Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 73: Levantam as Sombras 3 [FIM DA LINHA]

Ao deixar o Deserto da Perdição, Brandt chacoalhou todo o corpo e se livrou dos acúmulos de areia nas roupas e cabelo.

Cansou de carregar Teseu pelo ombro, então o tratou da mesma maneira que fazia com seu machado: passou a arrastá-lo na areia, até alcançar a fronteira com a cidade.

Avistado por soldados nas proximidades, desviou o olhar.

Não se importou com os trajes de resistentes armaduras de aço puro, capacetes que cobriam as laterais do rosto com uma crina de cavalo no topo, ou outro detalhe proveniente das lanças e escudos portados por ambas as mãos.

Apenas manteve o itinerário inicial, trazendo consigo o homem ferido e a arma pesada pelo solo.

Os defensores prontamente o reconheceram, mas mantiveram as posições num silêncio quase absoluto.

A maioria das atenções foram voltadas ao pobre coitado envolto de sangue, que logo provaria o gosto das ruas da pólis.

Homens e mulheres que surgiam no caminho arregalavam as vistas, à medida que constavam a real identidade da figura deslocada.

O único mortal a pisar no patamar divino como um Classe Herói da Corporação dos Deuses.

De acordo com o estado irreconhecível, deixava um rastro rubro por onde passava.

Os murmúrios entre os cidadãos se espalhavam num efeito dominó. E não era para menos.

Pouco importava o que ocorria. O responsável por arrastá-lo ignorava todos os olhares temerosos.

Embora ciente sobre as verdadeiras incumbidas de trazê-lo àquele estado, prosseguiu em meio à plateia sem prestar esclarecimentos.

No fim das contas, a compreensão mútua entre guerreiros prevalecia.

Foi dessa maneira que o apóstolo pôde ultrapassar a cidade inteira, composta pelo poderio militar mais influente de toda Hélade.

Esparta.

— Estou em casa, bando de vermes — mussitou sozinho, abandonando a aglomeração.

Após cruzar diversos corta-caminhos, voltou a ficar sozinho com o inimigo e a arma afiada.

Subiram uma alta colina, rodeada por uma floresta e outros pilares avermelhados.

A entrada da acrópole já os permitia enxergar o santuário de destino. Conforme se aproximava, o sorriso costumeiro desaparecia cada vez mais de seu semblante.

— Hã...? O qu...? — Teseu abriu os olhos, mirando o céu nublado.

Mediante a recuperação da consciência, sentiu o arraste de si próprio pelo asfalto.

Não demorou a remeter aos ocorridos precedentes do desmaio no deserto.

Quis virar o rosto repleto de temor, porém foi interrompido por uma dor aguda na região do pescoço.

Mesmo assim, conseguiu reconhecer o indivíduo que lhe arrastava ao lado do enorme machado.

— E-ei! Pra onde... está me levando!? — gritou, muito rouco.

Brandt apenas encarou por cima do ombro e pôs peso nas sobrancelhas.

Foi o suficiente para congelar o herói derrubado.

— Olha só. Enfim despertou, seu esterco! — Apertou a canela dele, por onde o segurava. — Pare de se mexer, senão eu te mato.

A autenticidade na ameaça do filho de Ares o fez engolir em seco qualquer resposta planejada. Apesar disso, continuou a se debater.

O espartano ficou surpreso diante daquela atitude, ao que o homem se moveu bruscamente à esquerda e conseguiu se libertar da pegada dolorosa.

Foi o que ele tinha pensado ao tentar se levantar.

Brandt, depois de ter o deixado se livrar de propósito, girou o corpo e ergueu o braço que portava a arma afiada.

A lâmina curvilínea desceu em alta velocidade e atingiu em cheio o músculo deltoide do grisalho, rasgando o que vinha pelo caminho até atingir o solo.

Toda a parte do braço do mortal foi decepado. Além do tremor causado pelo golpe, um punhado de sangue espirrou por todos os lados.

— AAAAAAAAH!! MEU BRAÇO!!! MEU BRAAAAAAÇO!!!!!

O rugido do Herói Traidor acompanhou a dor eletrizante.

