Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 48: Encontro [e Mais Uma Dupla]

Sempre destoando entre o escuro de Chloe e o desbotado de Julie, as expressões apresentavam extrema dissemelhança uma da outra.

E era isso que mais chamava atenção em prol de diferenciar as irmãs gêmeas, idênticas em fisionomia e vestimenta.

A filha de Hades piscou diversas vezes. Embora surpresa com as aparências, conseguiu identificar rapidamente a discrepância entre elas e a dupla da missão anterior.

Era como se uma influência experiente irradiasse da ambas e a abraçasse com força.

Se por um lado isso a deixava fascinada, por outro lhe despertava um singelo desconforto.

Outra parte do incômodo veio ao notar que eram bem mais altas comparada a si e até mesmo ao rapaz ao lado.

— Identificamos presenças inéditas através deste recinto, portanto tomamos a decisão de averiguar. Quem diria que serias tu, Damon. — Mirou a face nada aprazível do rapaz. — Há tempo que não nos encontramos. Sequer pudemos reconhecer vossa influência com precisão.

— É. Falando assim, faz tempo mesmo... — Encarou a alva, ao lado.

“Saudações.”

Quando a telepatia se proliferou, um súbito desconforto se criou no âmago do filho de Zeus.

“A voz dela...?”, Lilith levou uma das mãos à cabeça depois de experimentar a palavra invadir sua mente com clareza.

Demorou um pouco a perceber que a alva nem tinha mexido os lábios. Parecia que tinha falado normalmente num primeiro momento.

Encarou-a com afinco durante aquele período. Aos poucos, a sensação deslocada direcionou-se à ausência de expressões naquele rosto pálido.

— E quem seria a jovem que lhe acompanha? — Chloe estendeu a mão à direção da ruiva.

— Ela é minha dupla. Não parece um pouco óbvio?

Damon mirou a jovem paralisada por meio de um gesto com a cabeça.

Em seguida, ela se livrou da inércia e avançou dois passos.

Sabia que as referidas eram as filhas da Deusa da Sabedoria. Ficaria bem claro, mesmo se não tivesse sido dito de antemão pela Deusa da Lua.

Portanto, ajeitou a postura e executou um gesto positivo de cabeça. Tentava ser o mais respeitosa possível, também para não delegar uma má impressão às duas.

— Eu me chamo Lilith, filha do Deus do Submundo. Também sou parceira do Damon como Apóstola Prodígio. Espero que possamos nos dar bem.

A forma cordial com a qual se pronunciou fez o olimpiano alçar um pouco das sobrancelhas.

Já a lanceira posicionou a palma curvada sob o queixo. Analisou a jovem de cima à baixo, minuciosamente.

Se aproximou dela em três passos determinados e levou as palmas a tatearem as extremidades de suas caudas gêmeas.

Lilith viu-se incapaz de reagir. Apenas acompanhou os movimentos estranhos da purpúrea, que assentiu com a cabeça ao alisar os fios até soltá-los nas pontas.

Então, levou-os a envolverem seus seios.

Corou mais rápida que o pensamento. Afastou-se por meio de um salto rápido, encerrando a checagem extravagante da filha de Atena.

Escondeu-se atrás de Damon num gesto de defesa pessoal. O garoto mal sabia como reagir, mesmo ciente das manias excêntricas apresentadas pela jovem mulher.

No fim, só subiu o lábio superior, demonstrando aversão a tais atitudes.

Por outro lado, a ateniense mirou ambas as palmas por alguns segundos. Fechou os olhos, ainda sentindo a maciez que tinha acabado de apalpar.  

— Perfeita... — Abriu um tênue e satisfeito sorriso. — Me chamo Chloe. Esta é minha irmã e, também, parceira de corporação, Julie.

Estarrecida, a ctónica forçou um riso com somente um dos cantos da boca.

Respondeu conforme estremecia tanto o corpo quando a voz:

— S-sim... Prazer...

— Confesso que já fui instruída acerca de vossas histórias. — Mesmo em nota à mudança na feição da jovem, prosseguiu: — E isto confirma que você seja a possuidora da...

— Tá bom, tá bom — Damon a interrompeu, batendo as palmas. — Já foram apresentadas, agora a gente pode ir ao que interessa, né?

Entrou à frente da acuada com o braço estendido, como se para a proteger.

O tom de voz áspero e as sobrancelhas contraídas entregavam uma nuance nada amistosa.

Lilith desviou o olhar, dominada por apatia ao imaginar as possíveis palavras de encerramento da nova conhecida.

Quando conferiu o estado da garota, o olimpiano pensou em reprimir a lanceira. Mas ao virar o rosto de volta para fazê-lo, viu o semblante dela tornar-se outro.

