Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 68: Opostos (NÃO) Se Atraem

Silver não saiu impune a partir da respectiva escolha.

A exemplo da dupla da qual havia se separado, se deparou com outras pequenas Hidras pelo trajeto pantanoso.

Com movimentações plácidas de corpo, lacerava as escamas das criaturas e as decapitava sem dificuldades.

Seguia adiante, trilhando a rota para a cabeça mestre sem contratempos.  

A poderosa audição já identificava a presença dela, a poucos quilômetros de distância.

Local onde a névoa ganhava ainda mais densidade. A vegetação herbácea também se proliferava em redobrada abrangência.

Tal habilidade supria com primor as dificuldades visuais. Os ataques vinham de todos os lados, mas nenhum podia sequer tocá-lo.

A profundidade de sua concentração mental e auditiva o fazia antecipar tudo, frustrando as tentativas das cabeças de dragão.

Conforma o caminho se abria com serenidade ao seu redor, reconhecia o verdadeiro lar da Hidra de Lerna.

“Pântano da Argólida”, ponderou como sendo um nome que já tinha recebido em informação.

Parou de balançar a lâmina durante uma breve — e rara — pausa, acima de uma das casas remanescentes àquela altura.

Restavam outros filhotes nos arredores, porém já considerava não os abater em prol de reservar energia. O verdadeiro combate já estava à espreita.

O prateado voltou a percorrer a sequência ao saltar até galhos de árvores espalhadas no trajeto.

Quando essas se tornaram escassas, não viu outra escolha senão ir pelo pântano propriamente.

Quebrou um filete de madeira podre e usou-o como apoio sob os pés, caindo na água turva.

Constatou que não era funda o suficiente para atrapalhá-lo, portanto decidiu ir em frente sem pestanejar.

Mesmo imersos no líquido frio, suas pernas não se molhavam. Tampouco os movimentos delas eram prejudicados pelo empuxo.

De súbito, duas cabeças de dragão surgiram pelos flancos no mesmo instante.

Aquilo não surpreendeu o rapaz absorto em sua tranquilidade.

Os olhos cor de mel se levantaram, antes de executar um salto imediato e desviar dos ataques num giro mortal.

Isso fez com que os animais colidissem um contra o outro, levantando uma grande coluna d’água.

Enquanto grunhiam de dor, o apóstolo veio por trás e decepou suas cabeças em simultâneo.

Após isso, prosseguiu em paz, pois novas monstruosidades não vieram à tona.

Um pequeno alento que o permitiu seguir com o plano anterior, de guardar o máximo de energia possível, física e vital.

Controlando a respiração, passou a identificar a influência pesada do grande monstro crescer ao seu redor.

Esperando que a névoa ficasse ainda mais espessa, percebeu a ocorrência do efeito contrário.

À medida que o visual no avanço voltava a se tornar limpo, parou de caminhar de novo.

As plantas agora situavam-se em menor número. A água só alcançava suas canelas.

Percebeu que a região pantanosa tinha chegado ao fim. Em sua frente, enormes pilares de pedra se distribuíam em posições que pareciam ser aleatórias.

Contudo, o fator de maior relevância apresentava-se além.

Foi incapaz de evitar que a gota de suor escorresse pela faceta congelada, pingando do queixo à superfície líquida abaixo.

As escamas eram tão negras comparadas às das cabeças menores. O corpo também parecia pertencer a um dragão, num tamanho quase incalculável.

De maneira involuntária, os lábios do atlanti se contorceram.

A verdadeira Hidra de Lerna, dos Sete Grandes Monstros, estava ao alcance das vistas.

Apanhou a empunhadura da lâmina na cintura, fechou as vistas e aproximou-se da área aberta com passadas curtas.

Outras cabeças menores navegavam entre os sustentáculos, como se fizessem a guarda da criatura principal.

Procurou traçar um caminho que não envolvesse abdicar do planejamento percorrido até então.

Então...

“Vou destruí-las rapidamen...”

— RAAAA!!!

Um soco poderoso acompanhado do grito vibrante reverberou antes que sua mente sequer pudesse completar o pensamento.

A explosão de calor causou um espanto inédito em Silver, que ergueu as sobrancelhas e sentiu toda a percussão de calmaria ir embora.

Três das cabeças em volta dos pilares tombaram na terra.

“O quê...!?”

