Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 67: Hidra de Lerna

Quando adentraram a região tomada pela densa neblina, os três prodígios adotaram um silêncio ferrenho.

Logo de cara foram recebidos por um odor desagradável.

O aroma fétido exalava morte e se entranhava pelas narinas do grupo, na iminência de obrigá-los a tampar os narizes.

Elaine experimentou uma náusea crescente, mesmo com os dedos apertados sobre as narinas.

Gael observava cada canto da extensão daquela rua enevoada, enquanto Silver devotava tudo à sua audição única.

Conforme avançavam, iam se deparando com o aumento de vegetações herbáceas por diversos caminhos.

O prateado semicerrou as vistas, concentrando-se em captar com maior clareza o entrelaçar dos ruídos antes detectados.

Pôde identificar escamas em deslocamento constante, urros cavernosos sendo emitidos por variadas posições.

Numa área ampla, aquilo só podia significar uma coisa:

“Vários inimigos.”

Após definir o próximo passo, foi surpreendido por uma explosão sonora vinda do flanco esquerdo.

Uma das residências envolvida por vegetação e neblina foi lançada aos ares.

Dali, uma enorme cabeça de dragão surgiu, disparando contra os enviados divinos sem pestanejar.

O monstro abriu a boca de dentes afiados para abocanhar os três de uma vez.

Silver reagiu rapidamente ao puxar a lâmina da cintura.

Com um salto, passou os outros dois sem os permitir qualquer ação, e cortou a boca do animal um pouco abaixo das narinas.

A criatura grunhiu de dor e recuou imediatamente, ao passo que bastante sangue escuro esvoaçava pelo espaço.

O garoto retornou ao solo. Sem tempo a perder, avançou até causar outra laceração, dessa vez sobre o pescoço escamoso do inimigo.

Quando a cabeça veio a tombar, ele aproveitou o ímpeto em prol de pousar sobre ela e a empalar na altura da têmpora.

Mesmo que tivesse acabado com o problema, os ouvidos captaram a aproximação de outros.

Perplexa, Elaine recuou até quase tropeçar e cair de traseiro no chão.

Os olhos de Gael brilharam, como se a fobia noturna fosse varrida do corpo num estalo.

Tão logo, cerrou os punhos vestidos pelas luvas especiais do Deus do Sol.

— Há mais delas chegando — avisou o argênteo, sem nem olhar para trás.

— Essa é uma esplêndida recepção!

Quando o dourado bateu os punhos perante o alerta, um segundo dragão surgiu da terra, numa ofensiva em alta velocidade.

Dessa vez, o filho de Apolo tomou a iniciativa, livrando-se do tremor corpóreo.

Pulou sem medo na direção da boca escancarada e acertou um poderoso soco contra o pescoço longínquo.

O impacto violento fez ouvir seus ossos sendo fraturados. E, no fim, impeliu-a de volta para onde tinha saído.

— Vamo’ nessa, Elaine!!

Encarou a filha de Ártemis por cima do ombro.

Ela esgazeou as vistas ao receber o chamado do parceiro.

Sobreposta à respectiva insegurança, assentiu uma única vez e sacou a lâmina incolor da manta nas costas.

Seu formato curvilíneo semelhava-se ao símbolo de lua do cordão que carregava acima do peito.

Essa chapa metálica foi, de repente, dominada por uma tonalidade púrpura brilhante ao mínimo contato com sua palma dominante.

Tal era a prova da conexão perfeita entre sua arma e Energia Vital.

Silver deu singela atenção àquilo, conforme cortava a próxima cabeça sem problemas.

Lacerou as escamas resistentes da garganta graças a uma fração de Autoridade Elementar da Água depositada em volta do releixo.

Um outro dragão resistiu na busca de um novo contra-ataque, porém apenas despertou o sorriso feroz na face de Gael.

Ele avançou mais rápido, flexionando as pernas a fim de pegar o maior impulso possível para pular.

Foi ainda mais alto que o anterior, o que o permitiu depositar toda a força recomposta no punho canhoto, afundando-o sobre o crânio da criatura.

O esmagamento intenso terminou assim que o soco empurrou a cabeça para baixo, a fazendo colidir com o plano terreno de modo agressivo.

