Volume 3 – Arco 3
Capítulo 41: Olhar para Trás, Seguir em Frente
O vento sacudia os grãos de areia que concebiam a vastidão desértica.
Detentora de temperaturas elevadíssimas no período em que o sol iluminava o céu, carregava um frio desagradável na calada da noite.
As dunas espalhadas se alternavam entre picos enormes e colinas medianas. Suas formas sofriam constantes mudanças, devido à ação das poderosas ventanias.
Sua extensão parecia não ter fim.
E mesmo assim, Chloe e Julie já tinham atravessado a região em boa parte.
Protegidas pelas capas prateadas, com um capuz a cobrir suas cabeças e a barra a alcançar os tornozelos, superavam as correntes de vento à medida que subiam e desciam das grandes elevações de areia.
Iluminadas pelo luar, envolto pelas estrelas na extensão superior, mantinham o ritmo sem depender das circunstâncias.
Não havia qualquer oásis pelo trajeto.
De alguma forma, sabiam todo o percurso que tinham realizado até então, portanto retornar não seria problema.
Ainda assim, não conseguiam definir um norte certeiro nas presentes condições.
A indefinição natural fez o avanço durar por um longo período. Era provável, pela posição do satélite no céu, que já estivessem entrando na madrugada.
— Como vamos, Julie? — Chloe perguntava, vez ou outra.
“Resposta: Nada de válido, até então”, respondia Julie, sempre olhando para todos os lados.
Mesmo diante de tamanha falta de progresso, as duas sustentavam uma tranquilidade assustadora.
Isso durou até que, enfim, ambas experimentaram uma influência diferenciada surgir de uma deformação gradual de duna.
A jovem púrpura mudou o itinerário da caminhada, sendo seguida pela irmã sem a necessidade de gestos ou palavras.
Em silêncio, subiram outra ascensão nas proximidades. Miraram o local de onde o suposto fluxo de energia irradiava.
A apóstola nívea encarou os arredores, à procura de alguma informação visual relevante.
A arrastada paciência pelo tempo tomado delas começava a dar amostras de que valeria a pena.
Foi quando a íris violeta de Chloe se deparou com uma formação estranha a alguns metros.
Não era capaz de determinar com precisão sobre o que se tratava. Mas a discrepância em comparação a qualquer outra imagem vista naquele lugar já servia para lhe despertar o interesse...
— Encontrei algo, às dez horas.
Ao escutar o timbre sério da semelhante, Julie virou o rosto e aproximou-se alguns passos a ela.
Segurou a toca, prestes a ser arrancada da cabeça, e semicerrou os olhos a fim de trazer o melhor foco à região designada.
Confirmada uma estrutura singular, acenou com a cabeça e respondeu:
“Identificação: Parecem ser ruínas.”
A voz de sua mente ecoou na cabeça da parceira, que assentiu de igual modo e retornou ao erguer a parte frontal do capuz:
— Parece que estamos adjacentes de nosso escopo. Devemos progredir.
“Resposta: De acordo, minha irmã.”
Alcançando um denominador comum, as duas avançaram um passo e deslizaram tranquilamente pela descida da duna.
Em tempo, retornaram ao relevo mais baixo do deserto, por onde caminharam lado a lado através de passadas harmoniosas.
Não demorou muito até alcançarem o objetivo.
Pararam defronte à entrada para o que eram, de fato, ruínas enraizadas no meio da imensidão desértica. Talvez uma construção perdida, ponderaram.
Observaram as imediações com cautela, antes de tomarem a liberdade para explorar o interior.
Atentas aos mínimos detalhes daquela novidade, ratificaram a ausência de ameaças.
Trocaram olhares afirmativos e só então pisaram no solo de pedra, indo em frente com a exploração.
Conforme visualizava as minúcias das edificações destruídas no trajeto, Chloe erguia um pouco das sobrancelhas.
Por fora aparentava ser um lugar pequeno, mas a realidade provou sua verdadeira extensão além do imaginado.
Repleto de caminhos diferenciadas vindo de trilhas retilíneas, tinha outras partes ainda cobertas pelo mar de areia.
Era impressionante o quão resistentes eram, mesmo parecendo prestes a sucumbirem pela ação do tempo e do clima.
Quando teve uma ideia sobre o que se tratava tal espaço, a primeira ateniense murmurou:
— Uma cidade...
