Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 15: Efeitos - missão concluída

Atena e Zeus concluíram as observações dos ocorridos na Ilha Methana pela Piscina da Vidência, localizada na câmara dos Doze Tronos.

A Deusa da Sabedoria estava sorrindo. A batalha entre Damon e Pisinoe havia acabado naquele exato momento, com a vitória conquistada pelo membro da corporação dos Deuses.

A mulher-ave, que tentou concluir seus objetivos até o limite, sucumbiu diante do descendente divino.

Seu pai era a divindade suprema, Zeus.

A procedência do gigantesco poder dominado pelo garoto o permitiu derrotar uma adversária trabalhosa sem maiores problemas. O mesmo podia ser dito para os companheiros que lhe acompanharam durante a jornada.

Pisinoe, Thelxiepia e Ligeia, as três Sirenas, foram algumas das responsáveis pelos inúmeros desaparecimentos — seguidos de assassinatos — que envolviam mortais viajantes, mercadores e, até mesmo, integrantes do próprio grupo especial.

Com o intuito de encerrar parte desse grande problema que afligia os domínios olimpianos, os três Classe Prodígio concluíram a tarefa proposta pelas divindades superiores.

— Deveras brilhante. Eles tiveram sucesso absoluto na missão — Atena murmurou. — Creio que mereçam o que você prometeu, meu pai. Promovê-los à Classe Avançada.

— Hm... — Zeus enfim executou um movimento a fim de coçar a barba. — Ainda não.

— Ora? — Encarou o Rei dos Deuses, tentando esconder a surpresa. — Não julgou um cumprimento efetivo da tarefa que lhes foi dada?

O homem não respondeu. Manteve o foco na imagem refletida pelo tanque de água retangular, encarregada de mostrar seu filho mais novo.

Enquanto a chuva caía sobre toda a ilha e lavava a lâmina da espada, ainda desembainhada, Damon estava inerte perante o corpo de Pisinoe na terra. De costas para as divindades observadoras, permaneceu de cabeça baixa durante algum tempo.

Atena não compreendia a razão que levou o Deus do Céu a negar o prometido, segundo palavras da própria.

No entanto, com a decisão já estipulada, não havia muito o que fazer. Ele não voltaria atrás nas próprias palavras nem por decreto.

— Bem, então... creio que seja o suficiente. — Se levantou do trono. — Eles devam esperar a tempestade cessar para retornarem. Portanto, no mínimo, de madrugada ou, no máximo, amanhã de manhã, já devem aportar em Olímpia.

O superior ficou quieto enquanto sua filha retirava a moeda da piscina, deixando a imagem transmitida da ilha desaparecer.

Em seguida, ela dirigiu-se às portas alabastrinas.

Contudo, graças a cautela sempre adotada em tais ocasiões, interrompeu o avanço a fim de explicar o que faria após a sessão:

— Regressarei a Atenas. Chloe e Julie decerto estão aguardando neste momento e, além disto, pretendo aprontar Daisy para seu retorno. Dito isto, com vossa licença...

Atena se virou e prestou um gesto de respeito ao inclinar o torso à frente. Na sequência, abriu a passagem e complementou a retirada do local, deixando Zeus e a Piscina da Vidência solitários no grande salão.

Ele encarou a água que havia retomado a transparência natural, pois não seria mais necessário acompanhar a tarefa concluída pelos jovens apóstolos.

Tudo que restou foi o pequeno rastro da expressão de seu filho antes da sábia finalizar a transmissão.

Um tanto pensativo quanto o detalhe singular, o Pai dos Deuses fechou os olhos azuis e descansou sobre o trono.

A chuva não cessou, mas tinha enfraquecido. Lilith conseguiu encontrar rastros de pessoas presentes na ilha em pouco tempo.

Entre pegadas no solo terroso e algumas gotas de sangue seco, caminhos podiam ser trilhados.

O temporal acabou prejudicando a precisão na busca, mas ainda assim ela não desistiu.

Manteve o percurso retilíneo, ultrapassando diversos arvoredos até alcançar um dos primeiros campos abertos, com exceção dos litorais.

