Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 55: Batalha Crítica no Deserto 3 - aqueles que protegem

Lilith parecia outra pessoa comparada à que tinha chegado no local.

Damon entregou a responsabilidade nas mãos dela. Incapaz de se mover, não viu outra opção senão deixar que ela fizesse o restante do trabalho, como combinado.

Por outro lado, Prometheus estalou a língua. Ele estava cansado de verdade, mas teria que adiar um pouco mais o descanso.

Encarou a segunda adversária, sem o mesmo ânimo de outrora. Dificilmente se repetiria a emoção vivenciada no confronto contra o filho de Zeus, pensava consigo.

Ainda assim, carregava ciência de que não seria tão simples lidar com a motivada garota.

“O destino está do meu lado, não preciso me preocupar. E eu tenho o amuleto de volta”, tentou contornar os pensamentos cautelosos ao apertar o objeto portado pela mão canhota.

Em seguida, forçou um sorriso envolto na barba ruiva.

Voltou a transmitir Energia Vital para a lâmina repousada, a preenchendo com camadas de Autoridade Elementar do Fogo.

Em sua visão, deveria finalizar aquele imbróglio o mais rápido possível. Então, preparou-se na iminência de criar a primeira investida.

Arte do Submundo, Quarta Morte”, a extremidade inferior da foice já tocava o solo.

Os pés descalços do titã experimentaram a elevação do ardor vindo de baixo, mas ele jamais poderia prever o que viria depois.

Um gêiser de chamas escarlates explodiu do solo, o engolindo sem piedade.

Pilares do Inferno!

Damon não se notou boquiaberto ao acompanhar a potência ascendente daquela habilidade.

Nem contra a harpia, mais cedo, enxergou tamanha agressividade nos traços de energia da companheira.

“Damon conseguiu cansá-lo... observei atentamente todos os seus movimentos durante a batalha. Eu posso vencer!”

A ruiva retirou a pequena lâmina de extremidade do chão.

O Titã Condenado, no entanto, apenas caminhou para fora do pilar flamejante.

O amuleto restituía toda a integridade física afligida pelo ataque da apóstola.

— Vou ter que tirar esse amuleto dele — murmurou ao girar a foice, a reposicionando atrás do corpo.

À medida que as queimaduras do barbudo continuavam a ser reparados pelo poder místico, virou o corpo e abraçou o jovem derrubado pela cintura.

Depois, passou um dos braços dele por cima de seu ombro e apanhou a espada do chão.

Piscou uma das vistas ao experimentar a ardência, visto que mesmo a empunhadura continuava muito quente e eletrizada.

Suportou tudo isso em prol de saltar da plataforma singular, levando o incrédulo rapaz às adjacências da entrada original do salão.

Como ele nem ficar de pé conseguiu, o sentou e deixou que as costas se apoiassem na parede. Também deixou sua arma logo ao lado.

— Me espera aqui, tá? — Empenhou-se em sorrir com confiança a ele.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, deu a volta e regressou com foco no inimigo.

Observada em silêncio, mostrou, pela primeira vez, o tamanho real de suas costas para o garoto.

Uma segurança rara exalava ao redor de si.

“O que foi... essa sensação?”, Damon se questionou, remetendo a um momento específico de dois meses atrás.

A batalha da filha de Hades na Ilha Methana tinha lhe despertado o mesmo calafrio.

Ainda atordoada pela experiência recente, onde foi preciso confrontar algo interior, agradeceu ao amigo:

“De alguma forma, você conseguiu me salvar. De novo.”

Enfim podia se dedicar ao combate que tinha ganhado de “presente”, sem preocupações.

Quando regressou ao ponto de onde tinha saído, foi surpreendida por uma ação rompante do titã.

Ele saltou da cratera e avançou numa investida fulminante contra ela, que precisou se defender no reflexo com a lâmina sinuosa.

Mantiveram a posição numa disputa de força franca.

Os olhos de brasa do titã se fixaram rente aos rubis dela.

Arte do Submundo, Primeira Morte...”, delegou energia concentrada ao releixo escuro. “Chamas Polivalentes!

