Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 4 – Arco 3

Capítulo 58: Batalha Crítica no Deserto 6 - Duas Superfícies

Chloe sabia que, muitas vezes, se excedia nas falas — fossem interrogativas ou em tom de ameaça — e isso tornava a mudar o fator das equações.

Dessa vez, não foi diferente.

Pelo desejo de interrogar o inimigo, o entregou a capacidade de puxar forças do puro ódio a fim de ter sucesso em superar sua força oposta.

Incapaz de ser subjugado, empurrou a lâmina que arrancou de seu peito e, no processo, jogou o equilíbrio da ateniense para trás.

Quando seus pés descalços voltaram a tocar o solo, levou o antebraço sobre o rosto para defender novas flechas disparadas por Julie.

Moveu a mão canhota, vendo que não possuía mais a posse do artefato místico.

De soslaio, mirou-o em posse da jovem lanceira, determinado a avançar a fim de recuperá-lo imediatamente.

Só que ela aproveitou a divergência e saltou para trás, percebendo o intuito claro nos globos flamejantes.

Sem desistir, Prometeu andou um passo poderoso, capaz de levantar uma camada de solo e criar outra plataforma diagonal.

A filha de Atena acabou sendo surpreendida, lançada ao ar.

Julie, contudo, antecipou-se à reviravolta e disparou outras duas flechas em simultâneo.

Ele usou o mesmo braço em defensiva. Só que, dessa vez, as setas não penetraram a carne; foram partidas pela metade ao tocarem sua pele.

Chloe se deixou levar pelo espanto, ao passo que o titã subia o aclive em sua vertente.

Desprovida de qualquer apoio naquele singelo intervalo de segundos, acompanhou-o saltar até si.

Ele acerou um soco violento contra ela, que a impeliu a metros de distância contra o solo.

Por ter se defendido com a lança, evitou o pior. Ainda assim, o cabo foi partido no ponto conector, separando as partes.

Quando retornou ao solo, o condenado causou mais devastação.

O corpo esguio era dominado por uma tonalidade avermelhada. Os olhos flamejantes se esgazearam.

Feridas não sangravam. Suor não vertia mais, pois se tornava vapor logo após surgirem.

Blindagem. — A purpúrea se levantou dos destroços, a voz embargada pelas dores. — Já que chegou a este ponto...

Conhecedora da específica caraterística do adversário, concebeu o pior cenário possível em rota de formação.

Não somente isso, como o fato de ele ter derrotado ambos os filhos de Zeus e Hades sem sequer ter usufruído daquela habilidade chegava a ser inquietante.

— Vocês conseguiram me forçar a usar isto... Pirralhos!! — rugia de forma gutural. Os punhos cerrados quase quebravam. — Pois se alegrem!!! Vou fazer vocês pagarem da pior forma possível, divindades da Era Prateada!!!

A estrondosa energia deliberada pelo titã tomou conta do salão num piscar.

Seus músculos saltitaram de modo grotesco, à medida que a estrutura corporal inteira passou a crescer em proporções assustadoras.

O pesado — e tórrido — desconforto recaiu sobre os jovens.

Com leves arranhões, Chloe saiu da região dos escombros e observou o desenvolvimento do inimigo.

Sua altura foi ganhando metros, até que a cabeça chegou na área aberta do teto.

Estalou a língua, algo que não era seu feitio. Só evidenciava a delicadeza do momento.

— Precisamos sair! — exclamou sem pensar duas vezes.

Também espectador daquele crescimento bizarro, Damon a ouviu e checou as próprias condições.

Ainda tinha dificuldades para se mover. De todo modo, depositou empenhou extra sobre as pernas, a fim de levantar-se e carregar Lilith consigo.

O cenário era claro: caso permanecessem, seriam esmagados pelo salão que viria abaixo.

As irmãs se uniram e deixaram de lado o titã, que já usava as mãos enormes para escalar a passagem que deixava o luar tocar o subsolo.

“Pergunta: Consegue segurar sua espada?”, Julie se agachou no intuito de auxiliar o cacheado.

Ele fechou a mão sobre a empunhadura com sucesso e acenou que sim.

Chloe prontificou-se à filha de Hades, visto que o garoto não aparentava ter forças para aguentar.

Rapidamente pegou sua foice e apertou o botão no centro, a transformando em punhal novamente.

Delegou a Julie o trabalho de ajudá-lo a seguir.

Ambas trocaram olhares céleres e iniciaram, sem mais delongas, a corrida de volta ao corredor principal.

