Volume 3 – Arco 3
Capítulo 49: Rebuliço a Sete Palmos
Prometeu divagava sobre as possibilidades de afronta ao Rei dos Deuses. Com o corpo revigorado, sentia que a hora de agir estava mais próxima.
Abalos provenientes das situações atípicas na extensão dos corredores subterrâneos alcançavam o salão isolado.
Não obstante ao incômodo sofrido em seu trono de rochas, mantinha-se em completo silêncio.
Os olhos flamejantes permaneciam semicerrados. A respiração branda fazia a barba aparada subir e descer junto ao peito.
Tudo aquilo não deveria ser o suficiente para sequer atrapalhá-lo...
— Ainda quer esperar pacientemente aqui?
Diferente dos tremores antinaturais, os passos metálicos se achegaram da passagem adiante e lhe arrancavam a pouca paciência que procurava conservar.
Tendo o cabelo grisalho e a barba marrom destacadas pela iluminação das tochas da área oval, o dono da voz rouca parou de andar.
O rosto de Teseu mostrava-se enrugado em um misto de dubiedade e inquietação. Batia o lado posterior do machado sobre a ombreira canhota, proliferando novos ruídos insuportáveis ao repousado.
Como tinha sido responsável por libertar o titã de sua prisão tormentosa, carregava certa posição de destaque diante do respectivo.
Um sorriso ligeiro surgiu entre os pelos emaranhados.
Conforme o tempo avançava, Prometeu sentia cada vez mais desconforto perante a influência de seu salvador.
O olhar tornava-se torto o suficiente para que o homem captasse suas intenções. Mesmo assim, sua confiança não oscilava com facilidade.
— Se está vindo aqui com esta pergunta, então acredito que tenha descoberto a identidade dos intrusos. — O titã deitou o rosto no punho em riste, à esquerda. — São deuses?
— Acertou em cheio. Mas não se preocupe. São apenas pirralhos. — Teseu ergueu o indicador — Sim, sim, eu os conheço. São brinquedinhos de estimação das grandes divindades, integrantes da Corporação dos Deuses. Pude apurar que ainda são membros de nível inferior ao meu, um Classe Herói.
O titã bufou em descontentamento.
— E o que isso quer dizer?
— A Classe Herói é a mais alta das castas da corporação. Só existem os inferiores. — Abriu os braços, contentado. — Sendo esses pirralhos inferiores, eu poderia derrotá-los com facilidade para você, meu senhor!
No sustento da taciturnidade num primeiro momento, o titã analisou o riso avantajado do mortal. Seus dentes amarelos se revelavam no rosto.
Ajeitou a postura sobre o assento rochoso e, na soltura de um lamento, rebateu:
— Tem certeza de que pode derrotá-los? Sua atitude é boa, mas me parece um pouco presunçosa demais...
Recebendo a cutucada inevitável, Teseu torceu uma das sobrancelhas e respondeu:
— Absoluta. Sou só um mortal, você deve ter imaginado isso ao dizer que eles são deuses, certo? Acontece que eu sou diferente... — Franziu os supercílios, colocando maior intensidade no semblante maléfico. — Eu sou aquele que superou até mesmo os deuses, como você sempre quis!
Prometeu parou de piscar.
De alguma forma, aquelas palavras o fisgaram em interesse.
— Nenhum outro ser como eu, inferior aos deuses que nos regem, chegou até onde cheguei. Sou a prova de que mesmo aqueles que não possuem sangue divino podem ascender ao patamar deles! — Abaixou o machado, num movimento impetuoso. — Não permitirei que escumalhas abençoadas, beneficiadas, ou sejam lá o que for, me sobrepujem.
Ao finalizar com um ódio velado na cabeça levemente abaixada, o titã sentiu os lábios envoltos da barba escarlate se curvarem para o alto.
“Interessante...”, reafirmou a sensação que tinha sido vista no dia que foi solto do Monte Cáucaso. “Vejo bem a determinação desse mortal.”
— De todo modo, faça o que quiser. Desde que não prejudique nosso objetivo primordial... — Apontou o indicador a ele. — Veremos se cumprirá com suas palavras.
Com o aval do Titã Condenado, o Classe Herói realizou uma rápida mesura e agradeceu:
— Não se preocupe com isso, meu senhor. Trarei a cabeça desses pirralhos para ti!
