Volume 3 – Arco 3
Capítulo 50: Desenrolar Turbulento
Cercado também pelas irmãs, Brandt olhou na direção da seta que atingiu a parede ao lado.
Depois, virou o rosto até o local de onde o disparo ocorreu, agora com plena convicção.
Sem pestanejar, Julie disparou o segundo tiro.
E o ruivo alongou ainda mais o sorriso, só para refletir a flecha com um golpe certeiro de seu machado.
Uma fraca onda de vento espalhou-se por entre o quarteto, criada pelo mero movimento do robusto.
Nada afetadas, Chloe e Lilith flanquearam o rapaz em conjunto. Com sua lança e foice, respectivamente, atacaram ao mesmo tempo e obrigaram o guerreiro a se mover.
Isso permitiu que Damon recuperasse todo o fôlego perdido e recuasse alguns passos. A íris azulada deixou o brilho esvanecer por ora.
— Gahaha!! Então decidiram vir todos de uma vez, hein!? É assim que as coisas ficam mais quentes!!
O sanguinário abandonou o foco ao primeiro desafiante e depositou uma força descomunal nas pernas torneadas.
Ao pegar impulso, destruiu o solo para avançar num disparo violento em direção à filha de Hades.
Surgiu ao seu lado em um piscar. O braço já se deslocando a fim de atingi-la fatalmente com o machado.
Com o pescoço na mira, tampouco conseguiu dar a volta ou levantar a foice em prol de bloquear o golpe.
Os olhos esgazeados contemplaram a morte chegar.
“Muito ráp...!!”, mal conseguiu completar o pensamento.
Uma flecha zuniu na direção do homem, que percebeu e foi obrigado a interromper o ataque.
Mesmo com todo o peso depositado no membro dominante, corrupiou-se e refletiu o disparo com um corte.
“Bela cobertura, Julie!”, Chloe assentiu ao auxílio prestado pela irmã, ainda impressionada com a capacidade anormal do adversário.
Brecar a realização de um ataque como aquele sem maiores dificuldades e mudar seu próprio eixo era incrível. Tudo muito realçado em virtude do respectivo porte corpóreo.
Enquanto pensava, não parava de agir.
Empurrou uma das lâminas contra ele ao executar um salto veloz. A arma passou por trás da inerte filha de Hades e forçou o espartano a desviar com a cabeça, ao lado oposto da incisão.
De novo, ele foi rápido demais e se preparou para revidar.
Nesse ínterim, a purpúrea puxou a companheira pela capa que lhe envolvia.
Nem por isso o homem cancelou o corte, que rasgou o ar de encontro ao solo, no ponto exato onde a ruiva estava há menos de dois segundos.
A despeito do tremor absurdo e os destroços erguidos através de rachaduras grotescas, a filha de Atena sustentou o raciocínio incessante.
Precisava encontrar possibilidades viáveis de criar alguma vantagem.
Sua irmã continuava a disparar nos momentos propícios, retardando o inimigo alucinante mais uma vez.
“Os reforços de Julie detêm sucesso ao estorvá-lo. Contudo ainda segue insuficiente”, começava a visualizar poucas saídas enquanto recuava com a jovem de caudas gêmeas.
Os sentimentos de Lilith continuavam governados por um misto de angústia e temor.
Ainda que desejasse lutar contra o adversário em comum, ajudar seus companheiros, permitia que os pensamentos negativos a atrapalhassem de qualquer jeito.
“Droga...!”, frustrada, rangeu os dentes e colocou-se de lado.
Não conseguia nem controlar o emocional no intuito de batalhar plenamente, demonstrar suas verdadeiras capacidades.
Oposta total aos outros três, que cada vez mais entravam no clima do confronto.
Estava apenas começando.
E o rapaz de cabelo cacheado regressou da melhor maneira possível, recuperado da pressão inicial.
Desferiu um ataque repentino contra o filho de Ares, vindo por seu flanco direito. O forçou a se defender com o machado, tão rápido que tinha conseguido ser.