Quando se viu perante aquele que tinha tentado deixar para trás, o espanto ganhou contornos drásticos na expressão enrugada.

O garoto de cabelo arisco aterrissou acima de uma das estruturas verticais.

Tanto o impacto quanto o estampido produzido pelo ataque inconsequente estimularam a atenção do monstro principal.

— E aí, principezinho!! — Gael encarou sobre o ombro, o polegar apontado ao próprio peito. — Pensou que ia pegar o prêmio sozinho, é!!?

Ao chegar na frente do filho de Poseidon, declarou o início do verdadeiro enfrentamento contra a Hidra de Lerna.

Os olhos cor de sangue se abriram, afiados. Como se despertasse de um longo sono, exalou um ar mortífero que estremeceu o pântano inteiro.

Cerrando os punhos, Silver reprimiu sua irritação.

Não conseguia crer que o filho de Apolo tinha sido capaz de contornar a situação desfavorável criada contra si.

Sem contar a chegada de Elaine, pouco depois. Diferente da entrada triunfal dele, correu por baixo, quase sem ser percebida ao esconder-se nas sombras dos pilares.

No fim, tudo tinha ido de mal a pior.

Agora, não só as cabeças herdeiras haviam sido completamente despertas, como o grande monstro em si.

Diante de tamanha reviravolta, o prateado nem mesmo encontrava forças para os xingar.

“Mantenha a calma”, buscou remediar o controle respiratório, embora tivesse sido arrancado de toda a concentração na qual mergulhara até então.

Mas ainda contava com um grande empecilho para essa empreitada...

— Esplêndido!! Vamos lutar!! — Gael chocou os punhos um contra o outro. — Pode cuidar das menores, Elaine!!?

— Ah, s-sim... vou tentar... — a filha de Ártemis assentiu.

Silver estalou a língua.

“Por quê...? Por que está tão animado?”, abaixou a cabeça, na iminência de criar um sombreamento em volta dos olhos.

Nem mesmo a dupla com quem tinha dividido a tarefa na Ilha Methana lhe despertou tamanha inquietação como naquele instante.

— Você é o tipo de pessoa que mais odeio — mussitou para si mesmo.

— O que disse!!?

O riso eufórico de Gael, mesmo ao fazer aquela retruca, infestou o semblante do atlanti de asco.

No entanto não havia tempo para que discussões frívolas se desenrolassem.

A Hidra de Lerna arqueou o enorme corpo à frente e soltou um rugido violento, suficiente para causar uma onda de choque poderosa pelo que vinha adiante.

Silver levou as mãos até as orelhas. Os tímpanos aguçados pareciam prestes a serem rompidos.

Sons naturais, sem quaisquer resquícios de Energia Vital que conjurasse algum tipo de Autoridade não podiam ser bloqueados.

Foi necessário um empenho ainda maior a fim de suportar a potência que estremecia seus ouvidos; uma perda de equilíbrio dolorosa o afligiu em instantes.

Por outro lado, Gael se divertia frente ao tão aguardado desafio. Em paralelo, Elaine tentava evitar a apatia ao sentir na pele a ameaça de uma das mais perigosas criaturas daquela Era.

Uma pergunta específica, contudo, martelava a cabeça dos três: como poderiam derrotá-la?

Depois de aguentar a agonia como podia, Silver tentou recuperar a compostura física e emocional.

— Vamos começar!! — O solar passou a reunir energia.

O acréscimo de calor em volta dele puxou a filha de Ártemis de volta à realidade.

Sua influência passou a rivalizar com a da Hidra pelo domínio da região.

O monstro, em virtude disso, iniciou o deslocamento ao comandar as cabeças menores entrelaçadas pelos sustentáculos.

Gael flexionou as pernas e saltou com força máxima, destruindo a estrutura abaixo.

Viajou na direção da criatura com o punho direito fechado, de onde o brilho dourado surgiu e se tornou um fulgor de chamas que iluminaram a zona enevoada.

Arte do Sol, Primeira Esplendor!! — De frente para a face da inimiga, que abriu a boca... — Punhos Solares!!!

Desferiu o murro agressivo contra a lateral esquerda de seu rosto, causando uma explosão de calor pelos arredores.

As escamas queimaram no processo. A reação inicial da criatura foi grunhir em agonia.

Embora o pescoço tivesse sido inclinado de leve pelo golpe sofrido, o animal não desistiu e manteve a enorme boca escancarada.