Proferidas as palavras de garantia, corrupiou-se em prol de retornar à passagem obscura. Os dentes se afiaram, revelando um sorriso feroz que ninguém mais podia ver.
“Porém também vou te testar um pouco”, guardou a decisão dentro da própria mente ao ponderar sobre como agiria contra os jovens invasores.
Mais uma vez abraçado pela solidão, Prometeu relaxou a mão sobre o apoio lateral para observar o amuleto branco com algum pesar.
Pensar em toda aquela “ironia” pregada pelo destino, abafou uma risada entre os dentes.
Em breve os movimentos derradeiros seriam iniciados.
A Energia Vital exalada por Brandt fervia o espaço. Sua influência assoladora fazia qualquer deslocamento pensado pelos quatro jovens em posição defensiva parecer precipitado.
Nem Damon ou Lilith se lembravam de alguma sensação parecida com aquela.
As Sirenas não apresentaram um nível elevado de periculosidade. Os traidores de Delos, apesar de poderosos, irradiavam uma influência muito mais regulada.
Talvez pudesse ser comparada à presença daquele misterioso ser de robe negro. Contudo, havia claros traços de distinção entre ambos.
Dissemelhante à aura congelante daquele indivíduo, a emitida pelo filho de Ares trazia um peso escaldante que chegava a lhes fazer suar.
Pela primeira vez um dilema entre lutar ou correr surgiu.
“Cacete... isso é bizarro”, o filho de Zeus mal encontrava brechas para atacar o homem sorridente.
Ou então, pensava nisso como desculpa para mascarar sua falta de coragem.
Os próprios instintos gritavam contra qualquer movimento de ofensa ao musculoso. O olfato aguçado não o enganava; caso disparasse de forma descuidada, seria morto no ato.
“Que pressão...”, a filha de Hades só pensou nas palavras ditas pelas gêmeas, há alguns minutos.
Pensar que ainda tinham dois mais velhos do que aquele rapaz a causou ansiedade.
Elas em questão não demonstravam o mesmo nível de agonia que a dupla ao lado.
Chloe respirava fundo, comedindo os batimentos cardíacos e sustentando o funcionamento das atividades lógicas. Não podia dar espaço para falhas naquele instante.
Paralela a ela, Julie continuava inexpressiva.
“Permaneça serena”, a primeira repetia diversas vezes, sem deixar de formular estratégias impensáveis no intuito de enfrentar aquele que deveria ser um aliado.
Conduzida pela sanguinolência dele, elevou a celeridade do trabalho cognitivo.
“Bater em retirada seria o rumo mais benéfico, contudo todas as variáveis apresentam-se limitadas. Regressarmos pelos corredores de onde viemos meramente atrasaria a busca de nosso escopo. Além disso, ele não aparenta transmitir qualquer viabilidade em nos conceder tal ensejo. De certo seria ineficaz.”
Os olhos violetas se arregalaram. Tudo corria pela mente em um período de milissegundos.
“Poderia ter afrontado algum hostil na superfície? Caso tenha, seguramente o subjugou sem quaisquer contratempos. Julgar vossa fadiga seria um erro. O diálogo é inviável, visto que vossa feição demonstra elevada vontade de nos subjugar. Não desfrutamos de alguma conjuntura cem por cento segura com respeito àqueles dois. Sobretudo...”
Era de extrema necessidade encontrar o melhor contorno para a situação desagradável.
Conferiu de soslaio a situação dos prodígios e notou que os dois eram afligidos pela presença do filho de Ares.
Não esperava tamanha comoção por parte deles, portanto vacilou um pouco com o raciocínio ao fitar os semblantes com mais afinco.
— Um, dois, três, quatro... — Brandt apontou na direção de cada alvo. — Isso sim é uma surpresa boa. Vim pra acabar com duas merdinhas e ganho mais dois de brinde!
Lilith recuou um passo ao experimentar a coação ser elevada. Buscou o rosto de Damon, tendo toda a tensão quebrada ao encará-lo.
Sua reação exagerada, ao separar os lábios e exprimir um fraco ruído de perplexidade, chamou a atenção das irmãs.
Diferente de segundos atrás, a íris cerúlea do olimpiano parecia cintilar com uma extrema vontade de confrontar o descendente do Deus da Guerra.
