Volume 4 – Arco 3
Capítulo 61: Amanhecer dos Novos Heróis
Algum tempo se passou após o desfecho do grande conflito.
Abrigados do sol, que começaria a trazer o característico calor infernal de volta ao Deserto da Perdição, os apóstolos ganhavam seu merecido descanso.
Chloe e Julie se apoiavam nas costas uma da outra conforme meditavam.
Ao lado, Damon ainda abraçava Lilith, encostado na pedra retangular.
Continuava a olhar para Prometeu, que aos poucos tinha o corpo enterrado pela areia que regressava ao local de onde foi expulsa.
— Ei! — bradou Brandt, o único de pé no local.
Seus olhos negros encaravam as gêmeas, que foram obrigadas a se livrarem do estado pensativo.
Diante daquela encarada afiada, Chloe piscou algumas vezes e compreendeu o que o jovem robusto buscava com elas.
Exalou um fraco lamento e levou a mão à cintura, de onde retirou o artefato marrom.
— Ora, ora. De fato. Tome. — Jogou na direção dele, que pegou à frente do rosto. — Agradeço por toda a cooperação.
— Ou, o que tá fazendo? — indagou o filho de Zeus.
— Desaprecio a violação acerca de quaisquer acordos. Susterei a integridade até o fim.
À complexa explicação da garota, o rapaz piscou desentendido por três vezes.
Brandt encarou cada íris violeta dela, tão determinada em comparação à sua. Aquilo o irritava profundamente.
De quebra, aquelas palavras o fizeram remeter ao encontro com as harpias na madrugada.
A comparação entre a abordagem opositora de ambos no que tangia aquele assunto o arrancou um resmungo fraco.
Contudo, resumiu-se a guardar aqueles pensamentos. Deveria apreciar o momento em que, enfim, conquistaria a glória absoluta pela vitória na missão.
Tendo o amuleto misterioso em sua posse, ofereceu seu parecer:
— Hmpf! Não nego que queria acabar com vocês também, mas vou poupá-los dessa vez. — Deu meia volta. — Só que na próxima não terão desculpas. Vou esmagá-los como os insetos que são.
Após enunciar com veemência, encarou a dupla de prodígios escondida no canto.
“Eu senti aquelas energias estranhas mais cedo”, evocou as influências experimentadas logo após ser expulso do subterrâneo.
Em seguida, a eletrizante e a sombria, o atiçaram de diversas maneiras durante a peregrinação pelo deserto vazio.
— Vocês também...
O grunhido severo os fez engolir em seco, embora não fraquejassem através do semblante circunspecto.
Terminou de corrupiar-se, no intuito de retornar a seu local de origem antes do quarteto.
Como combinado, iria receber os méritos sozinho.
— Por que esse cara é assim? — mussitou Damon, semicerrando as vistas.
— Acredito que seja fruto de vossos genes. — Chloe voltou a fechar as vistas, serena. — O Deus da Guerra vê nossa mãe como uma adversária a ser superada. Logo, sua prole nos enxerga de maneira semelhante.
Um pouco surpreso com aquela desavença dentro do próprio panteão — e, por consequência, da corporação —, o olimpiano voltou a encarar a caminhada do moreno.
Envolto pelo sol forte, encarava o artefato adquirido. O sorriso feroz regressou em sua face, deleitoso quanto a série de vantagens adquiridas sobre aqueles que se esforçaram ao extremo.
Só que, antes de desaparecer no mar desértico, encontrou uma figura distorcida pelo calor avançar em sua direção.
Quando interrompeu o prosseguimento, as gêmeas anteciparam o ocorrido.
— Ora, ora. Ao fim, ele regressou...
O último pedaço do quebra-cabeça para aquela incumbência surgiu como um oásis.
Seu cicio levou os jovens prodígios a se atentarem à aparição repentina.
Julie manteve-se de costas, desinteressada em oferecer contato visual ao encontro indigesto.
— Ei, ei, ei — grunhiu o sorridente espartano.
Teseu andava com dificuldades, devido aos ferimentos causados pelas flechas e pela lança das atenienses. Fora o cansaço.
Transpirava copiosamente com o que sobrara da destruída cota de malha. Alguns fragmentos da armadura de bronze estilhaçada permaneciam sobre os ombros.
O mortal só parou quando ergueu o rosto e contatou a presença dos apóstolos. O semblante foi dominado por uma súbita aflição.
As pernas estremeceram em um nível que o impediu de sequer dar a volta e correr. E esse era seu desejo.
