Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 35: Promessa

Os Classe Prodígio participaram do ritual de passagem elaborado pelos sobreviventes da tragédia de Delos. O momento respeitoso durou um tempo considerável.

Helena não conseguiu segurar as emoções ao ver os corpos das meninas, suas aprendizes, sendo descansados a sete palmos de terra.

Em ocasião natural, estariam prestes a construir o primeiro caminho rumo ao continente helênico. Se tornariam Apóstolas da Classe Iniciante, mesmo sendo apenas mortais.

Gael e Elaine vinham logo atrás, retumbados em pesar. Algo de extrema naturalidade, já que a pequena vila se sustentava em nome de seus pais.

Diferente deles, Damon e Lilith carregavam uma maior placidez no olhar. Estavam abatidos por todo o contexto, porém as grandes preocupações não se resumiam àquele momento.

O mínimo que podiam fazer era prestar o respeito a todos aqueles assassinados em batalha.

Tanto os guerreiros quanto os civis cumpriram seus papeis até o fim, sem desistir. E isso era o suficiente para empurrá-los adiante.

Quando a cerimônia chegou ao fim, esposa e filha do falecido líder da vila, Olaf, acompanharam o quinteto de apóstolos até o porto da ilha.

Dentro do esperado, se prepararam para retornar até Delfos, a fim de concluírem a missão designada pelos Deuses do Sol, da Lua e da Sabedoria.

— Esplendido!! Estamos de saída!!

O jovem dourado retomou o modus operandi excêntrico. Os braços cruzados acompanhavam o característico tom de voz eufórico.

A vela da embarcação foi abaixada. Portanto, restava retirar a corrente com a âncora do pilar de madeira na ponte.

A esposa de Olaf prestou os últimos agradecimentos ao inclinar o torso à frente, respeitosamente. A pequenina olhou o gesto e tentou repetir à sua maneira.

Os membros do grupo divino reagiram embaraçados.

— Que os deuses abençoem todos vocês em seu retorno. Vai ser difícil, mas com certeza daremos um jeito de superar tudo isso — disse a mulher, com um sorriso no rosto.

— Somos nós que agradecemos. Irei orar todos os dias pelas almas dos que se foram, assim como pela retomada de todos vocês. — Helena colocou a mão sobre o peito.

— Vamo’ lá.

Damon chamou a meia-irmã, que se virou e respondeu com um aceno positivo de cabeça.

Ela subiu no barco ao mesmo tempo que o filho de Apolo, já com a âncora em mãos. O barco estava livre para zarpar.

Ela subiu no barco junto com o filho de Apolo que retirou a corrente da pilastra lateral mais próxima, deixando o transporte livre para zarpar.

O olimpiano repetiu as ações da ida; puxou a espada e brandiu-a contra o ar, criando uma forte corrente de vento. Essa colidiu com a superfície esticada e empurrou a nau pelas águas calmas do Egeu.

As duas mortais, mais uma vez, acenaram a favor do grupo.

Helena bracejou de volta, ao lado das jovens que apenas observavam a despedida silenciosa.

Bastante emotiva em sua posição, sustentou o sorriso firme que se contradizia aos olhos marejados.

Permaneceu, sem se cansar. Até o instante que não era mais possível enxergá-las.

— Vamos lutar!! Vamos lutar!!

Gael socava o ar por intermédio dos ânimos completamente eletrizados.

O navio já se encontrava no meio do caminho para Delfos. O sol os acompanhava com um brilho intenso, em virtude da ausência de nuvens sob a abóbada anil.

As garotas, sofrendo por conta do calor, tentavam se esconder em qualquer pedaço de sombra. A maior era criada abaixo das velas, agora içadas sobre o mastro.

Em prol de dividirem, se encostavam uma na outra, viradas em direções opostas.

Para piorar, vento algum existia naquele instante. A essência pura do verão.

Embora transpirasse um pouco, o filho de Zeus não aparentava algum incômodo com tal detalhe. Sequer se movia da observação na parte mais alta da proa.

Helena estava ao lado dele, sentada em um dos degraus que conectava ao convés. Ria com timidez do jovem elétrico, sem sua capa e camisa enquanto golpeava o vazio.

