Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 52: Pilares Moldados em Estratégias

Teseu não se movia mais por conta. Tinha errado o cálculo das vertentes disponíveis de forma completamente errônea.

Por ter seu posto garantido como um dos mais fortes e influente membros da Corporação dos Deuses, deu a si mesmo a liberdade para desdenhar daqueles que viviam abaixo de si.

Só que era o contrário.

Ele não era “abençoado” como a grande maioria dos que estavam nas classes inferiores à sua.

Mesmo tendo todo o conhecimento entregue pelo Fogo dos Deuses há centenas de anos...

Mesmo sendo o único mortal a ousar pisar no território, no patamar dos grandes deuses...

Ele ainda era um mortal.

Essa era a diferença real entre eles.

— Constato que esteja deveras perturbado com relação ao enfrentamento alheio.

A voz de Chloe, soberana, o puxou de volta à realidade.

Piscou os olhos com força e, enfim, experimentou a verdadeira dor de ter o peito e as costas perfurados por lâminas frias.

O golpe certeiro da purpúrea lhe abriu um ferimento superficial no peitoral esquerdo. Apesar disso, foi propício a lhe arrancar fios do líquido rubro, a escorrerem pelas vestimentas.

A lanceira tentou aprofundar a perfuração no torso do herói, que segurou o releixo pela mão livre. O desespero lhe governava.

Ela reagiu levemente surpresa ao notar que ele lograva de uma força considerável.

Foi capaz de impedir seu prosseguimento, sem ceder à pressão da filha de Atena.

— Não devemos poupá-lo. Em suma, não passa de um traidor. — A apóstola levou a outra mão sobre o cabo da lança. — Findaremos com ambas as circunstâncias. Resolveremos todas as pendências.

Envolvendo o corpo do armamento com a outra palma, fez o impensável para o mortal: puxou uma das alas, dividindo a lança em duas partes.

Diante do atônito, girou a segunda lâmina.

Julie permanecia em alerta, com outra flecha mirada na direção de sua nuca. A corda de aço tensionada ao máximo poderia ser solta a qualquer instante.

Naquela configuração imperante a favor as irmãs, a batalha já estava determinada...

— Quiçá não sofra punição equivalente a nosso escopo.

Teseu voltou a “abrir” os olhos. Recuperou a visão que tinha perdido da adversária, pronta para atingi-lo com a outra lança.

Mas aquela frase... ela lhe evocou ao momento em que libertou o titã do tormento eterno.

Se fosse apenas isso, estaria tudo bem.

No entanto, rever a própria vida, mais de metade dela sendo sofrida e corrida sob a sombra daqueles seres...

“Deuses... seres repugnantes”, quase partiu os dentes rangidos uns contra os outros. “Vocês merecem mais do que a morte!!”

Todas as lembranças libertaram o fulgor da vingança. E lhe despertaram forças que o próprio sequer imaginava que tinha dentro de si.

Agressivo, empurrou a arma da apóstola junto ao braço estendido. A testa franzida em puro ódio voltou a ganhar destaque, à medida que se levantava da posição impotente.

Adquirindo mais ímpeto, saltou as veias do braço a ponto de destruir o que restava da armadura sobre eles.

Chloe não recuou.

Se fosse necessário, o incapacitaria até onde pudesse a fim de o levar sob sua custódia.

— Se você pensa que eu usei tudo o que tinha... — O traidor sorriu de orelha a orelha.

A nova ameaça veio como uma influência congelante às irmãs, que buscaram reagir na mesma intensidade.

No instante que a purpúrea buscou cortá-lo com a lança, a desbotada soltou a flecha quase à queima-roupa.

Só que, antes que lâmina ou seta o atingisse, uma explosão de energia as empurrou.

Através do sorriso animalesco, o Classe Herói impeliu as filhas de Atena a alguns metros, frustrando sua finalização.

“Aviso: Tome cuidado, minha irmã. Ele está diferente”, Julie posicionou outra flecha na corda do arco. “Seu padrão foi quebrado.”

