Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 29: O Treinamento da Daisy

Enquanto verificava as escrituras feitas à mão, pertinente às novas incumbências delegadas a grupos distintos de apóstolos — divinos ou mortais —, a Deusa da Sabedoria acompanhava o inédito progresso da irmã caçula.

A menina encontrava-se de olhos bem fechados. Exalava serenidade no semblante esmaecido, à medida que tentava concentrar a Energia Vital corrente em seus canais interiores.

Aos poucos, o manante elétrico ultrapassou as barreiras físicas e encontrou o ponto material no porte da pequenina.

Mais uma vez, e tão intensamente em comparação à ocasião de meses atrás, a Autoridade Elementar do Relâmpago nasceu sobre o releixo de uma lâmina acentuada.

A coloração alva proliferou-se por toda a chapa metálica, de tênue aspecto curvilíneo, até alcançar sua extremidade.

Os estalos tornaram-se cada vez mais acentuados. Em questão de milésimos, trouxe uma iluminação pura ao centro do jardim residente do Templo de Atenas.

A atenção conduzida pelo fluente vital arrancou um sorriso satisfeito da sábia divindade. Aquela era a confirmação de que a respectiva já lograva das capacidades necessárias em prol do presente domínio.

Agora, portanto, a expectativa pessoal era outra.

O corpo da criança adotou uma postura rija. A mão canhota uniu-se à dominante, executando a dupla empunhadura.

Conforme os raios se mantinham em desordem acima do releixo, os grandes olhos celestiais se abriram.

Suportando o novo peso adquirido sobre a arma afiada, ela respirou fundo e tentou levantá-la até acima da cabeça, num deslocamento estremecido.

De cara, a suprema deidade percebeu algo negativo, que fez suas sobrancelhas remexerem. Não disse nada, entretanto.

A movimentação procedeu, à feição das dificuldades sofridas pela inexperiente. Ainda assim, conseguiu chegar no topo, sobre as charmosas antenas curvilíneas do cabelo vinho-escuro.

Depois de suportar singelos segundos naquela disposição, deixou os braços delicados irromperem contra o espaço. Executou um corte nada equilibrado contra o ar.

A lâmina colidiu com o solo relvado e ali permaneceu, fincada contra a vontade da portadora.

Os raios se espalharam por todos os lados e logo desapareceram, sem causar quaisquer efeitos adversos ao ambiente.

Nesse ínterim, Daisy exalou uma profunda lamentação, misturando cansaço e desaponto. Toda a energia acumulada se esvaiu num piscar.

De volta à estaca zero, esforçou-se a puxar a lâmina enterrada no solo. Em vão.

— Hmmf! Droooga! — Fechou as vistas e rangeu os dentes, os pés quase se arrastavam no plano. — Não queeer...!! Saiiiir!!! Uah!!

No instante que conseguiu retirar o gume da terra, toda a força imposta no ato de empurrar o corpo para trás lhe trouxe à queda.

Como uma fruta madura a cair de uma árvore, foi com tudo até ser derrubada de traseiro.

Observadora plena, Atena prendeu sua risada ante a cena protagonizada pela aspirante a Apóstola. Em respeito ao respectivo esforço, levantou-se da cadeira branca e avançou a passos curtos até ela.

Ao se aproximar, deu de cara com os resmungos entristecidos da criança. Estava cabisbaixa, enquanto encarava a lâmina sobre as pernas levemente coradas.  

— Eu não consegui de novo — resmungou num tom afônico e quase conectou os cílios salientes.

A superior compadeceu de sua frustração, porém não a deixaria desistir àquela altura. Ainda via tanto potencial nela, inclusive para sua idade infantil.

Deveria achar a melhor maneira de lapidar tais virtudes que lhe saltavam os olhos.

Não importava as adversidades, a quantidade de falhas e erros... Sentia-se instigada a avançar com as ferramentas possíveis, à custa de uma promessa cravada em seu ente.

— Você foi deveras contundente em controlar a energia por um tempo delimitado. — Agachou-se, a fim de retomar o porte da arma para que ela pudesse se reerguer. — Só carece de refinar ainda mais a condensação e proliferação vital.

— Mas eu... sinto que não consigo dar tudo de mim com essa arma. — A garotinha balançou a cabeça para os lados, à medida que recobrava a postura.

Uma inédita pontada de curiosidade martelou a cabeça de Atena, que logo indagou:

— Discorra sobre?

De volta ao aspecto erguido, a alcançar a altura do peito da deusa, Daisy proferiu entre um suspiro:

— A arma sempre fica mais pesada quando eu uso a energia... — Desviou o olhar, tentando esconder a feição vexada.

A deusa achou aquilo peculiar, pois jamais tinha escutado falar em ocasião semelhante.

Procurou algo nas profundezas do devaneio, porém nada foi encontrado.

Remeteu aos treinamentos iniciais, nos quais a menina sempre utilizara facas e punhais de porte reduzido.

— Será que vossa afinidade seja favorável a armas curtas? — Pôs uma mão abaixo do queixo.

— Não! — Ela, no entanto, protestou ao emburrar o rosto. — Eu quero lutar com uma espada bem grande, igual meu irmão!!