Só que, sem esperar, recebeu um murro esmagador contra o abdômen, o fazendo cuspir bastante sangue sobre a areia.
Sentiu os ossos serem fraturados junto aos órgãos esmagados. As vistas esbugalharam, à medida que perdeu todo o oxigênio nos pulmões.
Caiu de joelhos diante de Brandt, o responsável por o derrubar. Logo teve seu cabelo grisalho apanhado pelo guerreiro, que o puxou com agressividade a fim de erguê-lo à altura do rosto.
A força posta no punho criava uma ardência em seu couro cabeludo.
Agoniado e desgastado, Teseu fez a única coisa que estava a seu alcance naquele momento:
— P-por favor! N-não me... m-mate!
Implorou pela própria vida.
— Ah, não. Não, não, não! Seria chato demais, seu verme...
Sem piedade, o ruivo socou seu rosto, não o deixando escapar pelo cabelo preso.
Somente aquele golpe na maçã da face enrugada, que inchou na hora devido aos ferimentos, foi o suficiente para que o homem perdesse a consciência.
Assim, Brandt o largou até que caísse de bruços na areia. O apanhou pelo braço e, sem mais explicações, o colocou sobre o ombro.
Desprovido de qualquer esforço, retomou a caminhada sem nem olhar para trás.
Chloe ficou um pouco incomodada, pois tinha determinado que resolveria a situação do Classe Herói da maneira correta.
Aquela sequência, porém, a deixou inapta a agir.
Tal como Julie, permitiu que seguisse àquela maneira, visto que não teriam forma alguma de persuadir o filho de Ares; ao menos, não uma segunda vez.
— Ei. — Damon lançou uma encarada indisposta à lanceira; — Por que ‘cê deu o amuleto pra ele?
Ela o fitou por meio de apenas um dos globos violetas, antes de soltar uma bufada fraca.
— Pois aquele não era o amuleto.
Pego desprevenido, o apóstolo prendeu a respiração.
Desprovida de delongas, Chloe apanhou uma pedra branca, de formato encíclico, de dentro da roupa.
Mostrou-a, reluzente ao refletir a luz do Sol, para os filhos de Zeus e Hades — essa que quase estava dormindo, tamanho o cansaço acumulado.
— Ele foi o único que não obteve contato ocular com o artefato íntegro. Portanto, sequer questiona sobre ter recebido um envoltório. — Abriu um sorriso triunfante. — O crucial é esta pedra.
“Ela é mais doida que eu pensava”, o cacheado refugou a feição perplexa, juntando os lábios e arriando as sobrancelhas.
Depois do que tinham passado antes dos conflitos cruciais e pelo que o rapaz tinha demonstrado, era bem corajoso enganá-lo daquela maneira.
Parecendo não se importar com as prováveis consequências, guardou o objeto do mesmo lugar de onde tinha o apanhado.
— Preocupações são desnecessárias. Ele não perceberá tão cedo.
— Mas quando perceber...
— Então nos preocuparemos quando tal momento chegar. — Desviou o rosto. Seus fios de cabelo escuro menearam com a lufada. — Ademais, creio que não voltaremos a ser importunados por algo tão esdrúxulo.
Damon não acreditava muito naquela última linha, mas sentiu uma boa convicção vinda daquelas palavras.
Embora fosse tão obstinada, perspicaz e lógica em comparação à Deusa da Sabedoria, não deixava de ser uma jovem que também apreciava a emoção vinda de tais riscos.
Por entender esse lado dela, o olimpiano aceitou as justificativas e voltou a relaxar.
Encarou Lilith, que tinha perdido a luta para o sono. Sua respiração leve era bem quente, podia sentir.
No fim, Prometeu tinha sido derrotado. E morto.
O amuleto estranho encontrava-se na posse deles e seria levado de volta a Atena, como prometido.
Entretanto, o que mais o impressionava era o fato de, depois da derrota para Castor e Pollux há menos de dois dias, ter enfrentado um Titã.
Não somente isso, como terem o derrotado.
Mas...
“Dá pra chamar isso de vitória?”, a frustração era o sentimento que mais o abraçava.
Ele não tinha sido capaz de derrotá-lo por conta. Depois, no combate decisivo no deserto, não pôde fazer nada além de contemplar.
Quase viu a amiga ser morta. Precisou da intervenção milagrosa das gêmeas e até do primeiro algoz da tarefa, numa união forçada ao fim de tudo.
