Titã Condenado, eles já tinham sido superados.
Só que nenhum deles, incluindo as irmãs e o jovem que veio ao resgate, parecia estar preparado para lidar com as consequências daquela sequência de acontecimentos...
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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