Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Monte Olimpo ~ Ilha Methana

“Concentra! Concentra! Concentra!”, Daisy se esforçava ininterruptamente, conforme segurava uma pequena faca.

Na busca de transmitir algo até a lâmina, que refletia seus olhos cerúleos, estreitou as sobrancelhas com rigor.

Após um breve período de tentativas ruins, teve sucesso em originar pequenas descargas elétricas em volta do releixo.

— Ah! Consegui! — Abriu um sorriso contente com o feito.

Logo ao lado, num assento de madeira branca, Atena percebeu a manifestação vital da menina e se voltou à respectiva.

Demonstrando contentamento no semblante, bateu palmas e delegou os cumprimentos:

— Minhas congratulações. Aparenta estar muito mais eficiente, agora. Prossiga com este empenho, porém não esqueça de focar na compenetração.

— Sim!

A garotinha voltou a focar na lâmina eletrizada.

A Deusa da Sabedoria continuava a observar o prosseguimento da caçula, à medida que alternava o foco para o horizonte.

Direcionou o olhar aos cavalos dourados no final da paisagem, envoltos por uma bruma espessa que os tornava ainda mais instigantes.

“A esta altura, devem estar chegando na Ilha Methana”, divagou em silêncio.

Carregava alguma inquietação a respeito das condições dos três jovens, ainda mais como sendo a responsável por delegá-los ao local em específico.

Não esperava, contudo, que tais devaneios fossem dissipados pelo estalar de raios níveos no domínio da criança.

Surpresa ante sua sequência positiva, que fazia crescer as produções elétricas em torno da pequena arma, alçou as sobrancelhas quase sempre arriadas.

Conseguia sentir a energia fluir por todo o espaço, agora tão dominante quanto a segundos atrás. Desse modo, considerou que o propósito do singelo treinamento havia sido alcançado.

Dispôs-se a abrir um fraco movimento sorridente, levantando-se da cadeira e caminhando até a criança, no meão do átrio encíclico.

— O progresso prova-se fabuloso! Já se mostra capaz de aflorar ainda mais vossa Energia Vital. — Levou uma das mãos sob o queixo delicado. — Todavia... Autoridade do Relâmpago de tonalidade alva. É a primeira vez que constato algo relacionado.

— Verdade!? — A pequena se virou, os olhos brilhando.

— Esta é uma das autoridades mais complexas de se obter algum controle, porém você, Daisy, dispõe de alguma vantagem por ser filha do Rei dos Deuses, um exímio dominador da própria. Não obstante a isto, mesmo Damon demorou a aprender os fundamentos!

Quanto mais informações a deusa oferecia, mais a euforia da menina era alimentada.

— Ainda precisamos ter calma para definir sua Autoridade Cardeal. Este caminho, enfim, indica que seja igual ao de nosso pai e de seu irmão.

— Uau! Não sabia que era tão difícil assim! — Daisy encarou o reflexo de seus olhos através da chapa metálica. — Mas irmãzona. Esses dias eu... pude sentir melhor...

Quando alternou o foco à palma livre, as vistas tornaram-se cabisbaixas.

Em percepção a tal mudança, a sábia sustentou o silêncio durante um breve intervalo.

“Então a Bênção dela já está evoluída a este nível...”, ponderou, ao passo que fitava a caçula cerrando e abrindo a palma delicada algumas vezes.

— Quanto mais você dominar a utilização da própria Energia Vital, maior se tornará a competência de dominar vossa Empatia. — Chamou a orientação dela de volta.

— Mas ainda é melhor quando eu toco na pessoa...

— Lembre-se. Por ora, consideremos este efeito como a essência motriz desta habilidade. Isto não lhe impede de desenvolvê-la, ao ponto de se tornar apta a utilizá-la sem a necessidade do contato direto.

“E caso consiga alcançar tal aspecto, tornar-se-á uma habilidade assustadora”, concluiu ao retomar a aproximação dos cílios.

A pequena relaxou a tensão dos ombros ao ouvir a elucidação oferecida pela meia-irmã.

