Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 74: Levantam as Sombras 4 [orquestra de fios]

A chamada de “Bellzinha” por Elaine reagiu enraivecida quando viu sua autoridade da gravidade ser infrutífera contra o novo rapaz.

O trio responsável por derrotar a Hidra de Lerna, um dos monstros mais perigosos daquela época, permanecia prensado no solo por conta da força invisível.

Ainda assim, podiam fitar o recém-chegado integrante daquele campo de batalha.

Seu semblante contraído transparecia desinteresse.

Os olhos de íris carmesim pareciam mais vivos que todo o restante. Mesmo assim, os cílios próximos estavam prestes a fazê-los se fechar.

Para piorar, a boca se abriu em um delongado bocejo de repente.

Tal atitude tirou uma pontada maior de nervosismo da jovem cor-de-rosa.

— Que saco — mussitou no fim do bocejo.

“Quem é esse?”, a agressora preparou a faca.

Só o fato de ele suportar o aumento da força da gravidade a deixava preocupada o suficiente para delegar foco especial sobre.

Porém, a feição apática conseguia a tirar do prumo acima de tudo.

Partindo desses princípios, ignorou os jovens que pretendia subjugar. A nova figura não podia, em hipótese alguma, ser deixada de lado.

Quando se atentou um pouco mais a ele, percebeu.

À exceção dos pormenores responsáveis por lhe arrancar das estribeiras, exalava algo diferenciado em comparação aos demais.

— Não se preocupem... Vim aqui para salvá-los — entoou com sua voz arrastada, enquanto coçava a nuca. — Acho que é isso que eu deveria falar...

À declaração nada convincente do esverdeado, Silver e Gael tentaram impor mais esforço para se levantar.

Nada feito.

A pressão que retumbava acima de seus corpos parecia ficar cada vez mais poderosa, à medida que se empenhavam para a superar.

E nem com essa demonstração de esforço o jovem chamado Meade se surpreendia.

Nem com aquela força sobre-humana recaindo em si, demonstrava ser afligido contra a terra.

— Parece que eu tenho que te derrotar, certo?... — Levantou um pouco dos braços, mostrando as luvas de osso.

— Hmpf! Me derrotar!? — A rósea forçou um sorriso de escárnio. Apontou a varinha ao oponente. — Mas nem em seus melhores sonhos isso vai acontecer!!

Reuniu sua energia em busca de acrescer a dosagem da Autoridade Cinética.

Os apóstolos afligidos afundaram ainda mais no relvado.

O filho de Apolo era o único que conseguia vencer aos poucos o crescimento daquela força descomunal, a ponto de sentir vários ossos trincando por todo o corpo.

Ergueu a cabeça até encontrar o rapaz que era envolto por uma capa característica da corporação, cheia de flores estampadas nas bordas.

Depois daquilo, ele enfim parecia ter acusado um pouco do golpe, pois já tinha perdido a postura ereta e os joelhos começavam a se dobrar.

Chegou ao ponto onde o tronco passou a se encurvar, causando um tremor extremo de seus pés à cabeça.

E nada daquilo conseguiu tirar dele aquela expressão indiferente.

Bellzinha estalou a língua.

Novamente, mirou o céu. As nuvens acinzentadas que tinha visto há pouco já dominavam toda a extensão superior.

Cogitou elevar a proporção da gravidade aumentada, contudo hesitou por um breve instante.

“O que estou fazendo?”, mordeu o lábio inferior. A frase de sempre vinha em sua cabeça: “Eu sou forte!”

Antes que pudesse responder com faca ou varinha, um fio de aço raspou sua bochecha numa velocidade absurda.

Moveu um pouco o rosto à esquerda, como se para conferir o corte superficial criado na pele alva.

— Que saco... Me mexer com essa atração toda é horrível... — O responsável por ter lançado a fibra com a seta ergueu o rosto. — Mas na próxima não irei errar...

Por meio do punho cerrado, a mira travada na garota, apertou um pequeno botão localizada entre o polegar e o indicador.

