Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 14: Controladora de Mentes [Primeira — ÚLTIMA — Sirena]

Muito próximo da sirena, o filho de Zeus encarou o azar. Seus ouvidos estremeceram, fazendo-o tapar as orelhas à procura de proteção no puro reflexo.

As pernas recuaram passos curtos, como se empurrado pela pressão sonora.

O tinido se elevava a cada recuo do jovem deus. O Canto propagava-se por todas as regiões de Methana em questão de segundos.

Seu alcance assustador atingiu não somente os outros apóstolos distantes, como todos os mortais localizados no litoral.

“Que voz irritante. Tinha esquecido dessa droga!”, amaldiçoou ao tocar as costas nas rochas que concebiam a entrada da caverna.

Assim que experimentou os chapiscos roçarem no manto e na blusa clara, espinhos atravessaram seu torso num piscar.

Incapaz de compreender o que acontecia, levou os olhos esgazeados ao próprio corpo.

Esperou o sangue escorrer da boca, assim como das regiões perfuradas, mas nada ocorreu.

De alguma forma, percebeu a estranha ausência de dor no mesmo instante, a despeito da gravidade dos ferimentos.

Por fim, deixou as orelhas livres quando percebeu o desaparecimento do ruído responsável por empurrá-lo até ali.

A presença da monstruosidade também esvaneceu, fato que fez o jovem paralisar por breves segundos. Tudo tinha ocorrido com muita rapidez.

Conforme questionava sobre onde ela poderia estar, varreu os arredores através das vistas arregaladas. Nada foi encontrado.

Nem mesmo no alto, nenhum rastro do sangue arrancado pelos cortes anteriores...

Corrupiou o rosto a fim de analisar as estacas, ainda presas a seu torso. Porém a parede de onde saíram desapareceu de súbito.

Em seguida, uma drástica alteração climática o obrigou a segurar a respiração. Daí, o cenário inteiro mudou.

Um calor descomunal lhe arrancou intensa transpiração de maneira instantânea. A vermelhidão imperou sobre o espaço, que parecia ondular em diferentes aspectos e perspectivas.

Abaixo da singular plataforma rochosa, um rio de magma ameaçava puxá-lo pelos pés.

Levou os dedos indicador e médio às narinas; o olfato aguçado não aguentaria a absorção do aroma violento, proveniente do puro enxofre.

Num célere devaneio, saltou a um piso mais alto. Constatou a proximidade da parede escarlate, que aparentava idealizar um enorme funil, cada vez mais estreito conforme a altura era elevada.

Isso é o vulcão? — Por conta da mão em frente à boca, sua voz soou abafada.

Ao passo que buscava alguma explicação para ratificar tal evento, analisou a integridade física absolutamente ilesa. Nem mesmo marcas de empalamento restaram do ocorrido.

Esse fator fez a confusão crescer, ainda que o transmitisse alívio.

Depois de confirmar as boas condições, enxergou a gradativa elevação do magma, cada vez mais próxima à plataforma onde pisava.

Percorreu toda a área a procura de outras saliências rochosas, no intuito de escapar do vulcão.

No entanto não havia mais nada nas proximidades. Durante o percurso da massa quente, um leve tremor teve início.

Todos os sinais da erupção foram recebidos pelo filho de Zeus, que logo imaginou o cenário catastrófico, tanto naquela ilha quanto no continente olímpico...

Quando tudo de anormal já parecia ter ocorrido, a nova surpresa o fez engolir em seco.

De dentro do rio escaldante, criaturas sem face saltaram.

Dispondo de pouco tempo para pensar, puxou a espada e acertou os primeiros corpos em chamas, ao cortar em horizontal.

Outros monstros escalavam o aclive ao redor e ganhavam números, até cercarem o Classe Prodígio.

Após se livrar das investidas consequentes através de golpes certeiros, o atinente lembrou-se dos espinhos responsáveis por “perfurá-lo”.

A sequência de eventos tinha perdido a verossimilhança há tempo, em específico desde o momento relembrado.

Graças ao foco em evitar os perigos que o rodeava, deixou de ponderar sobre a razão ligada a tamanhas modificações.

Mirou os arredores e, num giro impetuoso, balançou a lâmina com força o suficiente para criar um vendaval tórrido.

Esse foi capaz de derrubar algumas das criaturas mais próximas. E de quebra lhe ofereceu tempo extra a fim de divagar, sem pressa.

