Volume 1: O Caminhar
Capítulo 9: Fuga
Seguiram por corredores cada vez mais estreitos, onde a luz se tornava cada vez mais fraca. O silêncio era tão denso que apenas o som de suas respirações e os passos cautelosos eram o suficiente para parecer um escândalo.
Ao virarem uma esquina, depararam-se com uma grande escadaria de pedra que se desdobrava diante deles, mergulhando na escuridão. No entanto, uma parte considerável dos degraus havia desabado, transformando o que deveria ser uma simples descida em um abismo traiçoeiro que cortava o caminho.
Icarus se aproximou da borda, tentando ver o fundo daquele buraco escuro. A luz das tochas mal iluminava a distância, fazendo parecer que o abismo não tinha fim.
— Ótimo. E agora? — murmurou, sentindo o coração acelerar.
Lucan analisou o entorno com olhos atentos, explorando cada centímetro das paredes e do teto ao redor. Finalmente, seu olhar se fixou em algo acima deles.
— Hmmm... não é a primeira vez que me deparo com algo assim — disse ele, apontando para as vigas de madeira que atravessavam a parede à direita, parcialmente ocultas nas sombras.
Icarus franziu a testa ao ver as vigas. Estavam velhas, apodrecidas pelo tempo e pela umidade. Elas se projetavam da parede como ossos quebrados, ameaçando desabar a qualquer momento.
— Você está falando sério? Quer que a gente atravesse por aí?
Lucan deu um meio sorriso, aquele típico sorriso cínico que Icarus começava a odiar.
— A menos que você prefira pular e testar o fundo desse buraco.
Icarus suspirou profundamente, cruzando os braços.
— E se essas vigas cederem?
Lucan deu de ombros, lançando-lhe um olhar que parecia dizer "não temos escolha". Sem esperar por mais protestos, ele se aproximou da primeira viga e deu um puxão firme para testar sua resistência. A madeira rangeu, mas pareceu suportar seu peso.
— Só há um jeito de descobrir. — Com um impulso ágil, Lucan se agarrou à viga, usando uma pequena saliência na parede como apoio para os pés. Seu corpo se movia com precisão, como se estivesse acostumado a tais situações.
Icarus assistia, a boca seca. Lucan se movia como um felino, os músculos tensos enquanto se equilibrava sobre a viga estreita.
— Venha, garoto. Um pé de cada vez, e mantenha o olhar à frente — disse Lucan, sua voz firme, mas com um leve tom de encorajamento.
Icarus olhou para o abismo mais uma vez e sentiu um frio na barriga. Mas não havia alternativa. Tentando ignorar a vertigem, ele segurou a viga com as duas mãos e se forçou a seguir Lucan.
O ar estava gélido e úmido, as pedras cobertas de musgo, tornando tudo mais traiçoeiro. Cada passo fazia a madeira ranger sob seus pés. A sensação de que a qualquer momento ele poderia despencar no vazio era paralisante.
Metade do caminho havia passado quando o pé de Icarus escorregou, fazendo seu corpo pender para o lado. O coração dele disparou, e ele soltou um grito abafado enquanto seus dedos se agarravam desesperadamente à viga. Lucan virou-se rápido, estendendo a mão.
— Segure firme! — Lucan agarrou o pulso de Icarus com força. O garoto sentiu seus dedos deslizarem, mas Lucan o puxou de volta com um puxão brusco.
Icarus respirou pesadamente, o coração martelando em seus ouvidos. Ele mal conseguia acreditar que ainda estava vivo.
— Se vai desmaiar, espera a gente chegar do outro lado, ok? — provocou Lucan, embora seus olhos estivessem sérios.
Icarus deu um suspiro trêmulo, tentando recuperar o equilíbrio. Depois de mais alguns passos cautelosos, finalmente chegaram à outra borda. Lucan pulou para a segunda parte da escada e ajudou Icarus a fazer o mesmo.
O jovem encostou-se na parede fria, o peito subindo e descendo rapidamente.
— Nunca mais faço isso... — murmurou ele, quase sem fôlego.
Lucan sorriu de canto.
— Não se preocupe, garoto. Daqui para a frente, só precisamos nos preocupar com os guardas que querem arrancar nossas cabeças. Muito mais fácil, não acha?
— Sinceramente? Prefiro voltar para as vigas...
De repente, um grito abafado ecoou dos corredores que haviam acabado de cruzar.
— Dois prisioneiros escaparam! Chamem o Nortumbrius, rápido!
— Acho que estou começando a concordar com você, garoto...
Icarus olhou para cima arregalando os olhos.
— E agora?!
Lucan olhando para cima junto de Icarus.
— Bom... agora a gente corre.
Os dois desceram com a maior velocidade que conseguiam chegando a um túnel.
— Estou ouvindo bem menos os guardas agora. Vamos Icarus.
Enquanto Lucan e Icarus desapareciam nas entranhas escuras do túnel, na masmorra de onde haviam escapado, Nortumbrius já havia chegado após o alerta dos guardas.