“Análise: Penso que seja menor do que uma”, a outra fez seu comentário, ao passo que o centro dos olhos irradiou um brilho durante aquele rápido instante.
— Ou parte de uma. — Passou os dedos pela superfície de um dos pilares sujos de areia.
“Palpite: Acho que seja apenas uma antiga construção.”
Nada obstante à rara ocasião em que ambas discordavam de uma linha de raciocínio específica, a purpúrea aceitou as palavras em silêncio.
Se fosse capaz, confirmaria a própria observação por si própria e, no fim, sairia com a razão.
A ventania importuna tinha findado, portanto as apóstolas tentaram tirar máximo proveito do cenário.
Mas não durou muito.
Julie interrompeu a exploração pelas ruínas ao ver que sua irmã tinha feito o mesmo. Notou a apreensão que gritava em sua faceta silente.
Se nada estava tão claro, parar e pensar poderia iluminar o rumo que elas tanto procuravam.
Foi aí que Chloe ergueu o rosto, levando o olhar plácido às estrelas.
“Como nossa mãe deduziu a localização pontual para onde ele partiu?”, buscava mentalizar tudo como a Deusa da Sabedoria teria feito.
De vistas semicerradas, respirou fundo e passou a concentrar sua Energia Vital.
A repentina elevação de sua influência prendeu a atenção da alva, que por pouco não estremeceu as sobrancelhas e desfez o semblante inanimado.
No instante exato, recuou alguns passos no intuito de abrir espaço. Era o melhor a se fazer para que anulasse quaisquer perturbações capazes de atrapalhar a semelhante.
Para ela, era como se uma aura carregada cercasse o corpo da irmã. O fluxo vital corria naturalmente num contorno, semelhante a uma proteção luminosa.
Tendo os sentidos de energia condensados, Chloe agachou-se com graça.
Fechou os olhos e levou a mão dominante a tatear o plano frio.
— Rastrear — mussitou para si mesma.
Quando voltou a abri-los, um fulgor intenso preencheu cada íris em seu contorno esférico completo. Tornaram-se faróis responsáveis por “acender” o ponto abaixo do rosto.
A tonalidade violácea resplandeceu sobre a escuridão.
Daquela posição, buscou vestígios de qualquer ser ou criatura que pudesse ter atravessado aquele lugar por meio da própria mente.
Os traços de energia construíam repartições de diversas “imagens”, que, quando se uniam, faziam parecer como se um filme transitasse diante de suas vistas.
Tal reminiscência estava diretamente conectada àquele ângulo específico das ruínas.
O cenário montado de forma gradativa na mente à milhão a fazia se aprofundar cada vez mais. O tempo retroativo começava a acelerar, alcançando de dias a semanas de distância.
“Aqui”, estreitou os globos chamativos ao detectar uma primeira alteração.
As passagens sequenciais mostraram duas figuras vagando pela mesma trilha onde as irmãs estavam.
O deslocamento deles, virando à esquerda numa esquina e desaparecendo, fez a jovem regressar à realidade.
Recuou a mão do solo com vagarosidade. O brilho da íris esvaneceu.
Voltou a se erguer, decidida a seguir os mesmos passos dos indivíduos testemunhados naquela experiência.
Julie a acompanhou, sem prestar comentários.
Foram até o fim da “rua” e viraram sem delongas.
Era para ser o caminho correto, mas as irmãs se depararam com uma ausência de seguimentos; havia somente o deserto, dominante no campo de visão para aquela parte.
Sem ter para onde correr, resolveu arriscar uma segunda vez. Agachou-se, tocou o solo cheio de grãos de areia e rastreou as imagens retroativas.
Agora, o tempo de “sincronização” com o passado foi menor, fazendo valer a precisão exata gravada na cabeça.
No instante que a alcançou de modo definitivo, as sobrancelhas arquearam sua surpresa.
A região adiante mostrava o plano coberto repartido, revelando uma passagem em escadaria que levava ao subterrâneo.
Não fazia ideia sobre como havia ocorrido. Nas imagens, a passagem já estava aberta.
Portanto, atentou-se ao momento em que as duas figuras masculinas acessavam o declive e desapareciam em meio à escuridão.
— Há uma abertura — disse ao retornar à postura ereta.
Avançou passos cautelosos até afundar os pés nos grânulos misturados, verificando que havia solo rochoso abaixo.
