Volume 3 – Arco 3
Capítulo 43: Passagem na Noite Pálida
“Pela sombra... minha sombra!?”, Ocípete ainda tentava digerir as informações enunciadas pelas irmãs.
— Não se trata de algo usual. — A voz de Chloe voltou a direcionar sua atenção. — Detivemos êxito, pois herdamos esta aptidão e compusemos sua prática a fim de manipulá-las sobre o sumo aperfeiçoamento.
“Impossível... essa duas...!”, o estado de choque da harpia se mostrava tamanho que ela sequer percebia o quanto recuava, através de passos trôpegos.
Acima de tudo, não queria reconhecer o próprio medo.
— Unam-se a análise precisa de Julie com meu raciocínio veloz — prosseguiu, abrindo os braços. — Embora ineptas a dominar ambos, a elucidação definitiva foi esta. Caso cada uma sistematize uma das respectivas sapiências, essas poderão ser congregadas e manipuladas em vossa qualidade ostensiva.
Ao perceber que a ave estava gradativamente se afastando, a lanceira avançou alguns passos.
Ela tropeçava em alguns escombros e estremecia por todo o corpo machucado.
A ferida em seu braço latejava, como se estivesse a induzindo a escapar dali aos berros.
— Saia... — a criatura murmurou sem perceber.
— De que interessa dispor de uma aptidão significativa e não a usufruir com primor? — A deleitosa apóstola entrefechou as vistas e afiou o sorriso. — Vossa derrota já estava premeditada, desde quando optou por nos desafiar. Eu deixei bem claro, não?
Vossa presença em si, é supérflua para o cenário.
A frase provocativa da filha de Atena jamais tinha causado tamanho impacto na mulher-ave em sua mente.
Calafrios intensos escalaram a espinha da respectiva, a fazendo engolir em seco.
“Em nenhum momento... elas me consideraram como uma ameaça!?”, inapta a admitir tamanha humilhação, sentia a ficha cair aos poucos.
O corpo inteiro funcionava contra o desejo de avançar e retaliar a carne da jovem deusa. Renegava a possibilidade de se vingar pela notável vexação.
Os instintos mais intrínsecos dela lutavam contra a vontade do coração. Acima de tudo, o medo da morte faria seu cérebro agir daquela forma.
“Essa pirralha é assustadora!”
Tal dilema ferrenho entre proceder ou retornar alcançou o mais elevado pedestal.
Agora, ela nem mais recuava. As patas trêmulas tinham congelado num ponto específico do caminho devastado.
A arqueira, por outro lado, acompanhava a toda sequência sem proferir uma palavra.
O jogo psicológico da semelhante caiu como uma luva, perfeita contra a fragilizada adversária. Ela não fazia ideia de para onde ou então como escaparia.
Quando a harpia constatou a ligeira aproximação da apóstola, já tendo diminuído a distância de maneira considerável, não reagiu de outra forma.
Engoliu em seco a fim de não forçar um grito pela garganta apertada. Bateu as asas o mais rápido que pôde, em busca de fugir daquelas ruínas.
Com uma inocência que aparentava não possuir, Chloe piscou as vistas e separou os lábios, surpresa. Depois de escarnecer as emoções da mulher-pássaro, aquela ação desesperada seria algo a se considerar.
Governada pelo medo imposto a partir das atitudes da ateniense, Ocípete disparou, deixando um rastro de sangue cair pelo ar.
Desejava vociferar por ajuda enquanto vacilava no voo, em virtude dos ferimentos na asa.
Chloe permaneceu desentendida, algo raro. Inclinou a cabeça ao ombro esquerdo com leveza, fazendo a mecha volumosa e curva pender sobre ele.
A pequena monstra tinha jurado matá-las não fazia muito tempo.
Como se fosse uma resposta a tais divagações, a voz de Julie alcançou sua mente:
“Comentário: Você conseguiu afugentá-la, minha irmã.”