“Ele... ele realmente...!?”, a de caudas gêmeas contorceu uma das sobrancelhas.
A lanceira estreitou as duas.
— Muito bom... eu gosto desse olhar!
Brandt ergueu o queixo ao também perceber a repentina alteração no jovem cacheado.
— Damon, espere. — Chloe se antecipou. — Este é exatamente o objetivo dele.
— Pode não ser muito, mas eu te conheço — retrucou, erguendo o braço com lentidão. — Se tu ficou todo esse tempo pensando e não encontrou nenhuma conclusão, então a gente vai ter que lutar com esse cara de qualquer jeito.
A filha de Atena não usufruía de nenhuma resposta para retrucar a visão do espadachim.
Sabia que ele estava correto, portanto, seguir sem alguma tática só viria a causar efeitos negativos sobre as circunstâncias.
Mesmo assim, ele se concentrou perante a ameaça ao alcance dos olhos. Não restava dúvidas de que o indivíduo animalesco só estava ali a fim de complicar o prosseguimento da tarefa.
— Então você será o primeiro!? — Brandt abriu os braços, recheado de euforia no riso. — Ao menos me divirta um pouco, seu merda!
— Diversão, é? Vamo’ ver...
Assim que desembainhou a espada e a abaixou na direção do solo, o olimpiano forçou a reunião de Energia Vital. A essência da região foi afetada de forma imediata.
O sanguinolento semicerrou as vistas escuras, deixando os ânimos se elevarem. O punho dominante machucava o pomo do machado, tamanha a força depositada em seu porte.
Atônita, Lilith tentou alcançá-lo com a mão estremecida. No entanto, a intensa aura ao redor do garoto parecia lhe reprimir.
O foco absoluto em confrontar o filho de Ares provou-se inquestionável. E foi realçado por todas as partes, assim que a energia invisível de ambos colidiu.
Chloe não resistiu em esgazear as vistas.
A apóstola púrpura não resistiu em arregalar os olhos. Retirou o que havia cogitado sobre a falta de confiança relacionada ao aliado há poucos segundos.
“Está diferente. Como esperado”, fitou o companheiro, que iniciou uma lenta caminhada na direção do adversário. “Por ter indubitavelmente desempenhado com suas qualificações para com o Rei dos Deuses e nossa mãe... vossa experiência está refinada.”
— Isso!! Isso!! Tenta me acertar, moleque!!
Brandt permaneceu de braços abertos, desinteressado em proteger a vanguarda.
Isso arrancou um sorriso de escárnio do filho de Zeus, que alçou o olhar afiado para o rebater:
— Tem certeza? Não me culpe se ficar arrependido depois.
A vitalidade ao redor do cacheado cresceu em densidade.
Fagulhas elétricas celestes surgiram em rápidos estalos. Então, o prodígio desapareceu de onde estava após concluir um passo isolado.
O ruivo levantou as sobrancelhas. As gêmeas arriaram.
O rastro cerúleo desapareceu em segundos, tempo necessário para que Damon realizasse o ataque contra o musculoso.
Sua investida o fez ultrapassar o inimigo, que reagiu através de uma agilidade sobrenatural e bloqueou o golpe de espada com a lâmina do machado, de costas.
A resposta impensável arrancou um grunhido dúbio do atacante. Seu corpo foi jogado de volta para trás, como se toda a força depositada no golpe voltasse contra si.
Tornou ainda pior o efeito do ataque bloqueado, afinal seu algoz sequer tinha dado a volta com a postura.
Na altura da entrada, Chloe já tinha compreendido a natureza daquele movimento.
“Ele rebateu!?”, Lilith, por pouco, não levou as mãos à boca ao contemplar o ricochete sofrido pelo espadachim.
Uma mistura de faíscas escarlates e cerúleas se desfez entre os combatentes num sopro de vento.
A diferença estava na vantagem criada pelo guerreiro feroz.
“Não é tão rápido, mas... que força!!”, perplexo, Damon rangeu os dentes e tentou retomar o controle de si mesmo.
O espanto causado pela reação vertiginosa do musculoso o fez acelerar num novo ataque, puxando de volta o braço com todo o esforço possível.
Brandt rodopiou sobre o próprio eixo e golpeou de volta, originando uma disputa de força.