Pensar à frente do tempo era de seu feitio. Portanto, empenhou-se a mostrar confiança, agora ciente dos potenciais adormecidos nas respectivas aptidões.

Esse período se passou na quietude. A mulher voltou a bater as palmas com força, permitindo que um eco escapasse pela região.

— Creio que possamos regressar à minha morada, neste caso. Em breve, quando as melodias regressarem, nosso pai há de despertar. Preciso estar aqui para cumprir o combinado com ele.

— ‘Tá bom!! — Um sorriso ainda mais radiante brotou na faceta infantil.

Finalizado o treinamento no Monte Olimpo, Daisy se aprontou no cômodo pessoal. Depois, retornou às escadarias com a mais velha.

Atravessaram os grandes saguões, incumbidos de compor a sequência de moradas celestiais, num ritmo pacífico.

A mulher avançava sem causar qualquer sonido abaixo das passadas delicadas.

Curiosa com relação à respectiva capacidade, a menina encarava seus pés e procurava lhe imitar num compasso equivalente.

Tentou ao atrasar um pouco o acompanhamento, depois usou as pontas dos dedos... nenhuma ideia a permitiu replicar o estranho efeito.

Mesmo assim agarrou-se à insistência, mediante a ultrapassagem dos degraus superiores. Não importavam os feitos; o som das sandálias continuava a rasgar o silêncio absoluto.

— Irmãzona — murmurou, ainda na busca de reproduzir o caminhar da deusa.

— O que foi?

— Quando eu vou poder ir numa missão como meu irmão?

Atena não ficou tão surpresa diante do questionamento. Todavia, a fitou com um olhar prudente. E demorou a oferecer alguma resposta.

Não desejava elevar as expectativas dela.

Nesse ínterim, a menina ergueu o rosto. Assistia a mais velha divagar sobre quais palavras poderia utilizar na resposta.

Já tinha desistido de imitar seus passos àquela altura, afinal obteve ciência que a persistência não lhe traria frutos.

Então, a ansiedade pela nova interação cresceu.

A deidade deixou escapar uma risada espontânea ao vê-la retomar a caminhada à própria feição.

Embora reverberasse ecos solitários pela montanha, ainda a considerava tão graciosa comparada a si.

— Você já sabe a resposta. Assim que completar os respectivos treinamentos, dominar a utilização da Energia Vital e desenvolver uma Arte, então, talvez estará apta à ingressão na Corporação. De toda forma, será uma Classe Iniciante, antecessora à Classe Prodígio de Damon.

A resposta, nada comedida, fez nascer um resmungo imaturo de Daisy, que desviou a atenção.

— Não precisa responder o que eu já sei...

— Eu tinha dito anteriormente, lembra? Que você já sabia a resposta. Ainda assim, insistiu para que eu repetisse.

Com o ardiloso contra-argumento, a pequena virou mais o rosto para esconder a cara emburrada.

Perante a birra expectada, Atena resolveu prosseguir:

— Lembro-me de também afirmar para que não se desassossegue tanto com isto. Vossa hora definitivamente há de chegar. Você fez a mesma pergunta para seu irmão antes de ele partir, não é?

Dessa vez, o olhar cerúleo direcionou-se aos degraus prateados. Sem dizer nada num primeiro momento, remeteu à despedida vivenciada com o irmão, no entardecer daquele dia.

— É...

Ao resgatar as palavras entoadas por ele, a boca não resistiu ao esboço de um fraco sorriso.

Levou as mãos à própria cabeça, nostálgica pelo gesto afetuoso concebido pelo rapaz.

Na retomada da confiança, levantou o rosto. Encontrou as parcas nuvens que flutuavam pela abóbada e confirmou:

— Eu prometi a ele que daria meu melhor pra chegar até lá!  É por isso que eu vou subornar a Chlozinha e a Juzinha pra me ajudarem a melhorar meu treinamento!

Satisfeita com a resposta da pequena, os lábios da sábia deidade entortaram-se em divertimento.