Os exuberantes olhos violetas estavam fixados no rapaz. A boca levemente aberta tinha os lábios contornados para baixo.

Retirou uma das lanças presas à cintura e antecipou-se em duas passadas.

— Ei, o que voc...?

Antes que o cacheado pudesse terminar a pergunta, a filha de Atena empurrou a lâmina contra seu rosto.

Pego de surpresa pelo golpe, sequer teve tempo de reagir. Experimentou uma corrente de ar fria quase explodir ao seu lado.

Os olhos esgazearam, incrédulos.

A filha de Hades reagiu tão perplexa quanto. A impressão negativa a respeito da veterana cresceu ainda mais.

Nem mesmo com aquela sequência, Julie alterou a inexpressividade em seu rosto.

Então, antes que qualquer um reclamasse a respeito, Chloe retornou com o braço e guardou a arma de volta na fivela lateral.

— Vosso cabelo, na banda esquerda. Possuía as pontas infinitesimalmente maiores em comparação à banda contrária. Agora apresenta-se perfeito.

Perante a justificativa da purpúrea, Damon estalou a língua à medida que tentava se recompor da respiração ofegante.

Encarou o solo abaixo, vendo os fios vinho-escuro arrancados de sua cabeleira bagunçada.

— Essa sua merda de obsessão só piora...

A moça apenas sorriu com a reclamação dele.

Voltou a atenção à jovem retraída logo atrás, que torcia para não compreender mais nada do que estava acontecendo naquele corredor.

O clima entre a troca de olhares não foi nada agradável.

Só que, dessa vez, a veterana esboçou um sorriso ameno e resolveu aperfeiçoar os detalhes:

— Perdoe-me pela ocasião. Anseio por uma generosa convivência entre nós, a fim de completarmos nossos deveres.

“E que não nos atrapalhe com aquilo”, completou através do pensamento, dando a volta e voltando à gêmea, única capaz de escutá-la.

— Tá tudo bem. Essas duas são estranhas mesmo. — Damon falou próximo ao ouvido da companheira.

— Acho que... todos nós somos estranhos uns para os outros... — Ela devolveu, um tanto quanto remoída.

Julie os encarou com seu olhar inanimado.

Foi o suficiente para fazer o filho do Rei dos Deuses exalar um forte lamento e voltar ao fio da meada:

— Agora a gente já cumpriu uma parte do nosso objetivo.

— Então nossa mãe os enviou para nos prestar auxílio? — Chloe o fitou por cima do ombro.

— Por aí...

Desconfiado, tateou as pontas do cabelo e conferiu o corte irrelevante, porém abrupto realizado pela ateniense.

Lilith deixou de agarrar suas costas e juntou-se ao seu lado, enfim retomando a presença na pequena reunião.

— De fato, devemos dar procedência unidos. Nos acompanhem, caso possam...

A purpúrea corrupiou-se no intuito de seguir adiante e logo foi acompanhada pela desbotada, sem alguma objeção.

Resmungão, Damon engoliu em seco e decidiu aproveitar a situação favorável.

Poderia deixar que aquelas duas liderassem o caminho, visto que iam em direção ao que seu olfato tinha encontrado.

Junto com Lilith, começou a acompanhá-las pelos corredores parcialmente iluminados.

Então, lembrou-se de algo também importante, realçado antes de deixar o Monte Olimpo rumo à missão...

— Vocês por acaso conhecem o filho mais novo do Deus da Guerra? — indagou a elas, que não disseram nada a princípio.

O silêncio o trouxe certo desconforto, visto que nem mesmo uma olhadela elas ofereceram a sua face.

— Que eu saiba, ele se chama Brandt — respondeu Chloe, de repente. — Ele é um Apóstolo há algum tempo acima de nós. Todavia, também é um Classe Avançada.

Diante daquela explicação, a filha de Hades pôde compreender melhor a posição das duas.

— Então ele é forte...

— É uma família complexa de se lidar. Possuímos ciência de tais fatores em razão das ininterruptas divergências entre o Deus da Guerra e nossa mãe.  — A voz dela soava descontente. — Todavia já nos encontramos com ele, uma vez.

Abaixou a cabeça de leve, enquanto remetia o ocorrido comentado por si mesma.

Uma sensação estranha lhe correu o corpo, como de praxe ao reviver o respectivo acontecimento. Mesmo o raciocínio veloz se tornava intrincado.

— De certo, ele é um indivíduo perigoso. É possível experienciar meramente ao encará-lo nos olhos. Contudo, certamente, sequer alcança os pés dos outros dois.

O tom de soturnidade da púrpura fez a jovem de caudas gêmeas engolir em seco.

