Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 31: Sobre Erros e Acertos

Diferente da missão de dois meses atrás, Atena não tinha planos para acompanhar os membros da corporação pela Piscina da Vidência.

Ainda assim, precisava ir até os salões superiores do Monte Olimpo. Depois da noite complicada com sua irmãzinha, deixou-a com suas filhas e chegou ao local.

Num andar próximo ao cume, sentou-se numa cadeira e pegou a caderneta de papeis amarelados, preenchido por diversas anotações.

O vento carregado da altitude levava seu longo cabelo roxo a bailar em singelas ondulações ao lado do rosto.

O astro luminoso ainda podia ser observado por trás dos cavalos dourados no horizonte. Seus contornos tornavam-se ainda mais sublimes, irradiando um cintilar cativante nos arredores.

A imagem, unida ao céu que misturava laranja e azul-escuro cheio de pontos luminosos, trazia um relaxamento necessário à divindade.

Um momento único, onde apenas as maiores entidades tinham a possibilidade de acompanhar.

— Esta época é deveras agradável, não acha?

A voz questionadora veio da mesma direção na qual os fios ondulados apontavam com o vento.

Direcionou o rosto à mesma vertente. As vistas entrefechadas encontraram a figura da mulher, de beleza soturna, com a noite impregnada em seus olhos e cabelos.

A Deusa da Lua subiu o último degrau prateado. O sorriso leve era coberto por uma fraca penumbra na face alva.

Conferindo a presença da irmã, a sábia colocou a caderneta na mesa ao lado, se levantou do assento e caminhou até a balaustrada.

O foco foi a paisagem admirável, um convite silencioso para a visitante se aproximar.

E assim ela fez.

Com passos curtos, aproximou-se.

— O verão chegou. Ficaremos um tempo sem as brisas de primavera — avaliou ao se posicionar ao lado dela.

— De fato. Todavia veja pelo lado bom. Cenas como esta serão tão constantes quanto.

Direcionada pelas palavras da contemplativa, Ártemis descansou as palmas no guarda-corpo e encarou a paisagem.

A queda solar realçava as construções longínquas.

O mar e as estrelas concebiam uma pintura viva, digna das mais belas honrarias.

— É lindo — mussitou, encantada.

Perderam alguns segundos em apreciação à região que estava sob todo o domínio helênico.

Nesse intervalo, a estrela da vida alcançou a proximidade definitiva com a fronteira dos corcéis alados. O brilho especial esvaneceu.

A porção de escuridão passou a tomar a maioria da extensão superior, realçando ainda mais o “despertar” das estrelas.

Mais um dia chegava ao fim.

E assim, as deusas exalaram tons diferenciados em suas expressões.

— Me pergunto como eles estão indo. O segundo dia já está para terminar...

Ártemis, de cílios próximos, exalou um lamento.

— Perguntava-me sobre isto antes de você chegar. Dito isto, nosso pai fechou o salão dos Doze Tronos. Deve estar descansando e, além do mais, sequer está ciente acerca da respectiva incumbência.

A lunar a encarou de soslaio. Embora fosse uma resposta franca, permaneceu silente.

Conhecia os caprichos da Deusa da Sabedoria. O quanto era boa em manter as aparências, independentemente da situação. De todo modo, não deixava de se impressionar com a cautela adotada.

Essa, pelo contrário, não estava preocupada com suas impressões. Por esse período, fechou os olhos e exprimiu>

— Creio que não tenha vindo até aqui meramente para falar da época, correto?

— Como esperado de você... — Ártemis encarou o teto do átrio.

Confirmava tudo o que pensara sobre ela. E assim, respirou fundo antes de corrupiar toda a atenção à semelhante.

Plena em sua habitual confiança, Atena foi conduzida pelo olhar noturno da irmã.

As duas cruzaram as linhas de visão. A divindade lunar, sem delongas, passou a dialogar sobre o assunto que trazia consigo de sua cidade.

Zelando pela postura imaculada, a Deusa da Sabedoria sustentou a feição neutra. Gradativamente, no entanto, passou a franzir o cenho com certa força.