— Você realmente é animado — disse a mulher, apoiando o queixo acima das palmas abertas em asas.

— Eu prefiro quando está de noite — resmungou o cacheado, de olhos cerrados.

— Ei!! Damon!! — Antes que a mais velha pudesse questionar, Gael avançou até ele. — Vamos lutar um pouquinho!! Apenas os punhos, estou animado!!

— Só com os punhos, é? Você ‘tá acostumado a lutar assim, seria vantagem sua.

Demonstrou certo interesse no chamado. Ainda assim, estava cansado pela noite anterior. Seus ferimentos continuavam a lhe trazer desconforto.

No fim, sua resposta indicativa trouxe uma surpresa aos semblantes de Lilith e Elaine, que chegaram a cruzar olhares rapidamente.

Já a Classe Iniciante piscou alguma vezes, boquiaberta.

— É nas adversidades que temos a oportunidade de crescer!! E não se preocupe, eu vou pegar leve!!

Diante da retruca do dourado, o olimpiano exalou um forte lamento e descruzou os braços.

Desceu os degraus da proa, o que por si só já arrancava um sorriso feroz do descendente solar, a ponto de mostrar os dentes.

— Por que isso, de repente? — mussitou a ctónica, incapaz de compreender a mentalidade daqueles dois.

Gael se afastou com alguns passos. O companheiro parou de andar e tirou a bainha do torso. A entregou para a irmã, repousada ao lado.

Ela aceitou de bom grado. Suportou o peso a fim de abraçá-la sobre as coxas.

— Depois desse discurso, nem precisa pegar leve. Confesso que sempre quis me testar usando só os punhos.

Cerrou-os em detrimento da rebatida. Se posicionou como um exímio lutador, na tentativa de se basear ao que tinha visto sobre o filho de Apolo.

O próprio apreciou a adoção daquela pose, embora pudesse ver algumas falhas de compostura. Ainda assim, retirou as luvas especiais.

As cicatrizes marcantes arrancaram um ar de espanto dos que viam pela primeira vez.

— Elaine!! Segura pra mim!! — Jogou-as para trás, sem nem se virar.

A filha de Ártemis as segurou com certas dificuldades pelo susto sofrido. Dito isso, voltou a atender aos dois jovens, no centro do pavimento.

Gael ajustou sua posição de combate, oferecendo a iniciativa ao oponente.

Só que Damon fez o mesmo. Não queria se mover antes em hipótese alguma, portanto aguardou paciente alguma ação do adversário.

Assim que percebeu sua estratégia, o primeiro resolveu disparar na ofensiva. Buscou atingi-lo por meio de um simples soco, mas o inexperiente demonstrou boa reação.

Desviou só ao mover a cabeça na direção oposta. Pego de surpresa, o pugilista tentou acertar outros socos, mas todos foram desvencilhados.

— Oh!! Você é bom em ler movimentos, e é rápido também para desviar!! Esplendidíssimo!! — comemorou, conforme aumentava a produtividade dos ataques de forma gradativa.

“Ele ‘tá atacando sem muita força, mas é tão ágil quanto em lutas sérias”, o cacheado ia contra as aparências e empenhava-se ao máximo para não ser pego.

As gotas de suor escapavam do rosto e chicoteavam contra o ar, para logo serem levadas pelos impactos causados em cada golpe do dourado.

— Vamos, Damon! Vença esse maníaco por lutas!

Lilith posicionou as palmas em concha nas laterais da boca ao esbravejar. O interesse pelo confronto despertou de repente em torno da monotonia.

— N-não perca, Gael!... 

Elaine fechou as vistas e se esforçou em prol de revidar. Sua voz, contudo, não passou de um simples murmúrio tímido.

Contrária a elas, Helena acompanhava o embate em silêncio. Estava cada vez mais surpresa ao ver as habilidades convencionais da dupla, tão de perto.

O panorama durou até o instante que Gael conseguiu superar a defensiva do companheiro, pisando com força no solo de madeira.

Adentrou a região protegida por ele e retirou os espaços favoráveis às esquivas.

Na sequência, entrou com um forte soco no abdômen dele, que cuspiu saliva e sentiu o corpo ser erguido do chão.