Aqueles três podiam ser considerados como os verdadeiros vitoriosos. Merecedores de todas as glórias pela conclusão da tarefa.
A realidade arrastada por sua face o fez ranger os dentes.
“Opinião”, a voz de Julie ecoou em sua mente, trazendo seus olhos noturnos ao rosto pálido. “Caso não fosse pelos seus esforços, não teríamos conseguido derrotar o Titã.”
Não sabia se era pela surpresa, mas o garoto identificou pitadas emotivas nas palavras da arqueira.
Se fosse colocar em uma imagem, era como se um sorriso inconsciente tomasse conta de seu interior.
Chloe assentiu em concordância aos dizeres da irmã.
“Ele não era um adversário qualquer. Nenhum de nós poderia vencê-lo sozinho. Portanto não se martirize por isso, Mon-Mon.”
O discurso dela soou como a melhor coisa que o apóstolo poderia escutar naquele instante.
Lhe ajudou a varrer os pensamentos negativos da cabeça carregada.
Contudo...
— Pera, como é que é? Mon-Mon? — O clima foi totalmente destruído pela pergunta.
“Resposta: Sim, Mon-Mon”, a afirmação, tanto pela Telepatia quanto pelo aceno da cabeça, fez o jovem corar de vergonha.
— Por... quê?... — Torceu uma das sobrancelhas.
— Julie detém o costume de nomear as pessoas pelas quais nutrifica alguma gentileza. Pois regozije-se por isto. Poucos são os agraciados de receber tamanha consideração de minha irmãzinha!
— Não lembro de ser chamado assim por ela desde a última vez que nos vimos... — Ainda resmungava.
— Portanto, considere isto como uma ascensão do respeito de Julie por ti.
Damon afunilou as vistas, nada convencido com aquela resposta.
— Hihi... É fofo...
Para terminar de parti-lo ao meio, a adormecida Lilith murmurou seu comentário com um sorriso infantil.
“Fofo...!?”
“Resposta: É bastante fofo, de fato, Li-Li”, acompanhou a nívea.
“Por que o dela parece mais normal que o meu!?”
Indignado por quem tivesse escolhido aquele nome para si, o garoto desviou o rosto.
O momento descontraído serviu para acalmar os ânimos.
— Invariavelmente, você necessita de atenção redobrada.
De repente, Chloe retomou um tom de seriedade ao direcionar a fala para o rapaz.
— Pude experimentar assim que o encontrei no salão. Manipulou Energia Vital além da respectiva capacidade. Vosso estoque situa-se praticamente exaurido. Graças a isto, perdeu a capacidade de movimentação.
Damon engoliu em seco, inapto a encontrar uma retruca favorável à filha de Atena.
Ela, diante de tamanha quietude, estreitou as vistas e cruzou os braços.
— Como foram os efeitos? O que experimentou neste período?
Com um olhar cabisbaixo, ele respondeu:
— Parecia que... meu corpo todo ‘tava sendo eletrocutado. — Fitou a palma destra, com algumas marcas de queimadura.
Com a palma à frente da boca, a púrpura devolveu com a voz um pouco abafada:
— Uma rejeição vital?... — Aproximou ainda mais os cílios. — Jamais constatei um efeito colateral semelhante. Todavia, creio que haja diversificações acerca de cada indivíduo.
Parou um pouco para pensar.
Nesse ínterim, Julie virou o rosto por cima do ombro, o suficiente em prol de fitar parte do semblante da irmã.
— De todo modo, aparenta ser um caso de uso exorbitante e inconsciente de energia, causado pelo calor do confronto. Contudo, esteja ciente da exímia necessidade em controlar isto. Por algo assim ter ocorrido, significa que vosso corpo ainda não dispõe da capacitação plena a fim de alvejar este limiar.
O cacheado manteve o silêncio perante a declaração.
Tais palavras foram cordiais, mas ele já sabia muito bem o claro recado que residia ali.
“Tenho que ficar mais forte”, não se deixou abater, mesmo com a realidade atual escancarada em sua face. “Tenho que superar esse limite.”
— Vamos partir então.
Passado um novo período de descanso, Chloe determinou o instante propício para que o grupo retornasse.
Depois de cobrir o corpo vulnerável de Lilith com uma das capas oferecidas pelas irmãs, Damon se levantou com ela em suas costas.
— Como ‘cê ‘tá? — Mirou-a ao virar o rosto sobre o ombro.
— Ainda dói um pouco, mas está confortável — respondeu ao abraçá-lo pelo pescoço.