A de cabelo roxo virou-se até o semblante inexpressivo da desbotada. O seu exalava melancolia por meio das sobrancelhas arriadas.
Mesmo ao escutar o óbvio, experimentou uma pitada de ressentimento aflorar dentro do peito.
Mais uma vez, o rosto enrubesceu.
— Não era minha intenção! — Desviou o olhar, tentando controlar a voz. — Tudo bem, confesso que fui relativamente estimulada defronte às conjunturas. Todavia, não pressupus estar manifestando tamanha inclemência a ponto de...
“Resposta: Não precisa tentar se explicar, minha irmã”, a arqueira a cortou, elevando sua depressão com tal comportamento.
Antes de insistir nos pedidos de perdão, os olhos violeta se depararam com uma haste no flanco esquerdo.
Interrompeu os lamentos e caminhou aceleradamente, com cautela, até o local sombreado.
Era uma alavanca.
Tanto ela quanto a irmã observaram o dispositivo metálico, conectado a uma pedra branca. Estava, até então, escondida por escombros e foi revelada graças ao confronto contra a harpia.
Trocaram olhares em silêncio.
Embora a imperturbável continuasse a condenando de lábios fechados, a ponderada dissipou o imbróglio emotivo ao murmurar:
— Meta localizada.
Forçou um sorriso de canto e estendeu o polegar diante da alva, que sequer reagiu.
Passada a brincadeira, Chloe aproximou-se do dispositivo.
Ainda que cogitasse manter os armamentos ativados, no intuito de reagir a qualquer ameaça com prontidão, desconectou o cabo das lanças e os guardou de volta às laterais do cinto de couro.
Julie fez o mesmo com seu arco, só naquele momento.
Dessa maneira, a lanceira pôde focar na haste encardida. De mão aberta, tateou o metal e tirou, na ponta dos dedos, os resquícios de poeira da superfície.
— Suspeito, para dizer o mínimo... — murmurou ao limpar a palma na capa prateada. — O que acha, Julie?
Fitou a gêmea recuada, que levou alguns segundos em prol de analisar os destroços causados pelas colisões com a harpia.
Verificou também as gotas de sangue sobre o chão e os pilares remanescentes da balbúrdia.
“Resposta: Me parece que não há alguma armadilha”, postou-se ao lado da aliada, com leveza. “Portanto, deve nos conduzir ao que procuramos.”
A purpúrea relaxou o sorriso, serena com o parecer da companheira.
Então, fez sua própria aposta; levou o palmo dominante ao dispositivo e, confiante na análise absoluta da gêmea, o puxou sem fazer muita força.
A terra estremeceu com vagarosidade. As irmãs varreram os arredores no olhar, a procura de algo que justificasse o efeito.
Foi aí que Chloe se lembrou do que “viu” há pouco. Antecipou-se à passagem aberta do perímetro, indo de volta à região que desaparecia de novo para o deserto.
Acompanhada por Julie, alcançou o ponto em questão.
Cerrou os punhos junto à elevação de sinuosidade dos lábios, assim que contemplou a imagem evocada nas memórias.
— Louvada seja nossa Bênção...
De camarote, assistiu ao solo se abrir com as areias, revelando o caminho que buscavam.
Sob a noite pálida no Deserto da Perdição, a passagem para o cerne de seu objetivo estava ao alcance.
“Afirmação: Sua Psicometria é extremamente eficaz, minha irmã”, a arqueira comentou.
— Pois agora necessitaremos de vossa Telepatia, Julie.
A troca de palavras afável entre as duas ofereceu o tom de seus poderes extrassensoriais que, até então, as guiou por todos os caminhos que poucos encontrariam por ali.
— Portanto, devemos tomar partido. Toleraria expandir a abrangência de vossa Bênção para chegarmos à meta final? — Encarou-a ao virar o rosto por cima do ombro.
“Resposta: Como quiser, minha irmã.”
