Volume 2
Capítulo 33: Alta Magia
O teto era uma página em branco onde Icarus escrevia seu inventário de fracassos. Cada rachadura no reboco se tornava uma linha no caderno de débitos. Cada mancha de umidade, uma entrada contábil de todas as vezes que sua presença não mudara nada. O colchão apertava as costas não como suporte, mas como interrogatório — “ainda aqui? ainda imóvel?”
“Não consigo dormir… não lembro nem quando consegui dormir de forma digna.”
O pensamento veio quieto mas insistente, água infiltrando pedra. Ficar deitado era admitir algo que ele não queria nomear. Era aceitar que o corpo só servia para ocupar espaço. Que, se algo acontecesse naquele exato momento, ele seria o que sempre fora: audiência da própria vida.
Levantou-se. Vestiu a camisa que pendia na cadeira, dedos tropeçando nos botões como se tivessem esquecido sua função. Pela janela estreita, Nepau exalava seu perfume noturno — sal podre, urina fermentada e aquele cheiro adocicado de pecado. A cidade respirava como animal doente: ofegante, irregular, mas teimosamente viva.
Desceu.
Cada degrau era uma batalha contra a própria mente.
“Não aguento mais ficar parado. Não aguento mais pensar. Não aguento mais ser eu.”
A taverna O Último Porto estava naquela quietude errada que vem depois que os últimos bêbados cambaleiam para fora, mas antes que o silêncio se sinta seguro. Carbara estava atrás do bar, pano em movimento circular automático sobre um copo que já estava limpo há três passadas. Ela ergueu os olhos.
Não disse nada.
Não precisava. Aquele olhar que ela tinha — não julgamento, mas reconhecimento — era pior que pergunta. Como se olhasse através da pele e visse não quem ele era, mas o esqueleto do que se tornaria.
— Não consegue dormir?
— Não vale o esforço.
Carbara assentiu, um movimento tão pequeno que mal qualificava como resposta.
— Quando subir, tranca o bar. Aquele filho da puta que tentou arrombar semana passada soltou as fechaduras.
— Vou trancar agora. — Icarus pegou o molho de chaves. — Pra não esquecer.
Ela o observou. Algo atravessou seu rosto — não preocupação exatamente. Curiosidade clínica, talvez. Como médico olhando para paciente terminal e pensando quanto tempo resta. Depois subiu, e os degraus rangeram sua despedida.
Icarus foi até a porta.
Três fechaduras. Ferro velho, ferrugem jovem, e aquele som satisfatório de metal encontrando metal. “Clac. Clac. Clac.”
Virou-se.
O bar vazio o encarava de volta.
E então a memória veio.
Não como lembrança comum — aquelas que chegam gradual, que você pode escolher examinar ou empurrar de volta. Veio como mão agarrando garganta. Total. Inescapável.
O homem na viela.
Mas não sobre o homem. Dentro da cena. Revivendo.
O cheiro chegou primeiro. Sempre o cheiro. Suor azedo misturado com álcool barato que o corpo não metabolizara direito. Hálito de dentes podres. E, embaixo de tudo, aquele perfume que só existia para narinas não-humanas: sangue quente bombeando sob pele fina demais para ser barreira real.
Icarus sentiu as presas alongarem. Não doeu. Deveria doer? Algo se rompendo nas gengivas, osso se estendendo além de sua forma natural. Mas só houve pressão, e depois alívio — como articulação deslocada voltando ao lugar.
O homem cambaleou. Disse algo. Palavras não importavam. Eram apenas som ocupando espaço entre pulso e consumo.
Icarus mordeu.
A resistência inicial da pele. Couro fresco sob dentes. Depois a rendição — tecido se abrindo, músculos se separando como cortina de veludo se dividindo. Sangue jorrando, quente demais para ser líquido, quente demais para ser real.
E o gosto.
“Porra.”
Icarus se apoiou no balcão. A memória não se contentava em ser assistida. Exigia participação. Sua boca salivava agora, língua pressionando contra dentes que não eram afiados o suficiente. A temperatura corporal subia, depois caía, depois subia novamente — corpo confuso entre humano e outra coisa.
Na memória, ele sugou. Não bebeu. Não se alimentou. Sugou. Como se tentasse puxar a vida do homem através de buraco pequeno demais. Como se quisesse todo ele de uma vez só.
