Volume 3 – Arco 3
Capítulo 53: Batalha Crítica no Deserto - Condenação
Ao encarar a íris azul-escura do rapaz, o titã teve certeza de que ele carregava o sangue de Zeus em suas veias.
Não somente isso como, de certa forma, conseguia enxergar a face do próprio através daquele semblante sisudo.
Como se fosse um fantasma encarnado em sua essência...
— Maravilhoso. Parece que os céus se voltaram a meu favor. — Franziu o cenho para o garoto. — Esse é claramente um aviso de que está na hora de pôr em prática minha tão almejada vingança!
Damon escutou todas as palavras sem enunciar alguma em resposta. Podia enxergar a mão escondida dele se contorcer, graças ao crescimento da adrenalina.
No instante que uma leve recaída pareceu trazer uma instabilidade à sua Energia Vital, o esguio desfez o sorriso eufórico.
A cabeça do apóstolo, inclinada para baixo, fazia as pontas do cabelo vinho-escuro cobrirem as vistas.
“O que seria isso?”, voltou a erguer as sobrancelhas. “Ele está em constante mudança...”
Se a princípio não dava nada pela presença daqueles dois, agora era profundamente atraído à natureza mística em volta do jovem desafiante.
“Aquela sensação de novo...”, o olimpiano tentou respirar fundo, a fim de sustentar um equilíbrio interior e exterior.
O incômodo permaneceu com pontadas em seu peito, porém passou de forma gradativa na sequência.
Recompôs a estabilidade do próprio fluxo vital.
— Vingança isso, vingança aquilo... — murmurou descontente. — Já ‘tô de saco cheio desses motivos que vocês ficam usando toda hora.
Prometeu só sentia os calafrios crescerem. Não entendia o motivo daquilo, mesmo que reconhecesse uma fagulha de alento surgir em seu coração.
“O que há de diferente nele?”, interrogou ao voltar a semicerrar os olhos.
Lilith também identificou a aura diferenciada que seu parceiro exalava.
Fechou a boca quando enfim notou estar com ela aberta. Se empenhou em prol de lavar todas as aflições, assim cessando a tremulação corpórea.
Com o semblante neutralizado, procurou se concentrar no cenário ao alcance dos olhos rubis.
Por isso fique aí e observe.
Evocou as palavras do cacheado na própria cabeça.
Enfim compreendia o significado transmitido por elas...
“Obrigada, Damon. Eu também vou dar meu melhor”, determinou o foco absoluto aos dois combatentes iniciais.
Não existia mais nenhum detalhe naquele salão.
Só eles.
“Não faz muito tempo eu ‘tava indo pra Classe Prodígio. Mas agora eu ‘tô na frente de um titã...”, o filho de Zeus exalou um profundo suspiro. “Consigo sentir... esse é o mundo que preciso descobrir!”
Fagulhas cerúleas começaram a estalar em sua volta.
Prometeu moveu a perna esquerda, no intuito de puxar a arma encostada à lateral do trono.
Só que jamais esperaria pelo que viria antes.
Por meio de uma celeridade avassaladora, o olimpiano surgiu à sua frente e lhe desferiu um corte na altura do peitoral exposto.
Sangue com bastante Ícor jorrou pelo espaço.
— Não vou cometer o mesmo erro duas vezes — resmungou com frieza.
“Ele está mais rápido”, a filha de Hades reagiu em espanto.
Não podia deixar de comparar aquele pequeno instante com o confronto recente contra Brandt.
Entretanto, o barbudo não aparentou se importar em receber o corte profundo no torso.
Continuou no objetivo primordial: puxar a espada de ferro descansada ao lado da cadeira rochosa.
E já o fez num contra-ataque repentino, em tentativa de lacerar de volta o oponente.
Damon desviou ao flexionar as pernas e deixar as costas caírem rente ao chão. Depois, buscou a segunda investida.
As lâminas entraram em contato, produzindo uma explosão de vento nos arredores, alheia a faíscas douradas que levitaram no espaço.