— Assim que chegarmos, nossa mãe providenciará os cuidados para com vossos ferimentos.
Sem ter a mesma quantidade de machucados que os dois, a lanceira ajeitou as armas presas ao cinto.
— Sim...
“Não posso mostrar isso”, a filha de Hades escondeu o rosto no dorso do companheiro.
Sentindo a testa dela lhe tocar, Damon exalou um fraco suspiro.
Antes de seguir, encarou a região onde era para estar o corpo de Prometeu, agora totalmente coberto pelo lençol de minerais.
Um dia... vocês pagarão o preço.
Suas últimas palavras foram cravadas nas memórias do garoto. Não apenas essas, como também as vociferadas em puro ódio durante as batalhas no subterrâneo.
“Ele passou mesmo por tudo aquilo?”, refletiu com as vistas entrefechadas.
As divagações foram enterradas quando Chloe estapeou seu braço canhoto.
Graças à dor ocasionada pelo toque, arrepiou por toda a espinha.
— Cesse os devaneios sem sentido. Sigamos em frente.
— Não precisava bater...
Sua retruca não passou de um mussito amargurado que a jovem púrpura deu de ombros.
Quando as gêmeas iniciaram a caminhada paralela, atendeu a determinação e varreu os pensamentos de lado em prol de acompanhá-las.
Conferiu uma última vez o apoio da bainha na cintura. Por cima do ombro, observou a parceira descansar.
Então, partiu no encalço das atenienses pelo ensolarado Deserto da Perdição.
A elevada temperatura fazia até divindades transpirarem em profusão.
Suas sandálias pegavam fogo enquanto afundavam na areia tórrida.
Para proteger Lilith — com quase toda a roupa destruída na batalha —, Julie abriu mão de seu manto prateado e a cobriu.
— Contamos convosco, Julie — mussitou a purpúrea.
“Resposta: Como quiser, irmã”, respondeu a alva.
Com sua Telepatia, guiava o grupo pelo trajeto mais próximo à saída do local indigesto.
Andavam tanto que, mesmo de forma involuntária, eram levados a pensar em diversos contextos e situações vivenciadas naquela tarefa.
Uma dessas vez Chloe encarar o filho de Zeus, que se empenhava para continuar em frente com sua amiga na corcunda.
“Quiçá seja uma mera tese evolutiva”, divagou.
Ainda restava bastante areia a ser vencida até a fronteira da cidade mais próxima.
— Damon... — Lilith chamou, ao pé de seu ouvido.
— Fala.
— Como devem estar aqueles dois?...
Ao se referir daquela maneira, Damon logo entendeu que se tratava dos filhos de Apolo e Ártemis.
— Nem ideia. A gente nem ficou sabendo da missão deles.
— Verdade...
Pensava naquilo até o encontro com uma das harpias, antes de entrarem no subsolo e, dali, focarem completamente à tarefa da qual realizavam.
— Tá preocupada? — indagou a ela.
— Mais curiosa. — Sorriu de canto. — Eles são fortes também, não são?
— É...
Passou a ponderar com mais afinco sobre o contexto ao qual os dois tinham sido induzidos.
Não parava de considerar a possibilidade de terem recebido algo tão periculoso quanto seu caso. Ou, no mínimo, algo bem próximo daquele grau.
Contudo, novamente foi obrigado a devolver o foco à realidade quando enxergou o braço esticado de Chloe.
— Hm? — resmungou ao parar de andar, bem próximo das irmãs também inertes. — Que foi? Voc...
O apóstolo nem conseguiu completar a frase.
As vistas esgazearam assim que uma figura obscura se revelou, a alguns metros de distância.
Como se o destino agisse em prol de fazê-lo remeter a todas as experiências desagradáveis possíveis.
Reconheceu o manto negro, com o capuz que cobria o rosto do indivíduo.
Somente um sorriso feroz podia ser identificado. Era parecido com o de Brandt, mas completamente diferente.
Nem a filha de Hades conseguiu evitar de retomar as paisagens recentes na íris trêmula.
Irradiando uma influência lancinante sobre o quarteto, o inesperado encapuzado abriu os braços. Sons de metal colidindo puderam ser escutados.
Sua aparição, logo após uma árdua vitória contra um Titã, só significava uma verdade...
“É o pior cenário possível.”
A silenciosa declaração do filho de Zeus acompanhou as diversas gotas de suor a verterem pelo rosto.
— E aí!? Suas escórias!
Foi quando a voz daquela pessoa ecoou até eles...
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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