Foi nesse átimo que algo estranho correu pela cabeça.

Era uma possibilidade tão extravagante a ponto de lhe arrancar um sorriso de escárnio no canto da boca.

— Acho que estou ficando maluco...

De olho na densa volúpia magmática, submeteu-se ao absurdo sem pestanejar e deixou o corpo ser atraído pela gravidade.

O salto em direção à morte acabou pegando todas as criaturas de surpresa.

Rumo ao material geológico em processo de fusão, a alcançar temperaturas abissais, mergulhou na busca da própria morte.

— Hmpf... o que acha de viver em uma ilusão?

Diferente da experiência vivenciada pelo oponente, Pisinoe sorria de orelha a orelha enquanto recuperava o fôlego.

Certificada sobre a eficácia do próprio Canto, o qual entoou por demasiado período, pôde retomar o controle emocional em tempo recorde.

Alguns metros à frente estava o inimigo, paralisado, rente à entrada da caverna. Prosseguia com os olhos abertos, porém cada íris noturna não continha o pingo de luz da consciência.

De pé, graças ao apoio das asas junto à pata restante, irou-se com os ferimentos profundos durante a prévia recuperação sob forte chuva.

Embora as dores incomodassem, procurou tirar vantagem da nova situação favorável.

— Todos os deuses deveriam passar por isso, não concorda? — Cuspiu as palavras como uma maldição. — É tudo que merecem por tudo que fazem...

Avançou na iminência de saltos leves com a perna restante.

“Fazia tempo que eu não utilizava meu Canto...”, experimentou certo desconforto afligir a garganta.

Isso, contudo, não impediu a formação do sorriso contorcionista no rosto sujo de terra.

— Ei, você sabia? Mesmo os deuses me conhecem como a Controladora de Mentes... — murmurou com extremo deleite.

Após alcançar a entrada da gruta, encarou o rosto do adversário com punhos trêmulos. Seu semblante indecifrável, agora, era encoberto pelas pontas molhadas do cabelo cor de vinho.

Durante a admiração do resultado atingido através do poder especial, a sirena preparou as garras de ambos os palmos. Uma imagem abrasante ressurgiu em sua cabeça.

Foi a lembrança de que isso não acabaria por ali.

Após ceifar a vida daquele pirralho, deveria ir por mais...

“Ligeia... Thelxiepia... me esperem mais um pouco. Eu vou mostrar para eles”, decidida a buscar justiça pelas irmãs mortas, estreitou os olhos afiados.

Por continuar viva, carregaria todo o fardo sozinha. Suportaria todas as dores em nome daquelas duas, até conquistar a almejada retaliação.

 Pensava nisso até o sorriso confiante se desfazer por completo.

Damon movimentou-se. Uma. Duas. Três arquejadas poderosas.

O braço direito retomou o controle, deslocou a espada em milésimos e, por pouco, não atingiu a mulher.

Essa executara um salto para trás no instinto.

Não perdeu o emocional, apesar disso. Somente o encarou cautelosamente.

Os globos oculares não podiam ser vistos, graças à franja encharcada — pendente em virtude da cabeça inclinada à baixo.

Tampouco precisava disso para constatar o suporte do controle mental exercido sobre ele.

Depositava plena confiança no poder exclusivo, afinal, nenhum ser vivo tivera sucesso em escapar até então.

Talvez um ou outro Deus Olímpico lograsse de certa resistência sobre. Ainda assim, evitava de colocá-los na equação.

“Poderia isso ser um acaso? Melhor eu matar esse maldito de uma vez!”

Ao pensar sobre as circunstâncias, idealizou o cenário provável onde suas irmãs tomaram o caminho de maior risco: subestimaram os adversários.

Caso desejasse superar aquele obstáculo, a fim de seguir em frente na busca pela vingança, não poderia dar-se ao luxo de abaixar a guarda.

A linha de ação fora traçada. Antes de pô-la em prática, entretanto, enxergou algo inimaginável.

O mesmo braço do filho de Zeus deslocou-se, trazendo a espada para o alto, mas apontada na direção do solo.

Sem pudor algum, conduziu a arma afiada contra a própria perna, a perfurando na altura da coxa.

Quando o sangue dele passou a escapar, a sirena arregalou as vistas, incrédula.

Tal ação jamais havia passado por sua cabeça como uma possibilidade crível.