Ao ligar o alerta do adversário, uma fagulha rubra se criou sobre a lâmina e, de repente, dominou toda sua extensão.

As Chamas do Purgatório.

Buscou o contra-ataque ao sair do impasse num corte veloz, mas o titã recuou no exato momento ao pressentir a ameaça.

Com ambas as armas tomadas por chamas intensas, os dois viram a brecha para irem com tudo.

Havia bastante tempo desde que a apóstola elevava o foco àquele nível. Essa deveria ser considerada a batalha mais importante de sua vida.

Mesmo que não tivesse sido capaz de criar aquele cenário por conta própria, precisava aproveitar a oportunidade.

Contra um oponente como aquele, qualquer forma de demonstrar resultados seria válida.

Mesmo eles entenderiam, ponderava enquanto retornava à ofensiva.

Tal como o oponente, desprezou a defesa e começou a desferir cortes violentos, provocando explosões tórridas por parte do recinto.

Os diferentes fluxos de atributos equivalentes se entrelaçavam num espetáculo de colorações vivas.

Expectador da contenda, Damon arregalava os olhos. As ondas de calor lhe alcançavam.

Não podia apontar quem estava superior, mas confiava nas habilidades da parceira.

Só que ainda restava uma angústia estranha dentro de si, ao ponto de parecer uma sombra gélida a entrelaçar seu pescoço.

Uma sensação que vinha justamente da filha de Hades...

“Ataque! Não hesite! Não pensa em mais nada! Só ataque!”, a ruiva martelava na mente, em busca de se equiparar à velocidade demonstrada pelo parceiro há pouco.

Precisava disso se quisesse passar pelas incisões do Titã Condenado e roubar o amuleto a qualquer custo.

Estando exclusivamente atenta a ele, depositava todos os esforços nos membros a fim de superar sua própria velocidade.

Contudo Prometheus não dava nada de graça.

Ainda que menos ágil em comparação ao embate contra o olimpiano, apresentava outro grau de resistência aos golpes sofridos.

E mesmo tendo dito estar esgotado depois de quase ser derrotado, reagia com exatidão a cada movimentação da ctónica.

“Droga... Continue!!”, Lilith rangia os dentes.

Ter suas tentativas frustradas criava maior tensão sobre os ombros.

Tentava aprimorar a precisão e acertar o condenado, que começava a usufruir de contra-ataques “camuflados” em gestos defensivos.

Assim, tinha sucesso em arrancá-la da zona efusiva, impedindo seu constante crescimento na batalha.

Quando notou um semblante enervado aflorar no rosto dela, entendeu a grande diferença que tinha no tocante a seu amigo.

E isso o fez mostrar os dentes amarelos, pois enxergava ali uma vantagem impecável.

De súbito, pisou com força no chão e mudou a configuração do combate; ele passou a atacar, obrigando-a a se defender.

Foi crescendo com a potência nos cortes verticais e horizontais em sequência, trazendo dificuldades à garota.

Ela precisou recuar, mesmo sem o desejo de fazê-lo. O respectivo corpo era induzido a tomar tal trajeto.

Não desistiu e girou a foice por ambas as palmas, em busca de uma nova maneira de encaixar os ataques.

“Não o deixe atacar, ataque de volta! Seja mais rápida, mais forte, mais precisa!”, exigia demais de si mesma, porém sequer fazia ideia de que isso apenas a atrapalhava.

O detalhe também percebido por Damon, que mordeu o lábio inferior em atestado a sua incapacidade de ajudar.

Só podia remoer as emoções conturbadas, ao passo que o perigo se tornava cada vez mais profundo.

Já tinha recuperado um pouco do movimento das mãos. Isso não era o bastante em prol de sair daquela posição, no entanto.

Imaginou que tentar forçar além da conta só agravaria os efeitos colaterais incompreensíveis.

Nessa paisagem indigesta, restava acreditar no alcance de equilíbrio por parte da descendente do Submundo.

O Titã Condenado continuava a lutar como se nada demais acontecesse. Viu as chamas rubras começarem a vacilar sobre a foice dela.