A comoção foi absoluta.

Porém, a reação foi instantânea...

— Não... me subestime!...

Junto ao resmungo dolorido, Damon atacou pela primeira vez com um direto no rosto do solar.

O punho cerrado lhe atingiu na maçã da face, mas só conseguiu o contorcer no mesmo ponto. Um sorriso afiado surgiu em sua faceta.

— Em nenhum momento te subestimei!!

Aproveitou o impulso sofrido em retorno e girou-se ao tirar o rosto da frente. Isso fez o olimpiano passar reto, puxado pela própria força.

Uma nova brecha se abriu, favorável ao segundo golpe do lutador, que atingiu a bochecha do rapaz.

Ele foi jogado contra a lateral da embarcação. Aproveitou o momento para recuperar o fôlego perdido após o soco no estômago.

Levantou-se e encarou o eufórico, que se virou à sua vertente e partiu em disparada. Mantendo a ofensiva, criava sequências ainda mais assíduas em comparação à primeira.

Por consequência, o filho de Zeus também acelerava a velocidade dos desvios. Começava a experimentar a pressão do ar raspar pelas laterais do rosto, à medida que se deslocava de um lado ao outro.

Entretanto, no decorrer de certas ocasiões, o experiente se sucedia em pegá-lo de guarda baixa e acertava um golpe.

Os antebraços geralmente conseguiam impedir a maioria deles, na pura velocidade de reflexo. Uma dessas investidas acabou forte o suficiente para arrastar seus pés até a escadaria da proa.

Sem espaço em prol de sequer respirar, sentia a pressão assustadora que o sorridente podia criar.

Essa confusão o fez acionar um gancho de direita.

— Peguei!! — Sentiu o acerto, mas...

Arregalou os olhos ao ver que o espadachim tinha se defendido, ao posicionar ambas as palmas voltadas abaixo do maxilar.

De todo modo, a potência do golpe ascendente acabou o alçando do plano.

“Nem isso eu consigo”, resmungou, assustado com a impetuosidade do descendente do Deus do Sol.

Portanto, aproveitou o corpo no ar e contra-atacou com um chute veloz, visando atingir a face do garoto.

Gael defendeu rápida ao também usar os antebraços, ainda sendo lançado alguns metros para trás.

Lilith e Elaine quase se levantaram, tamanha a tensão estabelecida durante o conflito amigável.

O contraste austero tomado pelo momento as fez engolir em seco. Mesmo que os jovens deuses estivessem claramente abraçados pelas respectivas diversões.

Aquela era a primeira vez que a ruiva enxergava tal expressão no rosto do amigo. De alguma forma, ver seu sorriso leve a deixou muito mais confortável.

Mesmo a jovem lunar percebeu esse alívio.

Os dois voltaram a se atracar de repente, aumentando a intensidade da troca franca de golpes.

Damon começava a se habituar, mostrando boa capacidade no ritmo da batalha corpo-a-corpo — já tinha algum costume graças ao manejo da espada, uma arma não muito longa.

Ciente de que aquele não era o proveito máximo que poderia ter numa batalha contra ele, Gael franziu o cenho.

A repentina mudança de comportamento fez o cacheado se alarmar, lhe socando de uma maneira que o fez se afastar.

Foi a abertura para o eletrizado despejar suas fortes emoções:

— Eu ‘tô frustrado!! Na batalha de ontem, percebi que ainda me falta muito!!

Todos ficaram espantados assim que as fortes palavras ecoaram pelo silêncio.

Não obstante a isso, o filho de Zeus ajeitou a postura. Respirou bastante em virtude do cansaço e, levado pela explosão repentina do rival, proferiu:

— Eu também ‘tô frustrado... Gael!!

Retomou o enfrentamento de súbito, ao acometer contra o filho de Apolo; procurou socá-lo com muito mais força que o normal.

O golpe trouxe a primeira sensação real de perigo ao garoto, que saltou com tudo para desviar no último instante.

Contra golpeou com o punho canhoto, mas acabou bloqueado pelo braço firme do olimpiano.

Franziu o cenho. Também era a primeira vez que escutava seu nome ser chamado por ele.