— Acredito ter articulado demasiadamente — resmungou a lanceira.

“Resposta: É de seu feitio, afinal.”

A cutucada da irmã não a tirou das estribeiras dessa vez. A ocasião adiante não permitia qualquer novo deslize das duas.

Teseu sacudiu o machado na tentativa de cortá-la em uma ação venenosa. Foi bloqueado pela lança que a respectiva já tinha voltado a unir pelos cabos.

Apesar disso, a força depositada pelo homem lhe superou e a lançou contra um dos sustentáculos nas adjacências.

Chloe experimentou choques dolorosos se alastrarem pelo corpo durante a colisão.

Logo atrás, Julie se aproximou e fixou o alvo do próximo disparo.

No entanto, o velho foi mais rápido ao executar um corrupio inteiro e pegar impulso na direção da alva.

Com metade da armadura destruída, podia ser ainda mais rápido. Só que nem assim a apóstola demonstrou alguma alteração na fisionomia.

Na frieza pálida de praxe, sustentou os nervos frígidos e atirou contra o rosto do adversário.

Ele usou o antebraço sem proteção em prol de se defender da ponta afiada. Enquanto sangue escorria, desprezou a dor e seguiu em frente.

Buscou lacerá-la numa vertical ascendente.

A arqueira se desvencilhou um segundo antes, contudo o mortal pegou novo impulso e reativou a crosta de terra acumulada abaixo de seus pés.

A massa sólida a atingiu de frente.

Leves cortes surgiram sobre seus braços, na altura do abdômen e até nas laterais do rosto inerte. E nem aquilo foi capaz de arrancar dela seu sangue com Ícor.

O impetuoso rugiu como um animal, já em vista de prosseguir a novos ataques fulminantes contra a jovem.

Foi interrompido por um repentino contragolpe do flanco esquerdo, de onde veio a lança.

Atingiu-o em parte da cintura, fazendo o revestimento metálico restante abrir uma fenda. Depois, o gume rasgou sua carne sem tanta precisão.

O corte superficial impedido pela cota de malha resistente também atrasou seu retorno. E isso o permitiu agarrar com força o punho da garota.

Sentiu os ossos serem esmagados e foi puxada de repente, desconectando os pés do plano.

Depois, foi jogada com violência contra a ala contrária do salão.

Julie retornou, em ignorância aos cortes leves pelo corpo, a fim de aproveitar a nova brecha.

Disparou duas flechas em sequência; a primeira atingiu o dorso do inimigo, mas a outra foi rebatida pela lâmina do machado.

Essa retornou na mesma velocidade, obrigando-a a desviar em pleno ar. Acabou atingida de raspão na barriga, enfim arrancando o líquido rubro recheado de pontos dourados.

Foi o despertar da nova motivação do herói traidor.

— Eu quero ver mais desse sangue. Me mostrem mais! — vociferou entre os dentes unidos.

Bateu a arma afiada contra o solo, liberando novas massas de terra por todo o cenário.

“Engrandeceu-se quanto a velocidade e força”, Chloe continuava a divagar, sem se deixar abater pelos golpes sofridos. “Tornou-se um opositor tão complexo quanto o descendente do Deus da Guerra.”

Ainda sentindo os efeitos da última colisão, driblou as novas camadas elementares pelos pilares.

Arte da Sabedoria — mussitou, levando um arrepio peculiar à espinha do herói. — Matiz Divisória...

Julie, pela primeira vez, estremeceu as sobrancelhas ao experimentar a energia da irmã sendo reunida sobre as lâminas contrárias.

Em antecipação às crostas terrestre, a purpúrea permitiu às afiadas extremidades do armamento serem envoltas por um fulgor intenso.

Sua aura divina tornou-se o pináculo do esplendor.

Tão repentinamente que o ímpeto crasso do mortal se desfez como fuligem se desfazia ao vento.

