Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: O Alvorecer da Lenda

Incontáveis mortais se curvavam frente a acrópole.

Seus joelhos tocavam o asfalto. Os dedos entrelaçavam-se num gesto clamoroso e os cílios conectavam-se, à medida que inclinavam os rostos na vertente das mãos.

Entoavam suas preces. Buscavam o alcance da luz.

As mentes, interligadas num único objetivo, passeavam por incontáveis devaneios na procedência da alvorada.

O alvo era o enorme templo, no centro da acrópole sobre a colina. Aos poucos, a edificação vitral começava a ser pintada pelos feixes luminosos.

Em seu interior, a entidade venerada caminhava a passadas leves pelo corredor principal.

No entremeio de breves segundos, chegou à porta e a empurrou com delicadeza.

Foi abraçada pela lufada graciosa do exterior, além de todas as energias entregues por seus fiéis.

Respirou fundo o ar puro, ainda gélido graças à duradoura madrugada.

Um leve sorriso se fez no rosto, ao observar as imediações...

— Todos saúdem a deusa Atena!! — entoaram os mortais, em perfeito uníssono. — Deusa Atena, nos conceda vossa luminescência!!

À vista do nascimento solar, assentiu consigo.

Revigorada pelos intensos cortejos, construiu seu caminho ao ressaltado pedaço de terra.

Contudo, antes que os permitisse enxergar, desapareceu no espaço.

E assim, fez-se o esplendor.

Como resposta direta às declamações, o novo amanhecer ascendeu sobre suas cabeças.

Seu caminho foi completo. Subiu as escadas prateadas até alcançar metade da ascendência, envolta em nuvens brancas que se mantinham estáticas.

Ao adentrar a região celeste, recebeu as melodias das deusas chamadas de Cárites. A absoluta extensão do Monte Olimpo a reverberava em perfeita harmonia.

Contrária a elas, não fazia barulho algum ao pular de degrau a degrau, na busca pelos andares superiores.

No compasso da placidez, alcançou a região desejada.

O saguão encíclico era rodeado por grandes pilastras, separadas a distâncias análogas.

O andar mais alto da grande montanha.

Envolta por estruturas adornadas em prata e ouro, seguiu o corredor espaçoso, iluminado por pequenas piras de chamas brancas.

Só parou quando avistou as grandes portas alabastrinas, onde um símbolo formado por um alfa maiúsculo entrelaçado a um ômega fora cinzelado em prata-escuro.

Deliberou um breve suspiro e levou as mãos a empurrarem as alas repartidas.

O estrondo rangido invadiu o recinto, que se revelou tão extenso quanto o átrio externo.

Passeou com o olhar por toda a área, reparando em minúcias já conhecidas.

Por ter as alas abertas entre colunas de gesso, o brilho da manhã já era suficiente para clarear o cômodo inteiro.

A brisa corria entre as passagens, fazendo os fios de cabelo púrpuros da mulher menearem com leveza.

Fechou as portas e direcionou a atenção aos onze tronos distribuídos a metros da entrada, após uma retangular piscina afundada no piso.

Envolviam degraus cobertos por um tapete vermelho, onde o trajeto se construía a um décimo segundo assento.

Esse que estava devidamente ocupado.

Ao passo que se aproximava a ele, encarou sua feição.

A barba caía até a altura da garganta, dispondo da mesma tonalidade presente nas nuvens.

Concebia uma simétrica conexão com o cabelo ondulado, a descansar acima dos ombros.

A camada de tecido que vestia cortava o tronco corpulento, de pele clara, presa por um único broche dourado que carregava o símbolo de um raio.

— Zeus, meu pai e senhor — declamou a visitante.

O ser repousado no domínio superior acompanhou sua chegada, sustentado por um silêncio absoluto.

As sobrancelhas enrustiram-se ao notar o simples vestido que percorria os ombros dela.

Tocou os pés, calçados por sandálias de cabedal, sobre a água. E assim construiu seu avanço, sustentando-se como se pisasse no mesmo chão de porcelanato.

Cada passada originou leves ondulações, que se espalharam por todo o espaço, até cessarem quando ela alcançou o outro lado.

Por fim, pôde se curvar, numa demonstração de solene respeito, bem à frente das escadas que levavam ao grande deus.

— Onde está a Minerva Áurea? — ele indagou.

O semblante indecifrável daquele que era o Rei dos Deuses parecia ignorar toda a cautela nos movimentos da companhia.

