Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 69: Primeiro Passo

Quando a brecha surgiu, a Hidra ferida arregalou os olhos sangrentos e deu uma demorada meia-volta.

Sem pestanejar, disparou com a maior velocidade possível em direção à floresta que vinha adiante.

As patas de dragão criavam tremores consequentes pela terra, enquanto seu corpo espaçoso derrubava alguns galhos e troncos nos arredores.

— Nem pensar!!

Gael foi o primeiro a pular dos pilares, no intuito de não permitir o escape do monstro.

Algumas das cabeças menores remanescentes acabaram por tentar atrapalhá-lo, mas as ações de Silver as impediram no ato.

Quando as cabeças foram socadas e cortadas, mesmo assim, alguns segundos preciosos se perderam.

Nada obstante a isso a dupla seguiu atrás da criatura principal, ao que Elaine tentou os acompanhar depois de tomar sua decisão.

Outros filhotes nem tentaram os impedir, o que poderia ser uma atitude considerada estranha.

Sem pensar muito nisso, procederam a passadas apressadas pela trilha aberta.

Sem qualquer obstáculo adicional, não levou muito tempo até que atravessassem toda a extensão, já no encalço da criatura.

Foi quando essa, de repente, saltou de uma enorme falésia.

Os jovens ficaram sobressaltados ante aquela sequência e frearam o avanço, assim que se depararam com o fim do caminho.

Então, o corpo do dragão colidiu com o mar abaixo, produzindo uma onda gigantesca que quebrou contra a parede rochosa e subiu quase ao topo do declive íngreme.

“Aqui é o fim da cidade?”, Silver varreu os arredores através das vistas entrefechadas.

Mesmo que conhecesse Argos como sendo uma pólis diminuta em comparação a outras, não acreditava que tinha sido tão rápido.

De certo, aquela deveria ser apenas uma extremidade.

Mas esses pensamentos logo foram lavados de sua mente.

— Ela fugiu mesmo!? — O filho de Apolo estava próximo da borda, encarando as águas do Egeu.

Nenhum sinal do monstro, mesmo após ter se jogado. E isso era algo imprescindível, dado o tamanho que possuía.

Elaine se aproximou junto dele, só que os globos amarronzados se dirigiram à paisagem adiante.

— Ei — chamou o parceiro, que acompanhou seu foco. — Aquilo não é...?

Quando ela apontou o indicador, Gael também pôde ver.

Uma enorme estátua se fazia presente, como se fosse uma miniatura de tão distante.

Segurava uma tocha erguida, localizada no princípio de outra formação de terra.

— É o Colosso de Rodes!! — Fez uma sombrinha sobre as vistas ao posicionar a palma esticada acima das sobrancelhas.

O filho de Poseidon escutou a comoção da dupla e dirigiu o olhar ao mesmo local.

— Não fazia ideia de que dava pra ver daqui...!!

O discurso do dourado foi abruptamente interrompido por um novo terremoto.

Ele não pensou duas vezes em saltar para trás, puxando o braço de sua amiga.

Não demorou muito até que a atitude se provasse correta.

Outra explosão veio do Egeu, dessa vez levantando água até superar a altura da falésia. Uma chuva artificial que durou breves segundos se formou acima dos apóstolos.

Então, logo na sequência, a enorme cabeça de dragão voltou a ser revelada.

Agora, parecia uma gigantesca serpente, pois seu corpo tinha desaparecido — provavelmente imersa na água profunda.

A Hidra de Lerna tinha regressado, já mostrando aos inimigos que suas queimaduras e demais ferimentos tinham sido recuperados.

Os olhos vermelho-sangue irradiavam uma influência arrepiante. Das narinas e boca, camadas de névoa fria eram expelidas a cada respiração.

Isso por si só arrancou um sorriso grosseiro do descendente solar.

Debaixo do manto da noite, que em breve seria substituído pela luz solar, o prodígio pugilista experimentou o calor da própria energia se elevar em seu corpo.

Para piorar o cenário, novas cabeças herdeiras surgiram da superfície aquática. Todas as pupilas afiadas eram direcionadas ao grupo divino.

Embora absorto em profunda mansidão, o descendente de Atlântida piscou rapidamente.

Visualizou cerca de dez inimigos prontos para o abate, mas nada lhe garantia que aquelas seriam as únicas.

Todas elas arquearam o corpo esticado e acompanharam a mestra, que abriu a boca para executar seu novo rugido contra os jovens.

A potência era tamanha que foi capaz de arrastar os pés deles no solo por alguns metros.

