Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Arco 3

Capítulo 47: Previsão de Luar com Borrasca

Damon e Lilith partiram rapidamente de Olímpia e atravessaram as cidades adjacentes pelas Passagens Espectrais.

Após descerem nos limites de uma pólis de extensivas regiões florestais, caminharam por uma trilha aberta até chegarem no local de escopo.

— Olha só o quanto essa droga é extensa...

O rapaz mussitou, incrédulo por não ser capaz de enxergar qualquer coisa além de areia no alcance das vistas.

Com um dos pés apoiado acima de uma pedra enorme, conduziu a mão aberta sobre as sobrancelhas estreitas.

— É...

A jovem de cabelo vermelho respondeu tão desamparada quanto o companheiro ao lado.

Depois de analisar o local, o filho de Zeus criou coragem em prol de iniciar a busca proposta.

Avançou alguns passos até experimentar o acúmulo de minerais invadir as ínfimas divisas das sandálias de cabedal.

Embora bastante incomodado, continuou com as passadas pesadas rumo ao desafio.

Exalou um forte suspiro, virou o rosto por cima do ombro.

— Vamo’, Lilith.

Com os braços cruzados conforme as caudas gêmeas dançavam no ritmo da brisa gelada, ela mirou o árduo trajeto que teria pela frente e acompanhou o amigo.

Sem motivação alguma, murmurou:

— Sim, vamos...

Envoltos por nada mais do que a região árida, deram início à travessia mais crítica daquela incumbência.

Alguns minutos se passaram desde que foram dominados pelo Deserto da Perdição.

O olimpiano tentava entrar no clima da tarefa. A fim de alcançar o rumo para o triunfo o quanto antes, varria os pensamentos incômodos para fora.

A ctónica o seguia no encalço. Mirava todos os cantos possíveis, perplexa com o tamanho da área vazia que não aparentava ter algum limite.

Mesmo se tentasse retornar de onde tinha vindo agora, não seria capaz. Tudo tinha se tornado um só.

Eles estavam completamente inseridos no território hostil chamado “natureza”.

— Será que falta muito? — perguntou, cansada de tanto subir e descer as dunas enormes.

Mesmo que fosse mais rápido do que dar a volta nelas.

— Sei lá. Não consigo encontrar nada. É só areia e mais areia. — Damon parou acima da montanha natural e observou os arredores. — Merda. Como é que aquelas duas devem ter encontrado algo?

— Ei... Você conhece essas duas?...

— Mais ou menos. Por serem filhas da Atena, já encontrei com elas algumas vezes. — Coçou a nuca. — E a Daisy vai pra casa delas quando estamos em missão. Ela não gosta de ficar sozinha.

— Entendo...

A voz baixa da resposta fez o garoto perceber a estranheza, a encerando com os supercílios contorcidos em dubiedade.

Quando ela desviou o rosto, remeteu às palavras proferidas pela próprio no dia anterior, em Delos.

Indagou-se sobre o motivo de ter evocado tal memória logo naquele momento. E isso o fez, no fim, correr com o semblante dela do mesmo modo.

Era um jogo de bate e volta interminável entre os dois.

— A gente ‘tá... sem muita opção mesmo.

Ele desconversou e decidiu descer da duna, deslizando com os pés.

Lilith voltou os olhos rubis a ele, sendo conduzida pelo sobressalto a fazer o mesmo...

— Ei, espera!

Se embananou por completo, tropeçou na areia e rolou pela descida inteira.

Engoliu bastante pelo caminho, até chegar no fim da sinuosidade.

Damon se virou e enxergou a companheira o alcançar. Uma súbita vontade de rir subiu, o fazendo conectar os lábios e corrupiar-se outra vez.

— Como ‘cê consegue essas proezas, cara? — sibilou entre leves soluços.

O amontoado branco sobrepunha o tronco da ctónica, à medida que sua traseira se mostrava erguida.

Imaginou se ela estava bem por conta da demora em ter alguma resposta. No entanto...

— Puaaa!