Ela prendeu o sorriso ao pressionar os beiços, tão sútil que o figurão nem ao menos teve capacidade de identificar.

Rapidamente os abriu, permitindo à enfática voz proferir:

— Há momentos em que utilizá-la traz demasiado incômodo. Creio que possa exercer meus deveres como integrante dos Doze Tronos de igual modo, disposta ou não da armadura bélica... Se permite-me dizer.

Voltou a se postar. Ergueu a cabeça para fitar seu pai.

A ausência de ínfimos aspectos emocionais na faceta sisuda chegava a ser admirável.

Nem mesmo quando os olhos azuis do homem se encontravam com o sorriso sereno de sua filha, qualquer coisa diferenciada se realizava.

De todo modo, a beldade esbaldava uma confiança que poucos possuíam — lugar onde o próprio pai poderia se considerar incluso. 

Ela moveu o braço de modo a posicionar a mão aberta sobre o peito. Trocou a expressão sorridente por lábios conectados e supercílios contraídos, firme e resoluta.

Nessa sequência, proclamou:

— Eu, a Deusa da Sabedoria, apresento-me em prol de conceder o relatório olímpico.

A deidade, enfim, conquistou a plena atenção do superior.

Esse flexionou o braço musculoso no apoio do trono e repousou o rosto no punho cerrado.

Mesmo sem receber uma palavra em resposta, compreendeu a permissão a favor de seguir adiante com o desejado.

Sustentou a postura respeitosa e fez-se repercutir em alto e bom som:

— Com muito ardor, houve sucesso na pretensão de “acalmar os ânimos” de meu irmão, Ares. Foi conquistada uma garantia definitiva de que ele não venha criar problemas contra o senhor, ou contra o panteão. No mínimo, por enquanto...

Mediante um resmungo pesado, Zeus ameaçou balançar a cabeça em negação.

Não para rebater as palavras da filha, e sim autoconsciente da complicação de se lidar com o dito deus.

— Meu filho tolo, sempre fazendo o que bem entende...

Ao sentir o peso depositado nas palavras dele, junto aos globos estreitados em irritação, Atena acenou positivamente com a cabeça.

— Creio que o Decreto dos Céus seja suficiente em prol de sustê-lo nas moderações determinadas. Como antecipado... por ora.

Envolvido pela retruca — sempre caminhando na tênue linha entre respeito e audácia —, o Rei concordou e alertou:

— Dito isso, temos problemas maiores a cuidar, não concorda?

— Portanto... No que concerne ao caso dos constantes desaparecimento de mortais, seguidores de vossas entidades... — Adotou uma pausa breve, como se para formular a melhor explicação. — Ao que tudo indica, não somente os seguidores do senhor, meu pai, estariam a se tornar vítimas de tais paradeiros. Aproveito para afirmar que prossigo com uma minuciosa investigação, mobilizada em comunhão a minha irmã, Ártemis.

Zeus demonstrou maior interesse naquele assunto, como já previsto pela colocação anterior.

Cruzou as pernas, fazendo a peça inferior que alcançava os tornozelos oscilar.

Despojou-se a sentir o maior conforto possível naquele assento.

— No entanto — prosseguiu a oradora — pude averiguar a fonte destes casos sobre uma situação específica. Essa em questão envolve determinados navegadores mercantes, concentrados na cidade de Olímpia.

— Então encontrou uma forma de cessar a quantidade elevada de pedidos a mim?

— Não só isto, como também passaram a afetar meu tio Poseidon. — Escondeu um leve sorriso, de tom triunfante. — Caso me permita, já antecipei a convocação de três Classe Prodígio perfeitos a favor deste trabalho. Porventura, nos reuniremos em algumas horas, no templo de vossa majestade.

Ao pensar no quanto sua filha adorava sair à frente nas decisões, o deus supremo respondeu mediante uma arfada carregada.

Sem desviar a atenção dela, por fim executou um deslocamento fora da linha de base comedida.

Ergueu a palma, recheada de tenacidade, e orientou-a a deusa.

A partir da compostura, executou a ordem decisiva.

— Como Rei dos Deuses, lhe concedo a posição de mediadora desta nova tarefa. As ordens aos escolhidos serão exclusivas a sua responsabilidade.

Sua voz ressoou semelhante ao estampido de um trovão, capaz de estremecer o salão semiaberto e modificar algumas das nuvens mais próximas, no lado de fora.

A sábia, no entanto, controlou as comoções e respondeu, por meio de uma inédita mesura:

— Assim como desejar, meu pai e senhor. Desta forma, encerro meus relatórios. Em tal caso, se me der licença... finalizarei as demandas.