Arvoredos não tão próximos tiveram suas raízes arrancadas da terra. Toda a falésia parecia prestes a ruir com a cólera animalesca.

Como se fosse um sinal, a primeira da dezena de cabeças menores avançou.

Uma das adjacentes buscou abocanhar Elaine de primeira, mas afundou a cabeça no plano depois que ela foi puxada por Gael.

Retirou o rosto de lá o mais rápido possível, ao que as demais criaturas começaram a mirar em seus alvos.

Silver não encontrou problemas em prol de desviar dos golpes rasantes. Revidava com repetições certeiras, sem qualquer tipo de agitação nos movimentos.

Lacerar as gargantas das adversárias era uma tarefa simples, então livrou-se das quatro que tinham lhe cercado em tempo recorde.

Assim, não relaxou e mirou logo na criatura principal.

Sua concentração teve uma recaída no instante que contemplou a esfera de energia massiva se reunir diante da boca da Hidra.

O plano de distração das cabeças menores havia funcionado.

Arte do Oceano. Primeira Onda”, pensou rápido ao banhar a lâmina com a mesma Autoridade Elementar usufruída pela criatura.

No átimo que a outra dupla resolveu os problemas das outras seis cabeças, a monstruosidade liberou toda a energia condensada contra a falésia.

Todos encararam a quantidade abissal de energia se aproximar, quase que à queima-roupa.

Gael pensou em rebater com os punhos, mas não dispunha de tempo suficiente para reunir a quantidade necessária de energia.

Portanto...

Navalha de Água.”

Silver se adiantou aos descrentes e cortou jato d’água gigantesco.

Com esforço que fez os músculos saltarem, dissipou mais de metade da energia liberada pelo monstro.

Frações do disparo ainda devastaram algumas árvores e determinadas regiões do solo. Nenhuma delas atingiu o grupo.

O monstro grunhiu, irritadiço, conforme o prateado retornava ao ponto de onde tinha saltado.

Então, devolveu uma encarada congelante por meio de cada íris cor de mel.

A Hidra levantou a cabeça e fez com que um rugido agressivo ecoasse na direção das nuvens.

Ninguém imaginava que esse seria um “chamado” para outras cabeças herdeiras emergirem do Egeu.

Mais uma vez uniram-se em prol de os atacar.

— Esses filhotes são esplendidamente irritantes!!

A despeito do resmungo, o filho de Apolo sentia-se mais eufórico do que nunca ao desviar dos ataques em massa e revidar com socos poderosos.

Auxiliado por Elaine, com quem fazia um bom dueto de revezamento entre ataque e defesa, começava a afastar os monstros de novo.

E dessa vez, podia constatar um semblante mais firme no rosto da garota.

Ela se esforçava além do que estava acostumada.

No entremeio de piscadas delongadas, performava uma boa dança no campo de batalha, cortando escamas e cabeças das criaturas menores.

Mesmo o filho de Poseidon estava surpreso ao ver que ela, apesar das aparências, parecia carregar certos dotes interessantes consigo.

— É disso que eu tô falando!! — Gael rugiu entre os dentes, delegando a atenção à Hidra principal. — Dessa vez não vai atirar!!

Vendo que ela já tinha outra reunião de esfera energética condensada em andamento, avançou com um golpe direto contra o ar.

Isso provocou uma explosão de choque tórrida pelas cercanias, afastando diversos dos filhotes de uma vez.

Abriu um espaço ínfimo, o bastante para prosseguir até a mestra, agora com tempo a fim de reunir energia sobre o punho dominante.

Alcançou a altura do animal depois de um pulo rápido e socou-a na lateral do rosto, causando novas queimaduras por todas as escamas.

O rosto da criatura verteu-se à esquerda, fazendo com que o novo disparo de energia fosse direcionado ao Egeu.

No entanto, antes de perder o ímpeto, esforçou-se para retornar junto com o disparo.

Como um raio laser, a camada aquática passeou violentamente na horizontal, obrigando os apóstolos em terra a se livrarem da forma que podiam.

Elaine se agachou, Silver saltou e Gael usou alguns monstros herdeiros próximos para se livrar por cima.

O ataque devastador levou tudo que tinha pela frente, nem poupando os filhotes que explodiram em sangue e tripas por todos os lados.

Quando a explosão cessou, o filho de Apolo retornou ao solo com um longo suspiro.

Afetada pelas lesões na face, a Hidra de Lerna levantou a cabeça para o céu outra vez.

Cientes que a vitória parecia ser acessível, o grupo decidiu esperar para ver qual seria a próxima ação da adversária.