Encerrando as explicações que duraram poucos minutos, a resposta da purpúrea foi inclinar o rosto em direção ao solo.

Levou a mão destra abaixo do queixo, o cotovelo apoiado pela palma canhota.

Ártemis pressionou os lábios úmidos, no aguardo para a finalização dos pensamentos da irmã. Queria um parecer considerável relacionado ao assunto.

Ciente disso, a divindade ateniense, depois de tomar aquele intervalo para si, falou sem nem abrir as vistas:

— De certo, trata-se de uma situação que necessita de atenção prévia. — Os abriu nesse instante. — Caso nosso pai fique a par disto, e ele certamente ficará, acredito que não permanecerá inerte ao caso.

Ajeitou as mechas rebeldes, que escorriam pelas laterais do rosto, com os dedos.

Sem causar sonidos, girou-se de volta à vertente do assento. Encostou-se na barra vertical de mármore.

Em virtude disso, a Deusa da Lua devolveu a atenção ao horizonte. O Sol não podia mais ser visto àquela altura.

— Mas poderemos fazer isso agora? — comentou e, depois, olhou de novo para a sábia. — Não acredito que convocar apóstolos do mais alto nível seja possível no momento.

— Isto é um fato. Contudo... — Levantou o indicador, rente ao nariz. — A despeito deste fato, logramos de certas opções.

A noturna piscou duas vezes, incerta perante o sorriso astucioso da mulher.

Pensou em questionar, porém preferiu não contribuir para com a cerimônia de Atena. Ela adorava fazer aquilo, no intuito de atiçar a curiosidade das pessoas com quem dialogava.

Mas o fato de existirem opções já se provava suficiente, por enquanto. Assim determinou ao deixar o seguinte recado, num tom de despedida:

— Se esse é o caso, deixo os preparativos em suas mãos. — Virou-se num aceno com o palmo aberto. — Obrigada por me escutar, irmã. Nos vemos em breve.

— Sim. Muito em breve, eu diria.

Sem dizer mais nada, a lunar dirigiu-se às escadarias e deixou o recinto.

Resguardada enquanto sentia a presença dela desaparecer, a Deusa da Sabedoria inclinou a cabeça para o alto.

Toda a inquietação que surgiu em seu peito foi posta para fora através de uma forte expiração.

— Confesso que estas opções que me vieram à mente até são eficazes. Todavia, ainda me despertam alguns receios...

Caminhou de volta à mesa, onde encarou a caderneta que tinha as folhas dobradas graças à lufada corrente.

Os olhos afunilaram em direção ao objeto, antes de apanhá-lo mais uma vez.

Ainda descendo os degraus, Ártemis executou uma breve pausa entre um salão e outro, já nas proximidades da divisória para a região mundana.

Virou o rosto na hora. Encarou de esguelha ao átrio específico, imaginando que tinha sido algo de sua cabeça.

Portanto, decidiu prosseguir sem muita enrolação.

Não podia contar com o surgimento de um sorriso feroz, revelando caninos perigosos recheados de sanguinolência detrás das sombras da noite.

Na Ilha de Delos, Damon encontrou uma maneira de cuidar da ferida no ombro de Helena.

Depois de remover a faca na região perfurada, rasgou parte da mante escura e a amarrou com firmeza sobre, a fim de estancar o sangramento.

A garota, que repousava na estátua da Deusa da Lua, ainda experimentava uma ardência, porém conseguia suportar.

Com a chegada definitiva da noite, a calmaria se estabeleceu após toda a tensão.

Gael já tremia, dominada pela nictofobia. Ao lado da figura que representava o Deus do Sol, era consolado por Elaine, que fazia carinho em seu cabelo arrepiado.

De pé, Lilith encarava a estrelas a despontarem na abóbada escura. Frustrada pelo evento anterior, onde piorou a situação ao surgir no momento indevido, cerrava os punhos com vigor.

Esse simples deslize quase causou a morte da companheira resgatada. Apenas o objetivo principal daquela missão.

Mais do que tudo, pensava no quanto aquilo poderia a prejudicar além da perda de uma Classe Iniciante.