— Ele vai fugir — grunhiu Damon, amparado pela alva.

— Não teria tanta certeza — devolveu a púrpura, sem nem o fitar. — De todo modo, devemos apostar nisto, por ora.

Carregando Lilith em suas costas, liderou o trajeto pela passagem estreita do subterrâneo.

Quando os impactos da queda do piso anterior se tornaram mais avassaladores, o quarteto teve sucesso em se distanciar.

Os tremores continuaram, agora em menor intensidade por aquela região.

— Isto é excêntrico — continuou, num mussito. — Ele desistiu, de súbito, de recuperar o amuleto.

Damon, cabisbaixo, levou os olhos ao artefato.

Por alguma razão, o poder estranho de cura não se materializava. Mas ele nem tinha cabeça para pensar nisso.

Levou a atenção então a sua amiga e parceira de Classe Prodígio. Foi quando, atento a seus fios vermelhos desgrenhados, remeteu a um fator crucial naquela bagunça toda.

Entendendo a “aposta” feita pela filha de Atena, não conseguiu ficar tão aliviado quanto deveria.

Percebendo a percepção dele, Chloe e Julie se empenharam em encontrar qualquer saída nas proximidades.

Àquela distância percorrida, as consequências da queda do salão de batalha não mais os alcançariam.

Cada dupla possuía conhecimento acerca de uma entrada diferente. Só que levaria muito tempo até que pudessem chegar até elas.

“Aviso: Minha irmã, veja”, o chamado mental da arqueira ecoou de igual modo na mente do rapaz, apoiado por seu ombro e cintura.

Ambos encararam uma nova passagem iluminada, aparentemente “derrubada” pelos consecutivos tremores dos confrontos contra o titã.

Havia uma sala. Não parecia ser tão extensa quanto as que tinham encontrado pelos trajetos mais óbvios.

Talvez fosse sorte, pensou a lanceira.

Sem pestanejar, decidiram conferir a entrada inédita.

Passados alguns metros, encontraram uma enorme estátua.

Sua forma remetia a um homem, enorme. Segurava algo parecido com uma aljava na mão destra, enquanto a canhota portava um arco avantajado.

Julie fixou a atenção nesses detalhes específicos, notando que toda a estrutura das armas e do próprio homem eram feitas em pedra.

Pedras idênticas às encontradas nas ruínas de mais cedo...

Chloe, por outro lado, atentou-se a um segundo trono posto à frente da escultura.

Curiosa, avançou passos curtos e levou o indicador erguido sobre os lábios. Um pedido singelo de silêncio a todos os acompanhantes.

Em seguida, entregou Lilith a sua irmã.

Damon se juntou a Julie nos cuidados com a jovem ctónica, ao que a filha de Atena continuou a se achegar do assento.

Concentrou Energia Vital rapidamente e descansou a palma esquerda numa das pernas da estátua.

Todos identificaram o límpido fluxo vital emanar da garota. Inclusive a desacordada, que moveu as vistas fechadas com leveza.

A essência aprazível foi aproveitada pela arqueira em silêncio. Seus olhos, embora inexpressivos, pareciam cintilar em admiração.

Enquanto isso, a íris violeta da gêmea irradiou um fulgor intenso. Pôde superar a iluminação das tochas brancas presas às paredes.

Compenetrada no limite, mussitou:

Rastrear...

No exato átimo da declamação, imagens invadiram as vistas e alteraram sua concepção de realidade.

Como se viajasse no tempo, retrocedeu dias, meses e anos num piscar.

Informações irrelevantes eram desprezadas com presteza, evitando possíveis atrasos ou incongruências.

A manifestação percorreu até cenas de um período diferenciado.

A jovem deusa teve certeza de arregalar os olhos com espanto, descobrindo que o subterrâneo, na realidade, era um grande templo soterrado pelas areias do deserto.

Isso conduziu-a à resposta que procurava desde o princípio. A construção fazia parte da extensa região superior, que outrora se tratou de uma grande pólis.

Não era capaz de definir com precisão a época e tampouco desvendou algo a mais além daquilo.

O peso do esforço excessivo em utilizar a Psicometria pela terceira vez na madrugada lhe trouxe uma incômoda enxaqueca.

Através do efeito colateral, desconectou-se daquele instante, capaz de prender os detalhes visualizados nas memórias.

Retraiu a palma, a respiração arfante acompanhou o desativa da Bênção.

“Ainda é deveras superficial”, queixou-se em silêncio.

