Volume 10 – Arco 6
Capítulo 194: Antes do Fim

“Eu estou... morto?”, a consciência do garoto retornou aos poucos após horas de sono profundo.
Ainda não.
A voz interior se pronunciou ao questionamento receoso.
Mesmo pedindo para ser morto, ainda teme a morte. Você realmente é um fracote...
Foram as palavras finais da voz sombria, coincidindo com a restauração dos cinco sentidos.
O tato verificou a presença da grama abaixo do corpo e os escombros acumulados sobre os ferimentos graves.
O paladar sentiu o gosto metálico adocicado do sangue com Ícor misturado ao amargor da terra.
O olfato inspirou um aroma agradável carregado pela brisa gelada, apesar do ar rarefeito provocado pela altura daquele local.
A audição, por fim, detectou passos lentos em aproximação, conforme os olhos marrons voltaram a se abrir em suas quase totalidades.
A noite tinha chegado.
Embora as nuvens negras acima de si jamais mudassem, independente do avanço do tempo, soube disso graças a ausência da luz que o banhava antes de desmaiar.
Quantas horas ou dias tinham se passado desde então, aí ele jamais saberia de certo.
Fato era que o corpo permanecia inapto a se mover, graças às intensas dores dos ferimentos espalhados do rosto aos pés.
O mais grave deles, a perfuração na barriga, tinha parado de sangrar ao menos. Ainda assim, sentia suas últimas energias serem puxadas ao limbo através dela.
O fim que desejou estava por vir. Sentia-se surpreso por ter suportado por sabe-se lá quanto tempo naquele estado.
— Se tentar se mexer, irá de fato morrer.
A voz chegou a seus ouvidos um pouco deturpada por conta do estado deplorável. Apesar disso, imaginou ter sido entoada por um rapaz.
Sem poder mexer até mesmo a cabeça, observou uma sombra cobrir seu rosto recheado de cicatrizes, novas e antigas...
A visão embaçada foi insuficiente para o impedir de enxergar algumas características chamativas da pessoa postada ao seu lado.
Seu cabelo tinha aspecto volumoso e trazia uma tonalidade rosada levemente clara. A grande franja lisa cobria o olho esquerdo, algo que, para ele, criava um ar de misticidade em sua volta.
O sorriso resoluto na face pálida corroborava a favor dessa sensação. Era como se estivesse próximo de conquistar algo deveras almejado.
— Regozije-se, filho da vingança. A partir daqui, receberás uma inédita oportunidade. — Levantou o braço destro; o indicador e o médio erguidos com o polegar aberto, num formato de L, deixando a mão ao lado do rosto. — Aceite esta morte... e renasça.
Keith não pôde ouvir mais nada ao contemplar o olho estranho daquele garoto se conectar aos seus, como se pudesse observá-lo na alma.
Em seguida, o misterioso se agachou, aproximando o rosto ainda mais do dele. Foi quando notou, por meio dos fios dispersos da franja, um detalhe diferente em sua pupila escondida.
Antes que pudesse determinar algo mais concreto, experimentou potentes calafrios sobre as feridas gravas e, num gesto delicado, teve as vistas acobertadas pela palma frígida dele.
Sua consciência voltou a esvanecer naquele curto intervalo. A “morte” por fim o abraçou, sem o permitir pensar em mais nada.
Do outro lado, o sorriso dos lábios róseos se elevou.

Por um dos inúmeros caminhos florestais do Berço da Terra, a menina sem nome criou o seu percurso.
Com a queda da noite, utilizava o bastão luminoso a fim de se guiar pelas melhores passagens da trilha sombria, ainda com o solo de terra carregado por conta da última chuva.
“Espero que aqueles dois tenham conseguido”, divagou ao relembrar os momentos únicos tidos com eles durante a noite passada.
Tais momentos, ao regressarem à tona, a fizeram esboçar um sorriso tênue.
Ainda se tratava de uma experiência bastante inédita para ela. Estímulos desconhecidos iam e vinham em seu peito. E aquilo a deixava genuinamente contente.
Os pensamentos se dissiparam ao encontrar, durante o percurso, um dos pequenos riachos que cortavam a ilha até desaguar no Mar Egeu.
Foi até a margem cercada de grandes pedras e folhas caídas das árvores. Fincou o bastão no solo e se pôs de cócoras com ambas as mãos unidas em concha.