O corpo em seus braços amoleceu. Músicos reconhecem quando instrumento desafina. Soldados sabem quando arma trava. Icarus soube, com clareza cristalina, o exato segundo em que o homem deixou de ser pessoa e virou saco de carne contendo líquido precioso.
E não parou.
Bebeu até restar só casca. Até os lábios sugarem ar junto com as últimas gotas. Até o corpo em seus braços pesar menos que vergonha deveria pesar.
Força inundara suas veias. Não gradual — explosiva. Cada célula gritando finalmente, finalmente, FINALMENTE. Músculos respondendo instantâneo. Sentidos tão aguçados que podia ouvir ratos nos esgotos três ruas abaixo. Podia sentir o cheiro de cada pessoa dormindo em cada quarto ao redor da viela.
Poder.
Real. Tangível. Inegável.
E absolutamente, perfeitamente bom.
Icarus abriu os olhos. Estava respirando pesado. Mãos agarradas na beirada do balcão com força suficiente para rachar madeira. Veias escuras serpenteavam sob a pele pálida dos antebraços — não estavam lá antes, estavam?
O bar estava silencioso.
— Vampiros são criaturas nojentas mesmo.
O coração não parou. Pior. Acelerou violento, depois tropeçou em seu próprio ritmo, depois reiniciou errado. Arritmia de pânico puro.
Icarus girou.
O velho estava sentado.
Não “estava sentando”. Não “tinha sentado”. Estava “estado sentado”, como se a realidade tivesse se reorganizado para incluí-lo retroativamente. Mesa no canto. Mãos entrelaçadas. Imóvel.
“Como?”
Icarus olhou para a porta. Trancada. Três fechaduras. Ele mesmo virara as chaves. Olhou para as janelas — fechadas, sempre fechadas depois da última rodada. Não havia entrada pelos fundos. Não havia alçapão. Não havia como.
E ainda assim.
O velho era pequeno. Isso foi a primeira coisa que Icarus registrou, porque foi a coisa mais errada. Pessoas pequenas não preenchem quartos. Mas o bar parecia ter encolhido ao redor dele, como se sua presença comprimisse o espaço disponível. Cabelos brancos caíam sobre ombros curvados — mas a curvatura não era idade. Era escolha. Postura de alguém que carrega peso invisível e se acostumou ao fardo.
Roupas simples. Gastas. Quase monásticas em sua recusa de ornamento.
Mas eram os olhos.
Dourados.
Não castanho claro sob luz favorável. Não âmbar. “Dourados”. Como se alguém tivesse derretido moedas antigas e as despejado nas órbitas. Como se conhecimento queimasse e essa fosse a cor da chama.
E eles estavam dissecando Icarus com precisão cirúrgica.
— O que você é? — A voz saiu áspera, língua ainda lembrando o gosto que não estava realmente lá.
O velho inclinou a cabeça. Movimento aviário. Estudando inseto interessante.
— Pergunta gramaticalmente apropriada, mas filosoficamente pobre. Você busca categoria quando deveria buscar essência.
— Como você entrou?
— Atravessei a soleira. — Pausa. Não para dramaticidade. Para deixar Icarus processar a implicação. — Portas são acordos coletivos, sabia? Sociedade concorda que madeira organizada assim significa “não entre”. Mas madeira não tem consciência. Não “sabe” que deveria me parar. — Os dedos entrelaçados se moveram milímetros. — E acordos coletivos não me vinculam.
Icarus sentiu algo gelado rastejar pela espinha. Não medo exatamente. Reconhecimento. Como ouvir uma verdade que você sempre soube, mas nunca admitiu.
— Vou perguntar diferente. — Forçou firmeza. — O que você é?
— Ah. Persistência. — O velho sorriu. Não foi expressão reconfortante. Foi matemática. — Sou um profano.
A palavra não pousou. Não desceu suavemente. “Fincou”, como farpado enterrando em carne.
Profano.
Usuário de Alta Magia. Herege. Aqueles que traficavam com deuses. Histórias sussurradas por todo o império. Advertências de Smael. No Império de Noctus — caçados. Executados sem julgamento. Ameaça existencial. Poder que vampiros não podiam controlar, e o Império só entendia controle.