Ainda que pudesse forçar mais um pouco, levou em conta a necessidade de resguardar energias em vista ao combate final contra o titã.

— Você tá bem? — Damon se aproximou, mancando. — Isso que usou foi sua Bênção, né?

“Resposta: Precisamente”, Julie tratou de responder por ela, visto seu cansaço temporário. “Explicação: Minha irmã e eu herdamos Bênçãos extrassensoriais. Isto nos permite usufruir de capacidades que ultrapassam os sentidos conhecidos. Meu domínio, por exemplo, se pauta na Telepatia.”

— É, acho que isso eu já entendi...

Ele inclinou a cabeça, podendo enxergar um ínfimo brilho em volta das pupilas da garota.

Para ele, o mais impressionante vinha do som proliferado dentro de sua cabeça. Parecia muito que ela falava normalmente.

“O de minha irmã é a Psicometria”, encarou a purpúrea, que já tinha retomado o controle da respiração.

— Uma habilidade que permita a coleta de informações por meio de recordações ao toque. Funciona tanto sobre um tipo de matéria inanimada... — De repente, tateou o peito do rapaz. — Como sobre um indivíduo.

Damon quase recuou ao toque da lanceira, tanto pelas dores acumulados quanto pela sensação estranha que experimentou ao ter aquilo comunicado.

Ela, para quebrar isso, continuou:

— Este subterrâneo, outrora, foi um santuário. E, como presumia, pertenceu a uma pólis engolida pelo deserto — explicou aos demais, encarando a estátua arqueira.

Depois, encarou a gêmea desbotada, forçando um sorriso de canto triunfante. Prova de que esteve correta desde o início.

— De certo, um período remoto...

— Então...?

— Esta estátua é a representação de um Titã. — Antecipou o companheiro dúbio. — Fui incapaz de atravessar além, em prol de desvendar a identidade desta figura. Porém, no mínimo, podemos assimilar o pretexto tomado por Prometeu para eleger este exato lugar como refúgio. Quiçá haja algum parentesco entre ambos...

“E, igualmente, responde a razão para nossa mãe ter prognosticado precisamente esta localidade”, completou consigo, ao que somente Julie pôde ouvir.

Por terem algum conhecimento acerca da Era dos Titãs, graças aos incontáveis livros e anotações históricas obtidos pela Deusa da Sabedoria, encaixar as peças lhes despertava um alívio único.

Obviamente novas dúvidas surgiam, como sobre os eventos que fizeram aquela cidade e templo específicos serem tomados por areia e mais areia.

Só que não havia muito tempo para perder com isso.

Recobrou o real objetivo, quando um novo tremor as alcançou naquela área.

— Invariavelmente, necessitamos prosseguir. — Direcionou-se alguns passos a um dos flancos da estátua. — Graças à Psicometria fui capaz de desvendar um... atalho.

Puxou a pequena alavanca, acionando o mecanismo responsável por trazer a escultura para o interior do solo.

Uma porta de pedra se abriu no processo, revelando outra escadaria. Ela levava a um salão adiante de um novo corredor, sem deixar outras opções aos jovens apóstolos.

A purpúrea tomou a dianteira no trajeto, até chegar no dito local. Era semelhante à câmara onde a batalha inicial contra o Titã Condenado tomara forma.

As diferenças estavam nas enormes escrituras e desenhos a comporem todas as paredes.

Quando se encontraram com tamanha exuberância, os enviados divinos expressaram suas respectivas reações.

— Mas que merda...? — Damon franziu o cenho.

Chloe manteve o silêncio durante um breve período, boquiaberta ao contrário de Julie, sempre inexpressiva.

“Isto não constava nas memórias”, pensou.

Havia várias formas desenhadas nas cercanias, o que as irmãs rapidamente determinaram como sendo a representação de seres vivos.

Esses, todavia, não se pareciam com deuses ou titãs...

Alguns tinham tonalidades avermelhadas, como se fossem fogo em si. Outros, eram cercados por cores azuladas.

Diversas nuances criavam concepções além do conhecimento das filhas da sabedoria, naquele momento.

— Inconcebível... Fabuloso...

Entre murmúrios, a lanceira se aproximou de uma das escrituras e levou a mão até a parede.

Suas constatações iniciais foram confirmadas; também se tratava de algo muito vetusto.

Talvez, até mais do que a estátua titânica encontrada anteriormente.

Poderia haver novas resposta ali. Quiçá, detalhes mais aprofundados de um passado inalcançável.

Fechou os olhos com delicadeza, concentrando Energia Vital no intuito de forçar a utilização de sua Bênção.

