Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 10 – Arco 6

Capítulo 195: O Futuro Deste Mundo

Sentada na abertura da parede, ainda em processo de reconstrução, Calíope mirava as estrelas pulsantes no topo da extensão noturna.

Assim como as mechas do cabelo esmeralda dançavam, se destacava a serenidade no olhar direcionado à abóbada.

— Como está aí?

A voz conhecida lhe desprendeu do momento de contemplação, fazendo-a olhar por cima do ombro até enxergar a irmã de cabelo cor de bronze.

— Clio...

— Não é de seu feitio ficar aqui fora a essa hora. — A Musa Historiadora se aproximou e a ultrapassou num rápido salto sobre o pequeno muro. — Está inquieta demais. Posso reconhecer isso só de te olhar.

— É verdade... — A Eloquente soltou uma risadinha, inapta a esconder as emoções da semelhante. — Achei que seria bom tomar um ar fresco. Sair um pouco de vez em quando. Foram tempos difíceis ultimamente, afinal.

Clio a observou de canto, também proveitosa à lufada fresca que vinha da floresta nas adjacências do grande templo.

Nem a respectiva podia se enganar quanto às preocupações demasiadas que carregava na mente e no coração.

Desde o ataque sofrido há não muito tempo, levando a elas a perda de três de suas irmãs — uma morta e outras duas petrificadas —, sabiam que jamais poderiam regressar ao que uma vez já tinham sido.

Procuravam motivação e força em prol de seguir em frente, muito no intuito de honrarem o nome daquelas que deram sua vida em batalha.

O clima não era dos melhores no Museion, impossível de ser negado.

Ainda assim, as experientes mulheres lutavam contra o luto da perda e a dor lancinante que as machucava por dentro.

— Como estão as garotas? — A Musa da Eloquência, líder e mais velha de todas, indagou somente pelo costume.

— Continuam em seus cômodos, relutantes a sair. A única livre e solta por aí é a Melpômene — bufou Clio, desviando as vistas à direção do céu de poucas nuvens. — Não é como se ela não estivesse triste e sofrendo. Mas cada um tem sua maneira de reagir à dor.

— Eu sei. — Lembrou-se da cena dolorosa do encontro com a morte de Terpsícore. — Eu nunca a vi rir daquela maneira na vida...

Os ecos das risadas da Musa da Tragédia por toda a extensão do santuário continuavam a martelar os ouvidos de ambas.

Era o completo oposto do imaginado, além do clima estabelecido durante aquele pedaço de instante.

No entanto nenhuma das semelhantes a condenava. Ela era assim e, àquela altura, dificilmente seria mudada por qualquer experiência exterior.

A risada rouca e arrastada se mostrava em nada mais que a acusação de um golpe duríssimo, tão pungente quanto o que as demais sentiram na vivência.

— No outro extremo, temos a Thalia, tentando ir de quarto em quarto para animar as outras com piadas. — A Historiadora cruzou os braços abaixo dos seios.

Calíope prendeu outra risadinha, a ponto de quase cuspir saliva no processo e levar uma das mãos à frente da boca.

Observada de esguelha pela acompanhante, tratou de controlar a si própria ao remanejar a postura no assento improvisado.

— Ela está bastante contente por ter tido a oportunidade de rever seu descendente — mussitou em complemento, à medida que ajeitava as mechas laterais do cabelo com as pontas dos dedos.

— De certa forma, é um alento vê-la assim, não concorda? — A líder se levantou, passou a mão no traseiro a fim de remover a sujeira e se encaminhou à frente da irmã. — Digo, é como se fosse uma pontada de esperança no meio de tantos desastres. Não somente a reunião de Thalia com seu filho, mas a vinda daqueles garotos em si...

A cor de bronze sustentou um singelo período de silêncio, a relembrar do primeiro contato com os jovens enviados pela Deusa da Sabedoria.

Todos lhe chamaram a atenção, é claro, porém havia algo ali capaz de trazê-la certa ironia.