A inexpressiva apóstola esperou o término de sua análise brusca, recebendo uma nova lufada fria ao lado do rosto.
Tendo a cena final gravada nas memórias, a respectiva assentiu para si mesma e comentou:
— Devotamo-nos a localizar um método que venha a liberar esta passagem. Tenho certeza de que encontraremos por esta área.
Julie concordou e as duas deram a volta, em retorno ao trajeto principal.
Partindo da descoberta sobre a tal passagem secreta, a obstinada já tinha deduzido a existência de um mecanismo necessário para ativar a abertura.
Queria encontrá-la entre as ruínas o mais rápido possível.
“Não posso utilizar a Psicometria tantas vezes em sequência”, remeteu ao ratificar consigo a importância de achar o objetivo do modo convencional.
Afinal, isso também a fazia se gastar mentalmente e na utilização de Energia Vital.
Durante a busca por novas regiões de onde se esgueiravam, tremores de terra intercalados surgiram. O progresso foi interrompido pelas gêmeas.
De prontidão, Chloe encostou as mãos nos cabos sustentados nas laterais da cintura. Julie repetiu o gesto sobre o bastão cerúleo, próximo à fivela que tinha o símbolo de um ômega.
Suas atenções se voltaram à retaguarda, de onde um grande ciclope surgiu. Uma das trilhas abertas era dominada pelos seus passos pesados, os encarregados de causar as oscilações.
Portava uma clava cheia de pregos afiados e enferrujados na extremidade geoide.
“Ele estava adormecido?”, a escurecida manteve a postura, imaginando que tinha deixado um detalhe tão chamativo passar.
Mas não era algo para se desesperar.
Na verdade, estava longe de ser um problema preocupante.
O monstro de olho único no centro da face logo iria vê-las. E quando isso ocorreu, qualquer rumo que não fosse o combate era descartado.
Chloe puxou as hastes escuras, trazendo-as à altura do torso com suas lâminas achatadas. As conectou nos dois suportes inferiores depois de girá-los à mesma vertente.
“Perfeito”, pensou ao deparar-se com a vultuosa lança de dupla-lâmina, completa e harmoniosa.
Ao lado dela, Julie acionou um pequeno botão centralizado no bastão. O objeto se abriu como se fossem asas, elevando a opulência daquele que se relevou sendo um grandioso arco.
O suporte de empunhadura única foi envolto pelos dedos firmes da desbotada, enquanto as extremidades superior e inferior da sinuosidade arqueada vinham afiadas como navalhas.
— Ora, ora. Me pergunto se você será o responsável por nos guiar até nosso escopo...
Com o murmúrio, a lanceira rodopiou sua arma à frente da criatura.
Na clara intenção de ser avistada, saltou até o caminho que o respectivo percorria, o obrigando a frear no mesmo instante.
A arqueira permaneceu entre alguns destroços. Sacou a primeira flecha da aljava e a posicionou com a seta na corda de aço, no aguardo pelos movimentos da semelhante.
O ciclope experimentou uma ameaça irradiar instantaneamente da figura diminuta ao seu alcance. Sua resposta foi o entoar de um rugido ensurdecedor.
Mais uma vez a terra chacoalhou. E ainda mais quando o gigante tomou a iniciativa de disparar na direção da inimiga.
Ela executou um célere sinal com a cabeça e pulou para a direita.
A inanimada disparou a flecha e puxou outras duas com as divisórias dos dedos. Executou os tiros na velocidade do pensamento, até que as pontas de lança atingiram o braço, as costas e o pescoço do gigante.
Grunhindo de dor, livrou-se dos incômodos apenas ao contornar o corpo pesado.
Julie já tinha outra seta conectada ao fio de disparo, contudo aguardou um instante.
Sem pestanejar, deixou a região dos escombros e revelou-se na rua. Correu pela vertente contrária de onde a semelhante se postava, puxando a atenção da criatura irritadiça.
Mantendo-a em seu encalço, encontrou um rumo favorável em meras olhadelas pelas cercanias.
Virou à esquerda e subiu em um dos pilares intactos até sua metade. O ciclope, vendo-a escalar as paredes por meio de passadas firmes, berrou de novo.
Isso não interrompeu a sequência da garota, desprezando a gravidade sem medo algum.