A gama de sentimentos conturbados a impedia de perceber todos os olhares inquietos nas cercanias.

Nenhum dos apóstolos proferia qualquer palavra.

Nada além da brisa fria causava ruídos, assobios entre as figuras de gesso que faziam as coroas das árvores farfalharem.

Era notável o clima carregado.

Pressionada por isso, a ruiva não suportou mais ficar em silêncio. Apanhou o punhal na cintura, o apontou à direção da garganta e rangeu os dentes.

Quase a ponto de furar a pele, foi impedida pela mão firme de Damon, que apanhou seu punho.

— Já falei que não foi culpa sua. — Ao afastar a arma dela, a fez olhar em seu rosto, apática. — Eu fiz uma aposta. Não pensei em nada que pudesse atrapalhar. Foi puro improviso. O erro foi meu de não ter imaginado aquilo...

Após ouvir o fim mussitado pelo rapaz, a filha de Hades juntou os dentes e subiu os músculos abaixo do rosto corado.

Num tom elevado, retrucou:

— Mas sua cara não dizia isso quando eu saí na frente daquele cara!

— Foi no calor do momento. Eu ‘tava tenso.

À desculpa do companheiro, que inclusive desviou o olhar, a ctónica não rebateu.

Somente desistiu de se automutilar e guardou a arma de pequeno porte. A face contraída se escondeu nas sombras, as vistas marejadas encararam a terra.

O filho de Zeus respirou fundo. Sentia parte da culpa em ter a deixado daquela maneira, mas, pelo menos, tinha sido bem-sucedido em evitar o pior.

Lembrar-se dos demais motivadores internos que a conduziam àquela postura o fez se remoer. Então, pensou sobre aquilo ter chances de desencadear problemas piores no futuro.

— A culpa não foi sua. — Voltou a reiterar. — Se acalma um pouco. Podia ser eu no seu lugar. Lidamos com os problemas como uma equipe, entendeu?

A fim de amenizar o peso sobre os ombros dela, o cacheado decidiu ir em sua direção.

Colocou a mão sobre o ombro trêmulo dela, voltando a puxar seus olhos rubis até sua vertente. A íris azulada parecia penetrar sua alma durante a encruzilhada visual.

Seus rostos estavam próximos outra vez. Aquilo, naquele instante, só a sufocava; isso não a permitiu entoar qualquer palavra diferente de:

— Está bem...

Abaixou o semblante naquele mussito, controlando melhor o turbilhão emotivo em seu interior.

O trio ao redor acompanhava a dupla em silêncio. Cada um expressava-se à própria maneira, mas no fim todos foram dominados pelo alívio.

Acalmada, Lilith remeteu à pergunta realizada na noite anterior. Apertou a mão canhota contra o peito, ponderando se aquela poderia ser uma possível parte da resposta que prometeu buscar no futuro.

O momento indefeso mudou sua visão sobre o cenário.

Sentiu-se afagada pela atitude de sua dupla, a ponto de relaxar os cílios e os lábios contraídos.

— Desculpa... — murmurou, ainda um pouco cabisbaixa.

— ‘Tá tudo bem. Vamo’ focar em terminar essa missão. — Damon projetou um leve sorriso. — Precisamos levar a Helena de volta. Daí falamos sobre os irmãos dela.

Contagiada pela expressão difícil de ser vista em seu amigo, Lilith voltou a recuperar parte da confiança. Realizou um gesto positivo com a cabeça.

Alcançado o entendimento, o apóstolo regressou até a irmã, que descansava nos pés da figura de Ártemis.

Diante da afinidade demonstrada pela dupla, não pôde evitar de esboçar um sorriso gentil a ele.

O rapaz se agachou ao lado dela. Analisou o curativo improvisado, com uma boa macha de sangue misturada ao azul do tecido.

— O que vai acontecer com meus irmãos?...

Sua pergunta veio num tom desolado, acompanhada da repentina mudança no semblante pálido.

A preocupação era natural. Os ocorridos desde o encontro com o terceiro indivíduo encapuzado, indo para a captura e a posição de refém há pouco...