Sem oferecer maiores explicações, corrupiou-se ao retorno e avançou às grandes portas.

Quieto, Zeus acompanhou sua deixa pelo recinto especial.

As costas relaxaram no respaldo aconchegante do trono, agora no aguardo dos próximos desenrolares que seriam conduzidos pela respectiva.

Quando ela puxou as maçanetas, proliferando o forte rangido dos revestimentos metálicos, regressou à passagem iluminada.

As alas robustas voltaram a se fechar, geradoras de um eco poderoso através do espaço.

Foi o anúncio definitivo para que criasse o avanço solitário.

Envolta pela escuridão parcamente iluminada por chamas púrpuras de grandes piras, a garota levantou as mechas onduladas do cabelo ruivo.

Uma de cada vez, criou duas maiores nas laterais para então as amarrar em laços escuros, um pouco acima das têmporas.

Encarou-se no espelho encardido, responsável por refletir seu semblante fechado cercado de penumbras.

Daquele jeito estava ótimo, pensou conforme as mãos deslizavam nos fios que tocavam os ombros.

Fechou as vistas, respirou fundo e deu meia-volta.

Trajou-se com a roupa que repousava acima da cama; um vestido curto da tonalidade mais escura comparada às chamas a lhe envolverem.

Ajeitou os cintos de caveiras e vestiu a pulseira de aspecto semelhante no punho destro. Por fim, apanhou o punhal rubro-negro sobre o móvel de madeira.

O encarou quieta, a ponto de se perder um pouco no tempo. Apertou-o entre os dedos com firmeza, só então finalizando os preparativos ao calçar as sandálias de cabedal pretas.

Devidamente arrumada, deixou o cômodo pessoal.

Tomou o caminho de sempre, que passava pelo corredor extenso e a espaçada sala de estar, até alcançar o lado de fora.

Recebida pelo mundo de trevas, pintadas em purpúreo e escarlate, cruzou as alamedas e plataformas conectadas por inúmeras pontes metálicas.

Ruídos nada convidativos, desde uivos arrepiantes a vozes perdidas, lhe envolviam.

A garota se empenhava ao máximo no intuito de ignorá-los, enquanto evitava de olhar para o grande rio brilhante abaixo.

Sem se desviar do caminho, alcançou seu destino: um templo que trazia a forma de uma enorme caveira na entrada principal.

Os lábios da garota se espremeram um contra o outro.

De punhos cerrados sem nem perceber, tentou se livrar do nervosismo encarregado de arrepiá-la com incômodos calafrios.

Depois de engolir em seco, tomou coragem para mussitar à porta entre os dentes afiados:

— Estou de saída, papai...

Parecia desejar que a mensagem não chegasse onde deveria chegar.

Retraída, abaixou os ombros e buscou dar a volta o mais rápido possível. Queria sair dali logo.

Observada por três pares de olhos afiados, descansados no topo da tenebrosa edificação, cortou o caminho mais longo com alguns saltos pelas plataformas.

Depois do rápido desvio, chegou a uma escadaria ascendente, que levava à luz chamativa no topo.

Observou a energia azulada que preenchia a passagem encíclica, antes de tomar o primeiro degrau.

Passo a passo, tornou-se ressaltada pelo cintilar efêmero.

No momento que ficou de frente com o portal, ofereceu uma última olhadela ao amplo espaço em suas costas.

Eu vou conseguir — sibilou, como uma prece.

Foi a lufada de determinação imposta de si para si mesma, no intuito de completar a marcha pelo mundo inferior e acessar o mundo da superfície.

Dali em diante, prosseguiu por uma espécie de túnel espectral, que lentamente alternava nas cores do arco-íris. Levou pouco tempo até ser recebida pela claridade sem igual do lado de fora.

Levou um dos braços à frente do rosto, de modo a fazer uma sombra acima das esferas oculares.

O alvo era o topo da incalculável montanha, incapaz de ser contemplada em sua totalidade daquele lugar.

Atena chegou ao átrio semiaberto, onde encontrou a primeira presença de interesse na proximidade do guarda-corpo.

O cabelo prateado, de leve tonalidade azul-claro, se arrepiava em pontas onduladas acima da nuca.

Tratava-se do ponto que mais lhe chamava a atenção. Tinha absoluto contraste aos olhos amarelados, próximos da cor de mel.