O golpe de misericórdia, ainda assim, talvez seria o maior problema. A resistência das estruturas lameliformes, responsáveis por cobrir o corpo da criatura, era considerável.

Mesmo os socos flamejantes de Gael não podiam destruir tudo de uma vez. E, tampouco, deixá-la com a verdadeira pele vulnerável.

E, naquele momento, perceberam que o monstro também tinha se afastado da falésia por alguns metros.

Nenhum dos apóstolos lograva de qualquer habilidade de voo, por isso as complicações para atacar o monstro ganhavam forma.

Mas para o descendente solar, nada poderia estar perdido.

— Elaine!! Se prepara!!

Elaine reagiu alarmada ao ser chamada daquela forma, não num tom de pleno entusiasmo como era de costume.

Antes de sequer poder questionar, viu o garoto de cabelo arisco reunir Energia Vital sobre ambas as luvas.

Os olhos castanhos miraram as cabeças menores, ao redor da mestra.

— Vamo’ nessa, principezinho!!

O grito para o filho de Poseidon foi o estopim para sua corrida desenfreada à beirada do declive.

Sem hesitar, pulou com força suficiente para deixar um rastro de destruição na superfície.

Foi à primeira das duas pequenas Hidras posicionadas à lateral destra da maior.

Silver compreendeu o planejamento do aliado logo de cara.

Um pouco espantado com tamanha audácia, resolveu entrar no jogo e arriscar daquela forma.

Pulou contra a outra dupla de pequenos dragões, esses localizados no flanco canhoto do grande monstro.

Elaine permaneceu no ponto central, de frente para a Hidra verdadeira. Seus olhos, no entanto, só podiam acompanhar a sequência inconsequente armada por aqueles dois.

Arte do Sol!! Quarto Esplendor!! — Gael socou a primeira criatura no rosto.

Tomou cuidado para não a jogar tão longe, a exemplo do que fizera com as demais.

Desse modo, pôde a utilizar como apoio terreno em prol de saltar contra a próxima, em quem desferiu o segundo golpe com o palmo contrário.

A energia parecia se elevar a cada ataque. A luz e calor irradiados das camadas de Autoridade Elementar do Fogo ganhavam maior intensidade.

Sem medir esforços, finalizou o segundo ataque e saltou na vertente do alvo principal.

O fogo dourado tornou-se absoluto.

Arte do Oceano. Segunda Onda”, Silver vinha em respectivo progresso, através do ápice de sua absorção.

Alcançou a primeira disposta pelo trajeto, indo na direção contrária do filho de Apolo.

Girou o torso com primor e empalou o crânio da criatura, a lâmina ainda dominada por uma fina camada laminosa de água.

Manteve o equilíbrio assim que o animal se debateu, em virtude da agonia congelante. Então, saltou na direção do seguinte.

O rastro da energia aquática se manteve pelo itinerário traçado, até que o nariz do segundo dragão fosse perfurado.

Com o chacoalhar desesperado do monstro, o atlanti retirou o gume de suas narinas e subiu dois passos até pisar sobre a testa.

Sustentou a arma virada para baixo, de maneira a rasgar o restante das escamas e da pele que iam até o fim da divisão superior.

Por fim, impulsionou-se por um salto no encalço da Hidra de Lerna.

Em simultâneo, foi tudo muito rápido.

Elaine pegou-se encantada ao acompanhar o deslocamento opositor entre os jovens aliados.

Um deles sem risco de ruídos, o outro completamente abrupto e recheado de tensão.

O cerco estava criado, da maneira mais desajuizada possível.

Sincronizados nos respectivos avanços, levaram as investidas derradeiras:

Tempestade Solar!! — Gael socou o rosto da criatura com o punho direito.

Torrente Serena”, Silver avançou com um corte silencioso e preciso na altura do pescoço.

Em seus estilos divergentes, se complementaram.

O impacto criado pelo poderoso ataque do jovem solar originou a força contrária que permitiu ao prateado rasgar as escamas resistentes da garganta.

A enorme detonação tornou-se luminosa e se espalhou em uma onda de choque morna pelo espaço.

A magia de Gael destruiu parte da faceta do grande monstro e a de Silver completou a laceração de seu pescoço.

Tal efeito fez com que a região do lanho se desprendesse do restante da união entre cabeça e corpo.

E, mesmo assim, a Hidra manteve os sentidos e entoou um rugido tenebroso.

De costas, os apóstolos só puderam girar o corpo no mínimo para observarem o animal ainda vivo.