Apertou o ombro com todas as forças e sucumbiu a contorcer-se no solo. O rosto perdeu cor, com o líquido rubro escorrendo sem parar.

Quando viu o membro tombar com a carne lacerada, veio a náusea. Então, a consciência por pouco não voltou a se perder na escuridão.

O descendente do Deus da Guerra ficou de cócoras, a fim de apanhar o cabelo do sofrível.

— Eu te disse: “Pare de se mexer”. Olha só o que você me obrigou a fazer, seu merda!! — Olhou no fundo dos olhos dele. — De qualquer forma, você é um homem, né? Claro que pode suportar um bracinho a menos.

— P-por... favor... — Ele segurava o pranto, estremecendo em agonia. — M-me... me pou... pe...

A feição aterradora do robusto não trazia um pingo de esperança ao traidor, que passou a se arrepender de todos os feitos que o levaram até aquele ponto.

Desinteressado, Brandt continuou a arrastá-lo, agora o puxando pelo couro cabeludo.

Coube a Teseu aceitar o destino. Aguentar o quanto podia.

Foi conduzido dessa forma até a área nobre da acrópole de Esparta, perto da entrada ao santuário.

O anfitrião o puxou com mais força e o lançou com agressividade contra uma das pilastras que rodeavam a passagem.

Rasgou a parte inferior da manta branca, que cobria diagonalmente sua cota de malha, no intuito de fazer um torniquete no braço fatiado.

A nova dor o fez engolir ar. No entanto, o sangramento foi cessado, por ora.

Parte do mano tomou a vermelhidão dos resquícios acima da carne viva, o que lhe despertou um arrepio excruciante.

— Agora fica quieto, seu merda.

— Aqui já é o suficiente.

Uma voz sensual alterou a atenção de Brandt.

Os olhos negros entrefecharam quando encontrou o sorriso atraente estampado na face caucasiana, rodeada de fios dourados que escorriam sobre os ombros.

De igual modo, o Herói Traidor levou a atenção ao chamado. E não demorou a reconhecer a dona do olhar encarnado, que parecia penetrar seu coração.

As vestes quase transparentes ressaltavam suas curvas voluptuosas. Com parte dos seios e do abdômen à mostra, seduzia qualquer ser que a fitasse.

Foi assim que Teseu nem notou estar boquiaberto, como se todo o sofrimento fosse enterrado.

Com o ruivo era diferente. Um tom de nervosismo cresceu nas linhas de seu rosto.

— O que ‘tá fazendo aqui!? — questionou-a sem poupar a garganta.

— Eu diria que estava de passagem.

Apesar da afronta, ela apenas sorria.

Quando mirou o traidor, que quase babava frente à sua beleza sublime, relaxou os cílios para criar um riso gentil.

— Você não me engana. — Brandt virou o restante do corpo e bufou: — Saia daqui.

— Vamos, respire um pouco. — Sem desfazer a feição cordial, Afrodite diminuiu distância. — Se o pequeno Teseu está nestas condições, então acredito que haja um motivo plausível. Sem contar que, não importa o que deseje fazer com ele, o seu pai...

— Isso não é da sua conta! — Ergueu o machado na direção dela. — Não venha parecer que se importa agora! Saia do meu caminho!

A deidade não temeu a ameaça do rapaz. Apenas subiu o braço canhoto, tocou a face cega da lâmina com a palma e moveu-a para baixo com delicadeza.

Mesmo que desejasse, ele não conseguia rebater.

Só cedeu ao puxar de volta a arma, despistando o domínio ocasionado pelo simples tato da mulher.

Toda a pressão criada por sua fúria despertou o mortal espectador do transe.

— Eu me importo. Mas não é hora para falarmos disto. — Depois de um leve desvio, ela mirou o ferido. — E tenho certeza de que há outras figuras que se importarão ainda mais com seu feito.

O apóstolo franziu a testa, sem ter o que dizer.

Ao passo que conquistava a confiança dele com um bom uso de palavras, ela exalou um breve lamento.

Teseu não conseguia crer, contudo, que ela tinha sido capaz de domar aquela fera com tamanha tranquilidade.

— Venha comigo — disse ao robusto.

— Pra onde?

— Para o Olimpo.

Perante o esclarecimento, Brandt estalou a língua, desconfortável com a ideia concebida pela venustidade.

