Volume 4 – Arco 3
Capítulo 59: TITÃ DA ASTÚCIA [PROMETEU]
Ao acessar a escadaria, Damon acenou para Julie, que lhe devolveu a companheira que carregava no lugar de sua irmã.
Ela a levou até suas costas, a posicionando com cuidado em prol de que ficasse deitada com a cabeça apoiada em seu ombro.
Lilith soltou um leve gemido de dor, por conta do contato das queimaduras incômodas com o dorso do rapaz.
Tamanho era seu remorso que chegou a se desculpar interiormente com a companheira.
Com ajuda ainda da arqueira, posicionou a bainha de couro na cintura. Só então levou as mãos a envolverem suas coxas, a estabilizando enquanto deitada atrás de si.
Encarou o caminho adiante, conforme ainda se arrastava um pouco para ultrapassar os primeiros degraus.
— Vai ser só até lá em cima... — murmurou para si mesmo.
Bastante empenhado, executou os primeiros passos à medida que ia se reabituando aos movimentos das pernas.
Pouco a pouco, perdia a sensação de eletricidade que o percorria por dentro.
Depois da jovem desbotada, Chloe terminou de encarar o recinto pelo qual tinha acabado de passar e avançou por último.
Ao passo que terremotos se elevavam em intensidade, poderosas Energias Vitais em rota de colisão atiçavam o alerta dos três.
Sem tantas delongas, uma ínfima claridade se revelou acima e logo os abraçou.
A luz da lua os recebeu, junto à extensão desértica, por onde um vento ameno se espalhava.
Enfim estavam de volta à superfície.
Notaram a chegada do amanhecer, com a queda das estrelas juntas da lua no horizonte.
Um mosaico de tonalidade amarelada se esgueirava na outra direção, gradativamente reclamando sua dominância ante o azul-escuro da madrugada.
Essa observação foi bem rápida, visto que os impactos violentos se tornaram ainda mais sentidos pelo grupo.
As gêmeas deram a volta, sortudas pela presença de algumas pedras interligadas à saída, capazes de criarem barreiras a fim de mantê-los escondidos.
Não foi tão difícil de identificar o titã a alguns metros de distância dali.
Como esperado, esse encontrava-se em batalha contra o filho do Deus da Guerra, que buscava a ofensiva sem pudor algum.
Por meio da brutalidade aliada à alta velocidade, parecia lutar de igual para igual com o gigantesco inimigo.
Na vida de Prometeu, a palavra “facilidade” inexistia.
“Será custoso... adentrarmos em tamanha contenda”, a lanceira encarou o objeto místico em mãos.
Sua atenção, entretanto, rapidamente foi devolvida ao combate à frente.
Brandt se desdobrava com ataques violentos contra as pernas, braços e torso do titã que, desprovido de algum equipamento, tentava apanhá-lo com suas mãos ou esmagá-lo com seus pés.
Sorridente e sanguinário, o filho de Ares criava cortes que não faziam muito efeito, visto a couraça que a pele do inimigo tinha se tornado.
Ainda assim, o desequilibrava de diversas formas ao colidir a chapa metálica tórrida contra seu corpo.
Os golpes poderosos até demais criavam impactos de choque devastadores pelos arredores, mudando a altura do mar de areia nas proximidades.
Só que, apesar dos percalços, Prometeu conseguia contra golpear após um tempo e retirava toda a sequência conquistada pelo rapaz.
Um soco agressivo o atingiu de frente, o obrigando a se defender não só com o machado, mas também com os antebraços.
Experimentou toda a pressão dolorosa contra os ossos, que o fez ser lançado contra o solo e capotar diversas vezes.
Voltou a se erguer num salto ágil, sem se importar com o fato de quase ter os braços partidos.
A cada nível de dificuldade acrescido, seus olhos negros tornavam-se tão afiados quanto o riso animalesco.
— Isto está ficando cada vez mais intenso — completou Chloe, impressionada com a contenda entre os dois ferozes.
“Lembrete: E ainda falta o Apóstolo”, o chamado de Julie sobre o herói traidor lhe arrancou um gesto positivo com a cabeça.
Mesmo com tantos eventos alheios, elas não esqueceriam.
Não importava como aquilo terminasse, aquele homem não sairia impune de todas as traições orquestradas contra o panteão.
Outro rebuliço chamou a atenção das duas, inclusive de Damon, quando o titã caiu com um dos joelhos no solo.