A elevada confiança de antes já dava indícios de que iria esvanecer.

“Não é confiança...”, fitou o solo quando a ofensiva cessou por um instante

Enxergava as gotas do suor pingarem do rosto.

Antes que pudesse retomar o foco, recebeu uma repentina laceração descendente.

Através do instinto, usou o cabo fino da arma longa para se proteger.

Entretanto, a incisão vinha repleta de energia condensada que, logo na sequência, ocasionou uma poderosa explosão que a engoliu.

Damon tentou se levantar de maneira impulsiva. A dor eletrizante se espalhou por todo o corpo, das pontas dos dedos nos pés às extremidades dos fios de cabelo.

Ao retornar com o traseiro no plano, contemplou a cortina de fumaça esférica no aguardo do pior.

A filha de Hades deixou a região ao cortar a camada desbotada, mesmo respirando com dificuldades.

Sangue vertia por sua face. Os braços estavam marcados por queimaduras não muito graves.

“Ela conseguiu evitar uma porcentagem considerável do dano com o fogo que restava em sua lâmina”, Prometheus fitou o peitoral, onde constatou o dano tecidual com resquícios de chamas avermelhadas ainda acesas.

Bateu com a mão da espada, no intuito de apagar as labaredas fracas. Só que o efeito contrário ocorreu.

O fogo se alastrou sobre seu punho e envolveu a empunhadura da arma.

— Que peculiar...

O resmungo precedeu a utilização do amuleto, a fim de não apenas se curar, como se livrar da combustão insistente.

“Quem diria que eu seria levado a esse nível de esforço por pirralhos como esses...”, amaldiçoou dentro de si, encarando mais uma vez a garota que tentava se manter erguida. “Passei tempo demais sendo torturado... Preciso chegar à plena forma.”

Lilith experimentava a ardência das lesões teciduais em torno dos braços.

A visão ficou um pouco turva, em virtude do líquido escuro que escorria do ralo corte na testa.

“Ele quebrou o ritmo”, Damon apertou as palmas contra a superfície, agoniado pela imobilidade com a qual era assolado.

A parceira à frente não pensava em desistir.

Reergueu a postura rija, recuperou a respiração. Mesmo assim, as Chamas do Purgatória se extinguiram da lâmina sinuosa.

“Por que...? Por que eu...!?”, tão desolada quanto, divagava acerca da incapacidade pessoal de fazer frente ao inimigo.

Um erro cruel, que nem a permitiu entender a chegada silente do respectivo, a empalando na altura do abdômen.

O filho de Zeus tentou gritar. A dor nem isso o deixaria fazer.

Os olhos da ruiva esgazearam ao sofrer com o gume abrasivo — mesmo sem as chamas — lhe penetrando um pouco acima do umbigo.

Cuspiu sangue com Ícor de imediato. Um filete do líquido se soltou do canto da boca.

A cálida chapa de metal a queimava por dentro e por fora.

— Hora de terminar — sussurrou quase ao pé do ouvido da garota. — Pensei que poderia me trazer um pouco de entretenimento como fez o filho de Zeus. Fiquei decepcionado.

Aos poucos, as forças foram extraídas de Lilith.

Os braços desistiram de lutar, antes mesmo de tentar a retirada da espada.

Com o amolecer dos dedos, estava prestes a largar a foice. E por fim a cabeça tornou-se pesada e inclinou-se para baixo.

Damon estremecia de corpo e alma, pois a agonia eletrizada só crescia à medida que tentava fazer algo.

Todavia, antes de romper a primeira barreira dolorosa, um novo calafrio tratou de atingi-lo, o mantendo naquela posição.

A íris cerúlea como a noite vacilou.

A mente desistiu de mandá-lo confrontar a debilidade, por mais que o coração continuasse desejando ir ao socorro dela.

Quanto à filha de Hades...

Está na hora.

Uma voz obscura despertou para ressoar em seu âmago.

“Eu... sou inútil...”

Através das vistas carregadas, Lilith contemplava o espaço branco ser tomado pela escuridão.

Sim... você é.