A Deusa da Sabedoria experimentou a pressão delegada pelo olhar fuzilante da criança. Portanto desistiu da tentativa de convencê-la a abdicar dos equipamentos de porte superior.

Contudo caso o cenário continuasse a favorecer as menores, logo não teria outra opção.

Se fosse em prol de aperfeiçoar a caçula, então desprezaria os meios. O faria, nem que fosse preciso obrigá-la a abrir mão daquele desejo puramente sentimental.

— De todo modo, podemos executar novos testes assim que descansar. Já se empenhou muito por hoje, pequenina.

Tentou acariciá-la na cabeça, como Damon fazia, mas não semelhava ter o mesmo efeito.

A tristeza permaneceu a corroborar com o semblante da criança. Naquele instante, não havia muito o que fazer, senão recompor as energias para tentar outras vezes no dia seguinte.

Entendeu isso quando passou a ser dominada pelo sono.

O bocejo delongado veio logo na sequência, ratificando as palavras proferidas pela superior.

Num entendimento mútuo, ambas deixaram o jardim do templo.

A menina foi ao banho, num espaço bastante espaçado, porém menor que o quintal anterior.

Adentrou a piscina de água quente, envolvida pelo piso de mármore, e tratou de relaxar o físico e o mental.

Em sua companhia, a deusa veio após. Buscou novas maneiras de animar a criança, lhe despejando elogios quanto a seus esforços, algo que serviu num primeiro momento.

Nesse período de extrema intimidade, inclusive, a mulher ofereceu-se para esfregar as costas dela, que aceitou de bom grado.

Ao fazê-lo, destacou-se às cicatrizes escapulares em losangos diagonais.

Sempre ao passar as palmas ali, podia experimentar a leve rugosidade das marcas de nascença da pequena. Ela, por outro lado, não aparentava se incomodar ao ser tateada naquelas regiões.

Um leve formigamento era o efeito responsável por lhe escalar a espinha, mas nada suficiente a fim de lhe trazer extremo desconforto.

Pelo contrário, gostava bastante daquele tratamento, algo que raramente tinha em conjunto ao irmão na morada em Olímpia.

Pensar nele lhe despertava uma torrente de saudades. Chegava na iminência de projetar um fraco sorriso de canto, ponderando sobre como ele deveria estar se saindo na missão atual.

Em percepção a isso, Atena resolveu sondar o assunto:

— Será que vossa preocupação com Damon não interfere no domínio da energia?

O questionamento fez a criança encarar por cima do ombro, as bochechas enrubescidas.

Pôde enxergar o sorriso plácido da deusa, graças ao cabelo preso num coque volumoso.

Demorou um breve período para respondê-la:

— Não! Eu fico preocupada e pensando nele, mas não é isso. — Abaixou a cabeça de novo. As mechas rebeldes nas laterais caíam defronte o rosto, liberando pequenas gotas em intervalos lentos. — Sei que meu irmão vai conseguir. A Lilizinha também está com ele. Só que...

Só que?...

— É que ele ficou um pouco estranho depois da última missão. Mesmo me contando o que aconteceu, senti que escondia algo. — Os dizeres de timbre inquieto fizeram a curiosidade da mulher ser elevada. — Não queria usar a Empatia nele. Não quero piorar as coisas...

Era a primeira vez, desde quando se lembrava, que Atena via a irmãzinha falar de maneira tão retraída.

Embora tivesse acompanhado todos os acontecimentos na Ilha Methana, não podia decifrar todas as emoções do irmão.

Ao menos, não tão precisamente quanto a menina.

Ainda que fosse sua Bênção, ao mesmo tempo podia ser seu fardo. E aguentar tal poder — além das capacidades naturais em treinamento — naquela idade era louvável.

— Ele está nesta fase da vida. Lhe garanto — mussitou em resposta, voltando a trazer os globos celestes dela a sua direção. — Não acho que precise se preocupar tanto. Só fique ao lado dele sempre que puder, está bem?

Daisy reagiu boquiaberta durante a finalização dos dizeres da veterana.

Na sequência, não resistiu em restituir a elevação labial de costume, trazendo um tom de pureza ao semblante e se livrando da carga emotiva.

— Claro! Jamais vou deixar meu irmão! — Assentiu ao responder, mostrando os dentes brancos no processo.

Contente com a mudança no humor da aprendiz, a Deusa da Sabedoria terminou de lavar suas costas e apanhou um balde de cerâmica.

Encheu-o de água e, sem pestanejar, jogou tudo sobre a cabeça dela.

Ela quase se afogou ao receber o impulso, o que arrancou novas risadas abafadas da deidade.

Queria muito se vingar, porém não teve essa oportunidade, visto que a adulta se afastou em tempo recorde. Ela já subia as escadas e deixava o banho.

Desprovida de outra opção, acompanhou-a no objetivo de não ficar só. Após se secarem, contou com o auxílio da mais velha para ter seu longo cabelo penteado.

A escova trazia de volta as características e chamativas pontas dos cachos bagunçados.

O primeiro dia desde a partida dos apóstolos prodígios à Delos chegava ao fim.

Agradecimentos:

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