Na altura do punho, a região interna — também revestida por ínfimos esqueletos — trabalhou no mecanismo revestido com as tênues fibras.

Essas surgiram nas bocas das caveiras do dorso da luva e foram disparadas na direção da inimiga.

Dessa vez, sem margem para a sorte, ela brandiu a arma branca no intuito de defleti-los.

Meade deslocou o membro dominante e realizou três novos disparos.

A rósea, da forma que pôde, desviou através de uma célere cambalhota sobre a grama.

A concentração oscilou junto com a autoridade que retumbava sobre a região.

Diante dessa brecha, Gael foi o primeiro a buscar proveito, quase urrando de dor ao superar a força da gravidade de maneira gradativa.

Para o jovem esverdeado, só facilitou suas investidas.

Ele mal se movia, além dos braços e palmos. Em resumo, os manejava com cuidado em prol de direcionar e redirecionar o trajeto das fibras, em busca de atingir a adversária.

Parecia um maestro a reger sua própria orquestra, criando inúmeros e imprevisíveis padrões ofensivos.

Por mais poderosa que fosse, a garota experimentava dificuldades para impor alguma resposta.

Cortava um dobrado a fim de se desvencilhar dos ataques. E não encontrava maneiras viáveis de contra-atacar.

Mostrava o completo oposto da postura adotada até então; depois de dominar os jovens prodígios, agora lutava para não ser atingida.

“Eu sou forte! Eu sou forte! Eu sou forte!!”, repetia a posição mental sempre que possível, como forma de se impulsionar adiante.

Não importavam as tentativas, Meade driblava os empecilhos sem tanto esforço.

Ele estalou a língua, desgostoso.

— Pode ficar parada, por favor?...

Ao mudar a postura, moveu bruscamente os braços, os trazendo à frente do torso num formato cruzado de xis.

Seis fios voaram em trajetórias randômicas. Subiram pelos flancos da garota e executaram uma curva acentuada em sua vertente.

Ela se espantou frente ao padrão desgarrado. Tão logo preparou a faca em defesa pessoal.

Todavia, como se recebesse uma luz da realidade, soube que não seria o suficiente.

Rangeu os dentes ao buscar o recuo, mas as fibras encontravam-se tão próximas que não a permitiriam sair ilesa.

No fim de tudo, falhou em encontrar outra saída.

Posicionou o tronco o mais rápido possível, até erguer a varinha. Forçou a energia interior no intuito de agravar a retumbância gravitacional.

Aqueles que já estavam caídos experimentaram a alma ser esmagada.

Por outro lado, Meade enfim foi derrubado.

Os fios oscilaram e perderam foco, passando pelos flancos da rósea que mal conseguia manter um dos olhos abertos, mediante o empenho surreal.

Sendo a própria portadora, era dominada por dores arrepiantes, mas aguentava o possível.

Essa era a dose mais intensa que podia depositar sobre sua autoridade.

E em virtude disso, o tempo mostrou-se encurtado até que os efeitos colaterais surgissem.

Perto de alcançar o limite pessoal, corroborado pelos usos antecessores, perdeu todo o ímpeto depositado naqueles segundos de pura agonia.

O fluxo perigoso quase trouxe sua força ao esgotamento.

O trio mais afetado pôde recuperar oxigênio. Os ossos latejavam, à medida que uma transpiração copiosa os dominava.

Meade chegara a tocar um dos joelhos no plano. Pela primeira vez tinha sentido a real ameaça daquela adversária, portanto seu semblante mudou.

Recompôs-se rapidamente, tomado por uma seriedade assídua.

Quando o fez, conferiu que metade da falésia havia ruído.

“Que poder”, Silver remoeu consigo, tendo dificuldades em prol de se recuperar, mesmo com o fim da pressão.

Gael, apesar dos pesares, sorria de orelha a orelha.

Assim que as primeiras trovoadas rugiram sobre suas cabeças, Bellzinha cambaleou enfraquecida.