Surpreso diante da velocidade silenciosa, acabou por receber um poderoso estampido com segundos de atraso. Como se um trovão tivesse ressoado rente a seu ouvido.
“Enfim teve sucesso em forçá-lo à defensiva”, Chloe fechou a vista direita, irritada com o som agressivo.
De todo modo, permaneceu na aplicação mental.
— Agora eu gostei, trovãozinho... — Brandt só sabia se deleitar mais e mais.
Cada mínimo esforço feito em prol de defender ou atacar o despertava mais ânimo.
E ter superado a habilidade de contragolpe instantâneo do adversário já mostrava que o filho de Zeus tinha avançado bons passos rumo a retomada.
Restava, de todo modo, a superioridade clara do musculoso. Seu simples esforço de reerguer o porte foi suficiente para anular a tentativa do garoto.
Avançou com o braço e jogou-o para trás, o permitindo se reagrupar com as três moças que o acompanhavam naquela dança caótica.
Ilesos até então, começavam a se acostumar um pouco com o estilo impetuoso do adversário.
Mesmo ineficazes em quase todas as vertentes ofensivas, na defesa eram capazes de se sobressair, mesmo com alguns sustos.
— Ah, isso foi bom — sibilou o moreno, que se virou com calma ao quarteto. — Já foram mais divertidos do que aqueles pássaros do lado de fora!
“Então, de fato, subjugou as harpias”, a pensativa afirmou a ponderação de outrora, mas logo balançou a cabeça para os lados.
“Esse estilo e luta é um troço”, Damon franziu o cenho, irritado diante das circunstâncias.
Em resposta ao silêncio adotado pelo grupo, Brandt estalou os ossos da mão destra, apenas ao contorcer os dedos de forma bizarra.
— Chega de brincadeiras. Vou acabar de uma vez com...!!
Interrompeu a si próprio, levando os olhos negros à direita.
Tal deslocamento induziu a atenção daqueles que o enfrentavam, à exceção das gêmeas.
Mesmo sem encarar, elas já tinham ciência sobre o que estava para ocorrer.
Com o avanço dos segundos, ruídos de passos misturados a tilintares metálicos ecoaram pela passagem original que sucedia o salão.
A tensão cresceu por todas as partes.
Nenhum dos jovens sequer cogitou executar algum movimento, até que...
— Quem diria. Os cinco ratos estão unidos. — A voz grave ecoou até o recinto. — Isso facilita meu trabalho.
Não demorou muito até que o respectivo abandonasse a escuridão, sendo revelado pelas luzes douradas aos descendentes divinos.
Trajado em sua armadura de bronze, cessou o avanço poucos metros à frente do arco encíclico. Emitiu um sorriso feroz para recepcionar os presentes, que não sabiam o que fazer.
Chloe enfim deixou a atenção do primeiro oponente e virou o rosto ao grisalho. As sobrancelhas ganharam novo peso, fazendo os cílios quase se conectarem.
— Você é... — Ajeitou a postura curva antes de completar: — O Herói do Minotauro, Teseu.
Ao escutar aquilo, Brandt sorriu como uma criança à frente de seu doce predileto.
Damon e Lilith, dúbios, trocaram rápidos olhares.
— Herói do Minotauro?... — O primeiro expressou a tal dubiedade pelo mussito.
Só então a ateniense se lembrou do quão ignorante o rapaz — e sua companheira, aparentemente — era acerca dos membros prestigiados da corporação.
— Teseu foi o magnificente encarregado de compelir e confinar o Minotauro, na Ilha de Creta, há muitos anos. Ademais, trata-se de um integrante ilustre da Corporação dos Deuses.
Diante da explicação sucinta feita pela ponderada, o descendente do Rei dos Deuses voltou a mirar no rosto enrugado daquele homem.
Só de encará-lo já conseguia perceber que se tratava de uma pessoa completamente diferente do que estava acostumado a lidar.
E como se pudesse ler as determinações dele, a lanceira deu procedência:
— Diferente de nós, ele é um mortal. Todavia logrou de façanhas improváveis e satisfatórias, capaz de conquistar até mesmo os grandes deuses. Isto lhe concedeu a consecução do patamar divino como nenhum outro. — Forçou os lábios para baixo. — És um Apóstolo de Classe Herói.