Um tremor intenso se alastrou por todas as partes, além do estampido causado pela colisão.

Embora tivesse a espada de lua empunhada, Elaine não encontrava espaço formidável que a permitisse ingressar no conflito.

Mesmo com o impulso de ter entrado em guarda, somente foi capaz de acompanhar todos os monstros serem derrotados pela dupla de garotos.

Naquela toada, o trajeto enevoado voltou a ser “limpo”.

Estava longe de terminar; todos sabiam disso.

“Então essas são a Hidra?”, o filho de Poseidon analisou os grandes corpos que jaziam ao redor.

Sem contar as outras que espreitavam pela sequência da cidade de Argos, todas localizadas pela audição sonar.

Remeteu, portanto, à “dica” oferecida por sua mãe. Ainda não tinha sucesso em encontrar algum sentido nela.

De toda forma, o melhor a se fazer após aquela recepção calorosa era seguir em frente.

Assim o fez quando começou a correr pela rua.

Temporariamente livre da tremedeira fóbica, Gael apreciou sua decisão e acompanhou-o no encalço.

Elaine fez o mesmo, inquieta à medida varria os arredores através das vistas alarmadas; ser sobressaltada como há pouco seria ruim para o coração.

Novos ataques poderiam surgir a qualquer instante.

Todo cuidado era tomado no decorrer do avanço.

“Ela está trazendo o pântano consigo?”, Silver presenciou a nova camada de densidade adquirida pela névoa.

O aroma pantanoso ganhava mais força. Um ar úmido já se proliferava com considerável ressalto.

Não demoraria muito a encontrar a região tomada por água, mesmo estando a ínfimos quilômetros da entrada da cidade.

“Um. Dois. Três. Quatro. Cinco...”, sua habilidade natural entregava a posição de cada monstro de maneira precisa.

Encontravam-se espalhados pela cidade de maneira aleatória. Ou, ao menos, se parecia com isso.

Parou de prosseguir e virou-se pela metade, fitando a dupla acompanhante.

— Há outras cabeças espalhadas pela cidade. — Voltou a mirar as construções destruídas à frente. — Elas devem ser filhotes da verdadeira Hidra. Argos não é uma cidade tão grande quanto as outras, mas...

— Já entendi! — Gael estendeu o punho, o interrompendo. — Vamos nos separar!

Ao ter sua ideia antecipada, o prateado encarou o sorriso eufórico e desviou o olhar em seguida.

— Irei por esse lado. — Apontou à esquerda. — Vocês podem tomar conta das restantes.

Quando terminou de se corrupiar para partir...

— Ei! Esper...!!

O filho de Apolo ainda tentou, mas não foi capaz de pará-lo.

Silver saltou para o telhado de uma das residências e desapareceu pelo itinerário escolhido.

Gael semicerrou as vistas, irritado com a presunção silenciosa do garoto.

Elaine, por outro lado, respirou aliviada. Num primeiro momento imaginou que a proposta giraria em torno de dividir completamente o trio.

No fim, acabou ficando na companhia de sua dupla original.

“Ele é bem forte, né?”, indagou consigo. “Será que é mais forte que aqueles dois?...”

— Ei! Elaine!! — O dourado se aproximou da jovem.

Ela o fitou de canto e forçou um sorriso de canto.

— Não é nada... Só estava pensando...

— A gente não tem muito o que fazer, então vamos resolver de uma vez! — Esticou o indicador ao trajeto restante. — Vamos derrotar os outros e guardar energia pra acabar com a mestre!!

Mestre?...

— Sim!! — Mirou os corpos que tinha derrubado anteriormente. — Eu ouvi falar que ela é um monstro só que acabou se repartindo em outras cabeças menores! Não é esplêndido!!?

Abriu os braços, exalando arrojo.

A lunar ergueu as sobrancelhas sem nem perceber.

Tornou o semblante forçado em algo natural, conforme experimentava um calor afável dominar seu corpo.

Se perguntava o que significava aquela sensação, mas rapidamente entendeu: era coragem.

Coragem essa que podia ser transmitida por simples gestos e palavras de seu parceiro.

“Tenho certeza que... com ele também...”, voltou a observar o caminho que tinha à disposição.