Ela arrancou o torso do soterramento, completamente enrubescida — não sabia se pela falta de ar ou pelo excesso de vergonha.

Tossiu um monte, cuspindo tudo que não tinha ingerido durante a queda.

— Isso foi incrível, eu admito.

Compreensiva pela vergonha como motivo de sua vermelhidão, a ruiva rebateu, ofegante:

— Eu só tropecei! Foi azar, apenas isso!

— Tá, tá, acredito.

— A culpa foi sua! Eu tomei um susto!

Damon assentiu para as lamúrias da garota e estendeu sua mão. Ela fez beiço a princípio, mas rapidamente aceitou a ajuda.

Conforme a levantava, o garoto pensou em algo importante: aquele momento foi propício em prol de relaxá-los da tensão.

Sentia-se bem mais leve por conta do pequeno percalço da companheira. E, de certa maneira, sabia que o mesmo podia ser dito dela.

Entretanto, isso não aliviava a dificuldade que encontravam num lugar tão inóspito.

“Andar assim só vai cansar a gente”, a viu bater na própria roupa para remover o acúmulo de sujeira.

Então, aproximou-se dela e deu tapinhas sobre seu cabelo, passou as mãos por suas caudas gêmeas e as limpou dos grãos entranhados nos fios sedosos.

“Oh”, percebeu algo ao correr com os dedos por eles. “São bem... lisos... e confortáveis...”

A garota apertou os lábios e abaixou o olhar, incapaz de controlar o calor que surgia por seu rosto avermelhado.

Depois de vê-la daquele jeito, Damon recuou.

Os olhos dela voltaram à direção dele, que pigarreou e girou na velocidade do pensamento.

Não fazia ideia sobre o que se tratava aquela repentina aceleração em seu peito.

— Consegue... continuar? — Sem muito jeito, indagou a ela.

— Sim...

Igual, respondeu com acanho.

Tentaram se recompor no objetivo de continuarem a busca incessante pelo deserto.

O leve vento frio voltava a soprar em intervalos aleatórios.

As pontas de seus cabelos dançavam no mesmo ritmo, fosse as cacheadas bagunçadas do garoto ou as de tufos laterais da parceira.

Pouco a pouco, a corrente de ar cresceu. Não demorou a se tornar uma ventania que passou a rodeá-los.

O avanço foi prontamente interrompido, assim que um redemoinho tomou forma em volta dos dois.

— Não está achando isso um pouco estranho? — Lilith mencionou, encarando as paredes de vento ficando cada vez mais poderosas.

Aproximou-se o suficiente do cacheado, até tocarem os braços um do outro.

Tal ocorrência fez a descendente do Submundo recuar com cuidado, tentando evitar um novo contato.

No fim, o sentimento foi descartado assim que encarou a expressão circunspecta do rapaz.

Atentou-se novamente aos arredores. Concentrada da maneira devida, pôde perceber uma ínfima influência os rodear junto da ventania.

“Esse vento é magia”, decifrou, alinhada à percepção paralela.

Sem rodeios, Damon puxou a espada e cortou contra a camada de Autoridade Elementar do Ar.

A lâmina passou sem dificuldades, porém não obteve os resultados esperados.

Executou novas duas incisões. Depois, quatro.

No “olho” do redemoinho, comprovou a dificuldade em dissipar o fluxo de gases em grande escala com golpes diretos.

— Gararara!

Não muito distante de onde a dupla estava presa, um olhar deleitoso se misturava à risada exótica.

Observando a sequência de tentativas falhas deles, batia as asas escuras acima do plano com graça.

— A sorte de vocês acabou a partir do momento que vieram pelo meu território — murmurou através de um sorriso apetitoso. — Não achem que será tão simples... Ou melhor, vocês nem sonham em dissipar minha Borrasca!!

O cabelo ondulado, de tonalidade acinzentada, esvoaçava e cobria parte dos olhos esverdeados.

De braços abertos, a harpia passeava com a língua sobre os lábios sombrios.

— A grande Aelo vai enterrá-los nessas areias...

Incapaz de ser vista, contemplava a tentativa incessante do filho de Zeus em cortar o vento.

