Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 37: Conversa de Irmãos [em Atlântida]

Hera encarava a Rainha dos Mares através de um sorriso de canto.

A malícia exalada pelos olhos cerúleos despertava calafrios na espinha da anfitriã, algo que nem o clima natural de Atlântida tinha a capacidade de fazer.

Sabia que era analisada no fundo do âmago, inapta a desviar a atenção para qualquer vertente.

À medida que os segundos corriam, lentos como minutos eternos, o nervosismo da argêntea crescia em proporção semelhante aos lábios curvilíneos da deidade superior.

Nada obstante à influência carregada, a Deusa do Casamento enfim delegou as próximas palavras:

— Augusto. Vejo que se mantém fiel, apesar das cobiças de outrem. — “Embora o mesmo eu não possa dizer do desgraçado”, completou em devaneio, prestes a contorcer o semblante em aversão. — Posso?

Anfitrite, ainda paralisada em virtude da magnificência irradiada pela Rainha dos Deuses, pareceu despertar de um transe no susto.

Quase saltou ao escutar o singelo questionamento.

— Sim, claro! Fique à vontade, senhora Hera! — Virou metade do corpo e esticou o braço direito, convidando-a a entrar por fim.

— Agradeço — respondeu, fazendo sua admissão através de passos delicados. — Isso aqui não muda nada. Não sei como conseguem gostar tanto do frio.

Enquanto a senhora encarava os detalhes do salão principal, desde os lustres espirais e os móveis de tonalidade álgida, a dona da casa fechava a porta com cautela.

— Estamos um pouco habituados, senhora Hera... — disse um tanto sem jeito, fazendo o máximo para não a incomodar. — Eu estava prestes a ir até a cozinha preparar o almoço. Gostaria de algo?

Esfregou as mãos, forçando uma expressão sorridente para que o interesse da visitante não escapasse a pormenores tão específicos.

Não funcionou, visto que sua faceta já não carregava mais a malevolência de há pouco.

— Não, não... prefiro ir diretamente ao ponto. — Tentou soar compreensível, ao invés de jocosa; não aguentava estar naquele lugar. — Meu irmão se encontra em sua câmara de hábito? Se possível, desejo ir até lá e tratar meus assuntos com ele rapidamente. Ah, e não precisa se preocupar com qualquer coisa. Pode ir fazer sua comida... ou seja lá o que for.

Após o mussito final, corrupiou-se à orientação do corredor fundamental à chegada ao destino desejado.

A prateada ainda cogitou insistir em alguma hospitalidade, porém foi bloqueada pela sensação de impotência.

Não tinha ficado triste ou fora atingida por qualquer uma das palavras proferidas pela Rainha.

Somente entendeu que de nada adiantaria ir adiante e, ainda mais, forçar esse caminho poderia piorar a interação.

Portanto, deixou-a ir, solitária como bem queria.

Balançou a cabeça para os lados, decidida a regressar ao trajeto inicial; a cozinha. Apesar da curiosidade, que ainda puxava seu foco por cima do ombro, de esguelha.

Cedo ou tarde, talvez, o procurado lhe contaria alguns detalhes da conversa. Ao menos era isso que esperava, a motivação incumbida de conduzi-la a esquecer tal ocorrência por ora.

Vou fazer um peixe defumado... sim, o Silver adora isso. — Deixou escapar o devaneio rápido num murmúrio.

Enquanto isso, Hera construiu a passagem certeira às portas do cômodo específico do Deus dos Mares — ratificada pelo símbolo do tridente entalhado no metal ligeiramente azulado.

Encarou o símbolo durante um singelo intervalo. Sem nem bater, enfrentou a temperatura baixíssima da superfície para empurrá-la com a palma.

Não apresentou qualquer reação ao incômodo, porém.

O forte rangido irrompeu tanto pelo interior adiante quanto pela passagem estreita.

Ao se revelar a favor da figura repousada no grande trono, localizado na extremidade do âmbito recheado por uma rala névoa fria, recobrou a feição instigada.

As órbitas amareladas saíram da oclusão. Poseidon encarou a característica caminhada da irmã mais velha, passos sempre à frente um do outro, como se orquestrasse um desfile divino.

Ele pouco se importava; só queria regressar ao descanso matinal.

— Bom dia, outro senhor infiel — disparou sem papas na língua. — Sua pobre consorte me recebeu. Um amor.

— Diga logo o que deseja, Hera. Estou com sono. — Apoiou a bochecha no punho cerrado, aquele que fazia parte do braço flexionado sobre o suporte lateral do assento. — Você só vem aqui quando algo lhe interessa.

— Não sou muito apreciadora de lugares frios. — A mulher interrompeu o avanço, a alguns metros dos degraus que levavam ao plano do trono. — Porém regozije-se. Não tomarei muito do seu precioso tempo.

O deus bufou ante as ironias veladas da semelhante, contudo prestou-se a escutá-la.

— Vim falar sobre minha querida cidade. — Ao dizer aquilo, puxou o foco absoluto do robusto. — Não queria dar o braço a torcer, porém fui levada a este cenário.

— Assim como com uma reles mortal há alguns anos — ele ironizou, mas a deusa pareceu não dar ouvidos.

— E levando em consideração que você tampouco cuida dos próprios domínios, cogitei que seria prudente lhe pressionar um pouco.

— Não aceitarei ofensas gratuitas em minha morada, irmã. Embora eu lhe respeite de corpo e alma, não hesitaria em lhe ensinar uma lição, se assim pretende.