— E imaginar que aquela doida arriscaria a esse ponto — sibilou contra a ação do vento. — Pior ainda, ela realmente cumpriu o que afirmou. Se mesmo sem contato direto de minha Mnemotécnica ele recuperasse tudo...

— Realmente, foi intrigante. Mas por acaso, nada ocorreu e você foi capaz de evitar a quebra da promessa, não foi?

Virou-se de novo à relutante, que arriou a linha de visão pela primeira vez.

— Ainda é algo que não me faz bem. — Fechou os órgãos oculares, no intuito de confortar a si própria. — Mas uma hora ela não poderá fugir dessa responsabilidade e, também, não conseguirá manter os grilhões que estabeleceu a eles. Pelo que pude experimentar naquele simples contato... confirmo que isso não está tão longe de acontecer.

A força do vento cresceu, na iminência de fazer seus vestidos longos dançarem um pouco acima das coxas.

Parecia até uma resposta da natureza à determinação recheada de convicção da deusa.

— Temos que continuar dando nosso melhor, ainda mais de agora em diante. — Calíope levantou o rosto, fitando o céu. — Até que a promessa de tia Febe se concretize, para alcançarmos nossa mãe...

Clio meramente concordou em plena quietude.

O encontro foi orquestrado e passou em branco; o que viria a acontecer dali em diante não mais era de responsabilidade delas, ao menos caso não estivessem envolvidas.

“Me pergunto como esse conflito irá terminar...”, guardou as ponderações no limite do pensamento.

As musas, embora afligidas diretamente por aqueles que caçavam a derrocada dos Deuses Olímpicos, nunca poderiam caminhar juntas daquele momento.

Observadoras distantes e desprovidas de tanto prestígio, apenas tinham a liberdade para considerar os possíveis desfechos e torcer pelo sucesso dos aprendizes de três meses.

Ao menos eles mereciam algo melhor, assim divagava...

— Está esfriando. É melhor entrarmos. — A Eloquente determinou, trazendo consigo a aceitação sem rodeios da semelhante.

— Sim... — respondeu apenas por cordialidade.

Depois de ultrapassarem a passagem quebradiça, a esmeralda a fechou ao mover um fragmento rochoso encíclico à posição.

Suspirou com leveza e bateu as palmas, no intuito de se livrar dos resquícios de poeira acumulados ali.

— Não vejo a hora de os filhos de tia Theia voltarem logo — resmungou a Historiadora, enquanto se virava sobre os tornozelos para ir de encontro ao respectivo recinto.

— Estamos na expectativa. Essa barreira improvisada funciona, então não há muito problema por enquanto. — Encarou a rocha separada pelo trio responsável por reformar aquela região do templo. — E a pequenina sozinha não dá muita conta disso, no fim...

— Ela não parece ser só uma criança em aparência, isso sim. — A bufada de Clio precedeu o som do rangido da porta em abertura. — De qualquer forma, sabemos que essa história não acabará tão cedo, para o bem ou para o mal.

— Sim... você deve estar certa. — Calíope semicerrou as vistas ao encarar a mesa de jantar no centro do salão destruído. — As histórias desse teor sempre demoram mais a acabar, né?

Encarando-a de esguelha, a cor de bronze segurou firme na maçaneta da estrutura metálica, da qual havia o símbolo de livros gravados em alto relevo no topo.

— Boa noite, irmã.

E fechou a entrada com uma batida seca, sem permitir à líder devolver a despedida.

— Boa noite, meu amor...

Restou a ela um sibilo quase inaudível, que não escapou para muito longe de onde estava.

Sem ter mais o que fazer naquela parte do templo, escolheu avançar rumo ao aposento pessoal.

Os dias em si não eram tão cansativos fisicamente, porém a mente deturpada continuava a lhe puxar uma gama considerável de energia.

Já sentia sono suficiente para se deitar em sua cama e apagar como uma pedra.

Antes disso, contudo, resolveu passar nos cômodos precedentes, um de cada vez.