Cravada por uma enxaqueca aguda, buscou o fôlego perdido durante o instante de desespero.

Um filete de sangue escorreu da narina direita.

E ele continha o que todos mais desejavam saber: os pontos dourados de Ícor.

Passou o dorso do palmo trêmulo no local, manchando sua pele alva com o líquido quente.

“Impossível...!”, mordeu o lábio com tanta força que quase abriu um corte.

Os olhos rosados se afiaram na direção do oponente. A influência impetuosa voltou a fluir pela região, mas muito mais fraca que há pouco.

Mesmo que o desejo de matá-lo fosse capaz de transmitir a dolorosa influência aos presentes, estava debilitada demais para se valer da própria autoridade.

Meade abriu e fechou os punhos doloridos. Tentou os ignorar no intuito de retomar o confronto.

Agora estava sério, então em sua cabeça precisava terminar aquilo o quanto antes.

Bellzinha levantou a varinha, mesmo com o corpo inteiro se tremendo. Sem pensar em perdoar as atitudes do adversário, cogitava extrapolar o respectivo limite se assim fosse necessário.

No entanto, antes de sequer poder condensar sua energia no ponto físico de madeira, uma gota pingou sobre sua cabeça.

Quando percebeu aquele simples intervalo, a chuva tomou forma na falésia de Argos.

A agonia vital tornou a esvanecer, no mesmo ritmo do semblante contorcido da cor-de-rosa.

Ela levantou o rosto, de modo a encarar o céu acinzentado. Sua faceta passou a ser lavada diretamente pelas gotas a caírem em profusão.

Todos os resquícios da autoridade gravitacional desapareceram. O braço quase esticado voltou a perder força, caindo ao lado de seu tronco.

Conforme os fios do cabelo ganhavam peso, a ponto de cobrir metade de suas vistas semicerradas, controlou a respiração ao permitir às emoções serem banhadas.

Gael e Silver conseguiram se levantar do chão.

O primeiro agiu rápido, em ignorância à oponente, a fim de alcançar a terceira afligida num impulso agressivo.

Abraçou Elaine pela cintura e saltou a uma nova distância.

— Gael...

Quase perdendo a consciência, a jovem lunar fitou o parceiro que lhe afagava nos braços oscilantes.

Distantes da beirada em frangalhos da falésia, aguardaram a próxima atitude da garota de coques gêmeos.

Essa abaixou a cabeça por um átimo. Sentia o peso do manto que a cobria, todo encharcado.

Exalou um forte lamento ao guardar tanto a varinha quanto a faca na cintura. Retirou a veste do corpo e jogou-a no solo.

Por baixo, trajava um vestido parecido com o da filha de Ártemis, de coloração mais clara e detalhes escuros nas bordas.

— Não gosto de chuva. — Estendeu a palma, de modo a “pegar” as gotas.

— Bellzinha...

O sussurro da jovem deusa foi o bastante para que a rósea voltasse seus olhos a ela.

Através da plácida feição, apesar do timbre soturno, retrucou da mesma maneira:

— Eu voltarei.

Sem oferecer chances para que qualquer um agisse, deixou-se cair de costas da beirada.

Elaine empurrou Gael, que a protegia, e de maneira inexplicável correu na direção da queda.

Chegou a tempo de acompanhar a gravidade natural puxar a garota, antes de colidir com a camada de água escura e desaparecer da visão.

Quando segundos de eternidade se passaram, sem que nenhum sinal da rósea retornasse à superfície, a filha de Ártemis desistiu de procurá-la.

Todas as ínfimas dúvidas que restavam em sua cabeça foram clareadas. A ficha enfim tinha tocado seu próprio chão.

Sem ter mais o que fazer, Meade agradeceu em silêncio por aquele repentino desfecho.

Silver desviou o olhar dos outros apóstolos e fitou as próprias mãos apoiadas no plano. Frustrou-se com a completa derrota sofrida.

Em contrapartida, o descendente solar escondeu a decepção em seu sorriso costumeiro e caminhou até a parceira por meio de passadas curtas.