O baque veio numa torrente repentina.
— Um mortal... Classe Herói!? — Pasmado diante de tamanha incredulidade, o olimpiano separou os lábios.
Mesmo que não fizesse ideia sobre todos os integrantes superiores, conhecer um que fosse desprovido de sangue divino num posto tão alto como aquele era quase absurdo.
E pior; aquilo significava que sua classe era acima até que a de Castor e Pollux, a dupla que o derrotou junto aos demais aliados na missão anterior.
A cada avanço, a dificuldade só fazia aumentar.
Só que isso não o abalou.
Muito pelo contrário.
— Muito bom... — Devidamente apresentado, o mortal coçou a barba. — Eu tenho três boas opções pra esse cenário. Então, devo fazer assim...
Levantou o indicador da mão livre, passeando pelo espaço e apontando um por um.
— É... Você sobra — sibilou na formação de um sorriso contorcido.
O alvo da vez foi o filho de Ares, que já pretendia atacá-lo sem pudor algum.
Contudo, Teseu agiu tão rápido quanto o pensamento ao trazer consigo o machado, até então, relaxado sobre a ombreira.
Por meio de um corte veloz, a lâmina retilínea foi em direção ao solo e o atingiu, liberando algumas faíscas pelo ar.
Essas, de tonalidade alaranjada, vieram do arranhão superficial criado na crosta.
— Mova-se, Terra.
Suas palavras foram atendidas por um súbito tremor, espalhado ao salão inteiro.
A própria terra acumulada abaixo do solo ganhou vida, chacoalhando as estruturas do subterrâneo.
Em antecipação a qualquer resposta, a Energia Vital cresceu a ponto de fazer a crosta perfurar regiões da superfície adjacentes de onde os apóstolos estavam.
Camadas sólidos que pareciam ter vida própria alçaram contra o primeiro quarteto, os obrigando a se separarem nas duplas originais.
Damon e Lilith foram envoltos pela Autoridade Elementar da Terra, até serem arrastados na abertura sobre o teto acima do mortal.
Atravessaram a primeira parte e foram prensados contra as extensões superiores. Dores intensas se alastraram por seus corpos, até que atravessaram o caminho até os “andares” acima.
Outro aglomerado tratou de envolver as irmãs gêmeas, sem as permitir se livrar. As arrastou até a abertura na parede criada pelo gigante há pouco.
“Vocês são minhas”, o Classe Herói sorriu, à medida que acompanhava as jovens serem conduzidas pela fenda.
“Afirmação: O alvo dele somos nós”, além de perceber a expressão deleitosa do rival numa fração de relance, Julie pôde captar sua frase mental e tratou de alertar a irmã.
Dito isso, Chloe escolheu não romper contra o ataque inesperado, por ora.
Com a sequência estranha de acontecimentos, considerou ser uma oportunidade de compreender os pormenores da situação.
“Este homem é um traidor”, determinou de imediato, ciente de que, pelas circunstâncias, ele tinha sido o libertador de quem procuravam a princípio. “A vertente para a qual ele conduziu aqueles dois...”
Pensou se seria possível encaixar um cenário como aquele.
Apesar das diversas possibilidades em vigência, tudo indicava a uma em específico...
Deixou ser levada junto da gêmea pelos corredores adiante, aceitando aquelas definições temporárias — mas não menos importantes.
Por fim, o único que teve capacidade de se desvencilhar das crostas avassaladoras do mortal: Brandt.
Pela primeira vez, seu rosto projetava um semblante odioso, de sobrancelhas enrustidas e lábios contorcidos com os dentes à mostra.
No mais puro instinto, buscava lacerar as camadas movidas por energia que o atacavam sem parar.
— Você é realmente um estorvo... — Teseu sorriu de escárnio ao estalar os dedos da mão livre.
De repente, a velocidade de deslocamento das massas terrestres se elevou, na iminência de agravar a destruição pelo recinto.