Um de cada já era o bastante para lhe jogar a um abalo emocional forte. Misturando todos, então...

Nada, no entanto, era pior do que a sensação de ter a vida por um fio. Algo que ela experimentara pela primeira vez.

O olimpiano não soube como responder.

Não pelo medo de dizer algo que a deixaria mais desconsolada, mas por, de fato, desconhecer a reação das divindades superiores caso Castor e Pollux fossem entregues.

Suas motivações não estavam claras. Tudo ainda era muito confuso.

Como seu pai não era o mediador da tarefa, poderia testar alguma possibilidade de negação junto a ela, a fim de não liberar as informações ao Rei dos Deuses.

No entanto, as circunstâncias jamais permitiriam qualquer omissão por parte da deusa. Aquele era um pretexto de rebelião.

Era provável que fosse tratado dessa maneira quando levados os fatos ao julgamento.

Diante dessas concretas perspectivas, Zeus jamais seria generoso a ponto de não os prejudicar...

— Melhor a gente focar em te levar de volta. Depois a gente vê o que aconte...

Uma explosão distante brecou a frase do rapaz.

Foi tão poderosa que, em segundos, causou um impacto estrondoso por toda ilha. A calorosa onda de choque atingiu a região sobre o templo num piscar.

Então, uma esfera de fogo em formato de cogumelo levantou-se pelo espaço iluminado.  

Helena, após ser protegida por um abraço de seu irmão, arregalou as vistas, desacreditada. O choque recaiu sobre os demais na sequência, atiçando até o amedrontado fóbico.

Por fim, gotas de fogo verteram de volta à terra, atingindo algumas árvores a alguns metros pela floresta. Um enorme rastro de fumaça foi o que restou.

Na velocidade do pensamento, Damon foi golpeado por uma mistura intensa de aromas. Sangue, monóxido de carbono e derivados invadiram as narinas potentes, o fazendo erguer as sobrancelhas.

— Não... não pode ser... — Helena balançou a cabeça para os lados. — A vila...!

— Lilith, vem comigo! Vocês dois, fiquem e cuidem da Helena! — O cacheado deu as ordens e se preparou para disparar.

Gael o segurou antes de partir.

— Nada disso, campeão! Vamos com vocês! — Empenhado, o manteve inerte com um sorriso confidente.

— A gente não pode arriscar de levar a Helena pra zona de perigo outra vez. É exatamente o que eles querem.

— Então que fiquem vocês dois! Eu irei até a vila e derrotarei quem fez isso! Se quiserem, podem até sair daqui na frente!

Depois de largar o braço do companheiro, posicionou-se à frente dele. O encarava de igual para igual; nem parecia estar afetado pela nictofobia.

Dessa vez, não havia um traço de sorriso no rosto.

Em silêncio, o filho de Zeus organizou os pensamentos, sem vontade de originar um debate contra o solar.

Logo regressou a um importante detalhe, abandonado graças a sequência anormal de eventos.

Como se lesse sua mente, o próprio o lembrou:

— Essa é a ilha onde nossos pais nasceram! E nós também! — Apontou ao próprio peito, enquanto Elaine se juntava ao seu lado. — Nós vamos proteger os fiéis que oram todos os dias em nome deles!

Sem palavras, Damon abaixou o olhar. Podia compreender os sentimentos dos dois novos aliados.

Então, virou-se até a irmã debilitada e encarou o olhar dela, governado pela ansiedade.

— Vamos assumir um risco maior, de novo. — Se agachou à frente dela de novo. — Enquanto corremos até a vila, a gente discute como agir quando chegar.

O descendente do Deus do Sol voltou a mostrar os dentes. Acenou com a cabeça, contente com a decisão tomada pelo olimpiano, e bateu os punhos cerrados.

Elaine se levantou e Lilith acompanhou o parceiro.

A Classe Iniciante envolveu os braços no pescoço do semelhante, passando a ser carregada por suas costas.

Sem a necessidade de trocar palavras, trocaram olhares e consentiram um para o outro.

Agora, o grupo precisaria correr bastante.

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