A consequência da última resposta surgiu do brilho concentrado em cada íris esverdeada.
A luminosidade se expandiu com maior intensidade, capaz de iluminar a entrada para a escadaria que era apossada em trevas dali em diante.
Paralela à elevação mental da alva, Chloe fechou os olhos no intuito de reduzir a concentração dos respectivos pensamentos.
Dessa forma, permitiria à aliada utilizar a Telepatia por um alcance ainda maior.
— Como estamos?
“Resposta: Tudo bem. Seus pensamentos não irão atrapalhar minha detecção mental, minha irmã.”
Perante o aval, a jovem púrpura assentiu com a cabeça.
A telepata, portanto, tomou a frente da descida, dando início ao prosseguimento da busca derradeira.
Rumo ao desconhecido, alumiou os degraus e as paredes estreitas para que a irmã viesse logo em seu encalço.
Quando a luz do luar, encarregada de destacar a metade inicial do caminho, desapareceu, a passagem acima voltou a se fechar.
Ambas deram a volta pela metade da posição, observadoras do retorno habitual do mecanismo.
O cintilar esmeraldino tornou-se um farol absoluto em meio ao breu total.
E assim era melhor, pensavam as atenienses.
Não teriam desculpas para retornar. Só restava seguir adiante.
Chloe soltou um fraco lamento, preparando-se para o que viria a seguir.
Julie voltou a caminhar, inabalável.
Perderam alguns minutos, mas não acumulavam pressa alguma ao descer. A passada de ambas era idêntica, quase a ponto de ser simétrica.
Conforme um zumbido começava a se alastrar por seus ouvidos, encontraram a reta final do declive graduado.
Retomando o plano retilíneo sob as sandálias, se viram em frente a um corredor recheado de tochas presas a ganchos de metal.
Algumas estavam acesas, mas a maioria não tinha fogo.
A jovem nívea parou por um instante, em busca de qualquer sinal de alarde por meio da Telepatia. Confirmou a ausência de fatores suspeitos até certo ponto.
O suficiente para que continuassem.
A dupla voltou a avançar.
Chloe atentava às paredes nas alas, enquanto teto e solo ficavam sob a responsabilidade da telepata.
Não importava o local, trabalhavam incessantemente através das próprias análises engenhosas. Precisavam captar tudo que era possível, sem deixar que um ínfimo detalhe escapasse.
Ultrapassaram inéditos corredores em sequência. Nenhum deles, entretanto, aparentava as levar até qualquer ponto de referência específico.
A Bênção avançada de Julie continuava ineficaz em encontrar alguma informação relevante. A hipótese do “beco sem saída” passava a tomar forma de cogitação.
— Caso deseje, pode findar vossa Telepatia para descansar um pouco. — A ponderada mostrou-se preocupada com sua irmã, olhando para ela enquanto falava. — Não se diligencie demasiadamente.
“Resposta: Eu estou bem, minha irmã.”
Tendo o pedido negado pelas palavras firmes, resolveu deixar que prosseguisse como desejava.
Ainda não deveria utilizar sua Psicometria, pois não só perderia energia como atrapalharia o trabalho constante da gêmea. O mais alto nível de compenetração possível rumava à mente alerta.
Tal divisão igualitária, sempre combinada entre ambas, as permitia lidar com quaisquer problemas tendo o máximo possível de vigor em estoque.
— Contudo, é estapafúrdio. — Cruzou os braços. — Nos situamos neste local há aproximadamente uma hora e não atingimos quaisquer decorrências. Questiono-me sobre tal subterrâneo possuir a completa amplidão do deserto...
“Alerta: Algo se aproxima”, interrompeu a reclamante no ato, enfim conquistando algo relevante com sua Bênção.
Parou de caminhar no mesmo átimo, fazendo a irmã quase colidir com suas costas por ter demorado a perceber.
Caindo a ficha, moveram as guardas até os armamentos presos ao cinto.