Por outro lado, o herói abatido congelou. Só pôde imaginar o quão melhor seria suportar o “divertimento” do rapaz em comparação a ser entregue ao Rei dos Deuses.

O pior era o conhecimento sobre não poder fazer nada para impedir aquilo. Jamais teria alguma chance contra uma deidade superior.

Restou a ele o caminho inimaginável: torcer para que o jovem continuasse a recusar.

Contudo, recebeu um chute violento no rosto, que o fez cair deitado no chão. A boca ganhou um corte profundo, derramando mais sangue.

Sem ligar um tico, Brandt puxou o cabelo dele mais uma vez.

— É melhor você nem tentar se debater. Senão a próxima coisa que eu corto é sua cabeça.

Nesse momento, Teseu só teve forças para assentir.

Afrodite ignorou a interação entre os dois e deu meia-volta, mirando um atalho especial utilizado pelos deuses e seus descendentes.

Impiedoso, o apóstolo voltou a arrastar o corpo debilitado do aprisionado. Preparava-se para, mesmo contra sua vontade, encarar os “mandachuvas” no Monte Olimpo.

Com a chegada de Zeus e Hera no pior momento, coube a Atena revelar todos os detalhes que tentava esconder ao máximo.

Repousado em seu trono altivo, o Rei dos Deuses acompanhou todas as explicações em silêncio.

Em sua companhia, a Deusa do Casamento tinha os olhos fixados na Piscina da Vidência.

Escolhera ficar de pé ao lado homem, com um sorriso sínico conforme escutava as informações da sobrinha.

Ártemis, sem ter muito o que fazer, delegava toda sua aflição à ocorrência pela qual sua filha passava.

“Será que ela já percebeu? Ou então...?”, capaz de reconhecer a identidade da menina de manto escuro, cerrava os punhos inconformada. “Como isto foi acontecer?”

Embora escondesse como podia, não conseguia escapar da percepção da irmã caçula.

Daisy, também inquieta, observava de soslaio o comportamento da Deusa da Lua, enquanto dividia as atenções com o cenário vivenciado por seu irmão.

E ela não estava diferente; assistir a derrota completa do grupo do deserto para o adversário misterioso a fazia apertar as mãos contra o peito.

Mesmo Atena não conseguia deixar a angústia de lado, mas precisava sustentar a postura diante de seu pai.

Nos mínimos detalhes, destrinchou as ocorrências importantes, com a permissão de permanecer voltada às passagens transmitidas pela superfície aquática.

Quando finalizou os dizeres, um silêncio sepulcral tomou conta do recinto.

Zeus coçou a barba, pensou profundamente e, depois de segundos arrastados, comentou:

— Então... Minha filha, Helena, foi raptada em Delos, por irmãos dela. Traidores. Prometheus foi liberto de sua prisão. Em ambos os casos, surgiram estes “indivíduos desconhecidos”. E você, minha criança, escondeu tudo de mim?

O timbre do deus dos deuses retumbou por todo o salão, originando uma pressão desumana sobre os presentes.

Fagulhas douradas começaram a estourar em volta das têmporas. A simples alteração emocional criou nuvens carregadas céu afora.

Hera não deixou de alargar o sorriso prazenteiro diante da reação do homem. Sua curiosidade para com a resposta da sábia cresceu na mesma medida.

Mesmo com a elevada capacidade em esconder sua ansiedade, não podia carregar uma alma de aço perfeita.

Pequenos traços de instabilidade sempre iriam escapar.

E a Rainha dos Deuses era uma das poucas aptas a enxergá-los. Se agarrava a isso quanto à ascensão do respectivo deleite.

No entanto...

Com toda calma do mundo, usou as mãos para pedir licença à Daisy. A garotinha se levantou e, assim, a deusa pôde fazer igual.

Deu meia-volta, enfim ficando de frente para Rei e Rainha.

Sem nada a esconder, começou:

— De modo algum, meu pai e senhor. Somente escolhi priorizar vosso merecido descanso. — Num timbre solene, inclinou-se numa vênia. — Juro por minha vida e daqueles que depositam sua fé em mim. Meu único intuito era o de estudar o caso antes de informá-lo devidamente a ti, de modo sucinto e aprofundado.

