Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 10 – Arco 6

Capítulo 180: O Sonho dos Sonhos

O que são... sonhos?

Vez ou outra, em algum momento da vida, todos se questionam sobre a essência dessa palavra; dessa experiência.

Uma imagem concebida pelo inconsciente.

Fantasmas do passado e do futuro incerto.

Poderes. Autoridade. Sucesso. Dor. Sofrimento. Traumas.

A imaginação em seu estado puro, para o bem ou o mal.

Mas, acima de tudo, sonhos podem ser...

— Aqueles pirralhos realmente vão conseguir, Alecto!? — rosnou a erínia sem um dos braços, os dentes afiados umedecidos pela saliva acumulada na boca. — Não é porque mandou sua cria problemática que as coisas vão sair como bem deseja! Aquele moleque é a porra de uma anomalia!

— Não precisa me lembrar disto, Megera — a desafiada resmungou, em sua placidez odiosa de sempre, ainda sentada no trono central do salão escurecido. — Tisífone concebeu os cálculos necessários para seguirmos este rumo. Enquanto aquele homem permanece inerte, devemos tirar proveito.

— Embora o filho de nossa irmã tenha sido enviado, ainda assim é um caminho cabível dentro dos parâmetros determinados — completou a terceira, a mais serena e comedida de todas, no assento à esquerda. — Enviar peixes pequenos à busca das Moiras era a melhor opção para angariar qualquer porcentagem de sucesso. As conhecendo, principalmente a Sorteadora, iriam prezar pela diversão perdida por um longínquo intervalo desde a Grande Guerra...

— Hmpf! Se vocês não me segurassem, eu acabaria com todos de uma vez. Esses deuses desgraçados e aquelas mulheres também!! — Cerrou o punho remanescente, deixando sua cólera aflorar por todas as extremidades do corpo.

— Seria morta na hora, sem sombra de dúvidas — rebateu a líder, os olhos fechados por um instante. — Seu descontrole e precocidade que te levaram a tamanha humilhação. É sempre bom se lembrar, querida irmã.

Megera rangeu os dentes de tal forma que originou um chiado arrepiante pelo recinto inteiro.

Embora Alecto sequer tivesse se movido, Tisífone acusou ligeiro desconforto ao contorcer as vistas escuras.

O silêncio fez-se absoluto nos instantes seguintes, ao que a resmungona deu o braço a torcer e desviou o foco das semelhantes irredutíveis.

— Eles, com toda certeza, não vão conseguir — disparou em um timbre menos altivo, mas ainda bem gutural. — Seja contra os pirralhos enviados pelos deuses malditos, com esses tais “parâmetros” inúteis que vocês desenvolveram ou contra aquelas mulheres!

— Desde que evitemos uma exposição prolongada das Moiras... que assim seja. — Alecto relaxou o rosto sobre o punho direito, esse assessorado pelo cotovelo dobrado ao lado. — Eles são apenas uma distração, como bem já discutimos. Caso venha algum triunfo em convencerem-nas porventura, então que assim seja. Será a concretização do caminho mais fácil, o que está no patamar da utopia. Caso o óbvio ocorra, então não há com o que se incomodar; assim que o próximo passo do plano for executado, não restará outra saída a elas que não seja nos conceder o domínio desta Era.

— Descendemos da Essência Primordial, afinal... — Tisífone alisou as mechas do cabelo, semicoberto pelo capuz escuro. — Assim como elas.

Outra vez, a colérica bufou para dentro e acusou a derrota na conversação.

De todo modo, já era tarde em prol de mudar algum panorama pré-determinado há alguns dias.

Como dito, na melhor e mais utópica das hipóteses, os enviados ao Berço da Terra já estariam próximos do Destino. Ou, quem sabe, já teriam até chegado a elas.

E, de certo, algum sinal seria recebido pelas erínias. Se nada ocorreu, então, havia duas situações.

Eles teriam falhado de maneira determinante em chegar às donas do Destino, fossem interrompidos por elas ou por conta de incapacidade própria.

Ou teriam perdido para os enviados divinos, algo já a par do conhecimento das mulheres.

O encontro entre as partes de luz e escuridão se mostrava inevitável desde o anúncio derradeiro da guerra.

E a responsável pela aceleração daquele contexto era a própria irritadiça, além de outra figura que era para ser um dos peões e mudou o curso da história...

Só de pensar nessa possibilidade, a própria Alecto tornava-se enraivecida. Porém, era preciso se controlar.

Por outro lado, Megera, tão ciente disso, desejava carregar o peso envergado dentro de si e obter a redenção de uma vez por todas, o quanto antes fosse.

 — A hora derradeira há de chegar em breve, Megera — encerrou a central, no esboço de um sorriso imperceptível pela envoltura do breu. — Os frutos já estão sendo colhidos, seja naquela ilha ou nessa prisão. E por fim, serão desembocados de uma só vez sobre os Deuses Olímpicos.