“Tão astuta nesta idade”, riu em silêncio quando notou que já situava-se adjacente aos saguões inferiores do Monte Olimpo.

Na iminência de alcançar o último jogo de degraus, com fim aos pés da montanha, limpou a garganta com um pigarro. A mão posicionou-se à frente dos beiços unidos.

— Creio que não haja problemas, caso pratique um pouco com elas. Farei o necessário para que isto fique somente entre nós.

Daisy chegou a mostrar os dentes ante as palavras da deusa e comemorou como se obtivesse um enorme triunfo.

Prova disso foram os pulinhos com as mãos erguidas, à medida que descia os últimos níveis olímpicos.

Com a felicidade genuína da garota, Atena fechou o rosto. Abordar o segredo sobre o Rei dos Deuses lhe fez remeter às bruscas práticas utilizadas nos ensinamentos do irmão mais novo, atualmente em missão.

A faceta imparcial da Deusa da Sabedoria perdurou à proporção que divagava a respeito.

“Não posso arriscar. Ainda que ela esteja em constante evolução, em uma celeridade além do comum”, encarou-a de soslaio.

Como enunciado pela própria, já planejava maneiras de usufruir de sua meiguice e fofura em prol de convencer os dois alvos futuros a lhe prestarem auxílio.

Uma torrente de êxtase a contagiava, só por imaginar o quanto ela ainda poderia se desenvolver.

E gostava de carregar consigo a certeza de que isso aconteceria em breve.

No fim das contas, tratava o episódio inevitável como uma faca de dois gumes.

Por isso, se presava a esconder certas nuances...

“Talvez não seria um problema agora. Mas a verdade é que, muito em breve, ela já estará apta a viajar em tarefas... Até mesmo com membros de Classe Prodígio, como aqueles três.”

Os pensamentos alcançaram um grau tão assíduo, que se espantou ao perceber a chegada ao sopé da montanha.

As escadarias lhe direcionaram à rua principal, onde seguiu em frente com a criança.

Deveria cumprir o combinado, assim determinou como um ponto final. Portanto não pestanejou em conduzi-la até a passagem invisível, próxima ao “início” da cidade de Olímpia.

A deixaria em Atenas e, em seguida, retornaria à montanha alada, no intuito de se unir ao pai.

Agora, substituía os complexos pela vontade de acompanhar a grande incumbência pela Ilha Methana.

Minutos após o conflito em alto-mar, o barco se desprendeu da camada nebulosa e seguiu em frente, iluminado pela luz do Sol.

Nas adjacências do pedaço de terra, perceberam a aglomeração de nuvens acinzentadas em sob a extensão superior.

Lilith demonstrou maior espanto ao enxergar os arredores do objetivo. Os companheiros, pelo contrário, sustentaram as reações comedidas.

O denso revestimento nebuloso não preenchia somente o território recém-atravessado do Egeu, mas também a cercania absoluta da ilha.

Era a formação de uma espiral desbotada, responsável por proteger o pedaço de terra onde, além do ativo e perigoso vulcão, as infames Sirenas tinham abrigo.

Os três sentiam, de modo unânime, o ar ameaçador que pairava por ali...

— Parece que estamos oficialmente dentro. — Damon descruzou os braços. Sua voz soou num tom satisfeito.

Sem nem aguardar a máxima aproximação até a praia, saltou da embarcação e pisou em terra firme pela primeira vez desde a noite anterior.

Experimentou um intenso alento, livre da estranheza causada pela estadia no barco.

Lilith seguiu seu exemplo, seguida por Silver.

Os tripulantes meramente observaram, à medida que preparavam os detalhes a fim de atracar o transporte na costa.

De vistas esgazeadas, o capitão no leme encarou a região. Inapto a proferir uma sílaba sequer.

O primeiro apóstolo a descer varreu a extensão inicial através dos globos azulados.

Além da praia, uma profunda mata ganhava foco, a ponto de se estender por um pedaço considerável do trajeto.