— Você odeia perder, não é mesmo!!? — Desenhou um riso de puro regozijo. — Eu te entendo perfeitamente, Damon!!

Devolveu na mesma moeda e saltou em busca de uma nova investida. Cruzou os dedos e fez as mãos se tornarem um martelo, com o qual desceu a toda potência contra a cabeça do filho de Zeus.

E ele permaneceu onde estava. Só reuniu os dois braços e os posicionou acima, aceitando receber o golpe violento. Na torcida para não destruir o chão do barco com o exagera, flexionou as pernas.

Gael, no entanto, remediou bem a força a fim de não jogar o peso inteiro contra o rapaz — e, por consequência, contra o transporte.

Depois de entrarem em contato, Damon abriu os membros como se fossem asas e o jogou de volta.

O dourado rodopiou num mortal até aterrissar de volta no convés. E foi surpreendido por outro ataque acelerado do espadachim, esse na mira certeira de seu rosto.

Cogitando a real possibilidade de ser derrotado ao sofrer o baque, deu tudo de si no intuito de inclinar-se abaixo, deixando os joelhos dobrarem e trazerem o torso consigo.

Experimentou o impacto no ar raspar a face, na iminência de causar uma pequena explosão em sua retaguarda.

Voltou a se levantar e, na tentativa de retribuir, teve o punho seguro pela palma recuada. Os dois ficaram cara a cara e assim permaneceram durante um breve período.

— É, eu detesto perder. Ainda mais do que detestar perder, eu detesto me sentir um merda. E foi assim que me senti quando enfrentei aquele Castor — resmungou entre os dentes cerrados.

A quietude voltou a se alastrar pelo recinto, tomada apenas pelo som das fracas ondas em contato com a nau.

— Sempre achei que podia vencer qualquer um que enfrentasse. Mas nem pude tocar meu inimigo... — Reduziu o ímpeto e se afastou com adversário. — Não posso simplesmente aceitar isso e ficar de braços cruzados.

— Eu também pensei o mesmo!! Por isso, quando eu escutei as suas palavras, eu me decidi!! — Estendeu o braço adiante. — Eu vou ficar muito, mas muito, mas muito mais forte!! Pra vencer todas as adversidades, eu me tornarei o mais forte de todos!!

Todos escutaram sem dizer uma palavra.

A diversão construída pela pequena batalha já tinha esvanecido, junto com o primeiro surgimento da brisa marítima àquela altura.

Ver o filho de Apolo demonstrar sua fortíssima determinação através de palavras convincentes fez Damon remeter à noite anterior.

Lembrou-se do questionamento feito por Castor e a resposta que lhe entregou. Ao invés de incômodo, aquilo o confortou.

Deixando a posição de combate, voltou a encarar os olhos castanhos cheios de vibração do aliado. Enfim compreendia o motivo de ter sido chamado para aquele confronto.

Encarou a palma dominante, a fechando para soltar sua resolução:

— Também quero ficar mais forte. Pra que eu consiga cumprir com o que prometi.

Também estendeu o punho cerrado.

O sorriso mútuo entre ambos finalizou a pequena contenda.

— Esplendido, meu amigo!! Vamos juntos!!

O contentamento pela conclusão entre todas as adversidades preencheu o transporte em movimento.

Mais do que companheiros de corporação, agora eles não logravam de empecilho algum para se chamarem de “amigos”.

No fim, ambos se aproximaram a passos curtos e se cumprimentaram num aperto de mãos vigoroso.

O sentimento contagiou também as garotas, determinadas a seguirem os mesmos passos em busca da evolução.

A promessa feita por cada um, interior e exteriormente, foi firmada.

— E depois vamos encerrar essa luta, com tudo que tivermos — entoou Damon.

— Pode apostar!! Vou esperar com esplendida ansiedade!!

Concluída a troca de desabafos, Helena encarou o mar. A cidade de destino já se encontrava próxima.

Suspirou com profundidade, pensativa acerca de o quanto aquela nova geração era bastante promissora.

“Eu também vou ficar mais forte... para poder salvá-los.”

Os olhos esmeraldinos se ergueram à vertente do céu límpido. Sua própria promessa estava lapidada em seu coração, a partir daquele dia.

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