Ela ainda possuía o fortíssimo poder da lábia ao seu lado.

Foi o suficiente para neutralizar a ira crescente do progenitor. De igual modo, despertou certa antipatia da rainha.

Através de uma bufada inaudível, essa desviou o olhar.

Embora os raios tivessem cessado e as nuvens negras desaparecido do exterior, o rei não cedeu às palavras ponderadas da filha.

Encarou-a por meio de vistas afiadas.

A decisão escolhida por ela continuava a irritá-lo.

— Você pensa que me engana, criança. Eu...

— Irmão! — O grito de Daisy interrompeu o ato de seu pai.

Todas as atenções regressaram à passagem da piscina, onde Damon era atingido por uma estrela da manhã com Lilith em suas costas.

Curioso com aquela sequência, o Pai dos Céus voltou a relaxar no respaldo do trono.

— Então foram eles que derrotaram aquele titã?

— Sim — respondeu Atena, as sobrancelhas enrustidas.

O apóstolo empenhava-se para se reerguer, enquanto Chloe e Julie tentavam reagir.

Então, veio o momento de maior tensão.

Ele apanhou a espada da cintura e começou a reunir Energia Vital. Tudo seguia os conformes, então os espectadores passaram a cogitar uma margem de sucesso para eles.

Só que não demorou muito, um estranho colapso o acometeu. Para espanto da maioria dos presentes — até de Zeus, que franziu o cenho com força.

Seu filho mais novo soltou um grito agonizante, até largar a espada na areia e cair de joelhos.

Prestes a tombar, foi abraçado pela filha de Hades, que vencia as dores das queimaduras no intuito de protegê-lo.

Uma quietude colossal dominou o salão.

“O que foi isto?”, de todos, a Deusa da Sabedoria foi a única que tentou pensar logicamente.

— Mas o que foi isso que acabei de acompanhar? — Hera se deleitou ainda mais, pelo contrário. — Ele não pôde usar sua energia? Essa é nova.

Enquanto ela ironizava, Atena repassava todos os pensamentos possíveis numa velocidade descomunal.

Podia sentir o desespero da irmãzinha, menos de dois metros à frente, a envolver aos poucos.

Mas o êxtase peculiar da Deusa da Lua pôde superar aquilo, trazendo o olhar esmeraldino ao outro lado da “tela”.

Nela, o mais inusitado de todas as passagens prováveis se realizava: um beijo entre a menina de cabelo rosa e Elaine.

Pegando todos desprevenidos, seguiu com as tentativas de Gael e Silver em conterem a misteriosa, que elevou sua varinha na direção do céu e os derrubou com uma pressão invisível.

Foi aí que uma luz pareceu se acender na mente da sábia.

Gravidade!?”, decifrou, com segundos de atraso, o poder de verdade da jovem. “Como ela poderia possuir domínio de uma Autoridade Cinética? Não me diga que...”

Abriu mais as vistas ao entender os motivos para a perplexidade repentina da divindade lunar.

Balançou a cabeça em negativa. Não deveria ponderar mais sobre aquilo, afinal o rumo de cada situação aparentava encaminhar todos a uma derrota absoluta.

O clima estremecedor, prestes a arrancar as deusas do controle emocional, foi quebrado quando um tremor vindo do próprio monte as alcançou saguão adentro.

De repente, uma das alas das portas alabastrinas foi aberta com violência.

O responsável por isso tinha sido um chute de sola, executado por um homem robusto de mechas pontudas avermelhadas.

— ‘Tô entrando — rugiu Brandt, ao avançar os primeiros passos pelo recinto incrédulo.

Em sua companhia, uma linda mulher de feições sedutoras fez um ar místico retumbar sobre todos, em contrapartida à ferocidade natural carregada por aquele rapaz.

— Olá a todos.

Com o sorriso costumeiro na face, a divindade os saudou.

— Lady Afrodite? E...

Atena mal conseguiu completar quando focou no apóstolo.

Acabou se deparando com aquilo que o ruivo carregava.

Quando percebeu estar sendo o centro das atenções, ele pigarreou com impaciência e lançou o corpo maltrapilho adiante.