O choque entre o membro e o aglomerado de grãos minerais criou uma pequena onda por um diminuto raio.
Por pouco não atingiu os quatro escondidos, que foram parcialmente protegidos pelas elevações rochosas.
Brandt surgiu da cortina mediana e, rasante, acertou uma machadada na fuça do condenado.
Dessa vez, além de o empurrar para trás com ímpeto, criou o primeiro rasgo em sua pele, um pouco acima do nariz.
Chloe retomou a observação no momento exato do golpe, percebendo o fluxo vital emanar com maior concentração da chapa metálica.
Estava imbuída com um pouco de Autoridade Elementar do Fogo.
A cólera das quatro energias da natureza.
— Pirralho maldito!!! Saia do meu caminho!!! — rugiu Prometeu, tentando atingi-lo de volta com o braço.
Conseguiu, pois o robusto encontrava-se em queda e precisou se proteger de novo, no flanco esquerdo.
Foi jogado com agressividade pelas areias, mas lá estava se levantando outra vez.
— Me mostre o que você tem, titã!!! — vociferou de volta, as pupilas afuniladas junto de cada íris.
Irritadiço pelo primeiro ferimento recebido na forma titânica, reergueu-se em tempo recorde, causando outro tremor pelo deserto.
Os dois, agora, se encaravam, frente a frente.
Poucos metros os separavam. E Brandt tampouco temia a influência em ebulição do adversário.
Só ficava cada vez mais animado para abatê-lo.
As gêmeas tinham ciência de que interromper aquele ápice seria arriscado.
Contudo, também podiam ver que, apesar das dificuldades impostas até então, o jovem apóstolo não deveria ser capaz de derrotá-lo sozinho.
Por meio de uma rápida troca de olhares, definiram com celeridade o caminho mais próximo da vitória.
— Permaneça aqui. — A purpúrea aproveitou o colar partido para amarrar o amuleto à cintura. — Tão logo traremos um ponto final a isto.
Damon não encontrou maneiras de recusar, visto que permanecia incapaz de fazer qualquer coisa produtiva.
Com cuidado, tirou a filha de Hades das costas e a deitou em seu colo ao sentar-se numa das pedras menores.
Dali, podia enxergar, com o rosto virado, o que aconteceria após as filhas de Atena terem disparado à vertente do combate.
Ambas sentiam na pele a influência irradiada pela troca de golpes devastadora entre os homens, os dois dominantes do elemento de fogo.
Ainda assim, estava longe de ser o bastante em prol de as impedir.
Quando percebeu a chegada dos algozes de soslaio, Brandt contorceu o sorriso feroz. Os caninos salientes se revelaram prazerosos.
Prometeu alterou a linha de visão ao identificar o mesmo. Enxergou as jovens idênticas que quase o subjugaram há pouco no subsolo.
E a de cabelo roxo levantou o braço esquerdo, mostrando o objeto encíclico pendurado pelo colar.
— Observe atentamente, Titã Condenado! — gritou contra o gigantesco. — Caso deseje retomar a posse deste amuleto, pegue-o de mim!!
“Ela ficou doida?”, o filho de Zeus separou os lábios ao ver a ideia brilhante da apóstola.
Por outro lado, o ser titânico deixou sua cólera crescer.
Mesmo que não precisasse mais daquilo, ter uma oportunidade tão escancarada ao alcance não o permitiria ignorar.
Dito isso, deu um passo retumbante na direção contrária ao que elas corriam. Isso por si só levantou novas ondas, essas ainda maiores que a anterior.
E não somente naquele ponto.
O sucesso na provocação dela abriu espaço para que Brandt também voltasse a investir contra ele.
Saltou com força, passando por cima da primeira onda, e o atacou com machado de frente.
Dessa vez, o alvo era a garganta dele.
Contudo, o condenado moveu o braço de punho fechado, no intuito de atingi-lo com o dorso da mão.
A lâmina entrou em contato com o membro em questão, incapaz de causar um arranhão sequer na pele de aço.
Então, foi rápido o bastante para segurá-lo por ali, num giro crucial do corpo pesado. Usou os pés e pegou impulso no grandioso polegar, indo para sua face.
O movimento sagaz do garoto fez Prometeu levantar as sobrancelhas. Mas isso não mudava nada.
De repente, o outro punho veio com força total, atingindo o apóstolo antes que chegasse até seu rosto.
