Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 36: Rotina do Templo Marítimo

Ao abrir os olhos amarelos, o rapaz se levantou da cama. De supetão, jogou o lençol para o lado e postou-se em meio à iluminação alva do cômodo frio.

Não demorou a abrir a porta, recebendo uma brisa ainda mais gelada do corredor.

Vapor condensado escapou da boca, à medida que respirava fundo. Após fechar a passagem metálica, rumou à passagem principal através de passadas curtas.

Contornou o trajeto próximo à sala de estar, em direção ao banheiro.

Apanhou sua toalha de algodão, tirou a camiseta, a saia e entrou na grande banheira.

Ou melhor, a piscina de fundo considerável, acessada por uma pequena escadaria conectada ao próprio solo de mármore.

Resfolegou-se da cabeça aos pés durante a entrada na água morna. Sem o revestimento de energia que o permitia evitar o contato com fluidos, foi dominado por uma sensação embebida sobre todos os membros.

E ali permaneceu, durante a próxima hora, enquanto encarava o próprio reflexo na superfície translúcida.

As gotas a pingarem das pesadas mechas prateadas criavam ondulações ínfimas no decorrer da extensão.

Não era o suficiente para impedir a contemplação pessoal, recheada de devaneios.

“Dois meses já se foram”, pensou, remetendo à tarefa na Ilha Methana, onde derrotara as Sirenas em conjunto aos filhos de Zeus e Hades.

Desde então, não recebera qualquer outra tarefa de nível equivalente, superior ou até inferior.

Todos os dias, embora sem expectativas de algum chamado vindo do Olimpo, seguia sua rotina casual na residência que lhe era de direito.

E ainda que tentasse não pensar na dupla que lhe acompanhou durante a última aventura, via-se incapaz de ignorar os questionamentos sobre seus próximos passos.

Estariam eles mais à frente? Recebendo novas incumbências importantes e em processo de evolução graças a isso?

“Besteira”, fechou as vistas e balançou a cabeça, em negação consigo mesmo.

Terminou de jogar água no cabelo para, só então, deixar o banho de vez.

Não se preocupava muito com a questão da água, mas o vapor caloroso originado por sua elevada temperatura começava a lhe trazer uma fraca tontura.

Enxugou-se — um movimento não tão habitual, pensou — e vestiu as novas roupas: a camisa com manga curta já vinha com a saia composta, portanto somente um cinto de linho foi o suficiente para sustentá-la.

Ao recobrar a camada intransponível sobre a pele, essa secou num piscar.

Chacoalhar a cabeça algumas vezes, com delicadeza, serviu em prol de levantar algumas ondas do cabelo que caía à metade do pescoço.

Por fim, pôs o arco azulado que possuía o símbolo de uma esfera rodeada por outras menores no centro. Passou-o pela testa e levantando os fios que lhe atrapalhavam a visão.

Assim, o restante das mechas traseiras também foi alçado, criando um volume que lhe era característico sobre a nuca.

Restou a franja repartida; duas nas laterais das vistas e uma no centro delas.

Devidamente arrumado, regressou ao quarto. Pegou a bainha de metal embaixo da cama e, dela retirou a lâmina branco-azulada, que por si só já exalava um ar requintado.

Observou a chapa brilhante com cuidado, para só então devolvê-la ao estojo protetor...

— Bom dia!!

A voz feminina, de timbre afável, interrompeu seus delongados pensamentos. Não se assustou; permaneceu sereno, como de praxe.

Contudo girou metade do corpo, sem demonstrar tanta euforia quanto a estampada na faceta da mulher em sua retaguarda.

Conectado aos globos azulados dela, experimentou uma influência tão calorosa que nenhum banho podia lhe proporcionar.

Os fios prata-azulados escorriam sobre os ombros, semelhavam-se a bonitas cachoeiras que ainda cobriam seus seios.

Nada, no entanto, superava o sorriso tenro acima do rosto alvo.

— Bom dia, mãe — respondeu o taciturno, ajeitando a postura. — Deseja alguma coisa?

Quando se levantou, pôde se equiparar à altura dela. Estava quase a ultrapassando e em breve isso viria a ocorrer.

— Não posso vir receber meu filhote que acabou de despertar? — Anfitrite, sem pestanejar, lhe envolveu num abraço apertado. — Me diz então, o que você pretende fazer hoje!?

Unm cunssio esirra...

As palavras dele, com a face quase afundada no peito da genetriz, soaram indecifráveis.

— O que foi? — E ela, com a maior inocência do mundo, buscou compreender através de uma rápida inclinada de cabeça.

Só foi o gatilho para que o rapaz usasse a força dos braços, no intuito de empurrá-la.

Ao sair do enlace acalentador — e sufocante —, abriu a boca e sugou todo o oxigênio perdido durante aqueles singelos segundos.

— Não consigo respirar — repetiu, dessa vez com caminho livre para fazer as palavras ecoarem.

Apesar da leve irritação, sustentou a atitude tranquila, sem elevar o tom de voz contra a mulher.

Essa que projetou um inédito sorriso, agora com maior delicadeza em comparação ao avantajado anterior.

— Vai treinar sozinho, de novo? Por que não tenta chamar seu pai? — Largou-o, enfim.

Isso o permitiu retomar o porte da arma pessoal, antes de iniciar a caminhada rumo ao salão de treinamentos.