Tocou no ombro dela e, ao encará-la com as sobrancelhas pesadas, lhe entregou de volta a lâmina incolor.

Elaine aceitou a devolução, abraçando a arma em formato de lua crescente.

O momento de total silêncio, fora o ruído incessante da chuva e das cicatrizes cerúleas que vez ou outra surgiam entre as nuvens acumuladas, foi cortado quando o filho de Poseidon se ergueu.

Aproximou-se do desinteressado e questionou:

— Você é de qual classe?

Meade demorou um pouco a entender o propósito da pergunta.

Enquanto recuperava os fios derrubados pela inimiga para as luvas esqueléticas, suspirou com uma resposta fraca:

— Avançada...

O jovem atlanti experimentou um arrepio ao constatar a diferença considerável entre ambos. Tudo isso resumido a um salto singular de classe na corporação.

Cerrou os palmos e guardou a lâmina azulada de volta à bainha na cintura. Deu a volta, no intuito de retomar o caminho percorrido até então.

O indiferente lhe observou amargado no desapontamento, mas não tinha vontade alguma de animá-lo ou coisa do tipo.

“Não que fosse funcionar, né”, divagou ao executar mais um bocejo delongado.

Sem abandonar a feição sonolenta, acompanhou o prateado na liderança do retorno pela cidade destruída de Argos.

Gael e Elaine tomaram a mesma medida.

Ainda afetados pelos impactos da autoridade da gravidade, ajudaram um ao outro na caminhada que acompanhava a dupla adiante.

Elaine mancava bastante, mesmo sendo a menos afligida durante o conflito — pelo menos fisicamente.

Sua mente estava uma bagunça, capaz de derrubá-la tanto quanto qualquer tipo de dano corpóreo.

— Aquela garota parecia te conhecer! — Gael tentou falar mais baixo que o habitual. — O que aconteceu, Elaine!?

Ao ser indagada, a lunar percebeu que sua dupla só estava preocupada com toda a sequência de acontecimentos.

Não disse nada por um tempo, conforme atravessavam o pântano onde as pequenas Hidras dominavam há pouco.

Depois da travessia completa, encarou os próprios pés com desânimo e deixou as emoções conduzirem palavras recheadas de pesar:

— Não quero... falar sobre isso...

O dourado cogitou responder de volta.

Só que, pela primeira vez, considerou o respeito à vontade da parceira.

Ela não conseguia raciocinar com perfeição; nada além da imagem do encontro recente percorria sua cabeça.

A voz estava diferente do que lembrava. Os trejeitos também, estavam mais intensos. O cabelo não era da mesma cor.

Mas os olhos estavam imutáveis.

Com tantas provas e confirmações, ainda se recusava a crer. Ou então a aceitar que já estava crendo.

Incapaz de processar aquele turbilhão interior, deixou de olhar para frente como deveria.

Um fantasma do passado tinha retornado, obrigando-a a olhar para trás outra vez.

Desprovida de forças para isso, deixou que Gael a conduzisse até onde fosse possível.

Sem delongas, o quarteto acabou regressando à entrada da cidade de Argos.

Enquanto os mortais comemoravam o fim do tormento causado pela Hidra de Lerna, o grupo responsável por tamanha conquista era dominada por um clima pesadíssimo.

Todos ultrapassaram a pequena multidão, que, além de comemorar, despejava agradecimentos e orações para eles e para os deuses graças ao livramento do mal impetuoso.

Sem proferir uma palavra, os apóstolos seguiram.

Afinal, apenas eles tinham o conhecimento sobre o sucesso na missão ter se tornado uma amarga derrota.

Tirando Meade, que continuava a fitar o caminho adiante, apesar de toda a falta de interesse em fazê-lo, os descendentes divinos não conseguiam erguer o rosto pelo triunfo anterior.

Na postura cabisbaixa, continuaram até se desvencilharem dos mortais eufóricos.

Em completo silêncio, foram embora do local, rumo às Passagens Espectrais.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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