A garota se impressionou quando subiu a colina à frente, onde terminava numa falésia enorme. Dali podia observar a densa espiral de névoa, responsável por circundar toda a ilha.

Além disso, havia o Vulcão Methana que era, de longe, o ponto mais alto do território. Quanto mais próxima da formação natural, maior ela se tornava perante os olhos.

Contemplou a grande montanha por algum tempo. O ar gelado da chuva fazia as caudas laterais do cabelo dançarem no espaço.

Por trajar um simples vestido por baixo da capa roxa, abraçou a si mesma e esfregou as palmas pelos braços graças. Após ter chegado naquele ponto sem continuação, considerou retornar ao local combinado com Damon.

Como esperado, não encontrara nenhum sobrevivente das sirenas, mas tinha ciência sobre o cenário em questão ser o mais provável dentro do contexto apresentado.

— Acho que é isso — murmurou ao dar a volta no intuito de descer a colina.

Antes de retornar à trilha atravessada, contudo, escutou um ruído. Isso não só a fez parar, como girar o corpo de volta, com cautela.

O som veio de uma depressão não muito distante dali, então a garota não hesitou em averiguar. Não custava muito, afinal.

Sacou o punhal rubro-negro e avançou a passos lentos. Os pés cuidadosos analisavam o terreno durante o declive.

Ao pisar com força na região mais baixa, afundou a perna de repente. Apesar do susto, tratou de manter o equilíbrio como pôde em prol de evitar a queda.

Nisso, verificou o buraco de terra que surgiu abaixo. Numa análise inicial rápida, parecia grande o suficiente para que dezenas de pessoas coubessem ali.

A área afundada por sua perna tratava-se da entrada, com diversos pedaços de galhos e folhas de árvores amontoados.

Engoliu em seco ao descer pela zona derrubada. Ainda precisou retirar alguns pedaços de madeira que resistiram ao impacto.

O cabouco recebeu a luz natural, embora o clima não fosse ensolarado. No mesmo instante, uma lâmina surgiu de dentro do breu, direcionada contra o pescoço da apóstola.

Dessa vez sem sustos, executou um leve desvio de torso à direita e deixou o releixo quebrado passar batido. Para finalizar, segurou o punho estremecido que portava a arma aos pedaços.

Em seguida, um gemido foi emitido da abertura. Ao receber o ruído sofrível, Lilith reduziu a força depositada sobre o frígido braço.

Imaginou quem poderia ter encontrado um esconderijo estranho daqueles, então pregou cautela ao prosseguir.

Como a luz havia penetrado apenas uma parte do buraco, a jovem forçou os olhos rubis na vertente daquele membro trêmulo. Perante o breu, seus globos oculares pareciam emitir um brilho efêmero.

Foi ali que encontrou uma menina maltrapilha, recheada de ferimentos pelo corpo. Entretanto, o detalhe mais chocante estava na ausência do braço canhoto.

“Não me diga que...”, cogitou a possibilidade de ser uma das pessoas que Damon havia identificado por meio do poderoso olfato.

Perdeu alguns segundos impressionada com a precisão do companheiro acerca dos sobreviventes na ilha.

Ter a capacidade de decifrar um indivíduo tão bem escondido, talvez nenhum outro membro da corporação usufruiria de tamanha habilidade.

Ao aproximar um pouco mais os olhos, encarou o rosto machucado da menina. O membro arrancado ia até a altura do bíceps, onde uma bandagem improvisada tinha sido tomada pela coloração escarlate do sangramento.

Paralisou por um instante ao fitar a quantidade de lesões acumuladas pelo corpo trêmulo. Os ferimentos cobertos por sangue secos e hematomas generalizados a dominavam da cabeça aos pés.

O congelamento espantado durou até a maltratada proferir:

— S-soco... corro...

Sua voz por pouco não saiu, o que dificultou o complemento da súplica.

Ao retomar o controle dos olhos arregalados, a jovem retornou ao foco e largou o braço frio da menina. Aquela cena a fez desistir de abrir a cratera por inteiro.