A verdade sobre a Hidra de Lerna está fora do alcance.

Remeteu à “dica” oferecida por sua mãe, enquanto partia de Atlântida rumo à cidade de Éfeso.

“Não é o suficiente!”, rangeu os dentes, imaginando o quão árduo seria resolver a situação depois de cair.

— Elaineeeee!!!! — O grito repentino de Gael ecoou pela falésia inteira. — VAAAAAAAI!!!!

Ele esticou o braço canhoto, apontando o punho cerrado a ela.

Eletrizada pela voz intensa do parceiro, a jovem lunar tentou imaginar todos os cenários possíveis naquelas frações de segundos.

Sua falha em terminar aquilo — considerado como mais provável por si mesma —, seguido da morte ao arriscar... Todas as probabilidades negativas despontavam.

Enquanto os rapazes caíam, puxados pela força imperiosa da gravidade, tentava de todas as maneiras suprimir a sensação nebulosa.

Ao contatar tanto o sorriso do pugilista quanto o olhar confiante do espadachim, experimentou um choque percorrer sua espinha.

E esse choque a fez dar o primeiro passo.

A espada de lua crescente emitiu um brilho purpúreo deslumbrante. Todas as inseguranças que lhe permeava dos pés à cabeça foram lavadas.

Mirou o dragão que se debatia lentamente, com o crânio pêndulo na pele e escamas restantes do pescoço rasgado.

Segurou com firmeza na empunhadura e respirou fundo, na iminência de comedir a ansiedade que parecia sempre estar em crescente.

No instante que os rapazes estavam prestes a ultrapassar a falésia abaixo, disparou sobre a grama devastada e saltou sem pensar duas vezes na beirada.

Gael esgazeou as vistas ao contemplar o abandono da estagnação mais divertido que já pôde contemplar.

Mesmo assim, ela tremulava demais; os dentes rangiam e os olhos estavam estremecidos. Sequer usufruía de uma postura bem definida para finalizar da maneira correta.

Não podia alcançar a perfeição de serenidade ou tampouco a pujança eufórica de seus companheiros.

Deveria encontrar sua própria maneira, não importava se inferior ou superior às deles.

Sequer acreditava na capacidade de acompanhá-los.

Apesar disso...

“Eu vou lutar!”, optou por agarrar a confiança que eles depositavam em si, mesmo que fosse apenas naquele momento.

— Aaaaaah!!

Elaine vociferou o mais alto que pôde, fechou os olhos e foi de encontro com a região decepada do dragão.

Levantou os dois braços no porte da lâmina e, ao pousar na carne recheada de sangue da criatura, moveu-a na descendente.

O empalamento foi profundo o suficiente para disparar uma quantidade de chamas púrpuras por todo o corpo da Hidra.

Assim que seu interior foi todo preenchido pela carbonização imediata, o corpo do monstrengo estremeceu por todas as partes.

Um rugido final foi entoado, esse fino como a badalada de um sino.

Então, veio o silêncio mortífero.

Envolta pela ausência de quaisquer sons, Elaine voltou a abrir os olhos marrons.

Mesmo naquele estado, ela tinha conseguido atingir o ponto exato de sua vitalidade. Um arrepio estranho subiu seu peito, o retorno gradativo da insegurança.

A estrutura gigantesca da criatura entrou em colapso emitindo urros medonhos e, por fim, explodindo em jatos de sangue e tripas para todos os lados.

Boa parte do líquido escuro espirrou sobre a garota, que rapidamente foi puxada pela gravidade.

Silver e Gael afundaram no Egeu. Boa parte da água estava contaminada, de modo que nem o atlanti conseguiu se livrar por completa com a impermeabilidade.

— Hahahaha!!! — O solar voltou à superfície rindo à toa. — Boa, Elaineeeee!!!

Para a filha de Ártemis, o grito se tornou um som indecifrável à medida que percebia não ter mais salvação.

A mente em confusão alheia às náuseas causadas pelo fedor sangrento da Hidra, entranhando seu cabelo, roupas e membros a fez largar a consciência aos poucos.

— Ah...

A queda final no mar fez seu corpo inteiro arder, como se colidisse com uma parede de cimento.

Segurou a respiração até onde foi possível, então descobriu que nem sabia nadar.

Foi a experiência derradeira antes de desapegar do fio que mantinha sua mente ativa.

Antes de fechar os olhos, conforme afundava na escuridão, vislumbrou a aproximação de uma silhueta.

Incapaz de reconhecer a identidade, foi tragada ao mundo dos sonhos em definitivo.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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