Ponderar as eventualidades que os fariam encontrar aquele indivíduo criou um peso real no clima do avanço.

Pelo lado de Chloe, essa somente encarou de esguelha ao jovem em seu encalço. Ele não tinha explicado o motivo da pergunta, mas parecia bem óbvio para ela.

 Esclarecendo a dúvida através das próprias divagações, viu a chegada de mais um salão encíclico.

Iluminado por toda as partes, continha uma quantidade elevada de tochas em comparação aos demais recintos ultrapassados até então.

Diferente das gêmeas, era a primeira passagem além dos corredores claustrofóbicos para a dupla vinda do Olimpo.

Uma pequena onda de alívio os dominou assim que encontraram o espaço extensivo.

Mas o sentimento foi desmantelado logo na sequência, instante que os presentes se depararam com o surgimento de uma figura gigantesca da passagem a seguir.

Damon e Lilith não tiveram escolha senão remeter a um dos desafios do Templo de Asteria.

O ser que tinha o dobro da altura das irmãs identificou os invasores e abriu os olhos escuros.

Executou um novo passo poderoso, incumbido de chacoalhar as estruturas de pedra.

Balançou o enorme martelo em sua palma canhota, já prontificado a agredi-los sem hesitar.

— Não há muitas opções que nos viabilize a distração nesta região. — Chloe tomou a dianteira conforme acoplava os cabos da lança. — Julie, redirecione vossa concentração da retaguarda.

“Resposta: Como quiser, minha irmã.”

Ao passo que os olhos brilhavam de leve, Julie preparou o arco em velocidade recorde e retirou uma flecha da aljava.

A presteza na preparação de ambas reinava acima de qualquer expectativa dos prodígios.

Enquanto eles perdiam tempo sobressaltados pelas vivências recentes, as atenienses já se antecipavam diversos passos em sua frente.

A ponte entre as experiências era longínqua. Meros segundos foram o suficiente a favor de ambas imergirem por completo no embate inevitável.

Conscientes de tamanha disparidade, os prodígios se remoeram por dentro.

Nada obstante a isso, Chloe avançou em alta velocidade.

A criatura soltou um rugido impetuoso, abalando todo o espaço fechado. Tentou a esmagar ao golpear numa vertical descendente, mas seu tamanho só servia para criar vantagens a favor dela.

Dotada de boa agilidade contra lentidão do gigante, desviou a um dos flancos e arqueou num giro da lança-dupla.

Usou a primeira lâmina para o calcanhar do monstro, então conduziu a segunda no intuito de criar outra laceração em sequência.

Plano esse tão óbvio que Damon nem se impressionou por ter utilizado a mesma artimanha no confronto em Delos.

E apesar da semelhança no objetivo, os movimentos requintados e a eficácia depositada pela lanceira varriam qualquer comparação possível entre os dois.

Além disso...

“Ela cortou perfeitamente”, ele pôde analisar a incisão criada pela jovem de onde estava, antes de a criatura tombar.

A colisão do joelho com o solo repetiu o estremecer pelo recinto.

— Precisamos... fazer alguma coisa? — Lilith tinha o punhal em mãos, mas relutava consigo mesma.

— Essas duas são muito rápidas porque conseguem pensar muito rápido. Na corporação, Atena diz que o trabalho em equipe delas é o melhor. — Semicerrou as vistas. — Mas pode até ser melhor do que isso...

Recebendo a resposta murmurada, a ruiva voltou a contemplar o embate.

A despeito daquela postura convicta, ela apertava a empunhadura da pequena arma. Desejava fazer algo, não somente a fim de auxiliá-las, mas para também provar seu valor.

Enquanto isso, o gigante não desistia de atacar contra a lanceira de prontidão em suas costas.

No instante que girou o corpo como podia e levantou o martelo, Julie disparou três flechas simultâneas que lhe atingiram o dorso da mão.

Experimentou uma dor leve, porém os pontos atingidos pela apóstola fizeram com que largasse a arma.

Assim que ela tombou no plano, Chloe enxergou o rumo do desfecho para aquele conflito.

— Findemos isto de uma vez...

Observando o dorso da criatura, rodopiou a lança e executou um salto rápido. A mira das pupilas afiadas travou em seu pescoço.

O ser ainda ofereceu resistência ao tentar usar os próprios braços como armas.

Mais uma vez, a arqueira agiu de maneira precisa com tiros em pontos calculados.

As setas atingiram o corpo da monstruosidade e interrompeu suas investidas, que vieram com um gemido de dor.

Isso abriu uma nova brecha a favor da jovem púrpura que, sem frear o ímpeto, lacerou a garganta dele sem dificuldades.