Dali já podia enxergar o grande Vulcão Methana, destacado a quilômetros naquela vertente. O monstro rochoso liberava um fino rastro de fumaça da caldeira, no cume.

Fosse por manifestações naturais, ou então por conta de intervenção externa, parecia prontificado a iniciar os trabalhos de erupção a qualquer instante.

Cogitar a segunda possibilidade fez o olimpiano disparar uma risada fraca. No mínimo, os deuses deveriam estar ao seu lado.

Caso assim desejassem, tudo deveria correr na medida dos conformes, ponderou.

— Já estava cansada dessa coisa enjoativa — Lilith murmurou, aliviada com a firmeza sob os pés após horas de navegação.

Foi encarada pelo cacheado ao escutar tais palavras, pensativo quanto ao fato de ela ter passado boa parte da viagem dormindo.

Quando percebeu a observação mordaz rente a seu rosto, ameaçou dizer algo a respeito.

No entanto o espadachim moveu o braço direito no reflexo, levantando-o num sinal de interrupção.

A companheira levou um pequeno susto perante o gestual brusco, seguido de rápidas inspirações pelas narinas.

A par da ação repentina, Silver concentrou a audição no intuito de captar algo relevante.

Nada além do ruído das ondas, a quebrarem sobre a areia, e o do farfalhar das árvores, rente à brisa tênue, alcançaram seus ouvidos.

Afinal, dessa vez era diferente...

“Cheiro de sangue”, o avançado definiu a sensação adquirida graças ao olfato poderoso.

Nem precisava divagar sobre o que poderia ser; logo ligou o aroma nefasto a elas.

Como dito por Atena, as mulheres arrastavam mortais para matá-los naquele lugar. Dito isso, a resposta mostrava-se além da obviedade.

Por fim, um segundo odor à parte pôde ser identificado.

Inapto a decifrar o emissor do respectivo, remeteu às explicações da deusa no dia anterior. Se outros membros da corporação, iniciantes enviados de antemão, ainda estivessem vivos naquela ilha...

O garoto divagou com cautela antes de tomar qualquer decisão, embora ciente de que fazê-lo não era seu ponto forte. No mínimo, preferiu guardar as informações consigo, a priori.

A mistura dos fortes aromas poderia ser o caminho até uma ou mais delas. Encontrar uma forma básica como aquela favoreceu sua prossecução, no intuito de sair na frente e derrotá-las sem problemas.

— Ei, capitão! — ele gritou, sem pensar em corrupiar o foco ao navio. — Aquela desgraçada tem mais quantas irmãs!?

Envolvido pelo questionamento do jovem de cabelo bagunçado, o marujo levou poucos segundos até arrancar as palavras presas à garganta:

— S-se eu bem me lembro, são mais duas...

— Perfeito.

Imediatamente partiu em disparada, confiante da oportunidade que surgira.

— Ei — gritou Lilith —, onde você vai!?

— Vou abrir caminho!

O espadachim pegou impulso e correu em altíssima velocidade na vertente do matagal.

Conforme a réplica ainda era digerida pela trança gêmea, ele desapareceu da linha de visão dos companheiros em questão de milésimos.

A faceta dela congelou, assim como sua disposição sobre a areia úmida.

Por outro lado, Silver pouco se importava com a pressa do aliado. Resolveu avançar à sua maneira, através de passadas curtas que deixavam rastros na orla.

“Ele me deixou sozinha!?”, resmungou incrédula.

Contudo, não havia o que ser feito.

Solitária com o silente, foi obrigada a despertar do baque repentino e o acompanhar à entrada da região florestal.

A tripulação acabava de atracar o transporte rente à terra. O comandante observou o avanço do trio mata adentro, sem dizer qualquer coisa a respeito.

O rosto amedrontado se transformou num misto de esperança e determinação. A promessa dos Deuses Olímpicos situava-se próxima de ser concluída.

A partir dali só restava aos mortais, deixados pelo caminho, oferecerem todas as preces pela vitória dos jovens Apóstolos.



Comentários