Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 4

Capítulo 66: Perturbação em Argos

A primeira impressão esperada por Gael e Elaine foi enterrada pela presença tranquilizante da dupla.

— Eles chegaram. — Ártemis abriu o braço e apontou para os chegados. — Mas estou um pouco surpresa. Você não é muito de aparecer fora de Atlântida, Anfitrite.

— Fico feliz em ter ver de novo, senhorita Ártemis!

A esposa de Poseidon devolveu aquelas palavras com um sorriso gentil.

Em sua companhia, o jovem de cabelo prateado estreitou os olhos na direção da dupla quase escondida pela divindade.

Ao prestar suas reverências, Anfitrite ajeitou algumas mechas rebeldes do cabelo azulado, que pareciam camadas aquáticas de fato.

— Os jovens crescem tão rápido, não é verdade!?

— De fato. Tendo a concordar com isto.

Os descendentes do Sol e da Lua não encontravam palavras diante da influência inédita.

Sentiam-se envoltos por um fluxo remansado, desprovido de ruído algum. Era reconfortante, de certo modo.

Tal experiência se elevava quando contatavam as esferas oceânicas da bela mulher, trajada em um vestido que ia até os joelhos e tinha alças finas sobre os ombros alvos.

“Ela não parece muito forte, mas essa sensação é incrível!!”, o solar sorriu com ânimos renovados.

Acompanhava com afinco a beleza instigante alheia àquelas “cachoeiras” quase prateadas, a caírem em frente as orelhas até os seios.

“Mas...”, Elaine, por outro lado, percebeu a ausência de algo diante de toda aquela aura pura.

Só que, antes que pudesse tentar identificar a resposta, notou a presença do acompanhante.

Ao virar-se, viu o olhar intenso de Gael se cruzar com o de Silver, que o desviou em completo desinteresse.

Acompanhando o breve momento, Ártemis se aproximou.

— Este é o terceiro integrante do grupo para a missão da cidade de Argos. Podem se apresentar, conforme o costume.

Um instante de silêncio preencheu os arredores do templo de Éfeso.

O clima peculiarmente úmido pareceu oscilar.

Acostumada com a companhia dos filhos de Hades e Zeus, Elaine enfrentava o retorno à estaca zero, onde precisava lidar com uma nova figura.

A insegurança cresceu com tudo a partir do primeiro contato visual.

Buscando maneiras de dialogar, sem a necessidade de encará-los por mais tempo, forçou uma voz bem baixa:

— M-meu... nome é Elaine...

Vendo que a timidez dela tinha retornado, o filho de Apolo a fitou de esguelha.

O rosto dela já estava direcionado aos próprios pés sobre o gramado.

Só que, diferente da ocasião de dias atrás, no Olimpo, ele sofria da mesma oscilação corpórea que ela.

Sua nictofobia atacava os nervos dos pés à cabeça. Tentava controlá-los através da pura força de vontade.

Tinha que passar o máximo de vigor possível àqueles que conhecia. Para a respectiva apresentação, no mínimo, deveria mostrar-se à altura do desafio.

— Eu sou Gael! É um esplêndido prazer!!

Foi capaz de elevar um pouco do tom, entretanto o argênteo continuou com os olhos fugitivos.

O deixou sem palavras.

No começo, desejou rebater aquela atitude desprezível com os punhos, mas a fobia conseguia travá-los antes de, ao menos, empenhar-se em prol de.

Indiferente no que tangia a reação da estranha dupla, Silver resolveu sustentar o silêncio ao invés de ser cordial.

Só conseguia pensar no quão problemático seria trabalhar em equipe com eles.

Pior do que tinha sido na Ilha Methana, onde, pelo menos, foi capaz de não ser atrapalhado e cumpriu seu papel sem problemas.

Sem que esperasse, foi envolto em um abraço apertado de sua mãe, espantando os observadores a ponto de arrancá-los do desconforto pessoal.

Um gesto que pôde modificar todo o clima pesado da reunião.

— Por favor, cuidem do meu querido filho teimoso! — Ao esfregar a bochecha contra a dele, Anfitrite seguiu: — O nome dele é Silver! Ele é um pouco isolado, nada comunicativo e bastante frio quando se trata de pessoas que acaba de conhecer! E com conhecidos também.