— Não quero incomodá-lo. E sinto que não vai mudar muita coisa contar com a ajuda dele.

A resposta, apesar de nada ponderada, soou tão sincera a ponto de fazer a mulher assentir em concordância.

Já havia chegado numa fase onde o Deus dos Mares não carregava qualquer outro possível ensinamento ao filho.

Caso desejasse evoluir, ficar ainda mais forte e dominar a própria energia e arte de batalha de forma integral, deveria se descobrir sozinho.

— Você é totalmente o oposto dele e de seu irmão. Se falar em “treinar” com eles, já olham torto. Dois preguiçosos — brincou. — Também não acha que está na hora de procurar uma nova dupla pela corporação?

Ante a pergunta genuína da prateada, o descendente escondeu um fraco lamento que fez seus ombros subirem e descerem à custa de milésimos.

— Não muda muito... — suspirou ao repetir a resposta, enquanto desviava o olhar do trajeto.

— Você precisa parar de pensar assim, meu filho. Veja só, está desde a tarefa especial naquela ilha sem receber qualquer chamado. — Ao tocar na ferida, mesmo que sem o intuito claro, fez o jovem conectar os cílios em prol de reforçar a calma interior. — À exceção de apóstolos que possuem classificação acima da Avançada, assim como sobre ocasiões consideradas extraordinárias, é obrigatório que vocês jovens possuam um parceiro.

— Uma regra idiota — bufou.

— Mas foi isso que a Deusa da Sabedoria disse!

Ao se deparar com a grande porta prateada, abriu-a. Uma densa camada de névoa, acumulada no interior do salão encíclico, escapou pela passagem.

— Não tenho interesse em trabalhar com pessoas que só tendem a me atrapalhar.

“Cabeça dura igual o pai. Certas coisas não mudam mesmo”, a Rainha dos Mares acompanhou sua entrada no recinto, desinteressada em desistir.

Ainda assim, não desejava atrapalhar sua nova rotina de treinos. Portanto, permaneceu adjacente à passagem principal e lhe deixou livre para se concentrar.

Sem muitas delongas, Silver ajeitou a bainha na cintura. Conferiu de esguelha a posição preferida, na lateral direita do quadril.

Preparado, respirou fundo, buscando rejeitar quaisquer detalhes ruidosos dentro e fora do corpo.

No decurso de breves segundos, o garoto atingiu a zona de tranquilidade desejada. Então, sacou a arma com cuidado, fazendo o fino sonido metálico se alastrar pelo âmbito.

Puxou-a por inteiro. Num estalo, a Energia Vital foi transmitida dos canais interiores ao ponto físico.

O releixo tomou-se de Autoridade Elementar da Água, responsável por construir uma nova camada laminosa em sua volta.

Desse modo, esperou outro pequeno intervalo, até estabilizar o contato entre energia e equipamento.

Reagiu descontente àquilo. Precisava ser um efeito instantâneo, pois em batalha aquele tempo precioso jamais existiria.

Não obstante a isso, passou a executar os movimentos de praxe, cortando contra o espaço vazio através de ações extremamente polidas.

Fazia um tempo que Anfitrite não acompanhava uma sessão solitária de prática do rapaz. Dito isso, surpreendeu-se defronte a sequência realizada pelo próprio, tão rápido, pacífico e forte como jamais tinha visto.

Contente com a produtividade evolutiva do descendente, a rainha soltou um forte suspiro, antes de corrupiar-se de volta à porta metálica.

Pensou que poderia deixá-lo em paz um pouco, ao menos durante aquele período. Estar ali só iria o atrapalhar.

Cautelosa, abriu e fechou a porta em velocidade recorde, encostando-a até a trinca virar mediante extrema lentidão.

Tendo o corredor livre, avançou a passadas delicadas, já pensativa quanto ao que faria de almoço para agradar filho e marido.

Antes de partir à cozinha, porém, escutou batidas vindas da porta principal no salão de estar.

Interrompeu o prosseguimento no ato e, numa jogada de relance, encarou a estrutura de dupla ala, como se a fim de confirmar o som captado.

Passados algum tempo, crente de que tinha escutado demais, as batidas se repetiram. Já no alcance da passagem, caminhou a ela e de imediato levou a palma dominante à maçaneta.

Girou-a até destrancar, então puxou. O ar frio acumulado no interior escapou pela fresta.

Nesse ínterim, os curtos e encaracolados fios ruivos, de tom próximo ao vinho-escuro, dançaram no espaço.

Sustentado pelo diadema, o cabelo curto — que caía somente até a reta final do pescoço — sequer foi despenteado pela forte brisa.

Ante o sorriso avantajado da mulher, recheada de colares dourados e joias a preencherem antebraços e mãos, a Rainha dos Mares esgazeou as vistas.

A imponência respeitosa exalada pela visitante esbanjava tanta pressão quanto o interior do templo atlântico.

— Muito bom dia, infante dos mares. — Sua voz soava madura até demais, porém carregava um leve toque de sensualidade no timbre. — Creio que meu irmão esteja presente?

— Senhora Hera... — As palavras escaparam involuntariamente da boca de Anfitrite.

A Rainha dos Deuses e Deusa do Casamento requisitava sua audiência com o verdadeiro proprietário daquele local, na acrópole central do Reino de Atlântida.

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