Logo, o filho de Apolo foi pego de surpresa ao sentir um fluxo de energia fria ser “sugada” naquela direção.

Aceitou a instigação, ainda que permanecesse em pleno ar, desprovido de qualquer apoio.

Nesse ínterim, uma esfera condensada de energia ganhou corpo ante a boca da Hidra que, em seguida, esgazeou os olhos de sangue e não hesitou em dispará-la contra o rapaz.

Sem abandonar a magia anterior, Gael aproveitou o momento e socou o disparo de Autoridade Elementar da Água com o outro punho.

O conflito direto entre as camadas de energia opositoras se tornou uma explosão violenta.

O grande monstro rugiu de novo. Dessa vez, a potência sonora foi ainda maior.

Silver sofreu com os problemas redobrados, repetindo em sua cabeça para que se aprofundasse na concentração que necessitava alcançar.

Ficar para trás ali não era uma opção.

Buscou se livrar de todos os ruídos que atiçavam seu corpo.

Interna e externamente, passou a vivenciar o aprofundamento constante em um oceano gélido, forçando-se para chegar ainda mais abaixo.

Por outro lado, o filho de Apolo tinha sido empurrado de volta ao solo após a onda de choque se alastrar.

As cabeças herdeiras o cercaram, no intuito de abrir uma brecha a favor da recuperação da mestra.

Elaine, que já dava conta de algumas, encarou a tentativa de persuasão das demais e recebeu uma enxurrada de nervosismo.

— Se não fosse assim... seria fácil demais!!

Ao enunciar o próprio pensamento em voz alta, o dourado preparou os punhos vestidos pelas luvas especiais.

Convenceu a si mesmo de que aquele era o cenário ideal; afinal, quanto mais difícil a situação se apresentava, maior se tornava sua euforia para varrer a fobia da noite.

Embora focasse somente no inimigo gigante, pôde perceber certos detalhes em sua volta.

Um deles situava o quanto a companheira já se encontrava desgastada, ainda que nem utilizasse a respectiva Energia Vital como forma de auxílio na batalha.

Ou, talvez, fosse exatamente por isso.

Elaine continuava insegura acerca de seu ritmo, então tinha dificuldades a fim de derrotar as pequenas Hidras em definitivo.

Sua preocupação para com ela era considerável, então deveria decidir entre oferecer apoio ou atender à monstruosidade principal, que já parecia ter retomado a forma.

Em qualquer uma das escolhas, as chances de sair perdendo eram consideráveis.

— Eu...

Ele, nesse dilema intenso, só fez a animação crescer.

Até entoar sua decisão:

— Vou fazer os dois de uma vez!!

Guiado pelos desafios, disparou contra as proles de Lerna e pegou a companheira de surpresa, tamanha a velocidade que ele teve entre saltar e derrubar os monstros aglomerados.

Tão logo, voltou a mirar a Hidra propriamente.

Para sua surpresa, ela já reunia uma nova remessa de energia, preparado diante da boca escancarada.

Sem pestanejar, Gael pulou na vertente dela, pensando em repetir o encontro anterior.

Todavia, a criatura disparou mais rápido ainda, sem oferecer brechas para que qualquer um pudesse fazer algo — inclusive as herdeiras remanescentes.

Foi aí que, de súbito, o tiro de energia aquática condensada foi cortado pelo invisível, dividindo-se em duas metades que passaram zunindo por seus flancos.

Tal efeito abriu caminho para que o descendente solar seguisse de encontro com o rosto da inimiga, dessa vez vulnerável por completo.

Num átimo de segundos, virou os olhos de soslaio no intuito de conferir a presença do jovem prateado, sendo puxado de volta pela gravidade.

Sua lâmina, envolta da mesma Autoridade da Água, estava apontada para o alto.

O semblante remansado de vistas entrefechadas desprezava qualquer desordem proveniente do próprio interior ou exterior.

Assim, um sorriso bruto se formou no canto da boca de Gael, que pegou outro impulso em um dos pilares adjacentes.

— Esplêndido!!!

Reutilizou a Primeira Forma da Arte do Sol.

Em proveito do salto vindo de baixo, ergueu o braço e largou um violento murro em forma de gancho contra o queixo do dragão.

Sentiu os ossos destruírem as escamas que eram carbonizadas pela Autoridade do Fogo, à medida que sua mandíbula era estilhaçada.