— Estou bastante ansiosa por isso, irmã. Acredite...

Sem ter mais o que argumentar, Megera deu meia-volta e se despachou para o lado de fora.

Automaticamente o clima de extremo peso ganhou alguma calmaria, propícia a favor do respiro aliviado de Tisífone.

— Ela realmente não vai ser um problema? — Encarou de soslaio a principal, ainda plácida no meão dos tronos.

— Está tudo sob controle, Tisífone. Mais do que há alguns dias, eu diria. Mesmo que ela seja a primeira a atacar e vá direto para onde o pilar central dos deuses reside, em breve... — Alecto moveu os dedos da outra mão, bem à frente do torso. Suas unhas afiadas fizeram traços no espaço. — Já teremos atingido nosso principal objetivo.

— Seremos os primeiros a agir, mesmo...

— E pegaremos o prêmio. — Fechou o palmo, as pontas das garras tatearam a carne próxima do punho. — Desde que possamos abalar as estruturas ao redor do Olimpo, tudo se tornará mais claro. Ninguém pode parar minha impetuosidade.

A euforia comedida da líder das Erínias oferecia o tom do momento que cada parte vivenciava.

O estopim derradeiro para os conflitos finais seria de importância crucial, a fim de indicarem o caminho definitivo à vitória.

E era nisso que a colérica se forçava a acreditar, apesar das lamúrias que lhe impulsionavam a quebrar todo o protocolo e fazer o inferno o quanto antes.

Continuaria a focar em terminar a tarefa especial que lhe fora delegada pelas semelhantes, antes de começar o ritual da devastação de fato.

Dito isso, prosseguiu pelo exterior do templo.

A névoa negra, como sempre, tomava conta da extensão em sua totalidade, não permitindo a observação de qualquer detalhe a um palmo de distância.

Desceu na região dos calabouços, onde geralmente visitava no intuito de torturar os mortais sequestrados durante bastante tempo por Hélade.

Contudo, pegou um acesso diferenciado dessa vez, até descer mais alguns metros no subsolo.

Logo ao chegar na zona de profunda escuridão, encontrou-se com o rugido capaz de estremecer as paredes.

O sorriso da erínia se alargou assim que os olhos escarlates surgiram na dominância obscura.

— Olá, criaturinha! ‘Tá pronta para causar um caos contra as cidades dos desgraçados!? — questionou se deleitando, a língua a passear sobre os lábios escuros.

O bafo da “criaturinha” exalava extremo calor, como se entoasse brasa pura.

Além dos grunhidos felinos, podia-se escutar um sibilar de serpente se proliferar em baixo tom.

Megera cerrou as vistas, na expectativa de quebrar os grilhões responsáveis por sobreporem todos os ruídos ali orquestrados.

— Infelizmente mandaram a gente esperar mais um pouco. — Conteve-se no objetivo de seguir os dizeres das irmãs. O desejo latente de passar por cima de tudo aquilo continuava a lhe desafiar. — Eu prometo a você! Em breve, vai valer a pena esse tempo preso aqui...

Ameaçou um carinho no focinho do animal, que voltou a rugir com força.

A erínia tampouco demonstrou temor em realizar o gesto carinhoso, embora nem fosse de seu feitio. No fim, resolveu desistir àquele método forçado.

Somente balançou o braço restante e girou sobre os tornozelos para regressar à superfície.

Antes disso, chegou a se divertir um pouco com os mortais nos corredores da morte.

Ouvir o sofrimento deles e as súplicas por aqueles que jamais iriam salvá-los — pois pouco sem importavam — era gratificante.

Direcionou-se até uma das “residências” improvisadas pelas ruínas cobertas de trevas.

Entrou sem sequer bater à porta, recebida pelo olhar furioso da mulher com cabelo de serpentes.

Os répteis prontamente apontaram em sua direção, aflitos.

— Como ‘tá esse olho!? — questionou com o queixo altivo, pois reconhecia a dor no olhar remanescente da górgona. — Podia ser menos aguda assim comigo, né, serpente?

— Nem preciso lhe responder, erínia — devolveu Medusa, a ponto de espremer os palmos contra as pernas. — Aquela investida maluca não valeu a pena. Eu deveria ter imaginado...

— Erros de cálculo ocorrem. Ainda pode usar sua maldição, né?

Desafiadora, Megera deixou a mulher sem palavras durante aquele átimo.

Talvez por realmente não ter o que dizer, ou então pelo desejo de evitar um atrito desnecessário àquela altura das ocorrências.

Ao lado dela, o pequeno Crisaor permaneceu calado e bem encolhido.