Logo abaixo, Chloe foi quem esgazeou as vistas ao contemplar o adversário de mais cedo ser lançado como um míssil pelo ar.
Por consequência, o titã ganhou liberdade para mirá-las.
“Será inviável encará-lo sem usufruir de nossas Energias Vitais”, a lanceira devolveu o amuleto à seu cinto. “Devemos prosseguir intensamente!”
Julie compreendeu ao escutar a voz de sua mente, preparando a massiva energia de luz por toda a flecha preparada na corda do arco.
A retesou até o ombro, mirou a face do titã...
“Arte da Sabedoria. Matriz Base: Luz da Morte”, e atirou com força total.
A explosão de choque no espaço impulsionou a seta, que viajou como um laser contra o homem.
Ele resguardou-se ao posicionar os antebraços à frente das vistas, recebendo o rastro luminoso de frente.
Embora tivesse evitado parte do dano da flecha, a visão acabou ofuscada pela explosão eletromagnética.
Nesse átimo, a lanceira aproveitou para deslizar pela areia.
“Arte da Sabedoria. Matriz Divisória: Lâminas de Luz!”
Os dois gumes adquiriram uma porção de Autoridade Elementar da Luz.
Foram movidas por cada mão, pois separadas, e desferidas as incisões simultâneas contra os calcanhares do titã.
“Apesar da blindagem, sempre há regiões menos resistentes”, a jovem buscava exatamente isso ao atacar.
Entretanto, nada mais que um corte superficial se formou nas regiões atingidas. Foi insuficiente em transmitir qualquer tipo de baque ao titã.
Ele fitou a apóstola sobre o ombro, então percebeu o cerco criado pela outra.
Para piorar a situação, Brandt se desenterrou da duna, ocasionando uma forte explosão de calor.
Parecia estar pegando fogo da cabeça aos pés, vista a aura escarlate que o envolvia.
Não satisfeito, Prometeu agora precisava dividir as atenções entre os três problemáticos.
Continuava a sofrer pelo desgaste adquirido nas batalhas do subsolo. De certo, não conseguiria cumprir seu desejo daquela maneira.
“Preciso acabar com eles aqui”, rangeu os dentes com vigor. “Não serei derrotado por esses pirralhos!!”
Focou os olhos flamejantes, cogitando a falha que seria não ser capaz de dar conta de meros adolescentes.
O amanhecer não parava de se aproximar...
— Não se intrometam, insetos!! — gritou o filho de Ares. — Ele é minha presa!!
— Reclamo que postergue nossas desavenças ou vossos desejos durante um tempo — interrompeu o deslocamento ao completar o cerco sobre o titã. — Caso batalhemos separadamente, a probabilidade de sermos derrotados será gritante.
— Pare de falar merda, inseto!! Eu não preciso de sua ajuda, posso muito bem derrotá-lo sozinho!!
“Questiono o motivo de ser tão complicado lidar com espartanos”, rebateu em silêncio, tentando não desprender o foco do objetivo.
Quando se deu conta, o enorme punho titânico afundou na areia.
O mais intenso tremor, até então, foi despertado. Por consequência, toda a areia acumulada daquela área foi expulsa para os lados, repetindo a onda gigante de há pouco.
Essa, no entanto, foi ainda maior.
Inapto a fugir, Damon abraçou Lilith contra seu torso e tentou protegê-la por trás da coluna de pedra.
Mesmo desacordada, a garota grunhiu em agonia.
Ele procurou evitar ao máximo que a grande massa de minerais tocasse o corpo ferido dela, mas impedir todos era quase imprescindível.
Ao mesmo tempo, as gêmeas resistiram contra a força do “maremoto” de areia.
Passou-se quase um minuto desde o golpe no ponto do solo, que acabou por varrer toda a grande massa mineral a um raio considerável.
Brandt foi o primeiro a romper aquela barreira com outro pulo. Reuniu energia por todo o releixo do machado, até que a camada de fogo rubro tomasse forma.
Prometeu resmungou por não ter sido bem-sucedido em pará-lo nem com aquilo.
Mas, antes que pudesse fazer algo...
— Arte da Guerra!! Primeira Agressão!! — O robusto moveu a arma na velocidade do pensamento... — Laceração de Fogo!!
O corte se aprofundou no antebraço esquerdo, despertando uma dor agressiva no condenado.
Era seu primeiro grande ferimento naquela forma.