As funções do enorme porte cessaram no mesmo instante, até ser puxado lentamente pela gravidade até cair na superfície rochosa.

Concluindo o abate, a apóstola girou a lança com maestria e dissipou os resquícios dos fluídos da criatura.

Deu a volta e, a passos curtos, retornou ao trio acuado.

Projetou um sorriso sereno ao juntar-se à irmã gêmea, que lhe delegou um aceno positivo com a cabeça e recebeu o mesmo.

— Desejam tentar na próxima?

— Acho que ‘tô bem. — Damon franziu as sobrancelhas.

Embora naquela ocasião fosse uma brincadeira saudável da filha de Atena, a dupla jamais imaginaria o surgimento de uma “próxima oportunidade” tão cedo.

Novos tremores percorreram todo o subterrâneo e foram se elevando em intensidade. Um som pesado aproximou-se pela esquerda.

Todos direcionaram o foco à vertente em questão. A súbita explosão da parede lançou escombros e fumaça por todos os lados.

Os prodígios se assustaram, à medida que as veteranas se postaram à frente da posição.

O gigante tomou forma quando a faixa nebulosa se desfez um pouco. Só que ele não parecia atender à presença do quarteto.

Ele atravessou o salão às pressas.

— Mas que merda...!? — O olimpiano observou a corrida desenfreada da criatura, passando ao seu lado.

Chloe refugou a investida. Calculou que, naquela celeridade, o monstro iria sair pelo outro lado.

No fim de tudo, sequer representaria ameaça.

Só que uma dúvida cruel surgiu.

“Do que ele está correndo?”

Assim que a ideia se formou, uma inédita influência abraçou a todos. Extremamente sufocante, veio com outra onda de destruição, agora proveniente do teto.

As crostas de pedra caíram com exatidão acima da cabeça do gigante.

Mesclado aos fragmentos pesados, uma figura de sorriso sanguinário ganhou destaque.

A lanceira arregalou as vistas pela primeira vez, tão perplexa quanto a dupla enviada do Olimpo. A exceção vinha de Julie, mesmo perante a aura animalesca que se levantou dos destroços.

Num rompante furioso, acompanhado de um violento grito de guerra, o indivíduo ajeitou o porte do enorme machado e saltou em direção ao alvo que continuava vivo.

Na velocidade do pensamento, desferiu um golpe em vertical descendente.

O inimigo foi dilacerado da cabeça à virilha e não parou por aí; a lâmina atingiu o plano, originando uma terceira explosão.

A impetuosidade lançou novas pedras pela extensão e reergueu a cortina de fumaça espessa. O fogo dourado de algumas tochas chegou a se apagar com a corrente de vento.

Lilith foi atingida por um fragmento na altura do ombro. Recuou dois passos, irritada com a dor.

Damon tentou protegê-la, porém um rápido deslocamento dissipou toda a camada desbotada do recinto.

Perplexos ao contemplarem as condições do gigante morto, miraram o cabelo vermelho-escuro do responsável por tamanha brutalidade.

Sorrindo de orelha a orelha, sobre os restos mortais da criatura, portava o machado banhado de sangue por todo o releixo.

— Não, não, não... — murmurou olhando para o resultado aterrador abaixo. — Eu fico triste quando alguém foge de mim assim. Já é o terceiro que tenta hoje!

O filho de Zeus estreitou os olhos.

A mão estremecia com a vontade latente de sacar a espada nas costas o quanto antes.

O corpo inteiro parecia gritar em alerta, ante a ameaça transmitida daquela simples presença de globos oculares negros.

Lilith seguiu a mesma linha de pensamento. Manteve o punhal em mãos, o polegar prontificado a apertar o botão que transformaria a arma na grande foice a qualquer instante.

As gêmeas permaneciam comedidas.

Chloe admitia a dose de ansiedade aflorar no peito. Acostumada com a característica influência de qualquer membro da prole do Deus da Guerra, respirou fundo.

— Fique atenta, Julie... — Estreitou as sobrancelhas.

“Resposta: De acordo, minha irmã”, mantendo o semblante inalterado, a desbotada posicionou a primeira flecha na corda de aço.

Ambas somente aguardavam o período em que aquele homem, filho mais novo de Ares, executasse qualquer ação hostil.

Passados alguns segundos em contemplação aos resultados de seu trabalho, Brandt ergueu o firme rosto de pele morena.

As vistas afiadas enfim se conectaram aos novos alvos, adjacentes à entrada original do salão.

Por último, vieram os dentes salientes.

— Finalmente encontrei... suas merdinhas!

Virou o corpo robusto na direção deles.

O punho cheio de veias saltitantes depositou peso extra na empunhadura do machado, louco para cortá-los em pedaços.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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