Ao passo que a gêmea rodopiou graciosa, usando as alas de aço banhadas em Autoridade Elementar da Luz, cada íris esverdeada da arqueira refletiu cativada.

Sem empecilhos, a lança cortou as camadas de terra.

Elas não se espalharam mais pelo cenário; apenas foram desfeitas em pleno espaço, tornando-se partículas luminosas que desapareceram na sequência.

Lâminas de Luz.

Todo o ânimo reunido por Teseu foi varrido na mesma intensidade. Sentiu-se pressionado por tamanha magia divina.

E jamais receberia a piedade da filha de Atena.

A jovem acelerou frente ao inimigo com um giro de lança, então atingiu a empunhadura do machado em sua mão.

A arma foi lançada a alguns metros, sem que o próprio pudesse receber.

Partindo de um novo giro, Chloe rendeu o poderoso mortal após levar uma das lâminas luminosas a tocar seu pescoço.

Teseu não sentia nada.

Tal revestimento, responsável por preencher a extensão da extremidade afiada, não emitia frio ou calor.

Apesar disso, a proximidade em decapitá-lo lhe despertava calafrios.

— É o fim, Herói do Minotauro.

Diferente da ocasião anterior, a apóstola preparou-se para finalizar o conflito.

Entretanto, um poderoso tremor chacoalhou toda a área.

Tanto ela quanto a irmã imaginaram uma inédita artimanha do oponente. Mas ele reagiu bem espantado, caindo de traseiro no chão.

Surpresas, as duas encararam o teto, de onde o abalo parecia se proliferar.

Então, de súbito, energia elétrica tomou forma e percorreu boa parte daquela região. Uma desordem precisa sobre o foco das gêmeas.

Não obstante ao tempo vergonhoso, o grisalhou encontrou uma maneira de tirar proveito daquela distração.

Saltou ao machado derrubado num rompante.

“Retirada estratégica!”, mesmo vexado, admitiu a derrota e criou uma crosta de terra, eliminando quaisquer chances de ser alcançado.

Julie disparou flechas rápidas, no reflexo, mas não foi suficiente em prol de impedi-lo. A camada sólida as bloqueou, o deixando desaparecer pela entrada singular do recinto.

“Extraviei a atenção por um instante”, Chloe amaldiçoou na própria mente em busca de recuperar a vantagem.

No teto, rachaduras nasceram graças ao impacto desconhecido.

O novo impasse entre seguir Teseu ou descobrir a razão daquela perturbação a deixou inerte.

“Eles devem estar lutando”, foi a única conclusão que pôde divagar, com grandes chances de estar correta.

Afinal, a Autoridade Elementar do Relâmpago em questão só poderia estar ligada a uma pessoa, que ela conhecia bem.

“Irmã”, o chamado repentino da arqueira puxou-a de volta à realidade.

Como afirmou por si, aqueles dois de certo eram capazes de, ao menos, confrontar o Titã Condenado.

— Me perdoe, Julie. Eu raramente executo solicitações egoístas, todavia o farei desta vez.

Chloe se aproximou da massa de terra e a cortou com as lâminas de luz, purificando cada grão ao nada.

Naquele momento, deveria confiar o sucesso principal da tarefa aos que já estavam no local definitivo.

— A repressão de nosso poder não mais será compulsória. — Encarou-a de canto, circunspecta. — Derrotaremos Teseu e seguiremos em apoio àqueles dois.

“Resposta: Como quiser, minha irmã...”

Ambas assentiram uma para a outra, totalmente de acordo com aquele rumo.

A purpúrea deixou a Autoridade Elementar da Luz esvanecer dos gumes sinuosos, pronta para perseguir a resolução do problema interno à corporação.

— Vamos — determinou ao iniciar a caçada ao fluxo vital que o herói tinha deixado pelo caminho.

Pelo corredor que alcançava o principal salão do subsolo desértico, Damon e Lilith deram de cara com o Titã Condenado em pessoa.