Sua guarda levantou quando o titã retornou com o braço e girou um chute em sua barriga, o fazendo arrastar as sandálias no solo.
“Não pensa... só ataca!”, martelou ao devolver o olhar ao adversário, conforme envolvia-se em mais partículas elétricas.
A atmosfera do local oscilou por si só.
Sem pestanejar, voltou a agachar os joelhos. O titã esgazeou os globos oculares.
Damon disparou como um relâmpago à vertente do ruivo, que conseguiu acompanhar a reta final de sua chegada.
Posicionou a arma com a ponta virada na direção de onde seu rosto se aproximaria, o obrigando a desvencilhar-se forçadamente.
Experimentou um leve lanho nascer na bochecha, mas não parou por conta disso. Mais uma vez, rasgou o peitoral do inimigo, desenhando um xis sangrento naquela altura.
Dessa vez, Prometeu estalou a língua.
Sua Energia Vital entrou em repentina ebulição, respondendo de imediato o percalço criado pelo prodígio.
Tanto ele quanto sua amiga recuada foram assolados pela verdadeira essência do titã.
Ainda assim, o jovem manteve a aceleração dos sentidos e empurrou a espada, no objetivo de empalar o peito do rival.
Um novo contragolpe veio, criando contato entre as extremidades pontudas de cada espada.
A perfeição que causou outro rebuliço pelo local, exigindo uma disputa de força entre os dois.
Uma que não durou muito.
Prometeu relaxou a tensão por um milissegundo, fazendo o cacheado passar direto e receber outro chute, agora nas costas.
Foi lançado contra o trono de pedra, que se desfez na hora da colisão. E ainda seguiu até mais alguns metros, parando apenas ao bater na parede do salão oval.
Lilith mal tinha conseguido acompanhar o momento.
A cortina de fumaça subiu, porém o espadachim logo retornou da zona atingida.
“Muito forte...”, também perplexo ao ser parado da forma que foi e depois ter recebido aquele golpe, cuspiu sangue no chão.
Outros filetes do líquido escorreram dos ferimentos superficiais sobre braços e pernas.
Recolocar os pés no plano lhe trouxe uma gama de dor suportável, apesar de chata.
Com a mão esquerda, puxou a manta avermelhada que cruzava sua camisa e a jogou para o lado. O linho branco também tinha alguns rasgos por sua extensão.
Quando a camada desbotada se desfez, um fulgor branco se pronunciou.
— Confesso que estou um pouco surpreso. Porém, desse jeito, vai acabar sendo muito fácil.
Com o amuleto em mãos, o titã esboçou o primeiro sorriso grosseiro da noite.
Tanto Damon quanto Lilith contemplaram a ocorrência, incapaz de acreditarem que aquilo era verdade.
O motivo de a tarefa principal da missão ser a retomada de posse daquele artefato escancarava suas circunstâncias.
— Sei que ainda pode mais do que isso, filho de Zeus. Mostre-me do que realmente é capaz!
O brilho alvo contornou a área exata onde os cortes liberavam sangue do peitoral.
Como se fosse um passo de mágica, as sequelas se fecharam e nem deixaram cicatrizes.
“Mas que merda...!?”, sem palavras até em pensamento, o cacheado rangeu os dentes.
Além de estar enfrentando um ser equiparado aos deuses — ou até além disso —, esse ainda usufruía de um poder curandeiro sem igual.
O filho de Zeus balançou a cabeça para os lados. Tinha que evitar a ascensão das inseguranças.
Decidido a vencer a batalha, primeiro precisava dar um jeito de bloquear a misteriosa habilidade de cura constante que o inimigo tinha em mãos.
Dito isso, só havia uma única opção onde poderia proceder:
“Tenho que tirar esse amuleto dele.”
Posicionou a espada defronte ao tronco e voltou a condensar Energia Vital.
O inimigo franziu o cenho quando os raios voltaram a explodir com maior intensidade em volta do garoto.