Todo e qualquer espaço encontrado pelo robusto foi reduzido a uma prensa pesada, que o pegou e empurrou em direção ao teto.
Buscou usar a energia efervescente, a fim de vencer o ímpeto da magia irritante.
Entretanto, acabou tendo o mesmo destino da dupla de prodígios há pouco; foi lançado contra os andares acima, incapaz de revidar.
— SEU MERDAAAAAAA!!!
O grito potente de Brandt foi perdendo força, conforme era carregado na direção da superfície.
Ao ter se livrado também do ar pesado resultante de sua presença, Teseu exalou um profundo suspiro.
— Pois bem. Podemos começar os preparativos.
Após contemplar a devastação causada por si próprio, deu a volta e caminhou em direção à passagem para as filhas de Atena.
Os filhos de Zeus e Hades passaram por alguns pisos até a crosta de terra perder ímpeto e se desfazer.
Foram lançados a um novo corredor, tão longo em comparação aos ultrapassados até aquele momento.
Passou-se algum tempo. Levantaram-se do chão após recuperarem um pouco do fôlego e se livrarem das dores acumuladas.
Mesmo bem desnorteados pela escuridão que governava o trajeto fechado, trataram de lançar a atenção aos arredores.
— Que merda foi essa...? — Damon balançou a cabeça e bateu com a palma abaixo do ouvido, se livrando dos grãos que sobraram consigo.
Recomposto na postura, mirou com os olhos entrefechados a uma ínfima fonte de luz que se formava a alguns metros.
Pensou de cara que poderia ser um caminho.
— Por que...? — Lilith, entre murmúrios, também se reergueu. — Por que estamos lutando contra nós mesmos?
O rapaz viu-se incapaz de responder, assim como não pôde evitar que uma lembrança específica da batalha travada em Delos retornasse para si.
Um contexto parecido tinha sido originado na tarefa do Deserto da Perdição.
Primeiro o filho de Ares; agora, um mortal que atingiu o patamar de Classe Herói.
De certo, o andamento dos episódios acumulava diversas estranhezas. O total oposto que os dois esperavam receber, após serem promovidos à Classe Prodígio.
Todas as divagações foram dissipadas no instante que o olfato aguçado captou uma fragrância robusta, exalada da fonte que enxergava adiante.
Como se fosse uma consequência direta daquele fator, um fluxo de energia alcançou a sensibilidade morosa da ctónica.
Distinguindo com maior clareza a camada intangível de influência vital, Damon respondeu à pergunta ao apontar o indicador à iluminação a seguir:
— Talvez a resposta... esteja ali.
Trocaram olhares e buscaram um mútuo consentimento.
Levaram poucos segundos de caminhada, até chegarem ao arco para um salão oval. Com as armas em mãos, estreitaram as vistas para se habituarem à chegada da luz.
Quando puderam enxergar o campo à frente, encontraram o responsável por exalar a aura peculiar. E tudo foi de mal a pior.
Somente ao contatarem o homem sentado no trono de pedra, a dupla foi assolada pela magnitude indescritível do clima em volta dele.
“Essa pressão... essa energia...!”, Lilith cerrou um dos punhos, apertando o cabo da foice estremecida.
“Não tem dúvida...”, já Damon, no puro terror, projetou um sorriso involuntário.
Facilmente reconhecia o motivo de ter os instintos corpóreos voltados para a fuga.
Nem mesmo a presença do filho de Ares, responsável por os dominar na luta recente, poderia chegar aos pés da que aquele ser irradiava só de estar ali.
De alguma maneira, havia um lado positivo naquele encontro: era a chance perfeita que tinha para se redimir das últimas derrotas.
Esse era, afinal, o principal objetivo que os levou àquele lugar. O grandioso “prêmio” do Deserto da Perdição...
— Esse é... o Titã Condenado — murmurou ao depositar um peso descomunal sobre a empunhadura da espada.
Prometeu, então, abriu os olhos de fogo em brasa vagarosamente.
Como se estivesse despertando de um longo sono...
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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