Apanhou uma porção d’água e bebeu, sentindo imediato regozijo ao experimentar o conforto na garganta seca.
— E então? — Uma segunda presença surgiu ao seu lado. — Como foi a “nova experiência”?
A menina nem se assustou ao receber a pergunta.
Apenas terminou de desfrutar o frescor do líquido natural e deu meia-volta ao erguer-se.
Os olhos brancos encontraram a pessoa em questão; iluminada pelo bastão ao seu lado, exalava traços femininos, com destaque ao longo cabelo rosa que ia até a altura das pernas.
A inominada comparou as alturas idênticas entre ambas ao percorrer a estatura toda dela, dos pés à cabeça.
Terminou de virar completamente o torso à respectiva e constatou com maior clareza o par de íris turquesas, quase cobertos pelas quedas do cabelo nas laterais do rosto.
Depois de contemplá-la por inteiro, trajada em um vestido que remetia mais ao que tinha visto o garoto que encontrou utilizar, ela se aproximou no intuito de puxar o bastão do solo.
— Ele certamente possui potencial. Para moldar esse Destino a um desfecho inédito... por favor... — Caminhou a passos curtos até ultrapassar a garota sorridente. — Contudo, ele ainda precisa despertar... por favor...
O vento gelado da noite de verão soprou entre as duas, causando o farfalhar das folhas nas árvores responsável por impedir o silêncio de se propagar.
— Quanto a mim... — Encarou a própria mão, circunspecta de repente. — Creio que pude recuperar uma fagulha apagada na mente e no coração por muito tempo... por favor...
— Isso é ótimo, de fato. E sobre aquele rapaz, parece que foi decidido. Ainda não seria o momento correto para aquilo... — Foi a resposta da outra, que riu entre os dentes. — Mas essa determinação não perdurará por muito tempo. Posso ver claramente.
Direcionou os globos brilhantes à alva, que apenas assentiu quieta, sendo um deles — o da direita — dominado por uma pupila de estrela.
— Em breve, tudo irá mudar...
Ergueu a palma ao alto, a apanhar uma folha amarelada que esvoaçou de um dos arvoredos.
Depois disso, virou o corpo pela metade, indicando a passagem a uma terceira figura que, até então, ouvia a conversa atrás do tronco mais próximo.
Dali saiu, a passos curtos e um tanto trôpegos, o garoto com as queimaduras expostas em seu torso de pele negra.
Abaixo dos fios acinzentados que caíam repartidos sobre a feição sisuda, os olhos cinza-azulados encontraram com a inominada.
— Esse é...? — Ela ameaçou indagar, estreitando o olhar.
— Um renascido!
A alva rapidamente notou que aquilo significava algo novo e grandioso, ainda mais do que se lembrava sobre as poucas conversas tidas com aquela pessoa de cabelo rosa.
De todo modo, preferiu permanecer em silêncio, enquanto dividia a atenção entre ela e o rapaz chamado Dante, que apenas desviou o rosto com os dentes unidos em claro desconforto.

Poucas horas atrás, antes mesmo de os apóstolos completarem as missões no Berço da Terra.
As preces definitivas dos fiéis olimpianos rumavam para os grandes deuses. Tudo seguia na medida dos conformes, como havia se tornado hábito durante aquela Era Prateada.
Sob os olhares de Daisy e Dahlia na beirada do terceiro salão mais alto do Olimpo, mais um dia se esvaía no horizonte.
A filha caçula de Zeus contemplava as enormes construções no limite da paisagem, ainda pensando sobre como seu irmão e os demais que o acompanhavam na jornada deveriam estar.
O caminho para o quarto dia desde a partida estava para ser completo e nenhuma notícia acerca deles foi obtida.
Apesar dos pesares, a pequena olimpiana tentava manter a confiança em alta. Assim, continuaria a cumprir com primor a própria tarefa, que era cuidar da misteriosa menina ao seu lado.
— Vem, Dahlinha! — Deu a volta e estendeu a mão à garota. — Vamos entrar! A irmãzona deve vir pra visitar a gente uma última vez antes de irmos pra casa dela. Então vamos esperar lá dentro!
— Tudo bem Daisy.
Dahlia pegou na mão oferecida pela olimpiana, que abriu um sorriso radiante.