— Bom dia, meu jovem. — O saudou com cortesia, recebendo o olhar frio em resposta. — Bem pontual, como de tradição. Pode se achegar ao salão, caso deseje, ou então aguarde-me aqui. Em minutos retornarei.

Da feição irretocável, surgiu o silêncio.

Quase do tamanho da deusa, o garoto pouco se importava em encará-la no fundo do firme e imponente olhar. Ainda que oferecesse o devido respeito em troca.

Em ciência disso, ela insistiu em criar o contato:

— Como está meu tio? E vossa mãe?

— Estão bem — respondeu. Sua voz carregava certo timbre aveludado. — Qual vai ser a dupla da vez?

Já que tinha sido forçado a se comunicar, resolveu não a deixar sair dali somente com aquelas palavras.

A indagação soou tão indolente quanto a resposta anterior, agora combinada ao semblante estampado no rosto caucasiano.

Prestes a acessar o trajeto descendente, a deidade parou e sorriu.

Estava pronta para retrucar o achismo pré-estipulado pelo rapaz.

— Desta vez, será um pouco diferente. — Enigmática a princípio, o fez estreitar as sobrancelhas. — Providenciaremos um teste inédito nesta corporação. Passado algum tempo, chegamos à conclusão de que será necessário para a tarefa subsequente, em proveito das dificuldades em encontrar um novo par a vosso favor.

O curioso não retrucou.

Nem com a leve pontada da frase definitiva.

Demonstrava tremenda placidez de acordo com as palavras muito bem escolhidas pela superior.

— Se você diz — bufou ao desviar a atenção.

Sem ter muito o que fazer naquele lugar, optou pela tomada do trajeto simples em direção ao grande salão.

Atena o acompanhou durante um breve período, nada impressionada com a resiliência ao ímpeto que naturalmente surgira sobre ele.

Já o conhecia o mínimo suficiente em prol de distinguir tais nuances daquela persona.

Tinha em mente que a nova missão seria muito proveitosa, tanto a favor dele quanto a favor dos demais convocados.

Dito isso, partiu rumo às escadarias sem delongas, preenchida pelo sorriso confiante em evidência.

Desceu dois andares e chegou ao saguão.

Bateu à porta duas vezes, sem receber respostas. Arriscou acessar a passagem pela maçaneta, quando constatou que a respectiva já estava aberta.

Somente girou o remate e empurrou a estrutura, que quase não fez barulho ao revelar o interior.

Ao ser recebida por resmungos fracos, encontrou a anfitriã do cômodo.

Os olhos estavam recheados de remela e um bocejo delongado se seguiu, tampado pela pequena mão à frente da boca.

Seu cabelo era tão grande que quase alcançava as pernas — ainda que sua estatura não fosse das maiores.

As pontas cacheadas se destacavam, todas variadas aos extremos curvilíneos de uma bagunça que, unida aos demais detalhes, anunciava seu recém-despertar.

— Bom dia, princesinha — saudou a menina que, num primeiro instante, sequer a reconheceu.

Bumdinha... — Entoou outro bocejo e, só então, arregalou os marejados olhinhos azuis. — Irmãzona...

Ao exprimir um genuíno contentamento em ver a mais velha, a criança forçou o primeiro sorriso daquela manhã.

A deusa devolveu na mesma moeda, mas logo se apressou a fitar a passagem entreaberta do próximo cômodo.

— Seu irmão ainda está dormindo?

— Está. Mas eu avisei ele, como você me pediu...

— Eu sei disto, minha querida. Pode deixar que tomarei partido de vosso despertar, está bem?

Levou a palma destra à cabeça da menina, mas rapidamente brecou o deslocamento. Numa rápida mudança, tocou o ombro arriado dela.

As sobrancelhas arriaram no mesmo ritmo, embora o mantimento do sorriso escondesse sua leve alteração emocional.

Nada obstante, a deusa ultrapassou a presença da pequena e dirigiu-se à porta de madeira que separava o curto corredor do recinto pessoal.

Encarou pela fresta e, ao virar o rosto até a irmãzinha — que se sentava no grande sofá —, tomou a liberdade de adentrar a região clareada.

— Aqui vamos nós — expressou para si.

Esse era seu mantra pessoal. O fazia sempre que possível e agora não seria diferente.

Tomou toda firmeza necessária para empurrar a abertura e ser bem recebida pela luz que vinha do destino.

 

Opa, tudo bem? Muito obrigado por dar uma chance a Epopeia do Fim, espero que curta a leitura e a história! 

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