O olhar do deus tornou-se tão austero quanto o próprio Monte Olimpo, mas de nada intimidou a mulher, que riu de escárnio.

Podia ser tão poderoso quanto os outros dois, porém a respectiva ainda carregava tanta confiança em comparação a qualquer um deles.

— De qualquer modo, espero contar com vosso auxílio. — Assentiu com delicadeza, retomando o timbre solene. — Vamos esquecer as desavenças por ora, querido Poseidon?

Passada uma hora desde o início da sessão solitária, Silver desferiu o último golpe contra o ar.

Esse criou um impacto poderosamente gélido, onde o releixo de Autoridade Elementar da Água desprendeu-se da chapa metálica e avançou por três vertentes diferenciadas.

Quase chegaram a atingir as alas do recinto fechado, porém perderam força e desapareceram antes disso. Restou o frio natural da região, sem a mesma névoa acumulada de outrora.

O apóstolo, nada suado apesar dos esforços exercitados no decurso daquele intervalo — sem qualquer pausa para descanso —, ajeitou a postura.

Exalou um suspiro delongado, à medida que girava a lâmina especial para guardá-la de volta à bainha metálica no quadril.

Em seguida, divagou em silêncio. Não conquistou grandes resultados e tampouco o faria ao treinar sozinho; admitir era irritante, contudo, sua mãe estava certa.

No intuito de seguir em frente, rumo a novos horizontes, deveria abandonar tal estado de inércia.

— Isso vai ser complicado — mussitou mediante outro suspiro, incomodado em permanecer com os pensamentos bloqueados na cabeça.

Por ora, não tinha muito o que fazer. Dito isso, decidiu finalizar a prática matinal, pois a ausência do café da manhã já lhe trazia indícios de fome.

Desprovido de hesitação, caminhou à vertente da estrutura metálica que indicava entrada e saída.

Por Anfitrite não ter retornado até então, deveria estar atrasada com o almoço, ou fora chamada para alguma conversa com o Deus dos Mares. Afinal, a respectiva sempre o visitava nas retas finais de seus treinamentos, não importava o cenário.

Assemelhava-se a uma indução mística. Como se a intuição materna lhe permitisse a descoberta de todos os movimentos executados pelo descendente.

Chegava a ser um pouco assustador — para não dizer utópico —, mas num mundo como aquele, a possibilidade jamais poderia ser renegada.

Deixou o salão e não a viu no exterior, a segunda expectativa básica no que concernia o habitual. As dúvidas só cresceram a partir daquele ponto.

Sem demonstrar qualquer sinal de dubiedade no olhar, fez o caminho pela passagem estreita, até chegar ao salão de estar.

Já podia experimentar o cheiro defumado que lhe atiçava os instintos mais primitivos.

Como imaginou, a genetriz encontrava-se na cozinha e, de quebra, preparava sua comida preferida para o almoço.

Ao virar a entrada do compartimento específico, logo enxergou os fios prata-azulados presos num coque volumoso, bem na altura da nuca.

Não demorou até a mulher identificar a chegada do jovem, o que a fez corrupiar na velocidade do pensamento.

— Silveeer! — Lhe envolveu em um novo abraço, tão apertado quanto o último. — Já terminou suas práticas solitárias!?

— Isso dói... — O garoto a empurrou de novo, incomodado com a atitude grudenta da protetora.

Pensou em respondê-la, porém...

— Oh, então este é o mais novo — murmurou a terceira voz, com tamanho ardil a ponto de assustar os semelhantes. — Entendo bem. Será, realmente, deveras interessante...

Ambos encararam o olhar afiado de Hera a poucos metros de distância.

Num movimento impulsivo, Anfitrite pôs-se à frente do descendente, como se no intuito de protegê-lo da aura exalada pela Rainha dos Deuses.

O rapaz, por sua vez, sustentou a disposição inabalável, sem demonstrar algum sinal de receio perante a sorridente. Essa que, em pronta resposta, estreitou os cílios a quase se tocarem.

Notar que ele era um dos poucos a não se intimidar perante sua essência lhe despertou interesse genuíno. Talvez fosse característica daqueles advindos do Rei dos Mares, pensou na quietude.

Estava certa de que o jovem teria a capacidade de trazer ocorrências instigantes no futuro.

Sem ter algo mais a dizer, deu meia-volta e caminhou em direção à saída, nada a fim de se despedir. Somente deixou o templo e desapareceu.

Curiosos quanto a visita inesperada, a dupla se locomoveu à câmara do Deus dos Mares, que não havia abandonado o grande trono no fundo da sala por nada.

Com expressão contorcida, o homem contemplou o acesso de esposa e caçula, ciente sobre o motivo de ambos estarem ali.

Perante o silêncio da deidade, a mulher tentou se antecipar:

— Senhor Poseidon...

Somente Poseidon, Anfitrite — interrompeu-a, nada contente.

A argêntea tratou de se consertar:

— Poseidon... o que a senhora Hera pretendia com sua visita?

Feita a indagação, Silver observou atentamente aos movimentos escassos do pai, que se restringiu a um fraco lamento.

As órbitas amareladas se abriram, fitando-os pela primeira vez naquele espaço.

Desinteressado naquele assunto, todavia, decidiu oferecer sua resolução aos familiares:

— Certa situação está saindo do controle. É bom se preparar, Silver.

O murmúrio não revelou tanto, porém foi o suficiente em prol de transmitir sua inquietação velada pela postura de austeridade.

E ao ganhar o foco naquele salão, seu filho arriou as sobrancelhas com extrema seriedade.

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