Era inútil.

Assim que obtinha sucesso em ultrapassar uma fração dos gases, esses eram abraçados por outros e tinham o revestimento redobrado.

Não apenas isso, como o redemoinho ganhava em força, se aproximando da potência de um tornado.

O aumento da velocidade alheio a isso dava início a um preocupante efeito, onde o cone de vento começava a se afunilar contra o “olho”.

— Sejam esmagados... — Os cachos maiores da mulher curvaram-se acima dos ombros. — Quero muito ouvir seus gritos.

À medida que a geografia das proximidades começava a ser modificada em virtude da violenta espiral...

— ‘Cê consegue, Lilith?

O questionamento do olimpiano entrecortou os ruídos e alcançou os ouvidos da mulher-ave.

— Consigo. — A garota abriu sua foice rubro-negra. — Por isso, abra o caminho para mim.

— É claro.

Animado, ele projetou um tênue sorriso.

Portanto, concentrou uma fração de Energia Vital na extensão da lâmina. Um brilho cerúleo surgiu, forte o bastante para ultrapassar a barreira turva da ventania.

Ao perceber o fulgor, Aelo semicerrou as vistas com alguma surpresa.

Em meio a respirações pausadas, buscou sustentar o controle emocional. Precisava usufruir ainda mais da Borrasca.

Contudo, logo após, um brilho inédito e tão intenso quanto lacerou todas as camadas de vento reunidas numa só vertente.

A criatura não resistiu a arregalar os globos oculares dessa vez. O perigo transmitido pela simples olhadela do apóstolo detrás do tornado lhe despertou calafrios.

Demorou a perceber que não deveria se preocupar com o respectivo, naquele instante.

Levantou a mão canhota, apontando à espiral para criar revestimentos do atributo aéreo.

Precisava retomar a potência e elevar ainda mais o afunilamento para acabar com os dois o quanto antes.

Só que não esperava por aquele ser o exato objetivo do garoto...

Arte do Submundo, Quarta Morte. — Lilith tocou a extremidade inferior da foice no solo. — Pilares do Inferno!

O calor gradativamente se formou abaixo de onde Aelo se encontrava. E ela demorou a experimentá-lo.

Por duas razões: a concentração elevada em utilizar a própria magia de larga escala e o voo a metros do solo, deixando suas patas distantes da superfície efervescente.

Damon tinha pensado nisso num relance, o que não era de seu feitio. Ainda assim, não passava de uma aposta onde havia diversas possibilidades de fracasso.

Para eliminar parte dessas chances, Lilith precisava ir além do que tinha utilizado nas batalhas anteriores.

“Mais rápido!”

Depositando dose extra de energia na explosão, mirou o fulgor escarlate jorrar do plano desértico contra a harpia numa velocidade agressiva.

A mulher-ave conseguiu utilizar a própria energia contra si mesma e desviar. No entanto, já era tarde.

Mais de metade do corpo tinha sido atingido pelo gêiser de chamas. Sentiu asas, pele e até mesmo os ossos serem queimados ao mesmo tempo.

Tampouco teve forças para gritar com a dor excruciante. Só caiu na areia, com o físico reduzido a um estado de negritude irreconhecível.

O fogo acumulado se apagou aos poucos das plumas que tão logo tornaram-se cinzas.

“Mas... o quê...!?”, mal conseguia pensar.

Agonizando enquanto a magia de vento esvanecia com lentidão, pôde enxergar os dois alvos de sua caçada.

Ambos deixaram o ponto onde existia o “olho” do tornado.

Empunhando as respectivas armas, caminharam a passadas paralelas até sua direção.

Por fim podendo visualizar a figura responsável por causá-los uma repentina atribulação, Lilith mussitou:

— Ela se parece com uma Sirena...

Em contrapartida, Damon franziu o cenho.

Segurou as memórias que ameaçavam regressar perante o gatilho visual.

Era frustrante. Ao fim de tudo, ele não poderia escapar daquele peso. Tudo parecia estar fadado a lembrá-lo.