Ninguém deveria ter a coragem de automutilar-se daquela forma.

Enquanto afundava na massa pastosa do mundo ilusório, Damon permanecia ileso.

Se fosse real, pensou, certamente sofreria consequências instantâneas ao entrar em contato com o composto geológico da caldeira vulcânica.

Se fosse...

Ao entender a conjuntura separada da realidade, o rapaz feriu a si próprio.

Tal ação lhe permitiu transmitir um resquício de energia através do corpo, levando a leve descarga elétrica por todos os canais vitais.

De toda maneira, a atitude repentina foi o bastante no intuito de vencer o controle mental.

Não demorou muito a retirar a lâmina da área perfurada e levantar o rosto na direção da mulher-ave.

Pisinoe, de súbito, experimentou um poder esmagador irradiar do jovem, bem na sequência do despertar. A luz em seus olhos retornou.

A Energia Vital foi reunida até ser conduzida ao ponto material, a espada de dragão portada com afinco.

Foi nesse instante que a ave notou um novo detalhe, capaz de deixá-la ainda mais perplexa.

Porém, os raios cerúleos que surgiram em volta do releixo a impediram de proferir qualquer palavra.

O brilho intenso tomou conta da área escurecida. Por coincidência, um raio caiu do céu nublado, próximo ao campo de batalha.

O clarão, seguido do estrondo poderoso, fez a imagem do rapaz desaparecer diante dos olhos.

A mulher varreu os arredores à caça dele, mas já era tarde.

Ao traduzir as ações nas realidades distintas, o filho de Zeus superou o cerco criado pela inimiga.

Com o jogo retomado a seu favor, movimentou a arma banhada em relâmpago do cabo à ponta do gume.

As órbitas azuladas pareciam brilhar na mesma intensidade das pequenas descargas elétricas. Ambas miravam a megera atordoada, incapaz de sequer se movimentar.

Como resultado, a reação foi muito tardia.

O ressoar de um trovão ensurdecedor antecedeu o deslocamento corporal do apóstolo, assim como o finalizou. A espada repousou à frente do corpo.

A extremidade afiada tornou-se direcionada ao plano.

Rastros do fluido escuro escorreram pela extensão do metal e rapidamente foram apagadas, em virtude das densas camadas de Energia Vital acumuladas sobre o equipamento.

O silêncio alastrou-se por toda a floresta, a ponto de sobrepor o ruído da forte chuva.

O resultado tratava-se de um corte fatal, tão rápido quanto a queda de um raio sobre a terra...

Arte do Relâmpago, Primeira Centelha: — Fechou os olhos e ajeitou o corpo na retaguarda da mulher. — Espada Relâmpago.

A investida, mais rápida que o pensamento, atravessou o corpo de Pisinoe sem que a própria pudesse contemplar.

Num repentino atraso de tempo, sentiu o sangue espirrar para fora do talhe lacerado na diagonal. O antebraço e a asa destros foram arrancados em simultâneo.

A energia elétrica concluiu o estrago. Incapaz de enxergar, ouvir ou se deslocar, a mulher perdeu todas as forças e terminou puxada pela gravidade, até sucumbir no solo úmido.

A imagem dos raios, o estampido, a dor... tudo começava a dominá-la, milésimos após a conclusão do ataque.

Nem sua concepção manteve-se em equilíbrio. A completude ruiu no mesmo instante, sem lhe oferecer chances para reverter a situação.

Graças à perda intensa do líquido interior, tombou o torso de lado.

Por intermédio do olhar petrificado, pôde fitar as costas do garoto, desprovida de palavras no vocabulário.

Embora fosse capaz de fazer qualquer coisa, a mente recusaria os comandos, já ciente sobre a falha inevitável.

Na falta de metade do tronco, Pisinoe tomava o mesmo rumo das irmãs mais novas — a derrota num único golpe.

Já o apóstolo sacudiu a espada, no objetivo de se livrar dos resquícios sanguíneos repousados acima da chapa eletrizada.

As gotas respingaram pela terra e uniram-se à chuva que lavava todo o resto.

Esse era o seu poder.

O poder de um deus.

Ainda atônita, a sirena voltou a encarar o detalhe responsável por arrancar sua concentração na hora exata.

Mirou a ferida na perna do jovem, de onde o sangramento já tinha cessado. Apesar disso, podia ver, ainda reluzentes...