Conferiu o estado de dormência profundo da Musa da Comédia, na cama, assim como o da Musa da Música, essa debruçada sobre uma mesinha com diversos papéis relacionados a sua arte.

As cobriu como uma mãe faria e as deu um beijinho de boa noite.

Por fim, chegou à câmara da máscara entristecida, onde encontrou a Musa da Tragédia ainda em vigília.

Assim que a porta foi aberta, o olhar pesado da ruiva foi puxado à direção da mais velha, que assentiu em saudação.

— Como você está, querida?

A mesma pergunta feita por todos os dias desde o funeral da musa assassinada.

— Estou bem. Melhor do que nunca.

A mesma resposta oferecida através de um timbre soturno, incapaz de demonstrar outras emoções senão a melancolia intensa.

Desprovida de palavras para interferir, pois sabia que a trágica se alimentava de eventos lamentosos em detrimento do bem-estar pessoal, a eloquente apenas acenou com a cabeça de novo.

— Vê se descansa. Boa noite.

Deixou o quarto ao fechar a porta, sem sequer receber alguma despedida de Melpômene.

De feição circunspecta, encarava a vela acesa num dos pontos do recinto fechado, que fazia sua sombra crescer em meio ao vazio.

Calíope prosseguiu até a entrada final, na qual a marca de uma estrela de cinco pontas adquiria destaque absoluto.

Empurrou a estrutura resfriada, encontrando com a espessa camada de vapor condensado responsável por dominar o interior.

Cercada pelas mesas recheadas de mapas e compassos, caminhou até o cômodo a seguir. Abriu a segunda porta e, já de cara, fitou a figura peculiar que ali sempre residia.

— Sim. Agradeço a audiência... — Ela mussitou diante do altar escuro, do qual a tela iluminada se apagou na hora. Ao perceber a chegada da mais velha, deu meia-volta e abriu bem as vistas. — Irmã Calí...

O tom levemente surpreso de Urânia esboçou um sorriso de graça no rosto da eloquente.

— Olá, Urânia. Estava falando com elas?

— S-sim... — Saiu da frente da construção especial, com a gravura do título “Sete-Estrelo” no pilar central. — Achei boa ideia...  passar a elas os acontecimentos recentes. Digo...

— Tudo bem, eu entendi. Depois arrumarei um tempo para conversar com elas também. — Calíope apanhou a espada de madeira encostada numa das paredes, remetendo a experiências bem recentes. — Você tem trabalhado incessantemente desde que aqueles jovens foram embora. Procure descansar um pouco, está bem?

— É claro, irmã Calí... Só vou terminar umas anotações... — A Astrônoma prosseguiu pelo átrio, ultrapassou a mais velha e acessou a sala inicial. — São importantes...

— É sobre o quê? Se me permite...

Calíope a acompanhou, conforme a noturna começava a acender as velas para iluminar o cômodo tomado pela névoa fria.

— As constelações... estão se alinhando. — Abriu o primeiro pergaminho e iniciou as frenéticas anotações. — O tempo começou a avançar, rumo a um desfecho que jamais fora previsto...

A Eloquente observou as escrituras velozes da irmã caçula, incapaz de compreender com clareza — tanto o conteúdo adicionado quanto as palavras enigmáticas dela.

De todo modo, pôde entender que o caso em específico parecia carregar um teor de complexidade inédito por toda a história conhecida.

— Este é um sinal que levou milhares de anos para ser complementado...

Parou de anotar por um instante, tão assustada quanto há segundos.

— E o que diz esse sinal?

À indagação da líder das Musas, Urânia engoliu em seco e se prestou a girar sobre os próprios tornozelos, a fim de encarar a altiva de frente.

— Hoje... amanhã... ou daqui a alguns anos... — Semicerrou as vistas azul-claros, sem saber se sorria ou contraía os lábios. — Este mundo passará por uma mudança fundamental nos pilares de sua Essência!...

Contundente na resposta, a reunião entre a Astrônoma e a Eloquente foi perseguida pelo absoluto silêncio.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de Epopeia do Fim, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história! 

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