— Ei...

Envergonhado pela ação da mulher, embora não demonstrasse pela expressão imperturbável, tentou afastá-la com uma das mãos.

Repelida, a Rainha dos Mares retrucou:

— Então os responda direito.

Seu timbre soou soturno, como uma ameaça.

O garoto franziu a testa, também não revelando o quão acuado tinha se tornado.

Incapaz de rebater aquela ordem, voltou o foco aos jovens e percebeu que ambos estavam tão abalados quanto ele.

A primeira impressão, calma e revigorante, esvaneceu num piscar. A comoção era natural.

Ele respirou fundo ao fechar os olhos para, em seguida, abri-los outra vez.

Gael e Elaine sentiram uma influência diferenciada emanar daquelas esferas cor de mel.

Era a redefinição das posturas mediante cada aura.

Agora, Silver parecia tão imponente quanto sua genetriz. E isso tirou uma risada sincera do filho de Apolo, que mostrou os dentes sem ser perturbado por sua fobia.

— Vamos, fale com eles. — Anfitrite deu um tapa fraco nas costas do descendente.

Por mais que ela já tivesse antecipado sua apresentação, sabia que não pararia quieta até fazer por conta.

Por meio de cílios entrefechados, deu real atenção aos dois enfim.

“Posso ouvir”, a audição aguçada estava cravada neles. “Pulsações descontroladas. Tremor corporal. Produção de saliva e sudorese excessiva...”

O nervosismo daqueles dois era tão transparente quanto a água do oceano, assim fez sua colocação mental.

De fato, não deveriam ser nada demais comparado aos companheiros da tarefa de dois meses atrás.

Seu desconforto só cresceu ante aquilo. Manteve a cautela, contudo, pois poderia acabar estando errado na própria concepção.

— Me chamo Silver.

Acatou a ordem da progenitora ao encará-la de canto rapidamente.

A quietude voltou a retumbar pelo bosque.

— Muito bem! — Anfitrite bateu as palmas, contente. — Espero que se dê bem com seus novos amigos!

Ela quase saltitou de alegria, a despeito das respostas abatidas dos apóstolos ouvintes.

— Eles não são meus amigos — respondeu sem medo de ser repreendido. Então o queixo se ergueu um pouco. — Espero que não se tornem empecilhos no meu caminho.

A Rainha dos Mares pensou em repreendê-lo, porém pôde ver através daquele gesto.

Aquilo era um teste e tanto, ponderou.

Tanto que delegou a atenção aos desafiados pela impetuosa frase de seu filho. E, diferente do que esperava de início, a devolução veio com gratas surpresas.

Ártemis fez o mesmo. Só que, diferente da atlanti, já esperava que não ficaria barato.

— É mesmo!!? — Gael alargou o sorriso, vencendo o medo irracional da noite. — É o que veremos, principezinho!!

Lançou ao novo rival sua verdadeira influência, rejeitando a aura frígida de mãe e filho com a calorosa que vinha de dentro de si.

Como da água ao vinho, ele tinha mudado. Foi espantoso para o prateado, a ponto de confirmar seu erro de julgamento a princípio.

Mesmo assim, sustentou as palavras ditas há pouco.

A partir daquele ponto, sua compenetração estaria toda voltada ao que precisava ser feito.

— Agora que foram devidamente apresentados, estão permitidos a partirem. — Ártemis voltou ao centro das atenções. Olhou de lado para a oceânica. — Acredito que ele já tenha consigo os detalhes da tarefa.

— Perfeitamente! Passamos tudo ainda em nosso santuário — disse Anfitrite, que assentiu ao filho. — Boa sorte, meu filho! A todos vocês!

Ele não a respondeu, somente assentiu com a cabeça.

Por outro lado, tanto Gael quanto Elaine agradeceram.

— Digo o mesmo. — A Deusa da Lua acenou para sua filha. — Dê seu melhor, Elaine.

Também sem dizer nada em devolução, a lunar cerrou os punhos estremecidos e buscou toda a determinação enclausurada no peito.

Gael realizou um gesto parecido, enfrentando o medo interior a fim de seguir com o grupo.