As lâminas, ao entrarem em contato, criaram uma onda de choque agressiva por todo o recinto.
E mesmo vindo de baixo, prevaleceu a potência do robusto, que rebateu o cacheado pela segunda vez.
Sem deixá-lo respirar, avançou numa terceira e impiedosa investida ao descer a arma pesada em sua direção.
Damon se desdobrou para trazer o braço de novo, defendendo no momento exato.
A brutalidade no golpe pesado postava-se acima de qualquer padrão conhecido pelo garoto.
Num giro repentino, o filho de Ares saltou e forçou o olimpiano a ser derrubado contra o corpo do gigante morto.
Cuspiu saliva ao colidir com o dorso da carcaça da criatura. Estalos poderosos puderam ser escutados por aquele período.
O alívio veio ao descobrir que eram os ossos do monstro a se partirem, não os seus. Mesmo assim, a situação continuava tenebrosa.
— Me arrepender? Eu estou é desapontado! — Brandt afundou o garoto na força bruta. O olhar feroz lhe sufocava. — Eu abri minha guarda frontal e você quis me atacar pelas costas!
Damon demorou a perceber que estava boquiaberto.
— Essa foi a prova de que você é realmente um merdinha!!
O filho de Ares cessou a pressão e ergueu o machado.
Isso abriu um ínfimo espaço a favor do prodígio, que rolou o corpo à esquerda.
Foi tudo muito rápido; o ataque desceu, detonando carne e ossos da monstruosidade. Uma explosão capaz de jogar o garoto a metros de distância.
Depois de se arrastar pelo chão, saltou num morto a fim de retornar ao confronto. Mas o guerreiro já estava em sua cara, preparado para mais uma.
Era extremamente sufocante. Levou a espada até a defensiva, sendo atingido e jogado de volta.
Bateu com a parede de pedra. O choque criou um estampido estremecedor, assustando as aliadas distantes.
Criava-se um confronto de pura desigualdade.
“Esse maldito é forte demais. Não tenho chance”, Damon sequer piscava e já era atacado em seguida. “Se continuar assim, ele vai conseguir me cortar!”
Esforçava-se ao limite para desviar de cada ataque, ciente de que só se defender com a arma afiada não seria suficiente.
A autoridade esmagadora exercido pelo robusto não o permitia reunir energia para revidar.
— Vamos, Julie. — Chloe murmurou sem encarar a parceira. — Possivelmente seremos agraciadas com a determinada probabilidade caso batalhemos unidos. Criaremos aberturas para que Damon o conteste.
“Resposta: Como quiser, minha irmã”, Julie preparou o arco de forma a mirar com uma flecha na direção do embate.
— Você. — Olhou na direção da filha de Hades. — Similarmente necessitamos de vossa assistência.
— Eu...
Lilith estava tão desconectada do contexto geral que se assustou só de ser encarada pela ateniense.
O domínio opressor exercido pelo adversário a fazia hesitar. Não apenas por seu poder natural, como pela ansiedade oriunda da missão mais recente.
Momentos desagradáveis faziam-se absolutos em sua cabeça, culminando numa inércia responsável por vexá-la de diversas maneiras.
“É verdade... também vou lutar”, entrou em determinação ao apertar o punhal, buscando forças em prol de se livrar daquele estado reativo.
Apertou o botão central e transformou a arma na grande foice rubro-negra.
Chloe ainda teve tempo de se atentar à beleza simétrica das extremidades daquele equipamento, esboçando um rápido sorriso antes de voltar a encarar o desafio.
Dominado do início ao fim, Damon se cansava mais do que conseguia contra-atacar.
Pensar em cada deslocamento o deixava mais fatigado que o esperado. Só que isso era imprescindível caso desejasse não ser atingido pelas incisões impetuosas do rival.
“Vou ter que usar a Bênção!”, juntou os dentes e buscou condensar o quanto fosse de energia.
No instante que os olhos azuis irradiaram um fulgor atrativo, uma flecha em alta velocidade atravessou entre os dois, os separando de imediato.
Enfim um tempo de respiro foi concedido ao espadachim.
Brandt encarou de soslaio, na primeira circunstância onde era interrompido.
— Venham todos! — rugiu às gêmeas, que se postavam ao redor dele para que a verdadeira batalha começasse.
Agora, eram quatro contra um.
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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