Nem mesmo quando ele sacudiu o porrete junto do braço musculoso em horizontal, no intuito de atingi-la bem onde estava.
Conferiu o deslocamento ao inclinar a cabeça para trás. Se pudesse, agradeceria ao própria por ter escolhido aquela investida ofensiva.
Estreitou os olhos e calculou, mais rápida que o respectivo pensamento, o instante correto até ter a oportunidade para agir.
Depositou toda a força nas pernas elegantes e executou um salto mortal de costas. A reação a deixou de ponta-cabeça, acima da linha de visão do ciclope que já era bloqueado pelas ruínas estreitas nos arredores.
Tardiamente percebeu, em sua insanidade, que não fez alguma coisa além de derrubar aquela parte das construções.
Então, ergueu o rosto. Observou o bonito arqueio da apóstola, posicionada com a mira da flecha em sua vertente.
“Bum”, brincou com o próprio gesto de atirar a flecha, imbuída por uma fina camada de Energia Vital.
O disparo certeiro sequer pôde ser contemplado em sua totalidade pela criatura, pois sua visão escureceu no mesmo instante que a corda foi solta.
Ele gemeu, agoniado, ao experimentar o único olho ser perfurado em seu centro.
Cambaleou o tronco para trás. Sangue escuro jorrava do órgão estourado.
No fim, chocou-se sobre os resíduos de pedra em suas costas. O braço rígido começou a balançar a clava de forma descontrolada, movido pela agonia excruciante.
A filha de Atena enfim rodopiou no ar, aterrissando no chão com as pernas flexionadas. Sem causar qualquer ruído, sacou outra flecha do estojo nas costas.
Ter o monstro desprovido de sua visão permitiu-a respirar com delicadeza.
Enquanto isso...
Chloe contornava outra passagem na ala oposta.
Usufruindo dos pilares quebradiços e outras estruturas remanescentes, subiu através de pulos certeiros por cada plataforma.
O ciclope tentou se recuperar como podia, mas a jovem púrpura alcançou sua careca antes de sequer se dar conta.
Quando sentiu as sandálias peroladas da menina se firmarem acima da cabeça, debateu-se com todo o corpo na tentativa de tirá-la dali.
E apesar dos deslocamentos abruptos, ela permaneceu equilibrada. O encarava com frieza no olhar, como se estivesse colada com a lustre sinuosidade.
— Ora, ora. Força bruta não é o único fator a ser ponderado em um confronto — murmurou com a voz pesada. — Tu elegeste a perseguição de Julie. E isto determinou vossa derrota.
Em contemplação ao sofrimento do monstro, não ofereceu clemência alguma a seu favor.
Cerrou as vistas violetas junto a um suspiro momentâneo. E depois de decidir o movimento de finalização, apertou a empunhadura alongada de sua lança.
Moveu a perna à frente e deixou o corpo inteiro ser puxado pela gravidade.
A queda graciosa a levou à frente da garganta do ciclope. No ínterim de um milissegundo, executou um corte que trazia a lâmina posterior contra sua grossa camada de pele.
O rasgo em alta velocidade criou um ferimento sutil, interrompendo seus movimentos.
Então, só quando as solas da purpúrea tocaram o chão, a cabeça do monstro pendeu para o lado.
O resto de carne não resistiu ao peso do crânio e se desgarrou da conexão entre os membros. Esse caiu e afundo no solo, ao passo que um chafariz de sangue jorrou pelo ar.
De cima do ombro, observou o restante de seu corpo sucumbir sobre as ruínas.
Um pouco de fumaça subiu devido à colisão que fez diversas estruturas, sobreviventes ao tempo até então, serem destroçadas.
— Ainda que estivesse fadado a perder, mesmo se elegesse a mim... — Virou o rosto e postou-se ereta. — Confesso que fiquei um pouco ciumenta.
“Contestação: Meu charme cativa muito mais, minha irmã”, o comentário de Julie percorreu a mente da garota.
Seus olhos se encontraram, à medida que guardavam as armas.
Chloe deu de ombros à descontração ausente de emoções e lançou uma encarada definitiva sobre a criatura derrotada.
As duas voltaram a se unir. Deveriam estar de olhos ainda mais abertos a partir daquele momento.
— Vamos prosseguir — determinou, num timbre plácido.
O trajeto investigativo pelo Deserto da Perdição estava longe de terminar.
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:
Taldo Excamosh
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