Sem delongas, o trio partiu.

As divindades superiores continuaram em frente ao templo, conforme observavam a deixa dos jovens que desapareceram após alguns metros antecipados.

Depois de pegarem as Passagens Espectrais, Ártemis se virou à visitante.

— E como está meu tio?

— Ocupado, como sempre. — Anfitrite ergueu os olhos até o céu estrelado. — Sendo os mares a extensão maior de todo o terreno em que vivemos, ele sempre precisa estar na ativa. Mesmo que Tríton o ajude bastante.

— Imagino que sim...

Em companhia à Rainha dos Mares, a deusa fitou a abóbada escurecida. Constatou que a lua se aproximava de sua fase cheia.

Uma parca iluminação vinda dela derramava esplendor sobre as árvores do bosque.

Defronte a tal cena, a oceânica não deixou de pensar em sua admiração para com os Deuses Olímpicos.

Conduzida pela aura da veterana em paralelo, atraída sob o luar, imaginou o quão conectada ela estava com o astro inalcançável.

— Parece que esses tempos são finitos, não acha?

À indagação repentina da noturna, a marítima piscou algumas vezes.

— O que a senhorita quer dizer?

Ártemis ponderava sobre tudo que vinha acontecendo nos últimos dias. Assim como as conversas que tivera com a Deusa da Sabedoria.

Levou a mão destra ao cabelo na altura da nuca, o apertando com força.

Com as vistas entreabertas, soltou outro mussito:

— É apenas um palpite, talvez...

Os fios do cabelo ondulado dançaram, vide a ação do vento estival. O mesmo ocorreu com a atlanti, como se as sinuosidades das mechas cianas fossem as próprias ondas dos mares helênicos.

— Acho que entendo um pouco. — Através de um fraco sorriso, concordou.

A Deusa da Lua relaxou o braço tensionado, deixando que o restante dos fios púrpuros dançasse no espaço.

A dupla permaneceu quieta por mais um tempo, aproveitando a combinação da bela paisagem celestial com a lufada refrescante.

— Meu tempo está acabando. Preciso retornar. — Anfi lhe direcionou o mesmo sorriso de gentileza. — Foi bem reencontrar a senhorita!

— Digo o mesmo. — Assentiu com a cabeça. — Espero nos vermos mais vezes. Ah, e mande meus cumprimentos ao tio Poseidon.

— Pode deixar!

— Certamente!

Naquele instante, as duas mães se despediram.

— Acredito que eu deva ir até minha irmã...

Ambas preocupadas com o futuro que jamais poderiam prever.

Sem delongas, o trio dirigiu-se à fronteira próxima de Éfeso com Argos pelos caminhos que alternavam nas sete cores do espectro.

Na mente de cada um estava o escopo: exterminar um dos Sete Grandes Monstros, tarefa nada simples de ser feita.

A postura altiva de Silver, liderando o trajeto, mostrava-se inabalável. Nem um pingo da pressão que a tarefa naturalmente impunha parecia recair sobre seus ombros.

Trazia consigo uma boa experiência na Ilha Methana, ainda que tivesse sido há bom tempo. Servia como auxílio para que pudesse lidar com preocupações frívolas.

Por outro lado, Gael e Elaine vinham de experiências iniciais nada favoráveis, além de muito recentes.

Isso tudo alheio a seus problemas pessoais deixava o filho de Poseidon muito à frente naquele princípio.

Embora sofrendo com a volta da nictofobia, o filho de Apolo estava bem irritado com o pesado silêncio criado pelo jovem argênteo.

Ele...! — Tentou cochichar no ouvido de Elaine. — Ele é muito mais convencido que aqueles dois!

Assustada pela surpresa da proximidade com o dourado, a lunar devolveu, com a voz tão miúda quanto:

G-Gael... Não fale assim...

“Eu posso ouvir tudo, seus idiotas”, Silver fechou as vistas, na tentativa de abstrair os sussurros compartilhados acerca de si próprio.

Compenetrado a captar qualquer informação auditiva relevante durante a aproximação de Argos, aguentou os insultos cochichados pelo rapaz.

Manteve o foco adiante até, por fim, chegar no local especificado.