— Saia. — Mas havia rachadura sob a ordem. Fissura fina deixando escapar algo que poderia ser medo ou poderia ser curiosidade. — Agora.
— Ou? — O velho não se moveu. Sequer piscou. — Vai me expulsar como? Com força que não tem? Com poder que te abandona a cada segundo? Com aquele fiapo de dignidade que se segura mesmo depois de beber homem até secar?
Cada palavra era dedo pressionando contra a ferida que estava aberta.
“Como ele sabe?”
— Seu rosto grita, Icarus Karlai. — O velho ainda não se movera. Mas parecia mais próximo. Talvez o espaço entre eles tivesse encolhido. Talvez a percepção de Icarus estivesse falhando. — Cada pensamento que cruza suas feições. Cada tensão muscular contando história completa. Cada aceleração cardíaca revelando qual nervo acabei de tocar. Você não é livro fechado. É página aberta com letras grandes.
— Eu sei o que vocês são. — Icarus deu um passo para trás. Depois percebeu que dera um passo para trás, e odiou-se por isso. — Monstros. Vendem alma para deuses famintos. O Império tem razão—
— O Império. — A interrupção foi suave, mas absoluta. Como guilhotina descendo devagar. — Essa máquina gloriosa de moer gente que constrói montanhas de ossos e as chama de civilização. Esse parâmetro de moralidade que massacra filhos cujo sangue nasceu misturado. — Pausa. — Me fala, Icarus: quando foi a última vez que o Império teve razão sobre alguma coisa que importasse pra você?
Silêncio.
— Profanos são amaldiçoados. — Mas a voz saía menos convicta. — Perdem humanidade. Transformam em—
— Em quê? — O velho se levantou. Um movimento. Mas de alguma forma pareceu cruzar metade da sala. Ou a sala encolhera. Ou distância era sugestão, e ele a ignorava. — Monstro? Como você? Assassino? Como você? Criatura que não se encaixa em nenhuma categoria que deuses ou mortais prepararam? — Os olhos dourados queimavam agora. Não metaforicamente. Havia luz neles que não vinha de reflexo. — Você projeta sua própria transformação em mim e chama de condenação.
— Não é a mesma coisa—
— Não. — Concordância que soava como discordância. — É pior. Você não escolheu. Eu, sim. — Ele cheirava a algo específico agora que estava mais próximo. Não suor. Não perfume. Pergaminho muito velho queimando devagar. Cobre oxidado. E embaixo, quase imperceptível — ozônio, como ar depois de relâmpago. — Você é condenado por nascimento. Eu sou condenado por ambição. Uma dessas condenações tem dignidade.
Icarus quis responder. Quis gritar que era diferente. Que lutava. Que resistia.
As palavras morreram como o homem na viela.
— O Império caça profanos. — O velho começou a circular. Não andar — deslizar. Pés tocando chão mas sem transferência de peso. — Você realmente acredita que é moralidade? Proteção dos fracos? — Risada curta, seca, como graveto quebrando. — É terror. Medo primordial de poder que não podem confiscar através de violência. Vampiros são força tangível. Garras. Presas. Velocidade. Tudo mensurável. Tudo que pode ser dominado através de hierarquia e brutalidade suficiente.
Ele parou atrás de Icarus. Não tocou. Não precisou. A presença era toque.
— Mas Alta Magia? — Sussurro agora. Não mais suave — mais penetrante. — É arquitetura. Compreensão. Vontade forjada em forma. Não pode ser arrancada com unhas. Não pode ser herdada através de sangue mais puro. — Pausa medida. — E isso? Isso aterroriza quem construiu impérios sobre fundação de que dentes grandes são argumento final.
Icarus girou. O velho estava mais longe do que a voz sugerira. De volta à mesa. Sentado novamente. Quando se movera?
— Então vocês são melhores? Iluminados acima de todos?