Entortou-a por inteiro no fim, fazendo os dentes serem levantados a ponto de perfurarem o céu da boca.

A área inferior do queixo saiu do lugar, terminando de deixar aquela região irreconhecível. E piorou após a detonação flamejante conseguinte.

O apóstolo foi lançado de volta pelo respectivo impacto, girando o corpo até regressar ao lado dos dois aliados.

Silver, já de volta há algum tempo, mirou as três cabeças menores que restavam entre os sustentáculos.

As cortou em alta velocidade, sem deixar de tirar proveito da Autoridade Elementar fluida. Alguns rastros de sua utilização se formaram pelo espaço.

Então, uma inédita abertura entre as estruturas foi criada.

“Incrível...”

De olhos bem abertos, Elaine contemplou o sucesso da dupla, conforme a Hidra quase tombava para trás sem parar de grunhir.

Por possuir um tamanho elevado, sofria com a lentidão. E isso se comprovava como bastante para que os adversários usufruíssem de oportunidades ofensivas diversificadas.

A combinação daquele pequeno instante mostrou-se próxima do impecável.

Para a jovem lunar, era como se um impulsionamento mútuo enfim entrasse em ordem; a sensação de que Silver passara a se mover graças ao contágio de Gael prevalecia, e vice-versa.

“Ele mudou!!”, e o próprio filho de Apolo reconhecia isso no desafeto, experimentando a potência verdadeira da aura fria a emanar do corpo dele.

Os olhos semicerrados e estáticos, a boca levemente aberta, uma respiração quase imperceptível de tão branda.

Apresentava o estado mais profundo em mansidão que qualquer um dos dois já tinha contemplado alguma vez.

De certo, comprovava ser um grandíssimo aliado.

Pela terceira vez, a Hidra rugiu, interrompendo a comoção do trio. Sangue esvoaçou por todos os lados, à medida que a mandíbula voltava a cair, arrancando os ossos de estaca do céu da boca.

Imerso em definitivo, Silver não foi afligido com sua capacidade auditiva.

Desprovido de qualquer desequilíbrio, terminou de cortar outra cabeça menor que tentou o abocanhar de surpresa.

O golpe foi tão veloz e límpido que a filha de Ártemis só percebeu segundos depois da conclusão.

Não existira nenhum resquício de oscilações no movimento do atlanti, onde o corte beirou a perfeição.

Para a insegura menina, chegava a ser aterrador possuir um indivíduo como aquele ao seu lado.

O desconforto disseminado por isso se mostrava tão ressaltado em comparação à companhia inicial da dupla em Delos.

“Ele parece... o mar... Calmo e transparente...”, visualizou no devaneio pessoa, à medida que o filho de Poseidon voltava a focalizar a Hidra de Lerna.

Cada deslocamento que executava tornava-se isento de agitações visíveis. Refinava a fluidez copiosa carregada pela essência cristalina.

De modo contrário, Gael se compunha de movimentos rústicos, responsáveis por condizer com sua personalidade efusiva.

Elaine questionava sobre onde poderia se encaixar naquele meio. E chegou rapidamente à conclusão de que, na atualidade, seria incapaz de se equiparar a ambos.

Frustração a tomou pela cabeça, remoendo a incompetência em acompanhá-los.

Estava destinada a cuidar dos problemas menores, era isso que o destino parecia desenhar em sua cara.

O papel principal seria oferecido a somente aqueles dois, muito mais preparados e...

— Se prepare, Elaine!!

O grito repentino de Gael trouxe seu olhar abatido de volta, ao erguer a cabeça.

De cara, encarou o sorriso confiante desenhado na face do parceiro de corporação.

Um misto de emoções dominou seu peito.

De novo, uma torrente calorosa aflorou por todo o peito, a fazendo se lembrar, inclusive, de outro riso acalentador, do qual tinha se esquecido há algum tempo.

Aquele foi o gatilho derradeiro para despertar seus sentimentos reprimidos.

Era hora de oferecer uma nova chance ao esforço.

Então, segurou firma na empunhadura da lâmina de lua, certificada de que não se permitiria fraquejar.

“Eu não posso parar aqui!...”

Conjurando aquela vontade, até então enterrada em seu coração, preferiu agarrar a luta contra o que o destino queria criar sobre si.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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