Os três desceram e deixaram a passagem arco-íris, recebidos de prontidão por um ar extremamente pesado.

Já pisavam na entrada da cidade e precisavam se habituar à mudança brusca de clima.

Não somente isso, como se depararam com diversos mortais que encaravam a mesma direção.

A resposta podia ser contemplada logo a seguir: uma fina camada de névoa, num tom esverdeado, tomava conta das ruas e moradias adjacentes.

Dominava quase toda a extensão do caminho.

Silver franziu o cenho.

— Você... já veio... aqui?...

De forma surpreendente, Elaine achegou-se ao lado dele e fez a pergunta.

O prateado a encarou de lado e a assustou, a fazendo recuar de novo uns dois passos.

— Vim algumas vezes com meu pai.

Voltou a avançar, em desprezo ao peso exercido pela região afetada. A garota e seu parceiro continuaram em seu encalço.

Conforme se aproximavam, os olhares sofríveis vindos dos afligidos se direcionaram ao grupo.

Embora reconhecessem a diferença de austeridade no trio, ainda acusavam o temor intenso pelas próprias vidas.

Silver passou por todos sem oferecer alguma atenção.

Podia escutar, entre os murmúrios próximos, diversos ruídos que vinham de metros à frente. Rugidos fracos, ganhando força de pouco em pouco.

“Não está longe”, ponderou, na tentativa de afastar a pequena parcela de ansiedade a surgir no peito.

Quando estava pronto para partir...

— Vocês estão bem!? — A voz de Gael irrompeu pelos mortais enervados.

O atlanti teve o avanço planejado desmantelado ao ser cercado pela atitude do filho de Apolo.

Eles só deviam seguir, mais nada. O inimigo não iria esperar nem por um minuto a mais.

Pensou no quão desnecessário era ter aquele tipo de contato com as pessoas da cidade. Eles já sabiam das condições. Prezar pelo trabalho acima de tudo deveria ser imprescindível.

Dito isso, resolveu ignorar aquela inquietação e começou a partir solitário.

— Por favor... nos ajude...! — Uma senhora falou, segurando as mãos do dourado. — Não deixe... desaparecer...!

Em prantos, fez-se ser alcançada até pela audição sonar do filho de Poseidon.

Aquilo, por algum motivo, o fez interromper as passadas apressadas antes de completar a primeira parte da entrada.

De cabeça baixa, pensou um pouco e voltou a observá-los ao virar o rosto sobre o ombro.

Encontrou o sorriso forçado de Gael, que estendeu o polegar para a incapacitada e respondeu sem temor:

— Não se preocupem! Nós estamos aqui!

O ânimo antinatural que vinha até os olhos de Silver não o permitiu compreender a ação do garoto.

Quando ele terminou, pôde virar-se em retorno ao objetivo.

Acompanhado pelos dois estranhos após se despedirem dos mortais, o herdeiro de Atlântida mirou as cercanias com os globos cor de mel.

Percebeu as diferentes expressões oriundas dos fiéis desesperados até então.

Naquele instante, pôde ver que um mínimo de confiança tinha retornado à face de cada um.

Executavam com afinco suas preces característica, direcionada agora àqueles que tinham vindo findar o sofrimento causado pelo grande monstro.

— Você — mussitou ao solar. — Por que agiu dessa forma?

— A resposta é óbvia, não!? — Gael soou convincente ao erguer os punhos. — Foi para animá-los! Assim podemos cumprir nossas tarefas felicitados por pensamentos positivos!

Silver não deixou de fitar a íris castanha do delfiano.

Assim como ele, Elaine parecia carregar as mesmas pretensões, demonstrando-as em um tênue sorriso de satisfação.

Daquela posição, foi incapaz de não evocar a conversa do filho de Zeus com o capitão que os levou até a Ilha Methana.

Era o mesmo cenário, apesar das dissemelhanças entre o teor das conexões.

Até o fim da jornada, aquele homem exalou positividade e segurança além do que estava habituado a fazer.

E essa era uma conquista que o atlanti ainda não conseguia compreender.

— Por que são todos iguais? — sussurrou para si mesmo.

Gael pensou ter escutado algo vindo de sua boca, mas nenhuma nova resposta lhe alcançou.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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