Entretanto, nada além de “estática” foi captado em sua cabeça, a fazendo retornar do estado inerte em menos de dez segundos num sobressalto.

— Não sou capaz de captar as recordações...

— O quê? — O cacheado se aproximou.

— Minha Psicometria não funciona aqui. — Passou a palma com suavidade pela superfície granulada. — Igualmente, tampouco reconheço esta língua aqui redigida. Deveras instigante...

— Deixa isso pra lá. E o atalho que ‘cê falou?

Devido à insistência apressada do jovem, alheia aos consecutivos tremores que vinham da superfície, Chloe concordou.

Continuava encantada com as inéditas descobertas, porém precisava se focar em prosseguir ao rumo definitivo.

Ela apontou à esquerda, por onde havia uma estreita passagem de continuação.

Os três caminharam até ela, mas antes de saírem, a ateniense ofereceu uma última olhadela para as marcas gravadas naquela sala.

“Certamente me lembrarei disto”, o aspecto do local extravagante, agora, também estava gravado em sua mente.

O grupo enfrentou os novos terremotos por mais alguns minutos, contornando diversas passagens de labirinto até acharem, por fim, uma subida irregular.

Escadarias bem destruídas eram, possivelmente, a verdadeira passagem que os levaria ao desfecho da missão.

Para o bem ou para o mal.

— Basta que sigamos adiante... — Mirou com a lança quebrada, deixando que sua irmã fosse na frente.

Ainda tentou juntar os cabos do equipamento, mas as bases tinham sido destruídas após o ataque violento do Titã Condenado.

“Oh... não existe mais venustidade aqui”, franziu o cenho, lamentosa pelo imbróglio particularmente desconfortável.

Por mais que não se encontrasse da forma desejada, a arma destruída ainda lhe seria útil.

Com isto em mente, seguiu pela ascendência final.

Estava na hora de levar a glória ao Olimpo de uma vez por todas.

Em sua forma titânica, Prometeu tinha subido de volta ao Deserto da Perdição.

A primeira paisagem que encontrou foi a do céu estrelado, esse que começava a ser dominada por uma tonalidade clareada. O anúncio do amanhecer a caminho.

Ele não sentia mais necessidade de portar o amuleto estranho. Naquela forma, decidiu manter o foco na antecipação dos planos que envolviam seguir ao Monte Olimpo.

Embora numa situação pouco agradável. Ainda soltava resmungos por ter sido obrigado a alterar a sequência determinada de modo tão drástico.

— Quanto tempo não fico desse jeito... — Olhou para as próprias mãos. — Queria guardar esta forma para o Rei dos Deuses. E pensar que meros pirralhos me forçariam a ficar assim...!!

Varreu os arredores através dos globos flamejantes.

As mudanças geográficas por todo o deserto não paravam.

Dunas continuavam a serem desfeitas, enquanto novas se formavam, resultado dos constantes tremores causados por si próprio.

A sensação de liberdade o atingiu como jamais havia experimentado em toda sua vida. Nem o dia que foi solto do Monte Cáucaso podia ser comparado.

Banhado pelo luar que dava adeus ao céu, envolto por uma gigantesca extensão sem fim...

“Está na hora”, apertou os dentes em um sorriso selvagem.

Deveria seguir em frente. Sem medo ou arrependimentos.

Entretanto, seu deleite foi interrompido quando uma influência feroz surgiu da retaguarda.

Percebeu com rapidez que não se tratava de nenhuma das quatro crianças confrontadas no subsolo.

Ao se virar, apressado, causou novos terremotos pela área.

Os olhos se arregalaram ao encontrarem o responsável por irradiar tamanha pressão.

Tornava o clima escaldante, mesmo que a manhã ainda estivesse por vir.

— Até que enfim um peixe grande!

O rapaz moreno e robusto mussitou entre os dentes, unidos num enorme sorriso.

O machado vinha arrastado pelos grãos acumulados abaixo.

Aquele que foi expulso pelo Herói do Minotauro e que, até então, procurava uma nova entrada, tirava a sorte grande.

Embora estivesse em sua forma titânica, Prometeu identificou um nível de ameaça ainda maior.

As vistas negras desprovidas de humanidade o esmagavam com sua opressão.

Logo ao dar de cara com o último desafio daquele lugar, o filho do Deus da Guerra prontificou-se a materializar toda aquela energia sobre o releixo do machado.

— Você será minha presa!!

Com seu grito gutural de guerra, Brandt partiu sem pudor para o ataque.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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