Com os pensamentos no lugar, deixou-se crer que, de alguma maneira, aquela sensação também pudesse ter o alcançado...

“Todos são iguais.”

Silver divagou à medida que atravessava as ruínas de Argos, tudo produto da proliferação avantajada da Hidra de Lerna.

Sem delongas, enxergou a tríade que tinha escolhido para abater sozinho.

O coração batia mais acelerado, a ponto de os ouvidos captarem com tanta clareza quanto os ruídos exteriores.

Cerrou o punho livre com ímpeto.

Nesse ínterim, foi identificado por um dos dragões. Os outros o acompanharam, emergindo da água escura envolta de toda a região central da pólis.

“Esses idiotas que ficam me empurrando para lutar”, empenhou-se a fim de não morder o lábio inferior.

Tal como a tarefa em Methana, agora com maior intensidade, recebia impulsos dos quais desejava se livrar graças ao filho de Apolo.

Ele não queria seguir aquele caminho. Tudo que fazia não passava de obrigações emendadas por seu superior; seu pai.

Os olhos cor de mel se afiaram contra as presas, que rapidamente dispararam em sua direção.

Reuniu bastante energia, respirou fundo e “soltou” o corpo.

Cumpriria sua obrigação sem depender dos outros.

O palmo cerrado embrandeceu. A boca cessou as oscilações. Toda vontade de reclamar lamúrias desapareceu.

A alteração na feição foi percebida até pelas criaturas. A placidez característica de sua própria essência dominou o clima, como um véu cobria toda a cama quando aberto.

“Esvazie...”, a mente seguiu o princípio.

Por aquele átimo, desagarrou-se das emoções frívolas.

Pouco se importava com a ameaça dos monstros, preparados para abrir a disputa de quem iria o abocanhar primeiro.

Afinal, nenhum deles sequer chegaria perto de vencer.

Nenhum deles era uma ameaça.

Essa determinação tornou-se válida em questão de segundos, quando o primeiro aventureiro se situava no limite da proximidade com o jovem.

Ele saltou o “pedaço” de rua restante acima do pântano e, num movimento quase imperceptível, cortou a garganta do dragão ao girar o torso inversamente.

“Abrace a calma. Afunda ainda mais. Eleve o equilíbrio”, repetia as frases como se fosse um mantra.

Aos poucos, elas mesmas se perdiam em meio à mansidão que seu cérebro se tornava.

As outras duas monstruosidades hesitaram por uns segundos. Contudo, sustentaram as investidas contra o alvo: agora, foram juntas.

Silver aterrissou ao telhado de uma residência e observou-as em sua busca.

O dragão da esquerdou acresceu a celeridade quando avistou a linha de ataque.

O apóstolo saltou da casa, onde a boca afiada encontrou as telhas e boa parte da construção foi devastada pelo restante do corpo esguio.

Como resultado, ficou presa com dentes e escamas nos destroços, o que possibilitou ao jovem deus subir em seu pescoço.

Antes que a outra cabeça viesse, fincou a lâmina na mesma posição. A pequena Hidra soltou grunhidos agonizantes e se debateu como podia até arrancar a face das ruínas.

Foi quando a “irmã” chegou.

O atlanti, ciente da disposição atual, aproveitou uma das chacoalhadas da que pisava para ser lançado ao alto.

Despistou a mordida que passou pelo espaço e por pouco não atingiu a semelhante.

Tirou proveito da confusão dos monstros e inspirou bastante ar, soltando um mais gélido.

Quando a gravidade o puxou de volta, usufruiu da liberdade para mover, apenas, dois cortes velozes.

Até retornar ao solo, nada ocorreu.

Com segundos de atraso, os fios invisíveis criaram forma na garganta das duas, que se desprenderam das cabeças a tombarem sobre a água.

Levantou-se na plataforma sólida, remanescente da antiga rua que, agora, era dominada pelo pântano.

Os predadores naturais pereceram como presas.

Depois de embainhar a lâmina, Silver levou o olhar à direção de onde tinha vindo.

“Façam o que quiserem. Só não me atrapalhem”, dirigiu o foco de volta às passagens que tinha à disposição.

Seu caminho até a cabeça mestra estava aberto.

“N-não pode... ser...!”

Elaine estava pasma com o que presenciava.