Portanto, também se preparou, ao passo que finalizava a recuperação mística do artefato de luz.
O jovem deus pegou ar e desapareceu da linha de visão dos presentes. Reapareceu na retaguarda do titã atordoado e completou um corte certeiro sobre sua cintura.
Contudo, não era o almejado.
“Ele percebeu!”, frustrou-se ao ver que ele tinha desviado a mão do amuleto, onde tinha mirado a princípio.
Prometeu arqueou o corpo e, de repente, uma camada de Autoridade Elementar do Fogo preencheu sua chapa metálica.
As espadas voltaram a colidir. O olimpiano alçou as sobrancelhas, espantado frente a explosão que misturou fogo e eletricidade de sobra.
O fluxo de calor se espalhou num rompante pelo local, obrigando Lilith a se proteger com a foice.
— Incrível — sibilou perplexa, embora não percebesse o ligeiro tom fascinado de sua voz.
Adiante, o apóstolo experimentou a brasa se aproximar, então rapidamente puxou o braço dominante e empunhou a espada com a canhota.
Experimentou as queimaduras arderem do punho até próximo do cotovelo. Numa velocidade anormal, ainda tentou chutar o amuleto à vista.
O ruivo ergueu o membro, com o objetivo de utilizar a habilidade de luz especial e curar o ferimento na cintura.
Por meio da mesma postura, empurrou a espada flamejante para perfurar o abdômen do olimpiano.
Ele, contudo, segurou a lâmina com a própria palma e impediu a colisão da afronta em troca de um novo ferimento.
— Oh...
Surpreso diante do ato corajoso, o titã ficou desentendido ao ver um sorriso brotar na face dele.
Demorou a compreender que seu objetivo era exatamente agarrar aquela arma.
Afinal, tentou puxá-la de volta e foi interrompido pelo esforço do rapaz.
Só então pôde ver que as correntes de luz começavam a se esgueirar pelo braço queimado dele, que se encontrava no raio de cura do amuleto.
— Valeu por isso...
Quando viu que estava pleno de novo, Damon chutou a barriga do barbudo, recuando no processo.
Ao abrir a nova distância, conferiu o efeito da cura assustadora em seus ferimentos recém-adquiridos.
Nem mesmo a Luz da Cura do Deus do Sol foi tão rápida e tão eficaz. Aquele amuleto, de fato, era algo valioso.
E ele tinha prometido que conseguiria tomá-lo de volta, como era de desejo de suas irmãs deusas.
Para diminuir suas expectativas, os machucados de Prometeu continuavam a serem recuperados.
Caso essa sequência permanecesse ativa, o apóstolo apenas iria se cansar até alcançar uma derrota iminente.
Já não poderia mais surpreendê-lo para aproveitar a cura do amuleto, afinal.
O esguio não deveria ser tão descuidado a esse ponto.
“Só consigo acertar porque ele não se importa em ser ferido. Desgraçado”, amaldiçoou consigo ao controlar a respiração desequilibrada. “Tenho que tirar ele da zona de conforto.”
Determinou enquanto varria o local através das vistas entrefechadas.
— Vamos lá, jovem deus. — O homem moveu o dedo indicador contra si. — Se continuar dessa forma, vou te matar bem rápido.
— Você não fala muito, mas adora encher o saco. — Damon limpou o sangue do corte em sua bochecha. — Não precisa se preocupar. Eu vou...
— Não, não vai.
Com um sorriso grotesco, o Titã Condenado antecipou-se à fala do rapaz e disparou num impulso agressivo.
Surgiu à frente dele que, assustado, só pôde ver a espada de fogo descer num corte que mirava seu ombro.
O filho de Zeus reagiu no puro instinto de sobrevivência ao posicionar a defesa com sua lâmina. Mas essa só funcionou no primeiro momento.
Pôde evitar a laceração grave que sofreria no braço. Mas só foi capaz de redirecionar o releixo contra a própria barriga.