O mar de trevas se aproximou até tocar seu corpo nu.

Sem demonstrar resistência, começou a ser impregnada na estranha influência.

Diferente da ocasião anterior, quando encontrou o parceiro em situação alarmante, não faria questão alguma de se libertar.

“O papai..., a irmã Meli... Eles estavam certos”, as memórias retornavam, como se corressem diante dos globos rubis.

Dessa vez, logravam de enorme vivacidade.

As paisagens frisadas em sua cabeça mostravam olhares afiados, que sempre a encaravam de cima, como se julgando sua inferioridade.

Misturavam rancor, desgosto e, principalmente, vergonha.

A pequena menina que surgiu em sua frente se via cativa em um casulo. Onde não existia mais qualquer fonte de luz.

O medo do pai, da irmã e de si mesma a governava por dentro e por fora.

Sim, eles estavam.

Tendo a mentalidade atormentada por aqueles que não esperavam nada vindo dela, somente restou o amargor.

A angústia e o desprezo reunido por todos os responsáveis.

Em seu “devido lugar”, nada e nem ninguém deveria ser capaz — ou, tampouco, desejar — de resgatá-la.

“Sou um fracasso”, abraçou os próprios braços no cenário negro.

A sombra lhe agarrou com afinco.

Suas pernas foram cobertas e a região superior do torso, até a altura dos seios, estava prestes a tomar aquela nova tonalidade.

Por isso você precisa de mim.

A turva e imponente voz de teor feminino cresceu, precipitando sua rápida desistência que permitiu o fechamento completo do casulo.

Já na altura do pescoço, a silhueta tomou uma forma parcial. Segurou no rosto da menina, as “palmas” frias repousadas sobre as bochechas.

As esferas oculares de Lilith já tinham perdido o fulgor.

Conectada à figura, emissária dos sussurros arrepiantes, deixou ser levada ao fechar as vistas.

A negritude que a observava, submissa à própria vontade, irradiava deleite.

Comigo no controle, você não precisa ter medo. Você ficará mais forte. Vencerá qualquer adversidade e jamais será subjugada por eles novamente.

Palavras que tinham um certo teor de ansiedade tocavam o âmago da ctónica. Ela não podia responder.

Conforme as costas se inclinaram para trás, o rosto foi recheado e a consciência foi a única que restou.

Ao abrir os olhos uma última vez, enxergou um ponto luminoso irromper a escuridão.

O ínfimo cintilar trouxe de volta parte do fulgor perdido à cada íris. Os sentidos se recuperaram, a permitindo escutar o fraco ecoar de uma outra voz.

Do rapaz que lhe era tão familiar quanto pai e irmã. E trouxe de volta a ela a vontade de rebater a essência das trevas.

No entanto era tarde demais.

Logo após a proliferação ruidosa, a escuridão complementou seu domínio.

A única figura a sobrar no cenário foi a de um sorriso maléfico.

Agora... despertemos.

Prometheus experimentou um solavanco e percebeu ter sido jogado para longe. Sequer entendeu o motivo.

A exemplo do ocorrido com Damon, uma explosão brutal de energia assolou todo o local.

O próprio tornou-se pálido, capaz de sentir a pressão monstruosa estremecer o recinto por conta.

A razão dos calafrios ameaçadores de outrora tomava corpo logo adiante. E isso o tirava até as forças para piscar.

Uma aura negra envolvia todo o corpo de Lilith.

Marcas escuras, algo como tatuagens de sangue, se alastravam por boa parte dos membros expostos dela.

O cabelo vermelho se mostrava bem mais escurecido.

Os olhos rubis tinham sido tomados pelas trevas.

Ferimentos acumulados findaram o sangramento, embora não tivessem sido cicatrizados.

Tudo tinha mudado.

Mas o detalhe mais assustador se revelou em seu rosto; um pouco acima da têmpora esquerda em sua cabeça, um chifre roxo-escuro rodopiava em torno da própria extensão.

— Essa é... mesmo a Lilith?...

O murmúrio do apóstolo o levantar da garota.

Ela não era mais ela mesma.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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