O ferimento profundo coberto sobre o braço canhoto e a marca de queimadura na face, marcas do encontro indigesto no Museion, ainda lhe trazia calafrios.

A górgona lhe acariciou a cabeça, a palma experimentava os formigamentos que seu cabelo pontudo criava.

O menino recuou alguns passos, ficando um pouco mais atrás dela, protegido do olhar afiado da enegrecida.

— Não me olhe assim, serpente. De qualquer forma, vamos ao que realmente interessa. — Estendeu a mão boa, no intuito de a delegar um convite. — Em breve, você poderá tomar o que procura há tempo. Considere esse olho perdido um mal que vem para o bem.

Medusa arriou as sobrancelhas, capaz de sentir as pontadas do ferimento causado por uma das musas em sua vista fechada.

A última imagem gravada através da retina perdida continuava a lhe atormentar, acesa como uma chama incessante que lhe queimava por dentro.

Levou a mão acima da marca em alto relevo, ainda no processo de cicatrização.

Se recusou a colocar qualquer coisa acima; deveria se lembrar daquilo sempre e utilizar como força motriz no objetivo de alcançar os desejos ainda vivos na alma.

— Desde que cumpram sua parte no acordo, não irei reclamar — resmungou ao alisar a cicatriz com a ponta dos dedos gelados. Se arrepiou por toda a espinha no gesto. — Agora tenho uma motivação a mais para destruir... e não fugirá de minhas mãos, nem por decreto.

— Assim que eu gosto. — Megera genuinamente adorou a resposta indicada pela amaldiçoada. Chegou à conclusão de que não precisava fazer mais nada a respeito. — O dia está para chegar. É bom estar preparada para apanhar o que almeja, Rainha das Górgonas!

Deixou o cômodo ameaçado pelo tempo, batendo a porta de madeira com força, a ponto de levantar poeira nos arredores.

Medusa suspirou com certo pesar, aos poucos dominada de ansiedade. Fez um gesto apaziguador para Crisaor, afirmando que o menino podia voltar a ficar confortável junto dela.

Era também um método voltado ao respectivo controle das emoções. Deveria permanecer assim até a chegada do momento de tanto aguardo.

Fechou a vista remanescente, imaginando o triunfo na conclusão de sua maior fantasia desde que foi expulsa do templo de Atenas.

Sonhos são... desejos que devemos concretizar...

No meio das trevas, a voz soturna ecoou alta e paciente.

Seus olhos voltaram a se abrir. A pressão no ambiente mudou somente graças a esse simples gesto.

— Fantasias que podem se tornar realidade... — Ergueu sua mão relaxada com morosidade. — Enquanto pudermos continuar sonhando... nossa vontade de viver não se apagará.

Assim que sua consciência retornou, mais uma vez, três figuras surgiram diante de si, como se as trevas “clareassem” perante as vistas.

Skathi, Haumea e Bergelmir.

Os três frutos de sua Substância...

Todos se curvaram perante sua magnificência umbrosa. E o monólogo da divindade se seguiu.

Nós somos os Sonhos. — Seu timbre se elevou. — Nascemos deles e por eles morreremos.

— Sim, Criador. — O trio respondeu em perfeito uníssono.

O silêncio perdurou por algum tempo, dando oportunidade ao homem no centro do salão escuro de respirar com tranquilidade.

Usou as unhas alongadas em prol de coçar o queixo, o suficiente para arrancar fios de barba por nascer.

Em seguida, ergueu a mão tenaz, como se pronto para apanhar algo muito longe do alcance.

Agora, sentia que estava muito mais próximo. Pegaria sem largar, imaginando a própria vida no prumo.

— Tudo está alinhado... Por mais que possam sonhar com o Destino, nenhum deles deve tocá-lo.

Um sorriso fraco se formou no rosto pálido, porém logo regressou à curvatura inferior na ponta dos lábios.

Lembranças excruciantes regressavam em flashes disparados contra o cérebro. Os olhos pareciam enxergar de novo a humilhação sofrida durante a definição da nova Era divina.

“Por vocês, meus amados irmãos”, suspirou entre os dentes, deixando o peito subir e descer com lentidão.

As vistas entraram em oclusão e rapidamente regressaram.

— Ao fim, o sonho dos sonhos nascerá. Então, tudo irá se tornar realidade. — Tornou a abrir a mão, recheado de leveza no movimento que dançou pelo espaço e regressou ao braço do trono de pedra. — Pelo fim daqueles que não permitem que os mais fracos sonhem. Pelo início de uma Era onde todos podem sonhar. Todos irão...

Para os braços de Morfeu.

O complemento veio íntegro, num coral harmônico.

Estava na hora de eles reclamarem seu verdadeiro lugar de direito, no ponto mais alto daquela história.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de Epopeia do Fim, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história! 

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