Repousado sobre o trono de pedra, lentamente abriu as vistas flamejantes. Identificou a chegada dos dois jovens, estremecidos frente a pressão natural que sua presença irradiava.

Ambos portavam suas armas. Só que não viam brechas para executar uma ação sequer.

O filho de Zeus sorria com escárnio. A filha de Hades desenhava a insegurança nas sobrancelhas contorcidas.

“Ele tá todo relaxado, nem deve fazer questão de que a gente tá aqui”, o rapaz analisou todos os cantos possíveis ao redor do homem. “Mas não tem abertura nenhuma.”

Não fazia ideia sobre como abordar o respectivo de barba e cabelo ruivos.

Frente a um adversário daquele porte, todo cuidado era pouco. E embora tomasse a primeira linha de ação, não era de seu feitio pensar tudo.

— Lilith, se afaste — disse ao avançar dois passos curtos. — Eu vou lutar com ele.

Diante da determinação do rapaz, a apóstola arregalou os olhos com espanto.

— Está falando sério? Eu tamb...!

— Não dá pra arriscar. — A interrompeu sem alternar o foco da visão. — Se bem que isso é exatamente o que eu ‘tô tentando fazer. Mas é porque eu...

“Você está com medo também”, ela pensou, sabendo que o garoto pretendia dizer aquilo.

Cerrou o punho firme contra o peito.

— Eu também vou lutar. Eu preciso lutar! Se vencermos aqui... se eu vencer aqui, eles irão...!

Damon permaneceu silente com o apelo da ruiva.

Então, aproveitou o momento para realizar um afago sobre sua cabeça.

A exemplo do gesto utilizado com a irmã mais nova, acariciou o cabelo escarlate dela através de um sorriso tênue.

A jovem remeteu a um instante parecido, no qual sentiu-se tão acolhida quanto no instante atual.

Pensar na semelhança entra as raras ocasiões vinha sempre com a pessoa à sua frente.

Enfim pôde enxergar o rosto do descendente do Rei dos Deuses. Seus lábios levemente erguidos lhe transmitiam uma sensação de confiança.

Pela primeira vez em muito tempo contemplava uma feição relaxada vinda do garoto.

Toda a segurança naqueles olhos cerúleos parecia a contagiar dos pés à cabeça.

— Eu não esqueci daquela promessa. Eu vou te proteger... e vencer — disse se virando para se aproximar ao homem no trono. — Por isso fique aí e observe.

Sem poder dizer qualquer coisa em contrapartida, a ctónica somente aceitou o distanciamento do parceiro.

Por outro lado, o Titã Condenado estreitou os globos rubros, ainda sem sentir uma ameaça real vir daqueles dois.

Contudo, tudo mudou quando sua influência foi “desafiada” pela aproximação do olimpiano.

Um arrepio o percorreu por inteiro. Sustentou a postura, o observando com cautela.

Identificou um misto de êxtase e angústia o dominar gradativamente. Quase projetou um sorriso feroz, escondido pela barba cheia.

Tal nostalgia não era comum. Mesmo assim, compreendia com perfeição sobre o que se tratava.

“É ele.”

O relaxamento habitual foi varrido num piscar.

Desceu o braço flexionado até apertar o apoio lateral com a palma pesada.

A ascensão repentina do influxo vital por pouco não empurrou o apóstolo de volta à entrada do salão.

Damon manteve a concentração ao limite do que podia, responsável por exceder as expectativas do titã.

Desse modo, ele aceitou o desafio e levantou-se do assento por meio de um salto.

— Você é descendente do Deus do Céu...

O mussito proferido no reflexo por Prometeu alcançou os ouvidos da dupla de prodígios.

Nessa toada, o descendente do Deus do Céu propriamente dito interrompeu o avanço, piscando algumas vezes com dubiedade.

Não fazia ideia do motivo, mas os ânimos do inimigo cresceram na mesma intensidade de seu porte esguio.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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