Depois de capotar e quase cair na piscina, o ensanguentado tentou esconder o rosto ao máximo que podia.

Contudo, as deidades superiores já tinham reconhecido sua identidade.

— Este é Teseu? — indagou a purpúrea, como se não acreditasse naquele estado deplorável.

A quantidade de ferimentos graves era assustadora.

O lado esquerdo do rosto era dominado por um hematoma aterrador. O braço, também canhoto, tinha sido cortado quase na metade e era sustentado por um torniquete acima.

Contemplar aquele cenário fez Daisy levar as mãos à boca, arrepiada. Já era tarde para que a Deusa da Sabedoria tentasse algo em prol de evitar o contato ocular dela para com o homem.

Mesmo assim, a menina tentou se manter firme, sem esconder o rosto estremecido.

— Oh. A ninfomaníaca chegou — resmungou Hera, alheia à paisagem que alcançava os olhos. — E este moleque seria fruto de qual dos infinitos relacionamentos?

— Também é bom lhe rever, pequena Hera. — Afrodite devolveu com o melhor sorriso. — Ele é meu filho, Brandt. Também é filho de Ares.

Aquilo tirou um resmungo jocoso da Deusa do Casamento.

— Hm... De fato. É o mesmo focinho daquele homem que só sabe fazer essa cara de desequilibrado.

Brandt desviou o olhar raivoso, se resumindo a estalar a língua.

Juno! — Zeus bradou, transmitindo uma lufada pesada por todo o recinto.

Sem ter mais o que dizer, Hera recuou, mas sem demonstrar algum tipo de temor pelo chamado do marido.

— Um momento. O que está havendo? — Atena tentou intervir na discussão sem sentido entre os superiores. — Por que Teseu se encontra nesse estado lastimável?

— Porque foi ele quem libertou o titã! — Brandt declarou sem pestanejar. — Ei. O que ‘tá acontecendo aí?

Sem se importar com as reações absortas e tampouco com a própria revelação bombástica, andou com pressa até poder ver a água na área retangular.

Deparou-se, então, com as difíceis situações vivenciadas pelos grupos da corporação.

Respectivamente na falésia de Argos.

E no deserto...

— Mas... que merda!?

O contorcionismo facial de Brandt, assim como seu brado irritadiço, foi ignorado por todos; o foco estava voltado apenas ao herói em frangalhos.

— Acredito que ele tenha muito a contar. — Afrodite também se aproximou da piscina. — Ora, ora...

O Rei dos Deuses guardou o silêncio, tal como Hera e Ártemis.

Daisy sequer podia compreender as graves nuances do cenário adiante, mas sua preocupação verdadeira permanecia na batalha que seu irmão travava.

Dali, à exceção da dupla recém-chegada, talvez fosse a única a ignorar o pecado revelado sobre Teseu.

— Afrodite. Poderia se explicar? — Zeus descansou o rosto no punho cerrado. — Já basta minha querida criança achar conveniente esconder coisas de mim.

A Deusa da Sabedoria sentiu a pontada, contudo resistiu em oferecer uma olhadela seca por cima do ombro.

— Como sempre, indo diretamente ao ponto, pequeno Zeus. — A loira limpou uma mecha rebelde do rosto com os dedos, as levando até acima da orelha. — Acredito que algumas informações vitais, acerca das ocorrências que observam, estejam com este homem. Por sinal, já deve estar chegando a hora...

— Falando desta maneira, só levanta mais suspeitas — rebateu a Rainha dos Deuses.

— Não. É algo bem simples, na verdade, pequena Hera. — A retruca sorridente elevou o estresse da ruiva. — Apenas observem.

Quando indicou a Piscina da Vidência, executou uma rápida piscadela a favor da criança à sua frente.

De alguma maneira, sentiu que aquilo significava algo bom, então cravou os olhos celestes nas imagens da superfície aquática.

Cruzou os dedos ao passo que acompanhava o adversário misterioso avançar, prestes a atingir Damon e Lilith.

Antecipando o golpe que deveria ser fatal, uma ventania se proliferou pela região e mudou o foco de todos os combatentes.

No mesmo instante, em Argos, fios de aço carregados por pequenas setas afiadas interromperam os planos da menina de cabelo rosa.