— Não. — Sem hesitação. Quase como alívio. — Somos condenados com estilo. — Os dedos entrelaçados novamente. Ritual. — Cada vez que profano usa poder divino, troca pedaços de si. Não metáfora. Literal. Memórias substituídas. Prioridades reescritas. Percepção de mundo filtrada através de lente cada vez menos humana. — Ele inclinou a cabeça para o outro lado. — Não perdemos humanidade de uma vez. Seria misericordioso. Perdemos gradual. Célula por célula. Pensamento por pensamento. Acordamos um dia e não reconhecemos mais a pessoa no espelho. Mas lembramos que um dia fomos aquela pessoa. E continuamos mesmo assim.
— Por quê?
— Porque alguns de nós preferem escolher nossa destruição. — Simples. Direto. Verdade nua. — Porque condenação com agência é mais digna que salvação através de obediência. — Os olhos dourados fixaram nos vermelhos. — E você, Icarus Karlai, não tem luxo de nenhuma das duas.
A frase perfurou mais fundo que presas perfuraram aquele pescoço.
— Vampiros puros não podem usar Alta Magia. — O velho continuou, mas sua voz mudava agora. Múltiplas tonalidades. Como se várias pessoas falassem através de mesma boca. — Sangue vampírico rejeita divindade. Não por escolha — por natureza. Como óleo repele água. Se vampiro puro tenta se conectar com deus, o corpo entra em guerra consigo mesmo. Células vampíricas tentando expelir a bênção divina. — Ele estalou os dedos.
O som não deveria ter efeito físico.
Mas Icarus sentiu. Onda de pressão. Não no ar — atrás dos olhos. Dentro do crânio. Como se algo tivesse pressionado diretamente contra massa cerebral.
— Combustão espontânea. — Outro estalo. Mais pressão.
— Necrose que come carne em segundos. — Estalo. Pressão.
— Loucura instantânea quando mente não aguenta contradição existencial. — Estalo final.
Icarus cambaleou. Nariz sangrando.
— Morte garantida. — O velho abaixou a mão. — Sem exceção conhecida. Mas você… — Ele sorriu. Não foi expressão feliz. Foi reconhecimento de piada cruel. — Você não é puro. Metade humano. Metade vampiro. Campo de batalha vivo onde dois tipos de sangue lutam por domínio. Guerra civil celular. — Pausa. — E guerra? Guerra produz inovação interessante.
— O que… — Icarus limpou sangue do lábio superior. Gosto de cobre. Familiar. Reconfortante de forma doentia. — O que você quer?
— Eu? — Pocktus — porque tinha que ser Pocktus, tinha que ter nome, tinha que ser real — se levantou. — Nada. Ainda. — Caminhou em direção à porta. — Mas você quer algo. Quer força. Não poder vago. Não promessa etérea de “talvez um dia”. Força tangível. Real. Que faça diferença quando mãos apertam sua garganta e você não pode apenas assistir. — Ele parou, mão levantada em direção à madeira trancada. — Todos mentem quando dizem que profanos são fracos. Mentem quando dizem que somos escravos de deuses. Verdade? — Virou a cabeça, não o corpo. Ângulo errado. Pescoço virando graus demais. — Profanos assustam porque provamos que mortais podem escrever próprias regras. Que força vem de escolha consciente. Que preço pago voluntariamente compra mais que herança roubada através de violência.
— E o preço?
— Você. — Simples. Final. — Não sua vida. Sua forma. Cada uso de Alta Magia troca pedaços de identidade por pedaços de algo maior. — Ele encarou Icarus completamente agora, corpo finalmente acompanhando cabeça em ângulo impossível. — Mas me diga: quando você não sabe quem é, o que exatamente perderia?
Silêncio tão denso que tinha textura.
— Meu nome é Pocktus. Apóstolo de Salomã. O Arquivista Eterno. — Sua mão tocou a porta.
Não empurrou. Não destrancou.
Afundou “através”.
Dedos se tornando translúcidos. Depois pulso. Depois braço. Não desaparecendo — sendo “reinterpretado”. Como se porta fosse apenas opinião, e ele discordasse.
Icarus viu madeira e carne ocuparem o mesmo espaço por um segundo inteiro. Viu grãos da madeira passarem através dos ossos de Pocktus como se ambos fossem igualmente sólidos e igualmente ilusórios.
Depois ele foi embora.
Não saiu. Cessou de estar ali.
Icarus ficou parado. Nariz ainda sangrando. Mãos tremendo não de medo, mas de algo pior — antecipação. O bar cheirava a álcool velho. Madeira podre. Esperança morta.