Experimentou a área acima do umbigo ser cortada, simultaneamente ao ardor provocado pelo teor de chamas alaranjadas.
O sangue com Ícor espirrou por um breve átimo. A cauterização imediata criou uma cicatriz parcial na região.
Lilith separou os lábios ao limite.
Prometeu sorria sem pudor acima do olimpiano, que levou um dos joelhos ao chão.
A troca foi benéfico do ponto de vista geral, mas a dor e ardência provaram-se terríveis da mesma maneira.
— Foi divertido enquanto durou. Agora posso ir até o Monte Olimpo sem medo. — Estalou o pescoço ao incliná-lo aos ombros. — Vou matar você, sua amiga e quem estiver nesse palácio subterrâneo.
O titã passou a transmitir uma influência ainda mais agressiva pelo recinto. Esmagava qualquer plano traçado pela mente cansada do jovem prodígio.
Ele permanecia quieto.
Imaginou que deveria estar em remorso pela dor, então voltou a mirá-lo pela espada flamejante.
Embora não fosse um golpe fatal para uma divindade, o garoto não estava habituado às sensações excruciantes vindas daquele tipo de ferimento.
A cisura no ombro sofrida na batalha de Delos chegou a lhe transmitir uma fisgada, como se o próprio corpo alertasse acerca do perigo iminente.
Prometeu soltou uma risada abafada e mirou o pescoço, onde somente um ataque bastaria para acabar com a luta.
Com o cenário todo construído a favor do esguio, Lilith tentava encontrar uma brecha para se inserir no embate.
“Eu não posso... não posso deixar”, imaginou a pior sequência prestes a tomar corpo. “Damon... o Damon não...!”
De repente, uma risonha escuridão se pronunciou em seu coração. Começou a engoli-la de forma gradativa.
Não deveria deixar as coisas terminarem daquela forma. Precisava proteger seu companheiro.
Mesmo assim, não conseguia mover um dedo sequer.
A corrente congelante assolava sua espinha, à medida que começava a tomar conta do restante do corpo.
“Ah, quanto tempo se passou desde que adormeci.”
Uma voz turva reverberou por toda a mente atormentada. Calafrios inexplicáveis a atiçavam dos pés à cabeça.
Só de escutar aquele sussurro, desejou desaparecer de onde estava. Não queria escutar de novo.
Tratava-se de uma voz assustadoramente familiar. Embora confirmasse consigo mesma que não pertencia a qualquer pessoa conhecida...
“Vamos fazer de novo. Se entregue como uma boa menina.”
Durante a segunda proliferação da voz, o panorama mudou; Lilith tinha certeza de que a conhecia.
Somada à sensação de impotência conforme tomada pelas trevas que ninguém além dela podia sentir, a filha de Hades remeteu a um instante do qual desejava apagar para sempre.
O restante da vontade para prosseguir foi corroído. Feridas, até então adormecidas no coração, reacenderam numa fagulha.
“Não... não venha...”
De repente, pareceu compreender aquele efeito.
O sorriso da figura na escuridão não parava de crescer.
Entretanto, antes que sua essência pudesse ser dominada, uma explosão de energia a puxou de volta ao mundo real.
A estranha forma foi reprimida, a permitindo enxergar novamente o cenário tangível.
Ao alcance dos olhos, a reviravolta tinha início.
Pela primeira vez, a essência de Damon sobrepôs a do titã, o obrigando a recuar alguns passos.
Raios celestes de elevada intensidade assustaram o homem, enquanto estouravam ao redor do garoto.
Ele ergueu a cabeça. Os olhos azul-escuros passaram a irradiar um fulgor tentador.
O fulgor de sua Bênção.
“Isso... ainda não acabou!”, Lilith retomou o controle emocional, fechando os punhos ao lado das pernas com força.
Novamente de pé, Damon foi envolto por uma pressão vital avassaladora, quase a ponto de criar um redemoinho de raios rente ao corpo.
Diante daquilo, Prometeu não soube fazer qualquer outra coisa além de sorrir.
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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