Depositou o foco da missão atual acima disso num esforço raro. Isso o permitiu desviar o olhar, sem ter que seguir o mesmo “roteiro” das últimas experiências.

— Por... por fa-favor... — Aelo tentava se arrastar. — Nós... n-nós só querí... amos... segu... rança...!

Seu corpo perdia força a cada tentativa.

Lilith a observou por aquele instante. Não carregava algum pesar consigo, mas vê-la naquele estado lhe trazia uma agonia indescritível.

— Lilith.

Ao ser chamado pelo olimpiano, delegou o foco a uma passagem que tinha surgido em meio à extensão infindável.

Caminhou na direção específica, abandonando a harpia naquele lugar.

Ela deveria morrer, de qualquer maneira, naquele estado. E guardar consigo a justificativa de não terem tido outra escolha a fim de prosseguir já bastava.

Em conclusão, a própria magia de Aelo desvendou a entrada antes coberta por uma das enormes dunas da região.

Averiguada mais de perto, mostrou que os levaria a alguma área subterrânea daquele lugar.

Lembranças recentes não tão agradáveis retornaram.

“Se não tem ilha, tem subterrâneo agora”, pensaram juntos, quase telepáticos.

— Acho que não tem jeito...

Damon olhou para Lilith, que assentiu em silêncio.

Sem abaixarem a guarda com os equipamentos em punho, adentraram a abertura inferior.

Desceram a escadaria até as profundezas do Deserto da Perdição. Como sempre, a filha de Hades ia na frente, tirando proveito da visão noturna.

Os olhos rubis por si só já eram o suficiente para iluminar o declive graduado.

E lá se foram minutos arrastados até alcançarem um corredor conectado a dois caminhos paralelos.

A iluminação de algumas tochas douradas acesas criava penumbras carregadas pelas extensões diminutas.

— Qual deve ser a extensão desse lugar? — Lilith tocava as paredes feitas de pedra.

— Sei lá. — Damon realizou uma inspirada de ar potente através das narinas. — Tem um cheiro estranho por aqui.

Sem perder tempo, começou a avançar na linha do aroma diferenciado. Virou o corredor à direita, agora na tomada da liderança pela busca subterrânea.

A ruiva o acompanhou no percurso, prontificada a responder qualquer “surpresa” que pudesse surgir em suas retaguardas.

Depositava toda confiança no julgamento dele, por isso só precisava se preocupar em protegê-lo.

Passaram por diversos contornos e até mesmo algumas subidas e descidas de novas escadarias.

Pouco a pouco, a essência passava a ganhar proximidade. Só que, em um dos contornos do labirinto, o filho de Zeus experimentou uma inédita fragrância.

Semicerrou as vistas ao reconhecê-la sendo, de alguma maneira, familiar.

Por confiar bastante no olfato aguçado, decidiu continuar no fluxo da mistura entre os cheiros. Desse modo, contornou com a parceira uma ligação entre análogas passagens retilíneas.

E, ao fazer isso, deparou-se com duas pessoas de súbito.

Todos frearam no mesmo instante, elevando o estado de alerta ao máximo.

Apontaram as armas uns para os outros, prestes a entrarem em colisão.

Isso não fosse a filha de Hades, que acabou não percebendo a pausa na corrida e bateu com o rosto na nuca do garoto.

O choque lhe arrancou um gemido de dor ao quase cair para trás. Isso também valeu ao respectivo, que levou a mão livre à região atingida com tudo.

— Que merda, Lilith!? Por que continuou correndo!? — Virou-se com o rosto contorcido.

— E por que você parou de repente!? — Ela rebateu com as palmas sobre a testa.

— Ora, ora. Então eram vocês. — A voz intrusa cortou as lamúrias da dupla.

Um sorriso interesseiro formou-se no rosto da mulher adiante, trazendo a atenção dos desentendidos a si novamente.

Quando as reconheceu no breu, Damon relaxou a postura aflitiva.

Já Lilith piscou diversas vezes e levou as esferas rubis a contemplarem a beleza das irmãs gêmeas, idênticas da cabeça aos pés.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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