As duas seguiram até a porta para a entrada do recinto especial. Quando a ultrapassaram e a passagem se fechou, somente a filha de Zeus prosseguiu alguns passos.
De repente, as mãos unidas se largaram, seguido de um som estranha de colisão com o solo de mármore.
Às pressas, a cacheada se corrupiou.
Encontrou a própria visitante caída com os joelhos. As mãos estremecidas apertavam as laterais da cabeça, num teor de desespero.
— Dahlinha!? — Correu até ela e se agachou para ajudá-la. — O que houve!? Tá tudo b...?
Antes de poder completar, tocou, sem querer, em uma das mãos trêmulas da menina. Com isso, a Bênção foi ativada por breves segundos.
Diferente das vezes anteriores, as que não foi capaz de encontrar qualquer emoção clara no interior da garota, agora pôde receber um turbilhão intenso de medo e desespero.
“O que é isso!?”, não se sentia capaz de lidar com todo o frenesi, portanto recuou a palma aberta no reflexo.
Dahlia permaneceu na postura derrubada. Os dentes superiores batiam nos inferiores diversas vezes; os olhos lilases passaram a despejar lágrimas em profusão.
— N-não!... Me desculpe... Eu preciso...! Não!!
Palavras desconexas foram proferidas em gritos arranhados que culminaram em um último berro estridente que atravessou o cômodo inteiro.
Após esse repentino choque, as forças dela se esvaíram e a consciência foi perdida.
Daisy conseguiu superar o baque inicial e a segurou, antes que colidisse por completo no plano.
— Dahlinha!? Dahlinha!!? — chamou quase a ponto de despejar seu pranto.
Nenhuma resposta veio, o que a deixou nervosa.
Mas, ao aproximar o ouvido do peito dela, pôde ouvir seus batimentos cardíacos ainda ativos.
Dahlia continuou no estado de profunda inconsciência marcada por um semblante de sofrimento estampado no rosto.
Sem saber o que fazer, a garotinha permaneceu ajoelhada, a abraçando com força. Nem seu irmão nem sua irmã estavam ali para a ajudar.
E esse era o pior de tudo.
Estava sozinha, mais uma vez.
— Daisy? — O ruído abafado pela audição perdida acompanhou o rangido da porta entreaberta. — Daisy!? O que houve aqui!?
Pega no sobressalto ao escutar a pergunta adjacente, a chorosa ergueu o rosto até encontrar a imagem da comedida Deusa da Sabedoria.
O encontro de pura causalidade fez a pequena fungar diversas vezes pelo nariz, feliz por ela ter chegado na hora certa.
— Irmã... zona...
Com o rosto bem corado em detrimento da posição desesperadora, Daisy fechou as vistas marejadas.
A sábia desejava apressar os afazeres necessários o quanto antes naquela noite. No entanto, jamais poderia ignorar a situação vivenciada por aquelas duas.
“É um problema atrás do outro”, divagou ao passo que se aproximou das duas, no intuito de prestar o devido auxílio antes de poder continuar.

— Como esperado... eles falharam...
A voz do deus soou em um murmúrio através da completa escuridão, onde os olhos negros tornaram a se revelar.
Supremo, apoiou o rosto sobre o punho cerrado no braço do trono onde repousava. Pensou em silêncio por alguns segundos.
O fato de os comandados de suas “sócias” terem fracassado durante a importante missão não mudaria a ordem dos fatores naquele conflito.
A decisão final já havia sido definida há muito tempo.
Sem delongas, apanhou de vez o que almejava. Agora, pouparia rodeios. Sequer fechou as vistas, quase que camufladas entre o breu.
— Preparem-se. É chegado o grandioso momento... — Executou uma rápida pausa, até todos se postarem diante de sua austeridade. — Nosso tempo começará a caminhar a partir de agora.
— Como quiser, Criador.
As três vozes de sempre murmuraram em retorno num coral perfeito ao redor do homem.
Ele voltou a repousar o braço sobre o trono gélido, abrindo um sorriso deleitoso no rosto escondido pela escuridão.
O primeiro grande e decisivo momento pela batalha da Era Prateada estava prestes a ser concretizado.
O Limite rompido não poderia mais interromper o fluxo que mirava o futuro incerto.
As peças sobre o tabuleiro do Destino entravam em sua última rota de colisão, rumo ao amanhecer onde luz ou sombras prevaleceriam no fim.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de Epopeia do Fim, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história!
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