Pensava sobre quantos dias ela deveria estar ali, tornando a situação cada vez mais milagrosa. Tampou a passagem parcial da luz ao buraco e puxou a capa roxa que cobria seu vestido.

Ele era grande o suficiente para encobrir boa parte do corpo da resgatada.

— Eu vou te tirar daí. Não se preocupe, eu sou sua aliada.

Lilith tentou transmitir calma e conforto à menina que possuía o desespero açoitado no semblante enfraquecido. A fim de evitar o contato do corpo com a chuva e dos olhos com a luz, determinou os próximos passos do resgate.

Ao concluir a descida, experimentou um forte cheiro de fezes e urina misturados, por boa parte do improvisado esconderijo.

Durante o deslocamento para cobrir a garota, escutou um estalo ecoar abaixo dos pés.

Ao invés de terra, como era esperado, enxergou uma perna inteira recheada de mutilações, onde havia áreas sem pele e carne. Pior ainda, pareciam ter marcas de mordidas poderosas pela extensão de aberturas pútridas.

Retomou o estarrecimento ao contemplar aquilo, então decidiu varrer o buraco com os olhos.

Encontrou outros indícios de ossadas, unidas a derivadas partes de corpos espalhados pelas trevas.

Enquanto alguns apresentavam as mesmas condições do primeiro, outros ainda se mostravam inteiros.

— Esses pedaços de corpos... por acaso são das pessoas que estavam aqui contigo?

Com os olhos petrificados, Lilith questionou, mas a menina abaixou o rosto, incapaz de responder.

Tal atitude entregou à apóstola uma ideia acerca do que se tratava aquele cenário horripilante, apto a lhe causar náuseas.

Os pensamentos sobre há quanto tempo a menina estava presa ali, ainda viva, foram elucidados ao compreender a situação.

“Ela matou... e devorou os próprios amigos”, essa era a primeira resposta a correr pela cabeça da descendente divina.

Odiava admitir que, embora não fosse conclusiva, era a mais provável de se idealizar.

No extremo entre vida e morte, não existia outra opção capaz de mantê-la ativa por tanto tempo.

Embora os momentos de angústia compartilhado entre os finados companheiros fossem arrepiantes só de se imaginar, Lilith precisava continuar com o socorro antes que fosse tarde.

Passou a capa em volta do corpo estremecido da menina com todo cuidado, a enrolando dos tornozelos até o pescoço. Ao conferir a preparação, abriu o restante da passagem protegida pelos pedaços de madeira aglomerados.

Antecipando o contato dos olhos dela com a entrada completa da luz, a ruiva cobriu o rosto até a altura da testa. Teve toda a cautela em deixar uma pequena abertura no tecido para que ela pudesse respirar, fosse por nariz ou boca.

Trouxe o corpo coberto sobre os braços e sentiu a fragilidade da garota, semelhante a uma pluma.

Cuidadosa a fim de evitar qualquer gota da chuva em processo de evasão, saltou de volta ao terreno decrescente e fitou o buraco por cima do ombro pela última vez.

Ainda que tivesse varrido todo o esconderijo, guardava expectativas em encontrar outro integrante do grupo vivo.

No entanto, a realidade tratou de lhe mostrar apenas os membros mutilados, as ossadas espalhadas e as migalhas de carne que se uniam à terra.

Tomada por uma expressão descontente, porém firme, ajeitou a aliada no colo e permaneceu em silêncio durante poucos segundos.

Rapidamente a frieza retornou, junto à superação de tudo que havia contemplado.

Vamos voltar — sussurrou para si mesma.

Com a desfeita da tempestade, o resto das nuvens carregadas passava a se espalhar.

A fina garoa complementava o tom melancólico da tarde turbulenta, trazendo de volta a claridade natural do céu ciano.

Como combinado, Lilith retornou ao ponto de encontro no litoral do barco encalhado.

Fitou o transporte intacto conforme aguardava a aparição do filho de Zeus, soltando um murmúrio rouco no processo:

— Então vocês realmente vieram nesse barco...

Encarou os próprios braços e percebeu que a menina havia fechado os olhos. Levou o ouvido até o peito dela a fim de conferir os batimentos cardíacos.