Àquela altura, já tinham encontrado alguns pequenos dragões pelo itinerário que o filho de Poseidon havia deixado para eles.

Contudo, jamais tinham cogitado encontrar o que encontraram ao alcançarem o cerne do pântano.

— Aquele desgraçado!! — Gael bateu os punhos. Apesar do que aparentava, ele parecia satisfeito. — Ele foi bonzinho a ponto de nos “enganar” para que enfrentássemos mais dessas cobras!! É esplêndido até demais!!

Ao redor da dupla, ilhada em meio à água que sequer conheciam a profundidade, cerca de dez cabeças de dragão grunhiam sedentas para abocanhá-los.

A filha de Ártemis tinha a lâmina de lua apanhada, mas não conseguia encontrar qualquer coragem para atacar.

Só que...

— Vamo’ nessa, Elaine!! — O dourado abriu os braços. — A gente tem muita cobra pra aquecer antes da “mestra”!!

Seu movimento causou uma explosão de rugidos em uníssono das criaturas, capaz de estremecer o local e fazer as pontas de seus cabelos dançarem.

Desse modo, o animado apóstolo não pensou duas vezes em impulsionar-se a um pulo agressivo.

Com um soco de direita impetuoso, destruiu o crânio da inimiga mais próxima. Em proveito a isso, empurrou-se no pescoço do animal e atingiu a face da que estava ao lado.

Quando terminou de espancar a dupla, deixou que o impacto o enviasse até outro pedaço de terra elevado, atraindo as outras.

Mantendo posição, alargou os lábios sorridentes.

Assim que perceberam a ferocidade ameaçadora no olhar do jovem, as pequenas Hidras simplesmente congelaram o ímpeto.

Esses segundos de completa inércia permitiram que cortes silenciosos atingissem os pescoços em riste.

O rapaz separou os beiços por um instante, até notar que a companheira enfim tinha agido.

Depois de as cabeças cortadas se desgrudarem dos corpos e tombarem na água, ele assentiu eufórico e disparou a fim de pegar as restantes.

Sem muitas dificuldades, completou o serviço com seus socos diretos, sem permitir qualquer tipo de reação dos monstros.

Finalizadas as monstruosidades, regressou ao local de onde tinha partido. E uma das cabeças surgiu das águas, o pegando desprevenido pela esquerda.

Como um fantasma, Elaine impediu seu prosseguimento ao fincar a ponta da lâmina curvilínea no nariz do dragão.

Recomposto, o filho de Apolo aproveitou e acertou um gancho de esquerda, jogando-a de volta para o pântano.

— Não se arrisque tanto — mussitou, preocupada ao se virar para o rapaz.

— Você foi esplêndida, Elaine!! — Estendeu o polegar a ela. — Está começando a ficar animada também, não está!?

A lunar não conseguiu oferecer uma resposta verbal.

E nem foi possível, já que o dragão retornou.

— Ele não desiste!! — O filho de Apolo cerrou os punhos ao ficar à frente da parceira.

No entanto, diferente do que esperava, a criatura deu meia-volta e optou por fugir.

Tal ação os deixou incapazes de se moverem por um átimo, a ponto de também trocarem olhares dúbios.

— Não vai fugir!!

Rápida no pensamento, Gael determinou que derrotaria o monstro resistente de uma vez.

As luvas foram envolvidas numa aura flamejante, responsável por iluminar a zona escura onde se situavam.

Saltou por plataformas visíveis graças a isso, na tentativa de diminuir a distância para com a fugitiva.

Entretanto, isso não foi possível de imediato; outros dragões surgiram das profundezas pantanosas, bloqueando o restante do seguimento.

— Não... acabam...

Elaine tinha que o acompanhar, de qualquer forma. Era inevitável que fosse envolta pelo combate.

— Vamos em frente!! — bradou o animado.

Ele não se permitiria ser derrotado naquele lugar, antes de alcançar o tão almejado clímax da missão.

Poupando a utilização de energia ao máximo possível, visualizou a melhor forma de passar por todas aquelas criaturas a fim de chegar no que, de fato, interessava.

“Não vou te deixar ficar com o prêmio todo, principezinho!!”

Cada íris castanha do descendente solar parecia pegar fogo.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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