Pequenos traços dourados, semelhantes a pontos luminosos, ganhavam seu espaço em meio à mancha rubra.

Perante tais detalhes, bem singulares, a certeza assolou o consciente da mulher-pássaro, à medida que os sentidos restantes esmaeciam...

— Isso é... Ícor?...

O murmúrio quase falhou, contudo foi bem-sucedido ao irromper o ruído do temporal e alcançar o cacheado.

Ao receber o questionamento, girou o corpo e caminhou a passos lentos à criatura próxima da morte.

Encarou do alto, o semblante tão carregado quanto o céu. A face responsável por fazê-la abandonar todos os devaneios utópicos, precedentes a utilização do Canto.

Como de praxe, eles jamais conseguiriam entender uns aos outros...

— Você é... um descendente... daqueles Deuses!?...

Tudo que jamais poderia desejar era compreender mutuamente qualquer indivíduo ligado à genealogia olímpica.

Experienciou um retrogosto amargo por ter cogitado tal cenário, mesmo que por poucos segundos.

Rangeu os dentes sujos com o próprio sangue, espalhado ao restante da boca. O gosto de terra se misturava, porém logo foi perdido junto aos demais sentidos corporais.

“Eu disse tudo aquilo... para exatamente um deles”, pensou, desiludida. “Está bem na minha frente... por isso eu sentia algo diferente vindo dele... por isso ele é tão poderoso!!”

Remeteu aos eventos que deram início ao confronto... Até antes disso, quando o garoto adentrou a caverna.

“Ele tinha dito, mas... eu não...!”

Ainda que renegasse todas as ponderações relacionadas ao inimigo, estava ciente de que a expressão estampada no rosto dele não passava dissimulação.

De alguma forma, tinha absoluta certeza... ele também podia sofrer.

Essa foi nada mais que a última imagem contemplada por Pisinoe, agora arrasada pela total perda de visão. Não obstante, se recusava a desistir.

Ao reduzir a distância, Damon mostrou-se um tanto impressionado diante da ação esforçada da monstruosidade. Aquilo não servia para qualquer coisa, senão acelerar o processo de seu fim.

O braço esticado procurava alcançar o atinente, que cessou a caminhada. Mesmo a par da impossibilidade de concluir o objetivo, sustentou essa postura sem fraquejar.

Agarrava-se à tentativa com tudo que restava em sua alma.

A ideia de aquilo ser algo como “as últimas forças do coração”, correu por sua cabeça num pensamento.

Em suma, não reconhecia o motivo responsável por fazê-lo lembrar daquilo, que tinha ouvido falar, provavelmente, há muito tempo.

O sentimento desconhecido foi interrompido na sequência.

— Eu... não vou... morrer aqui! Não aqui! — A voz de Pisinoe não passava de um sussurro gutural. — Os deuses... não podem viver!...

A exemplo das ocasiões anteriores, ele escutou todas as lamúrias em silêncio.

— Vocês... só trazem... dor e... sofrimento!...

O apóstolo semicerrou os olhos. Já não aguentava mais escutar todas as súplicas arranhadas da última antagonista.

Deveria encerrar o confronto e cumprir com o dever designado pelos superiores.

Ergueu a espada no intuito de executar o golpe de misericórdia. Se tamanho sofrimento fosse inexpugnável, cabia a ele encerrá-lo com as próprias mãos.

Entretanto...

— Eu... eu...

De modo inesperado, a sirena cessou todos os movimentos e o corpo levemente erguido voltou a tombar na lama.

A fraca luz restante nos olhos se esvaiu. A pele tornou-se pálida.

Quieto durante alguns segundos, o rapaz relaxou o braço.

Testemunhou o fim da vida da Controladora de Mentes sem proferir qualquer resposta. Girou a arma e a guardou na bainha de couro sustentada pelo tronco.

Mesmo sem passar por tantas dificuldades, o descendente do Rei dos Deuses experimentou desconforto.

Pensativo no que concernia ao incômodo incompreensível, fitou a abóbada escurecida, conforme experimentava as gotas pesadas atingirem o seu rosto.

Naquele espaço lamentoso, restou somente o ruído da tempestade que, junto aos enviados divinos, lavou a ameaça das Sirenas do pedaço de terra envolto pelo Egeu.

Agradecimentos:

Gostaria de agradecer imensamente ao jovem Mortal:

Taldo Excamosh

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