Chloe sequer precisava analisar a área para ter a compreensão de que uma batalha a curta distância lhe seria desvantajosa.
Desse modo, somente sacou as lanças e não as conectou. O principal artifício naquele cenário seria o arco e flecha da desbotada adiante.
Não obstante a isso, exprimiu um semblante descontente ao franzir as sobrancelhas e curvar os lábios com leveza para baixo.
O sentimento se esvaiu de súbito, quando as fracas influências foram identificadas em aproximação.
A situação tornou-se preocupante quando constataram a quantidade dessas, denotando uma elevada parcela de inimigo em curso.
Perante a inédita ameaça, Julie desativou a Bênção. O brilho dos olhos diminuiu, como se o destino buscasse a contrariar.
Não demonstrou qualquer ressalva quanto a isso, sacando o arco bicolor e focada nos alvos que ainda nem tinham chegado.
Contudo, isso não demorou a ocorrer.
Sem muita delonga, dezenas de criaturas pútridas surgiram na curva mais próxima do corredor. Os soldados mortos-vivos portavam capacetes de metal, machadinhas, espadas pequenas e escudos enferrujados.
Poucos deles até carregavam armaduras destroçadas pelas estaturas esverdeadas.
No entanto, a ausência de consciência não os permitia fazer ideia sobre o quão insuficientes seriam para impedir as apóstolas.
Julie agiu na velocidade do pensamento ao sacar uma flecha da aljava. A posicionou na corda do arco, imbuiu com uma singela fração de Energia Vital e disparou.
Com força, a seta atingiu o primeiro morto-vivo da “fila”. O que, por si só, causou um poderoso efeito de impacto que derrubou outros nos arredores.
— Você lidera.
“Resposta: Como quiser, minha irmã.”
Mesmo sem a necessidade, as duas trataram de definir as respectivas funções naquele contexto.
A jovem nívea avançou alguns passos e preparou outra seta, repetindo o processo do tiro de abertura.
Os despojados de sapiência, atacantes com base em nada mais do que instintos primitivos e estímulos momentâneos, experimentaram a pressão exercida pela adversária.
Dois simples ataques a permitiram assumir o controle do conflito, sem oferecer qualquer oportunidade de retruca por parte deles.
Na sequência, realizou o terceiro disparo. Esse de longa distância derrubou a extensão de pútridos pelo resto do caminho, os devolvendo à morte.
Permitidas a prosseguir sem atribulações, passaram por três corredores, onde havia mais dos inimigos. Os derrotavam em menos de um piscar.
Chloe passou a ponderar sobre o momento como um bom sinal. Um alerta que indicava a proximidade delas com o escopo, ou alguma solução inicial acerca do labirinto em si.
Como quase nunca encontrava erros nas próprias cogitações, agarrou-se àquela perspectiva.
E o tão aguardado resultado seria atingido minutos após.
As apóstolas alcançaram um salão oval. Não era muito extenso, porém possuía duas escadas que acompanhavam o formato geral e induziam a duas novas passagens superiores.
Se entreolharam, tendo ciência de que deveriam, enfim, estar obtendo algum progresso.
Os olhos da nívea voltaram a brilhar com a Telepatia.
Pela primeira vez desde o acesso à passagem abaixo do deserto, identificou uma fraca onda sonora a ecoar pelas passagens a seguir.
Confirmou ser a localizada à esquerda, para onde direcionou o rosto.
“Indicação: Escutei vozes vindo daquela passagem”, em seguida, indicou com o dedo na vertente específica. “Explicação: Não pude compreender o que diziam, porém creio que sejam dois homens...”
A informação arrancou um riso tênue de Chloe.
— Estamos nos achegando ao nosso escopo, Julie. Portanto, sigamos neste rumo...
Conduzidas pelo mussito da que tinha seus ânimos cada vez mais elevados, dispararam em alta velocidade à subida que levava à abertura certeira.
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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