O ambiente da masmorra estava ainda mais opressivo do que antes. O cheiro de suor, fezes e sangue impregnava o ar, tornando cada respiração uma tortura. Nortumbrius, uma figura imponente em sua armadura prateada, entrou no corredor escuro, seguido de perto por Rash, seu tenente de confiança.
Nortumbrius atravessou o corredor com passos firmes, seu olhar afiado percorrendo as celas em busca de respostas. Ao ver a cela onde Lucan estivera aprisionado vazia, ele sentiu um nó de raiva apertar seu peito.
Os olhos de Nortumbrius se estreitaram ao avistar a cela de Icarus. Manchas de sangue fresco ainda tingiam o chão de pedra, um corpo de um guarda estirado ao lado, a garganta rasgada. Nortumbrius sentiu o sangue ferver em suas veias.
— Que porra! — Não só um, mas dois dos prisioneiros mais valiosos escaparam. Como isso aconteceu?!
Ele virou-se rapidamente para Rash, os olhos cheios de suspeita, mas Rash manteve uma expressão serena e fria.
— Onde eles foram?! — a voz de Nortumbrius ecoou como um trovão, fazendo até mesmo os prisioneiros mais endurecidos se encolherem em suas celas.
Os prisioneiros recuaram para as sombras, como ratos assustados, preferindo o silêncio ao risco de atrair a ira do capitão. Apenas o som abafado de respirações trêmulas e correntes se arrastando pelo chão podia ser ouvido.
Mas um prisioneiro, o mesmo que havia tentado agarrar Icarus momentos antes, ousou se aproximar das grades. Seus olhos selvagens e desesperados se fixaram em Nortumbrius, e ele sussurrou roucamente:
— Capitão! Eu vi para onde eles foram! — Os dedos magros e sujos se esticaram entre as barras, implorando por atenção.
Nortumbrius se virou para ele, seus olhos brilhando um vermelho profundo.
— Fale.
O homem apontou para um corredor à direita, onde a escuridão parecia engolir qualquer traço de luz.
Por algum motivo após Nortumbrius virar e andar até a direção que apontará ele estreitou os olhos, seu olhar caiu sobre Rash. Uma lembrança inquietante o atingiu: ele se lembrou que fora Rash quem falou com Icarus antes da confusão.
O prisioneiro estendeu a mão novamente, tentando atrair mais uma vez a atenção do capitão. No entanto, num movimento rápido como um raio, Rash sacou sua lâmina. Com um corte preciso, ele decepou a mão do prisioneiro. O grito de dor foi ensurdecedor, ecoando pelas paredes de pedra como o lamento de uma alma condenada.
— O que diabos foi isso?! — Nortumbrius virou-se, sua voz um misto de surpresa e raiva, enquanto olhava para Rash com desconfiança.
Rash manteve a compostura, limpando a lâmina ensanguentada com um pano que puxou de seu cinto. Seus olhos frios encontraram os de Nortumbrius.
— Um verme insolente tentou tocar em você de forma ameaçadora, Capitão — respondeu Rash com voz firme, seu tom quase desdenhoso. — Não tolero ameaças ao meu superior.
Nortumbrius observou Rash por um longo momento, seu olhar perfurando o subordinado como se pudesse enxergar suas intenções mais ocultas. Mas então ele somente desviou o olhar, voltando sua atenção para o corredor indicado.
— Há coisas mais importantes a lidar agora — resmungou, começando a marchar em direção à escuridão.
Assim que Nortumbrius se afastou, Rash se abaixou ao lado do prisioneiro mutilado, que choramingava de dor, agarrando o coto ensanguentado onde antes estava sua mão.
— Preste atenção... — Rash sussurrou, sua voz baixa e ameaçadora ao aproximar seus lábios do ouvido do homem. — Se tentar abrir essa boca imunda de novo, não será apenas a mão que vou cortar. Nem a cabeça. Eu vou arrancar de você cada pedacinho de esperança, e vou garantir que você implore pela morte antes do fim.
Após essas palavras o prisioneiro perdeu o brilho dos olhos e foi para o fundo da cela. Rash se levantou tranquilamente sorrindo e foi até Nortumbrius.
Eles avançaram em silêncio até chegarem à escada que terminava abruptamente em um abismo escuro. Rash aproximou-se da borda, inclinando-se para tentar enxergar o fundo, mas só havia uma escuridão sem fim.
— Pular daqui seria suicídio — murmurou Rash, franzindo a testa.
Nortumbrius, com seu olhar afiado, analisou o ambiente. Notou vigas de madeira inclinadas e tortas, algumas ainda balançando levemente como se tivessem suportado peso recentemente.
— Não, eles não pularam, Rash — disse Nortumbrius, apontando para as vigas desgastadas. — Usaram essas vigas para atravessar.
Rash apertou os olhos, ponderando a situação. — Lucan está com ele. Isso explica como passaram por aqui... Aposto que ele usou aqueles mapas antigos que a Ordem da Prata guarda. — Rash fez uma pausa, acrescentando com um toque de cinismo: — Estamos falando do líder da Ordem, afinal.
Nortumbrius soltou um suspiro exasperado. — Falarei com Seraphine, ela saberá o que fazer.