Os deuses puderam contemplar a chegada de duas figuras inéditas, responsáveis por impor uma forte contrapressão contra os agressores.

Em resposta à reviravolta, o sorriso da amorosa se alargou.

Atena, de volta à atenção nos desenrolares transmitidos, sequer demorou a reconhecer a identidade da dupla separada.

— São Meade e Arthur... Então era sobre isto que a lady confirmou ter planejado. Os reforços. — Olhou para a Deusa do Amor, varrendo o nervosismo como se fosse um passe de mágica. — Provou-se tão perspicaz quanto eu.

— Jamais poderia superar sua sabedoria e inteligência, pequena Atena — respondeu sem tirar os olhos da piscina. — A sorte só esteve ao meu lado.

Uma leve pontada de espanto tomou a sábia, que remeteu à conversa tida com a deusa, pouco antes do reencontro com Ártemis na montanha.

O teor de suas palavras naquele momento se tornava claro, levando-a a questionar:

— Então... Vocês tinham se encontrado?

Ao erguer o indicador até o lábio inferior, Afrodite disparou uma encarada sedutora à companheira:

— Talvez o correto seja dizer que eu os encontrei.

Mesmo a íntegra deidade tinha dificuldades para controlar a súbita atração provocada por aqueles olhos carmesim.

— Quem são estes, Afrodite?

A voz retumbante de Zeus voltou a ser entoada, quebrando o breve átimo de encanto da filha.

— Sinto informar que não os conheço. Mas sobre aquela jovem de Argos... — Mirou o lado da tela que transmitia a respectiva jornada. — A energia dela me soou um pouco familiar...

Ao escutar aquilo, Ártemis escondeu os punhos fechados sobre as coxas.

O Rei dos Deuses estreitou as sobrancelhas.

— Onde você os encontrou?

— Nas imediações iniciais da Floresta Negra. Como eu disse, foi mais sorte do que predição. — Fitou o homem de barba alva. — Eles se descuidaram no mínimo detalhe, então pude alcançá-los. Além de saberem a localidade dos jovens apóstolos, ainda estavam na companhia de outras figuras.

— Atena. — O chamado do deus supremo foi instantâneo, a ponto de quase interromper a loira. — Para quem confiou as informações destas tarefas?

— Apenas a Ártemis, meu pai. — Encarou o progenitor com afinco no olhar. — Devo dizer que tio Poseidon igualmente esteve a par da incumbência em Argos, pois Silver foi enviado. E isto é...

— Sim, sim, eu que requisitei o auxílio de meu irmão — comentou Hera, junto a um forte suspiro. — Ele me devia uma, afinal.

Zeus ainda encarou a esposa, que não se acuou diante daquilo e devolveu o olhar.

— Entendo. — Ele cedeu. — Primeiro assistiremos o desenrolar destes conflitos. Depois, conversamos mais a sério sobre isto.

Foi então que Teseu, enfim, recebeu a cravada congelante do deus dos deuses, sentindo sua alma ser quase perfurada.

Não havia outro entendimento, senão imaginar que a vida estava bem próxima do fim.

— Eu vou embora! — A voz de Brandt voltou a cortar a comoção geral.

— Se quiser, eu...

— Cala a boca!! — interrompeu a Deusa do Amor, sem nem olhar para trás. — Eu posso muito bem voltar sozinho, merda!!

Sem prestar contas, saiu do recinto, segurando os punhos a fim de não arrancar as portas em definitivo.

“Quem era pra estar lutando era eu, merda!”, rangeu os dentes, frustrado ao passo que desejava destruir os corredores do Olimpo. “Vermes desgraçados!!”

Todos deixaram passar, ainda mais pelo teor dos desenrolares que estavam ao alcance das vistas.

“Ele nunca muda”, divagou Afrodite.

Atena remeteu à preocupação que tinha com o filho do Deus da Guerra, mas, no fim, parecia ter sido algo mais proveitoso do que prejudicial.

E ela se sentia bem em não precisar resolver outra atribulação desnecessária.

Portanto, varreu aquilo da mente e delegou foco absoluto à piscina especial.

Para ambos os casos transmitidos... era chegada a hora da decisão.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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