Ver o membro ser cortado a ponto de jorrar sangue até a cauterização criar efeito lhe arrancou um rugido gutural.
O espartano não parou por ali e desferiu dois novos ataques contra suas costas, antes de pousar no solo.
Irritado por ter sido tão descuidado, Prometeu corrupiou na tentativa de acertá-lo um soco direto.
Brandt sorriu, esperando por isso. Ele devolveu com a terceira incisão, atingindo o dorso do punho cerrado e causando uma rebatida para os dois lados.
Quando a guarda do gigante se perdeu, o rapaz retornou ao plano e disparou para atingir a panturrilha esquerda dele.
“Isso não é pensado!!”, não se deixou derrubar pela ferida. “É puro instinto!!”, girou outra vez, tanto para manter o equilíbrio quanto perseguir o espartano.
— Você não é muito de lutar, né, gigantão!!? — vociferou o sorridente, ficando de cara para o titã.
Ele estalou a língua, sendo cada vez mais consumido pela cólera de ser sobrepujado em diversos aspectos a cada confronto.
Seu limite chegou e, num ato de desespero, o Titã Condenado preencheu os próprios punhos com chamas alaranjadas.
Foi a primeira vez que o filho de Ares reagiu surpreso, ainda que sustentando o sorriso grosseiro.
Aceitou o desafio e incidiu de novo com o machado. Punho e lâmina entraram em contato, provocando uma devastadora explosão vital pelas cercanias.
A onda de calor percorreu boa parte da extensão desértica, coincidindo com o retorno das gêmeas debaixo da areia.
Passada a proliferação destrutiva, elas avançaram com os respectivos equipamentos envoltos por fulgor.
Só que, outra vez, foram surpreendidas ao acompanharem o corpo de Brandt voar sobre suas cabeças.
Num rápido relance, constataram diversos ferimentos pelos braços desprotegidos durante a nova viagem à duna mais próxima.
Prometeu avançou um passo.
A oscilação foi potente o bastante a fim de fazer as gêmeas desconectarem os pés do chão por singelos segundos.
Sua atenção regressou ao imponente no reflexo; os punhos flamejantes foram contemplados.
— Vou trucidá-los! — Sua íris exalava ódio em estado puro.
As irmãs mantiveram a integridade por meio de respirações comedidas. Não temia nem um pouco a superioridade — física e vital — do adversário.
E era isso, descobriu, que o deixava mais possesso.
— A habilidade ditará os rumos deste enfrentamento...
Chloe franziu o cenho, pronta para a dança final.
Alguns metros na retaguarda, o filho de Ares voltou a se levantar.
Metade do traje de linho escuro foi rasgado pelos golpes sofridos. Pouco se importava.
Sem tempo para descansos, resumiu-se a correr de volta ao coração da batalha, ainda que os ferimentos superficiais soltassem filetes de sangue do corpo.
“Por que ainda insistem!!?”, o titã dobrou a quantia de energia sobre os punhos em chamas.
Brandt não hesitou em prosseguir com o machado, ultrapassando as filhas de Atena e indo com tudo de peito aberto.
Recebeu outro soco direto que colidiu com sua lâmina.
Dessa vez, o ser titânico foi pego de súbito pela cautela do rival em anular uma nova detonação.
Tal atitude o empurrou a arrastar os enormes pés no chão rochoso.
“Ele mudou a postura agora!!?”, Prometeu deliberou nova quantia de energia, nada certo sobre como lidar com aquele garoto.
De puramente instintivo, tornou-se apto a percorrer uma maneira de impedi-lo no método.
Forçado ao arraste sendo daquele tamanho, insistiu ao trazer o palmo canhoto para o novo golpe.
O obrigou a desistir da ofensiva e se desvencilhar como pôde ao rodopiar o torso.
Assistindo de baixo, Chloe começava a ser tomada por indignação. Estava claro que ele jamais poderia superar o titã, não importava quantas dificuldades criasse na base da insistência.
Precisava tomar alguma atitude de forma urgente.
“Pedido: Minha irmã...”
Além de usar a Telepatia, Julie tocou no ombro da companheira com certa hesitação.
Um raro momento em que demonstrava resguardo.
A jovem púrpura cessou o avanço e, boquiaberta, encarou a gêmea.
Os fios do cabelo branco escondiam os olhos inanimados.
Os lábios rosados contraíam-se com leveza.
Antecipando qualquer ação da irmã, prosseguiu...
“Vamos fazer aquilo.”
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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