E agora, embaixo de tudo: pergaminho queimado e cobre oxidado.
“Com que força?”
A pergunta ecoava onde Pocktus estivera.
Icarus olhou para as mãos. Pálidas. Tremendo.
Mãos fracas.
Mas talvez não para sempre.
Sentiu um leve vento que parecia guiá-lo a olhar para a mesa ao lado.
Havia uma carta na mesa.
Sem envelope. Sem selo. Apenas papel amarelado como pergaminho velho.
A caligrafia era precisa demais. Cada letra formada com exatidão geométrica:
“Conhecimento é fome que se alimenta de si mesma.
Coloque isto sob o travesseiro.
Descubra se sua sede supera seu medo.”
Após a leitura, guardou a carta no bolso e foi em direção às escadas.
“Depois de tudo que vi hoje, acho difícil algo me surpreender mais.”
Subiu devagar. Pernas pesadas como se tivesse atravessado quilômetros. Cada degrau rangia sua acusação. O corredor estava escuro, apenas a fresta de luz da lua entrando pela janela no final do corredor.
Liam estava encostado na porta do quarto dele.
Pé esquerdo apoiado na parede, braços cruzados, olhos fixos. Não surpresa no rosto. Apenas reconhecimento. Como se estivesse ali há tempo suficiente para o corpo esfriar contra a madeira.
Icarus parou três passos antes de chegar.
— Você escutou.
Não foi pergunta. Mas Liam respondeu mesmo assim.
— Escutei.
O silêncio se esticou entre eles. Não confortável. Não hostil. Apenas denso.
— Lucan pediu. — Liam não se moveu da posição. — Toda vez que você levanta de noite, alguém fica de olho. Pra não acontecer de novo.
“De novo.” As palavras pesavam. O homem na viela. O sangue. A forma como Icarus subira aquela escada semanas atrás com força nova nas veias e culpa nova no peito.
— Você tem nojo de mim?
A pergunta saiu antes que pudesse ser filtrada. Crua. Desesperada.
Liam finalmente se mexeu. Deixou o pé deslizar da parede até o chão. Descruzou os braços. Mas não se aproximou. Apenas ficou mais ereto, ombros caindo em postura que não era defesa nem ataque. Apenas presença.
— Eu não tenho que achar nada. — A voz era aquela neutralidade veterana. Sem julgamento porque julgamento era luxo que soldado não podia pagar. — Você é o que é. Faz o que faz. Não me compete ter nojo.
Icarus sentiu algo se apertar no peito. Não alívio. Algo próximo de reconhecimento. Liam não estava absolvendo. Estava apenas… não condenando.
— Mas sobre aquela conversa com o profano. — Liam inclinou a cabeça levemente. — Se você realmente quer abandonar o lado vampírico… pode ser caminho válido.
“Pode ser.”
— Mas? — Porque sempre havia um mas.
— Mas pode ser que você se destrua no processo. — Liam encolheu os ombros. Gesto pequeno mas carregado. — Alta Magia não é salvação. É substituição. Você troca um tipo de monstro por outro. — Pausa. — Pelo menos é o que Lucan diz. E ele estudou essas merdas mais que eu.
Icarus assentiu devagar. Absorvendo não apenas as palavras, mas o que estava embaixo delas. Liam não estava dizendo pra não fazer. Não estava dizendo pra fazer. Estava dizendo: “essa escolha é sua, e vai doer de qualquer jeito”.
— Vou dormir agora. — Liam deu dois passos pelo corredor em direção ao próprio quarto. Parou. Não virou. — Mas, Icarus?
— Sim?
— Se decidir seguir esse caminho… avisa a gente antes. — Virou a cabeça só o suficiente para o perfil ficar visível. — Porque, se você começar a virar coisa que a gente não reconhece mais, não terei piedade nenhuma.
Não foi ameaça. Foi pragmatismo. E, de certa forma, foi cuidado.
Liam entrou no quarto. A porta fechou suave, mas definitivamente.
Icarus ficou sozinho no corredor.
Entrou no próprio quarto. O teto era o mesmo. As rachaduras não haviam mudado.
Mas algo dentro dele tinha mudado.
E o que mudou… só aquela carta responderia.
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