Franziu o cenho quando os escutou pulsar em intervalos lentos.

Somada à respiração debilitada e inconsistente, não era um cenário agradável.

Durante momentos arfava normalmente, pelo nariz; em outros, acabava sentindo dificuldades em inspirar e expirar o oxigênio pela boca.

A ruiva lembrou de certos instantes onde ela chegava a parar de respirar, porém era logo reanimada com um toque simples na altura do peito.

De todas as circunstâncias possíveis, a apóstola jamais imaginaria passar por aquilo.

Embora estivesse preocupada até certo ponto, mantinha o pensamento compartilhado pelo companheiro mais cedo — caso pudesse salvá-la, faria o possível no objetivo de fazê-lo.

De qualquer forma, guardava o desejo de não deixar aquela busca ser em vão.

Seguiu pelo caminho da praia com a cabeça erguida. Apesar de não ter visto num primeiro momento, encontrou uma figura agachada nas proximidades de onde as ondas conseguiam alcançar.

Ali estava o jovem de cabelo cacheado, molhado pela chuva, o que fazia suas pontas altas caírem sobre o rosto tomado por apatia.

— O que está fazendo?

Ao escutar a voz da companheira, Damon ergueu o rosto em direção a ela. A franja pesada cobria parcialmente os olhos azuis.

— O que é isso nos seus braços? — Foi direto ao ponto quando enxergou o carregamento coberto.

Ainda que encharcados por conta do temporal, não pareciam se importar com as roupas finas coladas no corpo.

Lilith abaixou a cabeça e respondeu sua pergunta sem muitas delongas:

— Uma menina que eu encontrei, da corporação.  Ela estava escondida em um buraco, próxima do vulcão. Tome cuidado para não tirar a capa do rosto dela, a luz pode danificar sua visão.

O filho de Zeus seguiu o conselho da aliada e não moveu a área da manta que cobria os olhos da tal menina. Atentou-se às feridas e hematomas espalhados pelas partes do corpo, à mostra sob a coberta.

A respiração dela aparentava estar bem mais controlada, ao menos a apóstola pôde perceber isso. Por outro lado, o jovem deus sustentava a placidez no olhar, enquanto conferia a ausência do braço canhoto dela.

A bandagem mal utilizada estava encharcada de sangue e oferecia o panorama daquele frágil corpo esgotado.

— Ela devia estar há dias escondida. E também... — Lilith fez uma pausa ao se lembrar do cenário que encontrou. — Ela foi a única que restou. Deve ter matado os amigos... se alimentando deles para sobreviver.

— Desse jeito, vai ser difícil que sobreviva até chegarmos em casa — Damon retrucou.

A companheira apenas aceitou as palavras do garoto, em silêncio. Voltou a conferir o estado da menina em seus braços enquanto as gotas de chuva cessavam por completo.

Os primeiros raios de luz atravessavam a escuridão acumulada sob a extensão superior.

Graças ao entardecer, contornos alaranjados começavam a tomar conta do cenário.

Era o anúncio de finalização daquele dia intenso, junto à missão designada pela Deusa da Sabedoria.

Tendo a tarefa concluída, restava aos apóstolos retornarem para Olímpia.

Contudo, antes de a dupla pegar o caminho de retorno, a garota observou uma pequena espada fincada entre duas pedras redondas, diante do local onde o parceiro foi encontrado agachado.

— O que é isso? — ela perguntou.

Seus olhos contemplaram a face úmida do rapaz fitando a abóbada inatingível dali.

— Um túmulo. — A resposta veio unida a um arquejo fraco. — Pra ao menos honrar aqueles que morreram aqui.

Lilith voltou a mirar o túmulo improvisado pelo olimpiano.

Através de uma feição soturna, ela cravou o olhar cabisbaixo, conforme a boca proferia uma resposta quase inaudível...

— Entendo...

Seguindo a palavra singular dela, o cacheado descansou a palma dominante na extremidade da empunhadura erguida.

Prestou um último momento de silêncio, antes de retornar à embarcação. Lá, os mortais tripulantes e o terceiro membro do grupo divino os aguardava pelo retorno definitivo.

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